vestido de noiva CERTIDÃO DE NASCIMENTO |
Um vestido, uma história
Montagem de Vestido de Noiva pelo grupo paulistano Os Satyros, no Itaú Cultural, em 2008
Marco da dramaturgia nacional, Vestido de Noiva é obra maior de Nelson
TEXTO micheliny verunschk
FOTOS cia de foto
Rodrigues, cujo centenário de nascimento é comemorado neste ano
Conta o livro do gênesis que Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo, vendo que sua criação era perfeita, descansou. Há 69 anos, em seis dias de trabalho frenético, Nelson Rodrigues escreveu Vestido de Noiva e com ele criava uma vertente moderna do teatro nacional. Ao sétimo dia, sem pensar em descanso, revisou o texto. Até então as artes cênicas no Brasil se equilibravam entre dois palcos: em um, copiava-se o modelo europeu; no outro, encenavam-se as chanchadas, que raramente ficavam em cartaz por mais de uma semana. Sem autores, diretores – apenas ensaiadores – ou companhias interessadas em uma forma própria de encenar, o teatro no país ainda não havia sido verdadeiramente inaugurado. O ano era 1943. A Segunda Guerra Mundial não dava sinais de um final próximo. O século XX se maravilhava com as conquistas técnicas e com as investigações de Freud, no século anterior, a respeito da psique. Nas páginas das revistas de época a publicidade era taxativa em seus slogans impiedosos: “Mulher geniosa, lar infeliz... Pode ser a consequência de um esgotamento nervoso”. O jornalista pernambucano Nelson Rodrigues, com os bolsos pesando em dívidas e uma família para sustentar, dois anos antes se lançara a escrever peças de teatro. Seu trabalho de estreia, A Mulher sem Pecado, embora tivesse angariado alguma simpatia do poeta Manuel Bandeira e do crítico Álvaro Lins, teve uma encenação acanhada e uma recepção pouco entusiasmada por parte do público. Sem se dar por vencido, o jovem autor, com 31 anos à época, saiu com pilhas de cópias de Vestido de Noiva debaixo do braço para bater à porta de críticos, jornalistas e todos que pudessem falar sobre sua peça, publicar uma nota, um texto elogioso. Quem leu se impressionou: estava diante de algo fabuloso, uma peça revolucionária e, talvez por isso mesmo, impossível de ser produzida. Se a história fosse outra, é provável que Vestido de Noiva tivesse permanecido inédita, engavetada. No entanto, a vida de Nelson cruzou com a de um judeu maluco o suficiente para não apenas acreditar que uma peça de teatro de autor brasileiro era possível como também para arrancá-la do papel. O ator e diretor teatral polonês Zbigniew Marian Ziembinski, ao fugir do nazismo e, de passagem pelo Rio de Janeiro em direção a Nova York, recebeu em mãos uma das cópias. Sua ousadia ao dirigir o espetáculo ajudou a formar a base do teatro brasileiro moderno.
rar como o marco zero do teatro nacional, porém, é sua composição estruturada em três diferentes planos narrativos: realidade, memória e alucinação. Sem se referir nominalmente às três estruturas da psique – ego, id e superego –, o autor construiu um quebra-cabeça tenso e fragmentário que exige do espectador uma leitura não linear de personagens e situações. O drama se inicia com o atropelamento de Alaíde, e é nos planos da memória e da alucinação da protagonista que os fatos se desenrolam e surgem as outras personagens. Ela é levada ao hospital e, durante as tentativas de ressuscitação, vai recompondo delirantemente sua história. Assim, surgem Pedro, a Mulher de Véu, que mais tarde se saberá ser Lúcia, e a misteriosa Madame Clessi, uma prostituta de fins do século XIX, assassinada na casa em que a tortuosa família morava e que, a partir da descoberta de um diário que lhe pertenceu, passa a ser confidente do delírio de Alaíde. Esse núcleo central de personagens, juntamente com os pais das moças, só existe na perspectiva de Alaíde à beira da morte, que tenta desesperadamente relembrar a história recente de sua vida. Exteriores a ela, estão os jornalistas e jornaleiros que anunciam tanto sua morte quanto a cena final, na qual se concretiza o casamento de Lúcia e Pedro. A Homenagem
Ao misturar recursos, gêneros e a prosaica linguagem de rua carioca, Vestido de Noiva foi um estrondoso sucesso de crítica e de público. Produzida por Thomaz Santa Rosa, cantor lírico e poeta, por Ziembinski e pela companhia amadora Os Comediantes, a peça estreou em 28 de dezembro de 1943, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para um público de mais de 2 mil pessoas. O impacto do texto e da montagem foi tamanho que só 32 anos depois, em artigo de 1975, o crítico Alfredo Mesquita, fundador da Escola de Arte Dramática, dava conta de explicar o evento: “a meu ver Vestido de Noiva marcará, de fato, uma data no teatro nacional. Não conheço entre nós peça que de longe possamos comparar a essa. Talvez venha a ser o marco inicial do nosso teatro”. Nelson Rodrigues tinha pouco mais de 30 anos quando fez história na dramaturgia nacional e agora, em 2012, completaria cem anos. Em comemoração da data, o Itaú Cultural estreia, no mês de junho, a 13ª montagem do programa Ocupação tendo-o como tema. Em uma formação quase sensorial, a mostra traz o jornalista, escritor e dramaturgo em sua intimidade e resgata a vida, as referências, a forma de criar e as particularidades desse polêmico criador.
A História
O argumento de Vestido de Noiva é, em síntese, corriqueiro, até banal: uma mulher rouba o namorado da irmã e casa-se com ele. Lúcia, a personagem traída, jura vingança e em um mau momento do casamento se envolve com o cunhado Pedro, homem que disputara com a irmã. Juntos, eles tramam a morte da traidora Alaíde. Antes que consigam, Alaíde é atropelada e acaba morrendo, e os amantes enfim se casam. O que torna o drama digno de figu-
SERVIÇO
Ocupação Nelson Rodrigues 21 de junho a 29 de julho, de terça a sexta, das 9h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h, no Itaú Cultural, Avenida Paulista, 149, metrô Brigadeiro Visite o site do Ocupação: <itaucultural.org.br/ocupação>.