Seletividade
Recursos & Receitas
INTRODUÇÃO
A seletividade alimentar é um desafio comum para crianças, adolescentes e adultos, sendo possível encontrá-la em muitos casos de pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Muitas vezes, estes indivíduos apresentam preferências restritas por certos alimentos, texturas, cores e seus pais relatam muitas preocupações relacionadas à alimentação dos filhos (as). Esses comportamentos podem afetar a qualidade nutricional e gerar preocupações funcionais para pais e terapeutas. Atualmente, muitos estudos têm sido realizados sobre esse tema, mas ainda não há uma definição única e/ou consenso sobre avaliações e intervenções para crianças com seletividade alimentar (KERZNER et al., 2015).
No DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição) (APA, 2022), a seletividade alimentar é apresentada como transtornos alimentares e são definidos como distúrbios caracterizados por padrões persistentes de comportamento alimentar prejudicial à saúde física e/ou a aspectos da funcionalidade psicossocial da pessoa.


Os principais transtornos alimentares descritos no DSM-5 incluem (APA, 2022):
Anorexia nervosa: restrição severa da ingestão alimentar levando a peso significativamente baixo, medo intenso de ganhar peso e distorção da percepção corporal.
Bulimia nervosa: episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos por comportamentos compensatórios inadequados (como vômito autoinduzido, uso de laxantes, exercícios excessivos).
Transtorno da compulsão alimentar: episódios recorrentes de ingestão excessiva de alimentos, acompanhados por sensação de perda de controle, mas sem comportamentos compensatórios.
Pica: ingestão persistente de substâncias não nutritivas e não alimentares.
Transtorno de ruminação: regurgitação repetida de alimentos, podendo ser remastigados, cuspidos ou reingeridos.
Transtorno Alimentar Restritivo e Evitativo (TARE): evitação de alimentos devido a desinteresse, sensibilidade sensorial ou medo de consequências adversas, resultando em desnutrição ou dificuldades funcionais. É caracterizado por uma alimentação extremamente seletiva ou pela evitação de certos alimentos, resultando em dificuldades nutricionais e impacto no crescimento, desenvolvimento da criança e impactos negativos nos aspectos emocionais, comportamentais e sociais.
Kerzner et al. (2015) apresentam uma classificação com 3 grupos de dificuldades alimentares, sendo: ‘Crianças com pouco
apetite’, ‘Crianças com ingestão seletiva’ e ‘Criança com medo de comer’. Para os autores, as crianças podem apresentar mais de uma dificuldade relacionada a sua alimentação, mas o mais importante é que as intervenções precisam ser analisadas e priorizadas. Os pais precisam de orientações coerentes e assertivas pensando nos ambientes primários, assim como os terapeutas devem escolher abordagens de avaliação e intervenção sistemáticas e capazes de intervir e orientar os pais.
A seletividade alimentar pode ter várias causas, desde genéticas à ambientais (LEMES et al., 2023), sendo apresentadas através dos: aspectos comportamentais, motricidades na mastigação, sensibilidade sensorial, sintomas gastrointestinais (prisão de ventre, refluxo e outros problemas digestivos), habilidades nas refeições (déficit na coordenação motora grossa e fina, equilíbrio, flexibilidade articular, postura, velocidade de movimento e habilidades sociais). Além disso, os aspectos cognitivos e dificuldade na comunicação podem influenciar na seletividade alimentar.

Algumas características encontradas no dia a dia de uma pessoa com seletividade alimentar serão citadas abaixo:
1. Sensibilidade sensorial: sensibilidade com cheiros, sabores, texturas, temperaturas, alimentos crocantes, pegajosos ou com misturas de texturas.
2. Preferências por cores e formatos: preferência por alimentos de uma única cor ou por certos formatos (como macarrão em determinada forma ou biscoitos de uma única marca).
3. Repetição: necessidade de uma rotina fixa, resistência com mudanças, tendo dificuldade de inserir novos alimentos, diferentes utensílios, necessidade de seguir as mesmas organizações.

4. Dificuldade na comunicação: dificuldade em expressar desconfortos pode levar a recusas alimentares sem que as pessoas ao redor compreendam o motivo. Além disso, a ausência de recursos de suporte para a comunicação pode gerar problemas nos processos de conduzir as escolhas, seguir regras e criar combinados. Em alguns casos, a criança pode não conseguir explicar se a comida está muito quente, fria ou tem um sabor desagradável para ela.
5. Associação de experiências alimentares: algumas crianças associam alimentos a momentos bons ou ruins. Se um alimento foi oferecido em um momento estressante, pode passar a ser evitado. Outras podem querer sempre o mesmo alimento por lembrar de um momento agradável ao comê-lo.

6. Comportamentos: é comum observar as crianças com comportamentos de recusa com choro, vômitos, engasgos, cuspir os alimentos, manter o alimento na boca (mastiga, mas não engole). Todos esses comportamentos muitas vezes estão associados aos aspectos emocionais da própria criança e dos cuidadores principais.

DICAS DE UTENSÍLIOS E
MOBILIÁRIOS
A seletividade alimentar é um desafio para as crianças e familiares, exige muitas estratégias para o dia a dia alimentar em casa e demais ambientes. O uso de utensílios e mobiliários adequados pode ajudar a tornar o momento das refeições mais agradável e incentivar a exploração de novas habilidades e novos alimentos.
Terapeutas são responsáveis por avaliar, analisar e prescrever corretamente o uso de recursos que sejam eficientes e eficazes para o processo alimentar e a evolução dos processos alimentares.
Aqui estão algumas dicas de utensílios e mobiliários úteis para ajudar crianças com seletividade alimentar:
Pratos com divisórias
Pratos com divisórias
ajudam a apresentar os alimentos de forma separada. Isso permite que a criança explore os alimentos um de cada vez, sem a preocupação de misturar diferentes sabores ou texturas.

Talheres com cabos diferentes

Talheres com cabos ergonômicos, adaptáveis, engrossados, coloridos e com designs divertidos podem tornar a refeição mais atraente para as crianças. Usar talheres com os cabos engrossados ou antideslizantes podem permitir uma melhor preensão para comer, facilitando a motricidade durante a atividade. Além disso, usar talheres com personagens ou formas que elas gostem pode aumentar o interesse pela comida.
Pratos e tigelas de silicone

Pratos e tigelas de silicone são mais seguros e difíceis de quebrar. Além disso, eles podem ser mais fáceis de segurar e lavar. Muitos modelos vêm com ventosas na base para evitar que o prato seja derrubado, ajudando as crianças a se concentrar na refeição sem distrações. Da mesma forma, permite maior independência para iniciar e terminar a refeição sem o adulto interferindo na organização da mesa e na limpeza.
Cadeiras de Alimentação com Ajustes de Altura
Uma cadeira de alimentação confortável e ajustável pode ajudar as crianças a se sentirem mais seguras e à vontade durante as refeições. Uma cadeira de alimentação adequada proporciona boa postura, facilitando a alimentação e a socialização durante o momento das refeições.

Tapetes anti-deslizantes

Tapetes ou toalhas de silicone que ficam fixos na mesa ajudam a evitar que os utensílios escorreguem ou que o prato seja derrubado. Pratos e tigelas com ventosas, associados ou não à bases antiderrapantes ajudam a fixar os utensílios na mesa, impedindo que sejam empurrados ou derrubados facilmente. Isso ajuda a criança a manter o foco na alimentação e promove maior autonomia ao comer.
Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA)
Para crianças com dificuldade na comunicação, os sistemas de comunicação aumentativa e alternativa são essenciais para garantir diálogos mais assertivos entre a compreensão e a expressão das crianças com os cuidadores principais (aqueles que estão acompanhando a alimentação). Esses sistemas podem ser dispositivos com figuras, símbolos ou imagens e eles podem ser apresentados por materiais como pranchas de papel/plástico ou em um APP para celular e tablet. Esses recursos ajudam a criança a indicar suas preferências alimentares, aumentando a autonomia e a independência.


RECURSOS DE PREVISIBILIDADE DE ORGANIZAÇÃO
As rotinas visuais ajudam a reduzir a ansiedade, aumentar a previsibilidade das refeições e incentivar a aceitação de novos alimentos de forma gradual e estruturada. Esses quadros de rotina podem ser usados para apresentar o ‘passo a passo da refeição’ (lavar as mãos, sentar-se à mesa, experimentar um novo alimento etc.), ‘representação dos alimentos que serão servidos’, ‘Sequência de ações durante a refeição’ (pegar o garfo, mastigar, engolir).

1. Passo a passo para a refeição:
• Lavar as mãos
• Ajudar a montar a mesa com pratos, talheres, copos
• Sentar-se à mesa
• Ajudar a servir o prato
• Comer
• Colocar os pratos, talheres e copos na pia para lavar






Créditos: www.assistiva.com.br
OBS.: para crianças com dificuldade de comunicação, tenha sempre uma prancha de CAA com fotos de todos os alimentos, bem como ações que podem ocorrer no momento da alimentação, sentimentos e demais opções que sejam importantes para o momento das refeições. Lembre-se que você precisa ajudar seu filho (a) a compreender e se expressar durante a refeição.
Estratégias para dar informações
• Calendários/Horários
• Agendas
• Cartaz “escolha”
• Cartaz “dizer não”
• Ajuda para transições

Créditos: www.assistiva.com.br
2. Sequência de tarefas (antes, agora e depois):




Tomar banho Escovar os dentes Almoçar Ir para escola
3. Receitas ilustradas:
O uso de receitas para lanches e refeições são recursos importantes para a crianças com seletividade alimentar. Através de receitas ilustradas, é possível criar situações e experiências com todo o processo do alimento, explorar sensações e se aproximar de alimentos. A seguir teremos um capítulo com várias receitas para te ajudar a planejar e ter ideias!

Receitas saudáveis & simples
Picolé de Frutas naturais
Ingredientes:
• 1 manga madura.
• 1 banana.
• 1 copo de suco de laranja natural.
Modo de preparo:
1. Bata os ingredientes no liquidificador.
2. Despeje em forminhas de picolé e leve ao congelador.
Bolinho cenoura de assado
Ingredientes:
• 1 cenoura média ralada.
• 1 ovo.
• ½ xícara de farinha de aveia.
• 1 colher de sopa de mel.
• 1 colher de chá de fermento.
Modo de preparo:
1. Misture tudo e despeje em forminhas de cupcake.
2. Asse a 180°C por 20 minutos.
e Biscoitos de Aveia Banana
Ingredientes:
• 2 bananas maduras amassadas.
• 1 xícara de aveia.
• 1/4 xícara de farinha de trigo (opcional).
• 1/2 colher de chá de canela (opcional).
• 1 colher de sopa de óleo.
Modo de preparo:
1. Pré-aqueça o forno a 180ºC.
2. Misture todos os ingredientes em uma tigela até formar uma massa.
3. Modele a massa em bolinhos e coloque em uma assadeira untada ou forrada com papel manteiga.
4. Asse por cerca de 15-20 minutos, ou até que os biscoitos estejam dourados.
Nuggets de saudáveisFRANGO
Ingredientes:
• 200g de peito de frango moído.
• 1 cenoura ralada.
• 1 batata-doce pequena cozida e amassada.
• 2 colheres de sopa de farinha de aveia.
• Sal e temperos naturais a gosto.
Modo de preparo:
1. Misture todos os ingredientes até formar uma massa homogênea.
2. Modele em formato de nuggets.
3. Asse em forno preaquecido a 200°C por 25 minutos.
Sopa de LEGUMES
Ingredientes:
• 1 cenoura picada.
• 1 batata picada.
• 1 abobrinha picada.
• 1 tomate picado.
• 1/2 cebola picada.
• 1 dente de alho picado.
• Caldo de galinha (ou legumes) em cubo.
• Sal e pimenta a gosto.
Modo de preparo:
1. Em uma panela, refogue a cebola e o alho no óleo.
2. Adicione os legumes e o tomate, refogue por alguns minutos.
3. Coloque água até cobrir os legumes e adicione o caldo de galinha ou legumes.
4. Cozinhe até os legumes estarem bem macios.
5. Bata a sopa no liquidificador se preferir mais cremosa ou deixe com pedaços.
6. Ajuste o sal e sirva quente.
ARROZ FEIJÃO com e Ovo
Ingredientes:
• 1 xícara de arroz.
• 1 xícara de feijão (pode ser carioca ou preto).
• 2 ovos.
• 1 dente de alho picado.
• 1/2 cebola picada.
• Óleo ou azeite.
• Sal a gosto.
Modo de preparo:
1. Cozinhe o feijão (caso não tenha sido preparado anteriormente). Se for usar o feijão enlatado ou a vácuo, basta esquentar.
2. Cozinhe o arroz normalmente.
3. Em uma frigideira, frite os ovos e reserve.
4. Na mesma frigideira, refogue a cebola e o alho no óleo, adicione o arroz e o feijão prontos, mexa bem.
5. Sirva com o ovo frito por cima.
Macarrão molho com de TOMATE
Ingredientes:
• 1 pacote de macarrão (tipo espaguete ou fusilli).
• 1 lata de molho de tomate.
• 1 dente de alho picado.
• 1/2 cebola picada.
• Óleo ou azeite.
• Sal e pimenta a gosto.
Modo de preparo:
1. Cozinhe o macarrão em água salgada conforme as instruções da embalagem.
2. Em uma panela, refogue a cebola e o alho no óleo.
3. Adicione o molho de tomate, sal e pimenta, e cozinhe por cerca de 5 minutos.
4. Misture o molho com o macarrão cozido.
5. Sirva quente.
Pizza tapioca de ou pão de forma
Ingredientes:
• 1 disco de tapioca ou 1 fatia de pão integral.
• 2 colheres de sopa de molho de tomate.
• Queijo e recheios saudáveis a gosto.
Modo de preparo:
1. Passe o molho na base.
2. Adicione queijo e recheios.
3. Leve ao forno por 10 minutos.
VALE LEMBRAR!
A seletividade alimentar é muito desafiadora para todos os envolvidos e, por isso, é essencial ter uma equipe multidisciplinar empenhada e colaborativa com a família e a criança para avaliar e intervir corretamente. O trabalho colaborativo será fundamental para a implementação de estratégias que tornem o momento da alimentação mais positivo e prazeroso.
O uso de tecnologia assistiva e utensílios pensados individualmente para cada criança são grandes aliados para facilitar a aceitação de novos alimentos e promover a autonomia, conforto e segurança. Aliado a isso, envolver as crianças em todos os processos é uma estratégia que pode estimular o interesse e a exploração alimentar de forma lúdica, interativa e positiva.
Ao integrar essas soluções no cotidiano, as crianças podem melhorar sua alimentação, suas habilidades motoras, cognitivas, emocionais, sensoriais, comportamentais e até mesmo a interação social.
Cada criança terá suas próprias necessidades, logo o tempo de progresso poderá ser bem diferente de um caso para outro. Sendo assim, é fundamental respeitar seus limites, avançar de maneira gradual e orientar os principais cuidadores para os momentos das refeições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KERZNER, B. et al. A Practical Approach to Classifying and Managing Feeding Difficulties. PEDIATRICS V. 135, n. 2, February 2015.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed., text rev.). American Psychiatric Publishing.
LEMES, M. A. et al. Comportamento alimentar de crianças com transtorno do espectro autista. J Bras Psiquiatr. V. 72, n. 3. P. 136-142. 2023