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uvenal de Hollanda Vasconcelos completou 67 anos de idade e 55 de carreira no começo de agosto em plena atividade profissional e satisfeito com sua trajetória. Ele mora numa casa confortável com a esposa, Patrícia, 47, e a filha, Luz Morena, 12, na zona norte do Recife, próximo ao humilde bairro onde nasceu, Sítio Novo, na periferia de Olinda. Leva consigo o apelido, Naná, que lhe assegura um local de destaque no panorama da música mundial: tocou e gravou com quem quis, pelos quatro cantos do mundo. Criou um estilo que nunca foi enquadrado precisamente em nenhum rótulo, mas virou referência no mundo do jazz e da música popular e contribuiu para a elaboração da expressão world music, que agora engloba muitas outras atitudes e posturas musicais e não lhe serve mais. Conta que a formação musical começou cedo com a família, em Sítio Novo, bairro mítico em suas lembranças. O pai, Pierre, tocava em conjuntos musicais e bandas. A mãe, Petronila, apresentava a ele e aos outros cinco irmãos a vida cultural do local. Tambores do candomblé, trovões dos maracatus, gritos de pregoeiros e berimbaus de capoeiras se misturaram às músicas que o pai ouvia. E não é a fusão antropofágica, de culturas digeridas, que ele ressalta como molde para sua arte. São outros princípios. No mais recente trabalho, Sinfonia & Batuques (Estúdio Carrancas, 2010), Naná escreve no encarte sobre um deles. A importância de ter uma ideia própria, alimentá-la e dar-lhe forma. Em sua fala, ressalta outro: a liberdade de experimentar, de acreditar, de tentar. Foi assim que chegou à sua música, aperfeiçoada com a soma de experiências, culturas e tempos, mas íntegra e similar, desde as primeiras gravações com Milton Nascimento, no início dos anos 1970, até hoje. E essa música ele chama de surrealista. É a chave para entender o que faz no palco e o que provoca com seus sons. “Música e imagem é a mesma coisa”, determina.
AOS 12 ANOS
O rapaz de Sítio Novo começou a tocar por insistência. Queria acompanhar o pai nos bailes e clubes noturnos e tanto fez que conseguiu. A família providenciou a permissão necessária para que, aos 12 anos, pudesse frequentar a noite. Ele não podia nem descer do palco, mas, acompanhando o pai nas apresentações, aprendeu sobre a vida.
Ao perder o pai, já tinha a música como sina e experiência. E o substituiu no trabalho de arquivista de uma banda marcial. Comprou escondido da família uma bateria e continuou a trajetória. Ouvia A Voz da América no rádio e imitava a bateria sofisticada, com compassos complexos, de seus ídolos do jazz. Na primeira chance, mostrou sua capacidade. Buscavam um baterista capaz de tocar no primeiro campeonato de bossa nova do Recife. Era um ritmo raro, 5/8, e ninguém sabia fazer. “Disse que era capaz e ainda podia solar. Toquei para eles verem e me aceitaram.” NO RIO DE JANEIRO
A história segue com encontros essenciais e representativos. Aos 23 anos, em 1967, conseguiu ir para o Rio de Janeiro, acompanhando Capiba e outros músicos. Decidiu permanecer na cidade, driblando a falta de dinheiro e estrutura. O amigo Geraldo Azevedo o apresentou a Milton Nascimento. Começava a primeira parceria fundamental. “Levava tudo comigo, o berimbau, o maracatu de seu Veludinho. Estava pronto e Milton, por necessidade, me deixou fazer aquilo. A música dele não era bossa nova. Ele precisava de outra coisa. Aí me mostrou ‘Pai Grande’ e eu fui construindo o cenário. Era um navio negreiro, mas no Rio Amazonas”, recorda. Seu Veludinho era o mestre de um maracatu de Sítio Novo. O irmão mais novo de Naná, Erasto Vasconcelos, também músico, gravou no disco Estrela Brilhante uma loa em homenagem a ele, “Pitu e Veludinho”. “Pai Grande” foi gravada e regravada por Milton e outros e é uma poesia sobre os antecedentes de Miltons e Nanás, negros escravos vindos da África. No disco Milton (Odeon, 1970), está o navio negreiro amazônico que Naná viu e construiu. A passagem pelo Rio de Janeiro permitiu outros encontros, como o que aconteceu com o saxofonista argentino Gato Barbiere, com quem Naná viajou para Nova York, dando início ao uso virtuoso do berimbau nas apresentações. DE NOVA YORK PARA O MUNDO
Naná seguiu pelos anos 1970 tocando e andando pelo mundo. Foi morar na Europa. Viajava constantemente para tocar. Voltou ao Brasil e colecionou outros feitos. Em 1972 gravou o primeiro disco, Africadeus. Na França, começou o trabalho com música e crianças. Alcançou grande prestígio com o premiado disco Dança das Cabeças, com Egberto Gismonti, e começou a tocar com
CONTINUUM
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Seu Pierre morreu cedo, ainda na adolescência do filho. A idade precisa Naná parece não fazer questão de saber. Age assim quando questionado sobre datas, e até mesmo
sobre a idade atual responde tergiversando. “Tenho 430 anos”, diz e gargalha. E amplia os sentidos da conversa.