Folha da Rua Larga Ed.44

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4 folha da rua larga

março – abril de 2014

história baú da rua larga

Louças, vapores e peixe com abóbora no Bracuí Da Rua Larga à Costa Verde, colunista nos brinda com a degustação de preciosas memórias regionais Aloysio Clemente Breves

Nas adjacências da velha Rua Larga, da Prainha, Gamboa, Saúde e Santo Cristo, o espírito coletivo africano, com sabedoria e esperteza, entoava um antigo ponto de jongo: “O pinto com o galo dorme junto no puleiro. Se o galo facilitá... O pinto canta primeiro”. Estamos em 16 de janeiro de 1848. O Correio Mercantil anuncia que às quatro horas da tarde, no estaleiro da praia da Saúde, número 24, será lançado ao mar o brigue nacional Maria Izabel, construído por José Francisco de Castro, de propriedade do comendador Joaquim Breves. A embarcação com 230 toneladas tinha como mestre o marinheiro João Dias Cardoso e 14 tripulantes. Os irmãos Breves, José e Joaquim, mantiveram durante pelo menos 40 anos a atividade náutica em função da atividade do comércio de café, tráfico de escravos e transporte de passageiros. Para este fim, se associaram e financiaram parentes e prepostos, e constituíram uma formidável frota naval com base nas baías de Sepetiba, Angra, Paraty e Guanabara: os vapores Pirahy, Marambaia e Emiliana; o Brigue Maria Izabel, e outras embarcações arrendadas de terceiros como a sumaca União Feliz, a Escuna Flor dos Ma-

Sede do quilombo do Bracuí, em Angra dos Reis - RJ Aloysio Clemente Breves

Interior do quilombo do Bracuí, em Angra dos Reis - RJ

res, Januária, Leopoldina e Triumpho da Inveja, fizeram triplicar sua fortuna. O uso de nomes de algumas donzelas do Paço Imperial, em barcos negreiros valeu aos irmãos Breves uma reprimenda do imperador Pedro II. Usar em negócio tão sujo o nome de moças de fino trato não era adequado. Brigues e escunas eram barcos rápidos com dois ou três mastros à vela. Os vapores, com cerca de 40 metros,

possuíam grandes chaminés, casco de madeira e propulsão que acionava as pás de rodas. Sumacas e patachos eram pequenos barcos à vela com dois mastros, usados em cabotagem. A partir de 1855, o vapor Marambaia, de 66 toneladas, foi a embarcação que navegou mais tempo nas águas da Baía de Sepetiba. Pertenceu ao “rei do café” e foi durante longo tempo administrado por seu filho José Frazão de Sou-

za Breves. O vapor Pirahy pertenceu ao barão de Piraí, José Gonçalves de Moraes, sogro do comendador Breves. Em sociedade com um genro, da família Oliveira Roxo, a embarcação de 109 toneladas fazia a rota Rio, Mangaratiba, Angra dos Reis e Santos. As passagens podiam ser compradas na Rua de São Bento, 07, no Centro do Rio. Foi muito utilizado por passageiros com destino a São Paulo e levava também café e gêneros alimentícios. Hoje, o carioca que trabalha no Centro por vezes se esquece que reside numa cidade marítima. Outro dia, passando pelo Largo da São Francisco da Prainha, indo em direção à Avenida Rio Branco, um desavisado olhando para o céu, espantado, pergunta: “Que aves são essas?” Respondi: “Aves marítimas! Gaivotões, gaivotas, andorinhas do mar. O mar está muito próximo daqui, e em alguns dias dá para sentir a maresia.” Entretanto, falando de café, escravos e de rotas marítimas, o passado e o presente às vezes se misturam, e o inusitado quase sempre é intempestivo. Por conta de um trabalho de campo para elaboração do Guia Cultural da Costa Verde, estivemos visitando a região de Paraty

e Angra dos Reis. No quilombo de Santa Rita do Bracuí, com o barulho da cachoeira ao fundo, perguntei ao Sr. Geraldo se os peixes colocados no telhado ao sol não estragavam. Ele sorriu e disse: “Mulato velho, para cozinhar com abóbora!” O quilombola oferece água de mina, fresca, tirada da moringa. Bebo com prazer para refrescar a garganta e tirar a poeira. Ele mostra orgulhoso sua criação de galinhas e patos, e a dúzia de cachos de banana colhidos recentemente. Ágil, sobe o morro e mostra as pedras que compunham a casa maior e onde ficava o alambique de cachaça da antiga fazenda do Bracuí. Mas há tristeza em seu olhar. Dona Marilda que gentilmente nos ajuda na visita, também quilombola, às margens do rio, olha para o chão e recolhe minúsculas peças coloridas. Diz sorrindo: “São louças da casa grande. Vou fazer um mosaico!” Coloca em minhas mãos um minúsculo pedaço de louça branca com desenhos azuis. Tento achar alguma, mas a vista falha. Ela acha graça e diz que tem que apurar o olhar. Dona Marilda também está triste. Descendo a rua de terra, depois da capelinha de Santa Rita, chegamos ao centro

de reuniões do Quilombo de Santa Rita do Bracuí. Estava esclarecido o motivo de tanta tristeza. A construção tão esperada e sonhada havia desabado. Uma catástrofe! Felizmente ninguém se acidentou! Falo para ela: “Caveira de burro dos Breves enterrada na região!”. Acha graça e concorda comigo. Pois é, a história familiar me persegue e me acompanha. Faço o registro. Um close na bela santa negra que compunha o painel principal da construção redonda, feita de eucaliptos, palha e barro jogado no trançado de bambu. Mas a esperança é a última que morre, pois sim. Vão reconstruir tudo. Dessa vez, sob o olhar atento dos velhos griôs, jongueiros de fibra, como os Srs. Manoel Moraes, José Adriano e tantos outros. As imagens de Santa Rita e São José estão restauradas. Foram oferecidas pelo comendador José Breves para as respectivas capelas no século XIX. Atualmente estão sob a guarda do Museu Sacro da Igreja da Lapa, em Angra dos Reis. Uma boa notícia!

aloysio clemente breves beiler soubreves@yahoo.com.br


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