Revista LeYa na Escola - 2ª edição

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CARREIRA

Os desafios da docência no Brasil

E

José Pacheco

studos recentes dizem-nos que o Brasil vive uma verdadeira tragédia educacional. As escolas de “dar aula e nota” produziram 24 milhões de analfabetos funcionais. Perante este trágico quadro, urge interpelar o poder público e as instituições de formação. Urge criar condições para a reelaboração da cultura pessoal e profissional dos professores.

escola, no futuro, não se reduzirá a um lugar fixo murado, tornando-se, verdadeiramente, uma atividade pública”. Dito de outro modo: o que é que uma escola ensina, que não podemos aprender em outros lugares? Se há tantos modos de fazer educação, por que razão se insiste num só modelo de escola? Talvez a Física explique, quando se analisa o fenômeno da inércia…

Urge que os educadores entendam que, sem a criação de vínculos afetivos, uma escola poderá converter-se numa usina de boçais.

O Brasil estacionou no século XIX da cultura política e educacional, e as escolas, que se mantêm ancoradas num modelo de ensino obsoleto, viraram obstáculos ao desenvolvimento humano. Porém, acredito que ainda possam transformarse em locus de humanização. Que me seja perdoado o estilo “normativo” do discurso, porque não creio que se possam sequer esboçar soluções. Mas, perante os desafios contemporâneos da docência, arriscarei elencar mais algumas urgências.

Em primeiro lugar, afirmar que um educador não ensina aquilo que diz – ele transmite aquilo que é. Aprendemos uns com os outros, enquanto consolidamos vínculos, não apenas de natureza cognitiva, mas, sobretudo, emocional. Será, pois, necessário que os professores assumam atitudes coerentes com os valores e princípios dos seus PPPs (Projeto PolíticoPedagógico) escritos. Mutatis mutandis, para que seja exemplo da prática de tais valores (que constam em todos os PPPs), o professor terá de abandonar a solidão de celas de aula, para trabalhar em equipe e garantir aos jovens uma educação plena. A educação escolar deverá afastar-se da fórmula tradicional, para que possa acontecer em múltiplos tempos e lugares. Urge que os educadores se curem da síndrome do vira-lata (que o saudoso Nelson tão bem definiu), que prestem menos atenção às modas estrangeiras e escutem mais os autores brasileiros, como o Lauro: “a

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Urge que a universidade se distancie de práticas de formação incompatíveis com as necessidades educacionais do nosso século. Que substitua aulas e outras práticas destituídas de fundamento teórico (ou de mero bom senso) pela diversificação de processos, porque todos podem aprender e porque a excelência acadêmica não é incompatível com a inclusão social.

Urge que os professores não deem ouvidos a pseudoespecialistas, que pontificam na TV e nos congressos, economistas e outros opinion makers, que creem que uma escola pode ser gerida como se fora um escritório, ou uma padaria… Urge rever o tipo de gestão das escolas, passar de uma tradição hierárquica e burocrática para decisões colegiais. Urge que os educadores entendam que, sem a criação de vínculos afetivos, uma escola poderá converter-se numa usina de boçais. Como poderá um professor conhecer a pessoa do aluno, “dando aula”, numa atitude frontal anônima? José Francisco de Almeida Pacheco é licenciado em Ciências da Educação, mestre em Educação da Criança pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto; idealizou e coordenou há mais de 30 anos a Escola da Ponte em Portugal. No Brasil, desde 2001 acompanha projetos de escolas em diversos estados. Além disso, ministra palestras nessas instituições, e cursos e seminários em escolas, universidades, centros de formação de gestores, empresas e no MEC.


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