Homens de Axé

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SUMÁRIO EXECUTIVO

II ENCONTRO NACIONAL HOMENS DE AXÉ I ENCONTRO ESTADUAL HOMENS DE AXÉ DO MARANHÃO



SUMÁRIO EXECUTIVO

II ENCONTRO NACIONAL HOMENS DE AXÉ I ENCONTRO ESTADUAL HOMENS DE AXÉ DO MARANHÃO

Sumário Executivo produzido a partir dos registros e materiais disponibilizados ao longo do II Encontro Nacional Homens de Axé e I Encontro Estadual Homens de Axé do Maranhão.

Brasília, outubro de 2014


Expediente Realização Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde/GT Homens de Axé Parceria UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas Redação Marisa Lacerda Revisão Ana Flávia Magalhães Supervisão Editorial Fernanda Lopes (UNFPA) Apoio Editorial Gabriela Borelli(UNFPA) Midiã Santana (UNFPA) Projeto Gráfico e Diagramação Duo Design Fotos Luciana Kamel e Luiz Alves/Renafro Apoio ao evento Ministério da Saúde UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas Secretaria Estadual de Saúde do Maranhão Secretaria Municipal de Saúde de São Luís Secretaria Estadual de Igualdade Racial do Maranhão Colaboração ao evento Centro de Formação para Cidadania AKONI​ Comissão Organizadora do evento Babá Edilson de Obaluaiê Ekedi Zezé de Xangô Ogan Marmo


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO | 7 1 | ANTECEDENTES DO EVENTO | 9 1.1 | Da instituição executora | 10 1.2 | Do I Encontro Nacional Homens de Axé | 10 2 | OBJETIVOS DO EVENTO | 11 3 | SUMÁRIO DAS ATIVIDADES EM 18 de agosto de 2014 | 13 3.1 | Mesa de Abertura | 14 3.2 | Comunicação | 16 3.2.1 | Resumo das comunicações | 16 3.2.2 | Debate a partir das questões trazidas pelo público | 20 3.3 | Salas de conversa | 23 3.3.1 | Sala 1 Homens, violências e vulnerabilidades e Sala 4 Drogas: o que os homens de terreiros têm a ver com isso | 24 3.3.2 | Sala 2 Homens de terreiros, relações amorosas e diversidade sexual | 25 3.3.3 | Sala 3 Paternidade e aborto: os impactos na vida dos homens negros e homens de terreiros | 25 4 | SUMÁRIO DAS ATIVIDADES EM 19 de agosto de 2014 | 27 4.1 | Painel 3: Homens negros, masculinidades e políticas públicas | 28 4.1.1 | Resumo das apresentações | 28 4.1.2 | Debate a partir das questões trazidas pelo público | 35 4.2 | Painel 4: Homens negros, os terreiros e a epidemia do HIV/AIDS: perspectivas para a prevenção | 37 4.2.1 | Resumo da apresentação | 37 4.2.2 | Debate a partir das questões trazidas pelo público | 41 4.3 | Conversa afiada Homens de axé: o que queremos para nossa saúde? | 43 4.3.1 | O que é ser homem de terreiro? | 44 4.3.2 | O que deve ser levado em consideração quando falamos em saúde do homem, lembrando que somos homens de terreiro? Quais são as questões importantes? | 45


4.3.3 | Há alguma questão importante a ser levada em conta dentro da dimensão do sagrado, já que somos homens de terreiros, com espaço e corpo sagrado? Homens têm outras necessidades, mas na dimensão do sagrado, o que devemos levar em consideração para falarmos de saúde do homem? | 45 4.3.4 | Como os terreiros podem auxiliar na saúde dos homens? | 46 4.3.5 | Homens de terreiros vêm se cuidando mesmo? Existe algum diferencial no cuidado desse grupo? | 46 4.3.6 | Já que se falou da sala de espera. O SUS está preparado para lidar com a saúde do homem de terreiro? Por quê? | 46 4.3.7 | Principais questões trazidas pelo público | 47 4.4 | Encerramento Por uma agenda de saúde para os homens de terreiros | 51 ANEXOS | 53 Anexo I | Programação final do Evento | 54 Anexo II | Carta de recomendações de São Luís | 56 Anexo III | Agenda de Trabalho e Compromissos do GT Homens de Axé | 58 Anexo IV | Identidade Visual | 59 Anexo V | Galeria de fotos | 67


APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO


Apresenta-se, neste documento, o sumário executivo do II Encontro Nacional Homens de Axé e do I Encontro Estadual Homens de Axé do Maranhão, realizados nos dias 18 e 19 de agosto de 2014, em São Luís, Maranhão, Brasil. Este evento foi realizado pelo GT Homens de Axé, da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, e apoiado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Contou com a presença de 96 pessoas, entre as quais homens e também mulheres de terreiros de diferentes gerações, denominações e locais do país, além de conselheiros de saúde, gestores das áreas de saúde e promoção da igualdade racial, pesquisadores e representantes de organizações do movimento negro. O sumário executivo foi construído a partir das anotações feitas pela relatora ao longo do evento, complementadas por materiais e documentos disponibilizados pela organização do evento e pelos expositores. No caso das salas de conversa, foram feitas anotações por relatores participantes do próprio evento, alguns dos quais disponibilizaram o material produzido para que pudesse subsidiar este documento. No capítulo 1 são trazidos os antecedentes do evento e no capítulo 2 estão os objetivos do mesmo. Os capítulos 3 e 4 trazem a suma das atividades realizadas durante o encontro nos dias 18 e 19 de agosto, respectivamente. Cada atividade está contemplada em um subitem específico, conforme o dia em que se deu. Ao final, são trazidos os anexos ao documento.

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ANTECEDENTES DO EVENTO


1.1 | Da instituição executora A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde foi criada em março de 2003, durante o II Seminário Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (São Luis - MA), sendo uma instância de articulação da sociedade civil que envolve adeptos e adeptas da tradição religiosa afro-brasileira, gestores e profissionais de saúde, integrantes de organizações não-governamentais, pesquisadores e lideranças do movimento negro. Tem como objetivos valorizar e potencializar o saber dos terreiros em relação à saúde; estimular práticas de promoção da saúde; monitorar e intervir nas políticas públicas de saúde, exercendo o controle social; legitimar as lideranças dos terreiros como detentoras de saberes e poderes para exigir das autoridades locais um atendimento de qualidade, no qual a cultura do terreiro seja reconhecida e respeitada; reforçar a importância de interligar as práticas de saúde realizadas nos terreiros e as do SUS; contribuir para a reflexão sobre diferentes aspectos da saúde da população dos terreiros; e estabelecer um canal de comunicação entre os adeptos da tradição religiosa afro-brasileira, os gestores, profissionais de saúde e os conselheiros de saúde. Atualmente, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde conta com 32 núcleos espalhados pelo país, havendo representações em 23 estados. Para atingir seus objetivos, vem realizando, desde a sua criação, uma série de capacitações, seminários e encontros nos estados e municípios com a finalidade de instrumentalizar e potencializar os saberes das lideranças de terreiros para o exercício do controle social de políticas públicas de saúde e sensibilizar gestores e profissionais de saúde sobre os impactos do racismo e da intolerância religiosa no campo da saúde.

1.2 | Do I Encontro Nacional Homens de Axé Nos dias 10 e 11 de dezembro de 2012, por meio do GT Homens de Axé, a Rede organizou, no Hotel Monte Alegre, Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional Homens de Axé. O evento contou com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, do Ministério da Saúde e do Fundo de População das Nações Unidas. O I Encontro contou com a participação de cerca de 90 pessoas, entre as quais, lideranças de terreiros, pesquisadores negros, gestores e profissionais de saúde. Seus objetivos foram ampliar as discussões sobre as interfaces entre a Política Nacional de Saúde do Homem e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e refletir sobre as desigualdades raciais e o racismo, visto como determinante das condições de saúde, do imaginário social do homem negro, das sexualidades e questões reprodutivas e do fortalecimento da participação dos homens de terreiros nos espaços de controle social de políticas públicas de saúde. Seguindo as mesmas diretrizes, o II Encontro Nacional Homens de Axé veio dar continuidade à ampliação do debate acerca da participação dos homens de terreiros no campo da saúde e da proteção dos direitos.

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OBJETIVOS DO EVENTO


Por meio do II Encontro Nacional Homens de Axé e do I Encontro Estadual Homens de Axé do Maranhão, pretendeu-se mobilizar os homens de terreiros para o cuidado com a saúde, estimulando e fortalecendo o seu protagonismo para a promoção da saúde. O objetivo geral deste evento foi contribuir para a inserção dos homens de terreiros nos espaços de decisão política e para a ampliação da participação desses nos espaços de defesa de direitos e controle social de políticas públicas, especialmente no campo da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos. Quanto aos objetivos específicos, estes foram dois: 1. Dar continuidade às discussões sobre a saúde do homem de terreiro e os cuidados com o corpo na dimensão do sagrado, enfatizando as questões geracionais, as vulnerabilidades e potencialidades do grupo e também a diversidade sexual existente nos terreiros; 2. Refletir sobre as interseções entre a Política Nacional de Saúde do Homem e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, levando em consideração as práticas de cuidados dos terreiros e as práticas de saúde do SUS.


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SUMÁRIO DAS ATIVIDADES EM 18 de agosto de 2014


3.1 | Mesa de Abertura Componentes Mãe Luza de Oxum | Coordenadora do Núcleo RENAFRO Maranhão Pai Edilson de Obaluaiê | Coordenador Nacional do GT Homens de Axé / RENAFRO José Marmo da Silva | Coordenador Nacional da RENAFRO Emerson Melo | Coordenador do Centro de Formação para a Cidadania Akoni Silvia Viana | Secretária Adjunta da Secretaria Municipal de Saúde de São Luís Claudete Ribeiro | Secretária da Secretaria Estadual de Igualdade Racial do Maranhão Cristina Loyola | Secretária Adjunta de Atenção Primária à Saúde do Estado do Maranhão Eduardo Chakora | Coordenador Nacional de Saúde do Homem / Ministério da Saúde

Dando início às falas, Pai Edilson de Obaluaiê destacou a importância do Encontro e também os grandes avanços havidos na RENAFRO. Em 2012, contava-se com apenas três GTs Homens de Axé no país, e agora existem quinze redes de trabalho, o que representa ganhos enormes para os povos de terreiros. Em sua fala, Emerson Melo lembrou que, ainda hoje, a maioria dos homens só procura por atendimento em saúde com o intuito de melhorar sua performance sexual, não obstante haja tantas outras doenças graves que acomentam esse grupo. O cuidado com a saúde é ainda visto por muitos como “coisa de mulher”, e o estímulo aos homens continua sendo para que sejam viris, “pegadores”, tenham várias parceiras, muitos filhos e nenhuma preocupação com a prevenção e a proteção. Ressaltou que, por preconceito e falta de informação, os homens continuam morrendo mais cedo do que as mulheres. Chamou atenção, ainda, para as dificuldades de acesso aos serviços de saúde e para o fato de que dizer às lideranças de terreiros que elas precisam usar preservativo, se consultar ou fazer exames tem sido tomado como algo ofensivo. Enfatizou a necessidade de que esse quadro seja mudado. Nesse sentido, manifestou alegria pela realização do Encontro Homens de Axé em São Luís. A doutora Silvia Viana chamou a atenção para o preconceito religioso que permeia a sociedade e para o fato de que o Estado ainda sabe pouco sobre a diversidade religiosa, o que dificulta uma abordagem diversificada, havendo, por isso, muito ainda a ser feito para os povos de terreiros. Disse também que estão revendo a forma de enxergar os homens, até mesmo na saúde, e destacou a importância da RENAFRO para chamar a atenção em relação a todas essas questões. Claudete Ribeiro destacou o importante papel de apoiadora e parceira que a RENAFRO tem exercido perante a Secretaria Estadual de Igualdade Racial do Maranhão. Ressaltou que a luta pelos direitos estabelecidos na Constituição Brasileira é feita por meio de organizações como a Rede, e com atuações que levam em conta sempre a opinião da comunidade inclusive dos terreiros , sendo este o caminho que também a Secretaria tem buscado seguir no Maranhão.

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Cristina Loyola falou da sofisticação do Encontro Homens de Axé, pois aborda um público e uma questão ainda invisibilizada no caso, a saúde do homem de terreiro. Acerca disso, lembrou que a invizibilização é, ela própria, uma estratégia de governo, chamando atenção para a necessidade de que o Estado seja laico, pois essa é a única forma de garantir melhor atendimento em saúde a todos. Eduardo Chakora, por seu turno, enfatizou que a consideração da pluralidade e da diversidade pela Política Nacional de Saúde dos Homens é a única forma possível de garantir que diferentes homens sejam contemplados e participem dela. Expôs que a tendência atual de se trabalhar com populações específicas como a dos povos de terreiros é muito importante, sendo também necessário que os movimentos sociais participem do processo de discussão e decisão, para que a política avance junto com eles. Considerou preponderante que as práticas de saúde dos terreiros transversalizem mais com as práticas de saúde do Estado. Ou seja, as linhas que separam essas duas dimensões precisam ficar mais tênues, pois religiosidade e saúde não estão separadas, e isso também ajuda a humanizar o sistema de saúde. Destacou que, embora se fale muito na saúde como um direito universal, na prática, ainda há muita dificuldade para acolher as diferenças e abolir o preconceito. Nesse sentido, o Encontro Homens de Axé tem papel importante, pois, na medida que se abre caminhos para o diálogo, criam-se oportunidades para a discussão e a diversificação. Enfim, José Marmo da Silva fez várias intervenções entre as falas dos membros da mesa, agradecendo a distintos colaboradores e apoiadores e também ressaltando alguns pontos sobre o evento. Primeiro, enfatizou a importância da RENAFRO estar conseguindo implicar a juventude de terreiros nos espaços de discussão e decisão política, havendo participação ativa, até mesmo, no Conselho Nacional da Juventude (Conjuve). Segundo, alertou para a necessidade de se viabilizar a participação da região Norte, que, por dificuldades de acesso e deslocamento, quase sempre tem presença menos expressiva nas discussões. Afinal, essa região tem várias especificidades que precisam ser consideradas. Terceiro, chamou atenção para a importância da presença e do diálogo também com as mulheres, pois as questões de saúde envolvendo um e outro grupo não estão separadas. Por último, disse acreditar que a sociedade civil que aposta no SUS pode mudar muitas coisas, com vistas a constituir um Sistema que de fato acolha, sendo esse um dos motivadores do Encontro.

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3.2 | Comunicação Expositores 1. Babá Dyba de Iemanjá (Porto Alegre, RS) | Religiões afro-brasileiras e suas práticas de cuidados na

promoção da saúde dos homens

2. Babá Dieison (Rio Grande do Sul) | Tradição religiosa afro-brasileira e sexualidades: tensões e desafios

Coordenação e comentários Ogan Luiz Alves (Brasília, DF)

3.2.1 | Resumo das comunicações O primeiro comunicador, Babá Dyba de Iemanjá, pautou sua fala nos slides que trouxe para projeção. Antes disso, destacou que somente a RENAFRO é capaz de promover a união de todos os povos de terreiros, para além das diferenças. Lembrou que no Rio Grande do Sul, onde o grupo tem feito um grande esforço para alcançar todo o estado, a população é extremamente racista, havendo, por isso, grande preconceito também em relação aos povos de terreiro, o que aumenta a necessidade de luta. Nesse sentido, ressaltou a importância da instituição do Comitê Estadual do Povo de Terreiro no Rio Grande do Sul, que vem atuando firmemente, e da realização da I Conferência Estadual do Povo de Terreiro. Segundo Babá Dyba de Iemanjá, a integralidade é algo infinito, assim como a arte de se cuidar. Sendo a Política Nacional de Saúde do Homem algo recente, há muito a avançar nesse processo, sob pena de que, se não houver cuidado, se acabe por reduzir o homem somente à próstata, ao tabagismo e ao alcoolismo, ignorando-se com isso toda sua diversidade inclusive religiosa e os vários problemas de saúde. Por isso, questões de saúde precisam, sim, ser vistas de forma integral, porém, sem se abandonar a perspectiva de terreiros. Passando à apresentação de seus slides, iniciou citando Ronilda Yakemi Ribeiro, para quem o universo africano é uma imensa teia de aranha, na qual “não se pode tocar o menor de seus elementos sem fazer vibrar o conjunto. Tudo está ligado a tudo, solidária cada parte com o todo. Tudo contribui para formar uma unidade”. Por isso, segundo Babá Dyba de Iemanjá, o espaço de terreiro só pode cuidar da pessoa se levar em consideração todo o contexto no qual ela está envolvida e não somente sua dor específica. A unidade fundamental do universo realça o cuidado com a ecologia e com o bem-estar das pessoas. Tanto o mundo natural (ecologia) quanto o mundo social (bem-estar das pessoas) estão em harmonia no que tange a uma visão unificada do universo. Sem o respeito e a preservação dos elementos naturais, não é possível ter uma vida social saudável e, inversamente, a vida social sã é impossível sem uma natureza salutar. Afinal, tudo está em tudo, participa de tudo, influencia tudo, sendo que o todo é a unidade de todas as partes. O africano tem sempre em vista o conjunto, o universo do qual faz parte e do qual é dependente e, mais do que isso, interdependente. Ele é o universo na medida em que

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faz parte de seu todo, e o universo não existiria sem que o homem participasse dele. Ou seja, estamos inseridos no todo: somos a terra, a folha, a água. O homem é composto por todas estas propriedades da natureza, e somente ela pode revigorar sua saúde. Segundo Babá Dyba de Iemanjá, o Orixá dá saúde ao homem, de modo que se pode enfrentar qualquer doença se a relação com o Orixá for boa, pois ele garante vida longa e boa. O expositor fez menção novamente a Ronilda Yakemi Ribeiro para explicar a interdependência de todos os seres, por meio da narrativa mitológica que conta a origem do homem e do cosmos pelas mãos do deus Maa Ngala, na tradição bambara do Komo, no Mali. Esse mito ilustra como o homem é dependente e interligado a todas as coisas existentes, sendo o resultado da interação de todos os elementos vegetais, minerais e animais. Além disso, o homem participa da natureza divina, pois nele fora insuflado o hálito divino, ou seja, o homem está intimamente ligado a todos os elementos da natureza e ao seu criador. Essa relação simbiótica com a natureza (mundo natural) e com o próprio Deus (mundo sobrenatural) compõe a essência do homem, que, por sua vez, divide sua essência particular com a totalidade do universo. Dito de outra forma: o homem é a microssíntese de todos os elementos que compõem o universo. Ele é um microcosmo. Na sequência, Babá Dyba de Iemanjá falou sobre o Ori, o corpo e a pessoa, para ilustrar a unidade e a interdependência entre eles. O ori, ou a cabeça, é o centro das atenções dos povos nagôs. Segundo a tradição, são os próprios homens que escolhem sua cabeça no Orun antes de descerem para o Aiyê. Em terra, devem sempre fazer oferendas para seus orixás, a fim de manter uma cabeça forte e boa e restituir para ela a força por meio das oferendas. As oferendas aumentam o axé do ori. A cabeça, na verdade, é o conjunto de partes complexas desse que é o membro principal da pessoa, segundo a tradição nagô. O ori, segundo Babá Dyba de Iemanjá, prova que fomos criados para sermos seres coletivos, não individuais. Não é à toa que a cabeça tem sete furos, que nos colocam em contato com o mundo externo. Quando ouvimos, estamos escutando os sons do mundo, estamos escutando o outro. Quando olhamos, vemos a beleza do mundo, a beleza do outro. É também por meio dos olhos que transmitimos nossas emoções. Quando respiramos, também sentimos perfumes do mundo. Quando falamos, comunicamonos com o outro, mas também nos alimentamos. A boca também expõe sentimentos. São sete furos que marcam nosso ser coletivo. Quando nos apaixonamos, não é o coração, mas a cabeça. Porém, a cabeça não é nada se o corpo não estiver interagindo com ela. Embora seja a parte mais importante da pessoa, a cabeça não é autossuficiente: necessita do bom funcionamento de todas as outras partes do corpo para seu bem-estar. Babá Dyba de Iemanjá destacou que o Ori depende do orixá responsável pelo interior do corpo, que é Exu Bara, o Rei do Corpo. Exu Bara é quem encarna no indivíduo e proporciona a ele/a o nascimento, motivo pelo qual é também responsável pelo bom fluxo do destino de cada um. Presente nas cavidades do ser humano, Exu Bara conhece as entranhas e o destino de cada um. Juntamente com Ifá, o orixá das adivinhações e da sabedoria, ele é o senhor do

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corpo. Por tudo isso, cuidar do corpo sem ter vista o coletivo não funciona, e os serviços de saúde precisam entender isso. Precisam dialogar com homens e mulheres de axé, o que não é fácil, pois requer instrução e preparo. Quanto à pessoa, sua essência está indissociavelmente ligada tanto às divindades quanto aos elementos da natureza. Ela é a síntese de todos os seres que compõem o universo, conforme descreve o mito de Maa Ngala. Ela é a expressão da vontade de Obatalá e fruto da empreita de Iku. A pessoa não pode ser compreendida como um ente individual e nem de forma descolada do todo, pois ela é o resultado de uma ação coletiva. Nesse sentido, segundo Babá Dyba de Iemanjá, a identidade do indivíduo é forjada no interior das tramas sociais. Se a pessoa é resultado da interação entre o sagrado e a natureza, é no meio social que ela encontra sua identidade. A formação da pessoa dáse mediante processos de socialização que, no caso dos povos de terreiros, ocorre em parte dentro dos terreiros, da religião. Quem é de axé não se entende em outro espaço se não nesse. Portanto, não é possível ao homem de terreiro se cuidar sem ter em vista essa integralidade (Maa), preservada no espaço de terreiro. Isso faz com que toda a Política a ser implementada para o povo de terreiro, que é usuário do SUS, tenha obrigatoriamente que ser aplicada nessa perspectiva. E os povos de terreiros estão disponíveis para capacitar trabalhadores e gestores de saúde. Afinal, não há como cuidar dessas pessoas sem que se compreenda e adentre nos terreiros. Os gestores e executores precisam colocar as “lentes da afro-ancestralidade” para que enxerguem como cuidar do povo de terreiro. Passando à fala de Babá Dieison, esse destacou que a visão de mundo do homem de terreiro é compartilhada e parte de um princípio religioso segundo o qual se praticam e cultuam diferentes tradições, todas vindas da África. Por esse motivo, falar das tensões e dos desafios envolvidos na interação entre o homem de terreiro e as masculinidades e sexualidades exige que se resgate um pouco da história daquele continente. Babá Dieison chamou atenção para a complexidade de se tratar de masculinidade e sexualidade no contexto da tradição religiosa afro-brasileira, pois ser babalorixá, negro e homem impõe a uma mesma pessoa a necessidade de dialogar com uma diversidade de tradições e identidades. Quando vão buscar atendimento no SUS, os homens de terreiros têm de lidar com visões distorcidas a seu respeito, o que faz com que precisem afirmar sua identidade religiosa nos espaços de atendimento e acolhimento. A masculinidade do homem de terreiro está intimamente ligada à sua identidade religiosa, sendo ambas masculinidade e identidade religiosa reafirmadas pelos trajes, guias e ojás usados. Contraditoriamente, esses adereços muitas vezes geram na sociedade questionamentos quanto à masculinidade dos homens de terreiro – perguntam: “Que tipo de homem é esse?” , posto que são identificados como femininos pela sociedade em geral. Essas tensões são vivenciadas pelo grupo o tempo todo, sendo, por isso, a afirmação da identidade de homem de terreiro o primeiro desafio a enfrentar.

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A intolerância religiosa é outro desafio enfrentado na afirmação da identidade e da masculinidade do homem de terreiro, pois há um enorme preconceito contra o grupo, o que leva, muitas vezes, a casos de violência e agressão contra ele. No tocante à diversidade sexual, essa é bem aceita dentro das religiões de matriz africana, que, em virtude de suas vivências e princípios, acolhem a todos e todas indistintamente, mais do que qualquer outra religião. O espaço do terreiro é, essencialmente, acolhedor: primeiro, recebe-se e trata-se o indivíduo para só depois perguntar quem é ele e de onde veio. Isso faz com que nos terreiros transitem homens de diferentes tipos e orientações sexuais heterossexuais, homossexuais, transexuais, etc. , que vivenciam diversas tensões quando saem daquele espaço e vão procurar atendimento em saúde nos serviços públicos. Apesar de todo o acolhimento, Babá Dieison enfatiza que ainda há um desafio a enfrentar dentro dos próprios terreiros. É necessário que se discuta e entenda melhor, internamente, a sexualidade do homem de terreiro, que é complexa justamente porque os terreiros recebem uma diversidade muito grande de pessoas. Essa necessidade é especialmente marcada para o homem, pois, quando se trata da sexualidade feminina, a tensão parece ser menor e a questão, mais bem resolvida. O debate acerca da sexualidade masculina se torna ainda mais complexo, entre outras coisas, porque a maior parte dos babás é, de fato, homo ou transexual, o que acaba por gerar tensões também entre o terreiro e a sociedade. Aqui, novamente, impõe-se a necessidade de se remeter à raiz africana da tradição religiosa, que implica visões de mundo e modos específicos de construção da identidade de gênero sobretudo da masculina , as quais não são compartilhadas pela sociedade de modo geral. Superar essa distância e a falta de entendimento é algo complexo e desafiador, sobretudo diante da pluralidade e da diversidade inerentes ao espaço do terreiro. Para que isso seja possível, é preciso que estejam internalizados os ensinamentos e as tradições vindas de cada raiz, de cada babá, para que se saiba exatamente o que é ou não permitido ao homem naquele terreiro. Afinal, todo tipo de irmão deve ser igualmente acolhido e tratado, porém, sem que se desrespeite as tradições que regem aquele terreiro. A própria diferença e, por vezes, divergência entre visões de mundo e tradições específicas que regem cada religião de matriz africana acaba por impor tensões à interação entre o homem de terreiro e a sociedade, entre o homem de terreiro e o cuidado à sua saúde e também entre o homem de terreiro, sua masculinidade e suas tradições religiosas. No caso da saúde, é desafiador levar aos serviços o entendimento de que o que os homens de terreiro carregam não são trajes diferentes, por vezes feminino, mas sim uma tradição, algo que complementa sua saúde. Por isso, também a sexualidade do homem de terreiro tem que ser trabalhada a partir da visão de mundo, das tradições específicas de seu grupo. Segundo Babá Dieison, é necessário que se reflita sobre todas as questões expostas para que, só então, se consiga caminhar para o entendimento de uma forma mais ajustada. Isso passa, primeiro, pela compreensão tanto das terminologias como gênero, masculinidade, sexualidade, etc. , que em sua maioria não são dominadas pelos homens de terreiro, quanto das diferenças entre visões de mundo e tradições das distintas religiões perpassadas pela matriz africana, que é o fator que as unifica.

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3.2.2 | Debate a partir das questões trazidas pelo público }} Marcelo Morais, coordenador da juventude na RENAFRO – São Paulo: Manifestou discordância quanto à fala de Babá Dieison. Vários pontos em sua fala incomodam, pois vê, na verdade, forte heteronormatividade dentro dos terreiros, ao contrário do que ele afirmou sobre a acolhida e o respeito a todos os tipos de homens. Discordou da afirmativa de que os terreiros só agregam, acolhem; pelo contrário, eles também segregam. Exemplo disso é o próprio Encontro, onde não há uma transexual ou travesti sequer. Destacou que religiões de matriz africana já perderam seu posto de religião que mais agrega, para as religiões cristãs evangélicas. Isso porque se apegam muito a tradições fundamentalistas que acabam por fomentar certos tipos de preconceitos. Há que se pensar em novas formas de contemplar a diversidade sexual, pois há muitos homo, trans e pansexuais nos terreiros que estão sendo excluídos. Até mesmo quando recebem alguma entidade que não cabe dentro do padrão, são excluídos, não podendo também assumir papéis de liderança. Mais à frente, discordou de Babá Dyba quanto ao fato de que dentro do terreiro são transexuais o tempo todo, pois quando a entidade se manifesta ela não faz com que o indivíduo discuta política. Isso é algo interno ao terreiro, não ao indivíduo e à entidade }}

Ricardo Mororó, GT Homens de Axé Paraíba: Manifestou discordância quanto à fala de Babá Dieison. Também não concorda que os terreiros sejam acolhedores, pois, na Paraíba, o que vê é uma forte heteronormatividade dentro desses espaços, e a dificuldade em lidar com públicos de diferentes orientações sexuais. Considera necessário que se aborde mais o tema da diversidade e das masculinidades dentros dos terreiros, pois esses ainda são temas tabu. Afinal, as pessoas que procuram o Axé querem cuidado, aconchego, reconhecimento de suas identidades para além de suas sexualidades.

}} Jorge Sena, Rio Grande do Sul: Manifestou discordância quanto à fala de Babá Dieison. Em sua opinião, os terreiros reproduzem a concepção cristã de que ser homem é ser “macho”; eles sofrem influências católicas, muçulmanas, entre outras, para além de sua herança africana. Há, sim, preconceitos dentro dos terreiros, os quais precisam ser reconhecidos para ser enfrentados, e a RENAFRO tem importante contribuição a dar nesse processo. Para que se consiga dar resposta aos problemas e aprendam a acolher novas orientações sexuais, temas como gênero e orientação sexual precisam ser trabalhados. Povos de terreiros precisam repensar o que reproduzem. Afinal, reproduzem o que aprenderam, foram educados assim e acabam se escondendo por trás de sua masculinidade. }} Ricardo Mororó, GT Homens de Axé Paraíba: Em comentário geral para Babá Dyba de Iemanjá, mencionou que o número de casos de suicídio tem crescido entre os homens, sendo importante que os terreiros apoiem ações para fazer frente a isso. Destacou que o cuidado à saúde do homem extrapola o campo das patologias físicas, devendo, também, se atentar a questões relativas à saúde mental. }} Amauri Cunha, Recife/PE: A questão da sexualidade é bastante relativa, precisando, por isso, ser mais discutida. Os temas trazidos são muito importantes, pois o universo

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dos terreiros é de grande diversidade sob vários aspectos. Povos de terreiros envolvem o batuque, nagô, ketu, jurema, umbanda, etc. Para construir essa unidade, é necessário que se transcendam as divisões por sexo, afinal, muitas vezes temos que ser homens e mulheres ao mesmo tempo. }} Tiago: Complementando o comentário de Marcelo, da Juventude RENAFRO, defendeu que questões referentes à heteronormatividade e ao preconceito são interessantes e têm gerado preocupação, pois muitas vezes se acaba por pensar que elas não estão presentes nos terreiros, quando, na verdade, já fazem parte de sua realidade, precisando, por isso, ser mais discutidas. Além disso, é importante que se entenda que a forma como os papéis são dados a homens e mulheres dentro dos terreiros não é machismo, mas sim tradição religiosa. Então, não se trata de desrespeitar ou ir contra as tradições e ordens dos mais velhos pois eles retratam a tradição religiosa e devem ser respeitados , mas, sim, instigá-los para que esses temas sejam discutidos, tratados. }}

Sem identificação, Canoas, RS: Apresentou comentário à fala de Babá Dieison. O tema trazido aponta para a diversidade de orientações que há também dentro dos terreiros. É importante pensar de que forma a RENAFRO pode contribuir com esse debate, com as pessoas que se encontram dentro dos terreiros em um processo de transformação que é a transexualidade, a fim de garantir-lhes um bom acolhimento; e também na reflexão sobre como o Estado pode acolher essas pessoas no âmbito da saúde.

}} Juraci Júnior, Aracaju, SE: Apesar da complexidade que a diversidade implica, como podemos entender o corpo do homem na sua concepão cosmogônica? Como podemos entender sua diversidade perante o terreiro e perante o SUS? Que tipo de orientação se pode dar aos povos de terreiros para que busquem no SUS atendimento à sua saúde e tenham acesso equânime a ele? }} Sudário Mesquita, coordenador do GT Juventude da RENAFRO Núcleo Ceará: Manifestou discordância quanto à fala de Babá Dyba de Iemanjá. Se o homem de terreiro for uma pessoa no terreiro e outra na sociedade, não será respeitado nunca, nem como homem de terreiro e nem como homossexual, transexual, pansexual, travesti, etc. O importante teria sido que os comunicadores tivessem trazido questões práticas que ajudassem a entender como, de fato, o acolhimento acontece nos terreiros e como esses espaços podem dialogar com o SUS. Contrargumentando os comentários feitos, Babá Dieison ressaltou saber que o tema masculinidades e sexualidades é polêmico, mas os pontos por ele expostos não ficaram bem entendidos, pois não estava a afirmar coisa alguma quanto à forma como essas questões são trabalhadas dentro dos terreiros. Pelo contrário, ainda há que se pensar muito sobre isso, afinal, além de estarem corrompidos pelo colonizador com suas influências católicas, muçulmanas, etc. , vivem uma ideologia religiosa, que é a africana, e precisam pensar sobre o que é ser homem de terreiro. Falou-se em heteronormatividade, e ele acredita que exista dentro dos terreiros. Esse é um tema que precisa ser mais discutido, assim como a questão da identidade.

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Sobre orientações para o povo de terreiro no momento de buscar atendimento no SUS, Babá Dieison disse ser difícil se manifestar, pois a orientação deve ser dada segundo cada tradição, sua visão de mundo, que é guiada pelo Ori. Isso, então, é uma questão que varia de um caso a outro, pois não há consenso, unifidade entre as diferentes religiões de matriz africana quanto à forma de lidar com a diversidade sexual. Dentro dos terreiros, de modo geral, há a tradição de acolher todos e todas como indivíduos, porém, a orientação quanto à forma que o homem de terreiro se relacionará com o serviço de saúde dependerá também das especificidades de cada tradição. Babá Dyba de Iemanjá chamou atenção para a necessidade de discutir mais questões relativas à sexualidade e à masculinidade dentro dos terreiros, destacando que não dá para ser hipócrita e dizer que não há heteronormatividade nesses espaços, já que se relacionam com a comunidade e se deparam com preconceitos internos o tempo todo. Muitas vezes, os povos de terreiros acabam reproduzindo os modelos que a sociedade branca lhes impõe, repetindo pensamentos e comportamentos aprendidos ao longo do processo colonizador cristão, os quais muitas vezes são incompatíveis com a matriz africana de que se originam. As religiões de matriz africana, por conta de todo o processo, acabou abarcando vários preconceitos que ainda são muito reproduzidos no país. Só quando conseguirem consensuar sobre isso, estarão em situação de saúde plena, pois o preconceito ainda é uma patologia em seu meio. Precisam encontrar formas de se colocar em ponto de equilíbrio com o todo. Babá Dyba de Iemanjá ressaltou a noção de “pessoa”, lembrando que todos nós, independentemente de qualquer particularidade, somos pessoas e estamos no mundo, e é assim que devemos ser vistos. As orientações e preferências sexuais de cada indivíduo precisam ser respeitadas também dentro dos terreiros. Cada um deve ter o direito de exercer seu papel nesse espaço. É necessário, então, que as idiossincrasias sejam enfrentadas,

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afinal, se o orixá escolhe se manifestar em determinada pessoa e não a discrimina, quem somos nós para discriminá-la? Decerto que para o orixá a questão da sexualidade já está resolvida. Esse seria um problema apenas para as pessoas. Elas, sim, precisam se resolver quanto a essa questão. No final das contas, todos que procuram o terreiro precisam ser cuidados independentemente de quem sejam, cabendo aos líderes garantir que isso ocorra da melhor forma possível. Para tanto, é importante dialogar com o SUS, de modo que os povos de terreiros sejam tratados diferentes em suas diferenças. Sobre a transexualidade, Babá Dyba de Iemanjá destacou que, na perspectiva de terreiro, todos são transexuais o tempo todo, pois é a entidade que se manifesta que determina qual será a sexualidade daquele ou daquela que a recebe. Isso precisa, então, ser discutido com olhos da matriz africana e não com olhos do Ocidente. Ogam Luís encerrou a mesa enfatizando que todos os presentes têm a responsabilidade de levar as discussões ali pautadas para os seus terreiros, para os diferentes espaços onde convivem, a fim de que se chegue a um entendimento mais ampliado.

3.3 | Salas de conversa Sala 1: Homens, violências e vulnerabilidades | Coordenação: Jurandir Teles RENAFRO Ilhéus Sala 2: Homens de terreiro, relações amorosas e diversidade sexual

(Coordenação: Pai Edilson de Obaluaiê | coordenador nacional do GT Homens de Axé)

Sala 3: Paternidade e aborto: os impactos na vida dos homens negros e homens de terreiros (Coordenação: Juliana Coutinho | Ministério da Saúde)

Sala 4: Drogas: o que os homens de terreiro têm a ver com isso

(Coordenação: Sudário Mesquita | coordenador do GT Juventude de Terreiros/Ceará)

O objetivo das salas de conversa foi promover o debate e a formulação de propostas acerca de temas específicos que, estando relacionados à promoção da saúde dos homens de terreiros, podem contribuir para o fortalecimento das ações tanto dos terreiros quanto desses em parceria com a RENAFRO e o Ministério da Saúde. Embora a proposta inicial fosse dividir os participantes do Encontro em quatro grupos, ao final, optou-se pela divisão em apenas três, tendo havido a junção dos temas “Homens, violências e vulnerabilidades” (Sala 1) e “Drogas: o que os homens de terreiros têm a ver com isso” (Sala 4) num único grupo. A discussão em cada sala contou com um provocador/moderador, que propôs as questões para a discussão e a conduziu, e um anotador, que tomou nota das resoluções tiradas ao final do trabalho. Após as discussões nas salas, os participantes do Encontro se reuniram novamente e cada grupo apresentou para os demais as propostas formuladas. Esta constitui, portanto, a síntese propositiva do evento, norteada pelos quatro temas sugeridos pela organização para o debate. As proposições finais podem ser vistas nos três subitens a seguir, separadas de acordo com as salas de conversa.

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3.3.1 | Sala 1 Homens, violências e vulnerabilidades e Sala 4 Drogas: o que os homens de terreiros têm a ver com isso Moderadores: Jurandir Teles e Sudário Mesquita Participantes: 39 Encaminhamentos }} Adquirir o vídeo Pedras no caminho, do Projeto “Caminhos do cuidado”, para que se possa trabalhá-lo nas oficinas dos terreiros, especialmente naquelas realizadas nos municípios. }} Elaborar uma campanha nacional com o tema “Saúde do Homem”, que dialogue com a diversidade nos níveis regional, estadual e municipal. }} Promover um círculo de formação aberta pautado no princípio da educação popular, em que se promova a troca de saberes a partir dos seguintes tópicos: }} Conversa nos terreiros: De jovem para jovem Educação entre pares; }} Capacitação “blitz” da promoção; }} Abordagem das especificidades de cada local, considerando os três níveis de prevenção. }} Discutir, nas comunidades de terreiro, a cultura da paz e a responsabilidade pessoal no processo, visando compreender como os povos de terreiro se veem em relação ao tema e promover a responsabilização. }} Capacitar profissionais de saúde que atuam nas comunidades de terreiros, utilizando-se da Política de Educação Permanente do Ministério da Saúde. }} Divulgar a Rede de Atenção Psicossocial. }}

Buscar meios de articulação e trabalho conjunto com a Rede de Atenção Psicossocial.

}} Fortalecer o controle social sobre as três esferas do governo, a participação nos espaços de debate e decisão como conselhos e conferências e a intervenção na definição de agendas de atuação. }} Buscar financiamento para as ações, viabilizando por meio da formação de comissões e grupos gestores. }} Ampliar a divulgação do trabalho realizado pela RENAFRO. }} Promover a disseminação de informações sobre experiências exitosas dentro da Rede.

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}} Promover a articulação entre os terreiros e as demais organizações sociais com abrangência territorial semelhante.

3.3.2 | Sala 2 Homens de terreiros, relações amorosas e diversidade sexual Moderador: Pai Edilson de Obaluaiê Participantes: 22 Encaminhamentos }} Realizar oficinas regionais sobre os temas “diversidade sexual” e “identidade de gênero”, com a participação tanto de homens quanto de mulheres. }} Criar espaços para a discussão desses temas também nos GTs Mulheres, Homens e Juventude de Axé. }} Realizar roda dos fazeres nos terreiros, abordando os temas “ancestralidade”, “oralidade” e “tradição”. }} Criar meios, mediante as coordenações estaduais da RENAFRO, para a sua inserção nos espaços de controle e participação social e para a implicação dos povos de terreiros nesse processo.

3.3.3 | Sala 3 Paternidade e aborto: os impactos na vida dos homens negros e homens de terreiros Moderadora: Juliana Dale Coutinho (Ministério da Saúde – MS) Participantes: 13 Encaminhamentos: }} Promover parcerias entre os órgãos federais, estaduais e municipais de saúde e os sacerdotes e sacerdotisas, para que sejam levadas informações para as comunidades de terreiros. }}

Buscar formas de tornar as informações sobre saúde e prevenção mais acessíveis para toda a população de terreiros, no que tange à linguagem e à forma de apresentação.

}} Privilegiar a disseminação de informações não somente sobre prevenção, mas também sobre cuidados para a população de terreiros que já está contaminada por alguma DST e/ou HIV/AIDS. }} Produzir material específico para a população de terreiros com informações sobre direitos e deveres em relação à paternidade e ao aborto, utilizando-se para isso de mídia, linguagem e formatos adequados às especificidades de cada comunidade.

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}} Buscar meios de promover a disseminação de informações sobre paternidade e aborto em parceria com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, considerando as potencialidades e deficiências existentes. }} Disseminar informações sobre os direitos e deveres na paternidade, com o favorecimento da percepção acerca da “alegria de ser pai”, a partir da compreensão que os povos de terreiros têm sobre o exercício desse papel. }} Encontrar meios para que a filosofia de vida do povo de terreiro possa contribuir com a promoção da saúde dos homens. }} Encontrar meios para promover a aproximação entre a atenção básica e os demais equipamentos de saúde, de um lado, e as comunidades de terreiros, de outro. }} Criar mecanismos que viabilizem a apropriação, pelos profissionais de saúde, das práticas e cultura de terreiro, a fim de gerar uma postura mais ética e acolhedora e, também, promover a troca de saberes entre as culturas tradicionais e a atenção básica.

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SUMÁRIO DAS ATIVIDADES EM

19 de agosto de 2014


4.1 | Painel 3: Homens negros, masculinidades e políticas públicas Expositores 1. Maria Inês Barbosa | Organização Pan-Americana da Saúde OPAS 2. Eduardo Chakora | Ministério da Saúde MS

Coordenação e comentários Tata Marinho | Coordenador da RENAFRO/Núcleo Ilhéus

4.1.1 | Resumo das apresentações A primeira expositora foi Maria Inês Barbosa, que utilizou diversas imagens para expôr suas ideias e perspectivas. Iniciou sua fala afirmando que a matriz africana torna todos e todas interdependentes. Partindo daí, destacou que, para se falar sobre homens negros, masculinidades e políticas públicas, é necessário olhar para o passado, pois se está a falar das matrizes de nossas relações sociais, que implicam como o Estado cria, implanta e implementa (ou não) políticas públicas. A discussão desses três temas requer, portanto, uma volta ao contexto histórico brasileiro, não para lamentá-lo, mas para não repeti-lo, pois isso é o que ocorre quando não se tem consciência plena do que já foi feito. Chamou a atenção para a ausência do branco no discurso sobre o negro, para a falta de discussão acerca do peso que a branquitude e a negritude têm na relação entre esses dois lados, para a falta de aprofundamento acerca do que gestou mulheres e homens brancos em contraposição a mulheres e homens negros. Tudo isso, segundo ela, demonstra que se está a esquecer que o racismo é relacional e, portanto, não se refere somente aos negros. Desse modo, falar de políticas públicas implica lembrar que quem as gesta é parte da solução e, ao mesmo tempo, do problema.

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Passando à apresentação de seus slides, comentou duas imagens de pontos na África a partir de onde se traficavam seres humanos: o castelo de São Jorge, em Gana, e a Ilha de Gorée, no Senegal, com sua “porta do não retorno”. Mencionou o livro O herói com rosto africano, de Clyde W. Ford1, que estudou a mitologia africana após se sentir desafiado pelo livro O heroi de mil faces, de Joseph Campbell2, o qual considerou os mitos africanos menos potentes do que aqueles vindos dos demais locais do mundo. Ford provou que a teoria de Campbell estava errada ao demonstrar, entre outras coisas, que o mito da criação dos bambaras era semelhante ao mito de criação hinduísta e também à astrofísica, na medida que ambos afirmavam que tudo teria surgido do som. Na perspectiva de Maria Inês Barbosa, a demonstração de Ford ilustra a recorrente invisibilização das visões de mundo e perspectivas africanas, fruto de uma sociedade hierarquizada e pautada num falso conceito de raça. Tudo isso, segundo ela, não é algo aleatório. Pelo contrário, é parte de um eficiente processo de dominação. Comentou o quadro La rendención de Cam, do espanhol Modesto Brocos y Gómez (1895), que viveu no Brasil. Esse quadro retrata o que Maria Inês Barbosa chamou de “o processo de iluminação biológica e cultural” do país, que se deu com a maciça importação de brancos ao longo do século XIX (mais de 3 milhões), como parte do projeto de nação brasileira daquela época. Segundo ela, esse projeto continua a se reproduzir até os dias de hoje, já que não nos debruçamos sobre ele a fim de avaliar, de fato, quais foram as vantagens de ser branco ao longo desse processo; já que até hoje não se questionou a forma como o branco se vê como branco, ou seja, como é construída sua identidade racial. Citando Maria Aparecida Silva Bento, destacou que o silêncio em relação ao branqueamento e à branquitude atende a propósitos historicamente contextualizados: O legado da escravidão para o branco é um assunto que o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do trabalho de quatro séculos de outro grupo. Há benefícios concretos e simbólicos em se evitar caracterizar o lugar ocupado pelo branco na história do Brasil. Este silêncio e cegueira permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar os negros: no final das contas, são interesses econômicos em jogo3.

Ilustrando suas falas acerca da naturalização da desvalorização do negro e dos discursos usados para o não enfrentamento do racismo no país e para a manutenção dos status de poder vigente, trouxe e comentou a foto das candidatas ao concurso Miss Bahia 2013, todas brancas, não obstante a população bahiana tenha aproximadamente 80% de negros. Segundo ela, o perfil das candidatas gerou reações de vários movimentos, ao que a organização do eventou respondeu dizendo que “as pessoas, em geral, se sentem atraídas pelo diferente”, logo, num estado majoritariamente negro, é natural a atração pelo 1

FORD, Clyde W. O herói com rosto africano: mitos africanos. São Paulo: Selo Negro, 1999.

2

CAMPBELL, Joseph. O Herói de mil faces. 11 ed. São Paulo: Editora Pensamento, 1995.

3

BENTO, MARIA APARECIDA SILVA. Psicologia social do racismo – estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. IN: Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento (Org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. p. 3.

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branco. Não obstante, há que se refletir, segundo Maria Inês Barbosa, acerca do fato de que o contrário não é verdadeiro: no caso dos estados do Sul, onde a população é majoritariamente branca, as candidatas ao mesmo concurso não são todas negras. Maria Inês Barbosa ressaltou que os temas raça, masculinidade e políticas públicas se transversalizam, o que muitas vezes é ignorado pelo Estado. Ao mesmo tempo que se está sempre reafirmando a supremacia dos brancos, se está a falar do racismo institucional e de como as pessoas o internalizam. Para ela, todas essas categorias analíticas ajudam os negros inclusive os povos de terreiros a conhecer esses processos todos e a entender tanto os brancos quanto a si mesmos, sendo esse o caminho para se libertarem. Casos como o de um menino negro que, tal qual se fazia na época da escravidão, foi preso ao poste, por ser suspeito de ter cometido um crime, demonstram que o racismo não é coisa do passado e que o tratamento dado pela sociedade a esse episódio é totalmente diferente daquele dado a situações similares envolvendo brancos. Nesse páreo, os brancos continuam a ter privilégios, benefícios. Igualmente, a abordagem policial feita com os negros também é totalmente diferente daquela feita com os brancos, e isso não é aleatório. Ilustrando o caso com uma foto de abordagem a um jovem negro, Maria Inês Barbosa destaca que o “meter a mão por entre as pernas do abordado” é uma forma de atingir sua masculinidade, já que o homem negro tem, sob a perspectiva da sociedade, que desempenhar o papel de macho que dele se espera. Segundo a expositora, nada disso é passível de ser combatido. Pelo contrário, precisa ser desconstruído; suas bases precisam ser suprimidas, pois o combate apenas fortalece o outro lado. Como exemplo positivo de desconstrução e mudança dos espaços, citou o sistema de cotas para negros nas universidades, que dá aos jovens negros a oportunidade de estudar como quaisquer outros jovens brancos. Tratando das relações de poder, da transversalidade e da interseccionalidade nas políticas públicas, especialmente no campo da saúde, Maria Inês Barbosa enfatizou a necessidade de que se façam sempre três perguntas: 1) Quem se beneficia?; 2) Quem se prejudica?; e 3) Como fazer de forma a garantir os diretos humanos em saúde?. Destacou que os exemplos por ela trazidos visaram corroborar a perspectiva de que não se trata de instituir um SUS para a população negra, mas sim de lidar com o racismo existente também no SUS, sob pena de que o perfil de saúde da população negra continue sendo pior que o da população branca. Para ela, ao se negar a lidar com essa necessidade, o SUS está se negando a funcionar adequadamente. Os gestores e gestoras do SUS ainda não estão preparados para lidar com essa complexidade, o que não constitui um crime. No entanto, há que se admitir esse despreparo e buscar formas de revertê-lo, para que essa situação complexa mude, para que tanto gestores quanto usuários sejam capazes de enxergar quando estão a reproduzir o racismo. Afinal, tudo isso é muito sutil e essa situação é alimentada pelos dois lados, pois, por serem brancos, os gestores são, ao mesmo tempo, parte do problema e também da solução. Por outro lado, os mecanismos que mantêm em funcionamento todo o sistema pautado

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no racismo estão lá, entre os gestores brancos, e também aqui, entre os usuários negros. Isso, segundo a expositora, muitas vezes é banalizado por nós. Maria Inês Barbosa destacou que, apesar de toda a complexidade, um outro mundo é possível, especialmente porque se está a falar de políticas públicas em um momento propício, que é o ano eleitoral. É preciso, então, que pensemos qual o projeto apresentado pelos novos governantes, quem são eles e como pensam o país. É preciso que se negocie qual a parcela de poder que queremos nesse espaço. Isso é algo que ainda não discutimos. A expositora comentou que estudos demonstram que a população negra vota mais para o centro do que para a esquerda. Ou seja, é ela quem elege os governantes, embora não busque participar dos espaços de poder, não disputa espaço em áreas estratégicas. Para que faça isso, Maria Inês Barbosa disse que a população negra precisa vencer o racismo internalizado, pois ainda prefere ver no poder o outro, o branco. A expositora encerrou sua fala destacando que se estamos num país de maioria negra. Portanto, a maioria do poder deveria estar nas mãos dos negros, o que não é sequer pleiteado por essa parcela da população. Enfatizou que um processo de mudança de perspectiva como esse só é possível a partir de um projeto coletivo que dê ao povo a capacidade de retirar do poder quem não cumpre o que prometeu. E isso cabe a todas as áreas, não somente à da saúde. A partir do momento em que a população negra passar a se posicionar dessa maneira, os privilégios passarão a ser compartilhados entre ela e a população branca. O expositor seguinte foi Eduardo Chakora, que apresentou a Política Nacional de Saúde do Homem, voltada especificamente para homens de 20 a 59 anos (cerca de 55% da população masculina total). Chamou atenção para a realidade do país, na qual se salvam homens ao nascer para depois os perder na adolescência. Segundo estatísticas, a cada três pessoas que morrem no Brasil, duas são homens. Entre os indivíduos de 20 e 30 anos de idade, essa proporção é de quatro homens a cada cinco pessoas que morrem. No tocante à morbidade, os homens sofrem mais doenças do coração (infarto, AVC), doenças mentais, sofrimento psíquico, cânceres (pulmonar, próstata, pele), colesterol elevado e pressão alta. Além disso, os homens têm algumas peculiaridades socioculturais em relação às mulheres, do mesmo modo que os homens negros as têm em relação aos homens brancos. Eles têm medo de descobrir doenças. Acham que nunca vão adoecer e, por isso, não se cuidam, não procuram os serviços de saúde e não seguem os tratamentos recomendados. Estão mais expostos aos acidentes de trânsito e de trabalho. Apresentam vulnerabilidades específicas que contribuem para uma maior suscetibilidade à infecção de DST/AIDS. Utilizam álcool e outras drogas em maior quantidade. Estão envolvidos na maioria das situações de violência. E, ainda, não praticam atividade física com regularidade. Ou seja, ser homem é ser um “fator de risco ambulante”, independentemente de sua raça e etnia. Isso é algo importante a observar, pois as relações de gênero afetam a forma como vemos o mundo e, também, a forma como vamos viver e morrer. Isso faz com que mulheres com características tipicamente masculinas tenham piores condições de vida

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e, por outro lado, homens com características tipicamente femininas tenham melhores condições de vida. Segundo Eduardo Chakora, esse é um ponto importante a se destacar, pois vivemos num planeta que é gerado pelo feminino, porém, é polinizado, fecundado pelo masculino. Eduardo Chakora utilizou a imagem da maior onda do mundo sendo surfada por um homem para representar o mito do herói, que é o paradoxo do poder masculino, já que os homens se mantêm dominantes no poder, mas isso não cria para eles privilégio algum para sua saúde. Eles se sacrificam para morrerem como heróis, mas isso nem sempre funciona, pois, ao adoecer, muitos acabam se tornando dependentes do cuidado de outros. Na sequência, apresentou dados sobre a distribuição dos óbitos por idade e sexo. O número de óbitos é maior entre os homens do que entre as mulheres, dos 10 até os 79 anos de idade, sobretudo dos 15 aos 39 anos. Destacam-se, para os homens jovens, as causas externas, sobretudo agressões e acidentes de trânsito. Esses dados, segundo Eduardo Chakora, apontam para duas realidades distintas que, no limite, impõem a necessidade de duas políticas específicas para trabalhar com a saúde dos homens: uma para os jovens e outra para os adultos e idosos. Afinal, a população masculina sobretudo a jovem e, ainda mais, a negra vem sendo dizimada por meio de um projeto perverso que vem sendo desenvolvido dentro do sistema com a conivência do Estado. Para fazer frente a isso, é essencial que a diversidade seja levada em conta no compartilhamento do poder. Somente assim, conforme o expositor, todos poderão se sentir representados. Passando a falar do serviço de saúde, Eduardo Chakora destacou que os homens acessam o sistema por meio da atenção especializada, já com o problema de saúde instalado e evoluindo de maneira insatisfatória, o que acaba levando a agravos de morbidade, menor resolutividade do problema, maior ônus para o SUS pois o tratamento se torna mais complexo e caro e, ainda, a um maior sofrimento para ele. A luta, então, é para que os homens comecem a procurar os serviços de saúde ainda na atenção básica, ou seja, antes do problema instalado. Isso evitaria muitos agravos e complicações. Segundo o expositor, há uma série de fatores de ordem sociocultural e institucional que levam os homens a não se cuidar, entre os quais: os estereótipos de gênero, que o colocam como imbatível, provedor e cuidador, e nunca cuidado; o medo de se descobrir doente; o fato de o homem não se reconhecer nos serviços de saúde e, por outro lado, de os serviços de saúde não o verem como público a atender ou mesmo como alvo de suas estratégias de comunicação; a inadequação dos horários de funcionamento dos serviços; a dificuldade dos homens em serem liberados do trabalho, pois não há legislação alguma que lhes garanta pelo menos um dia no ano para isso; e dificuldades de acesso. Eduardo Chakora destacou que os homens precisam aprender a se cuidar sozinhos, independentemente das mulheres. Partindo de todas essas especificidades do público masculino e levando em conta as especificidades político-econômicas e de infraestrutura dos serviços de saúde em cada

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local, indicou que a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) objetiva facilitar e ampliar o acesso com qualidade da população masculina às ações e aos serviços de assistência integral à saúde da Rede SUS que atua de forma descentralizada , mediante a atuação nos aspectos socioculturais, sob a perspectiva relacional de gênero, contribuindo de modo efetivo para a redução da morbidade, da mortalidade e para a melhoria das condições de saúde do público masculino. Reiterando o que disse Maria Inês Barbosa, chamou a atenção para a importância de levar em conta a diversidade na execução da política, pois somente assim se pode dar conta da complexidade inerente ao trabalho, especialmente para além da atenção básica. Eduardo Chakora enfatizou que a PNAISH tem diferentes linhas de ação e que, por meio do Programa Melhoria do Acesso com Qualidade (PMAQ), tem buscado manter um cadastro atualizado dos homens em cada território, além de realizar a busca ativa; a oferta de horários alternativos de atendimento; ações e atividades educativas em diferentes temas como planejamento familiar e prevenção de acidentes e violência e do uso de álcool e outras drogas , ampliação da participação dos homens no pré-natal, parto e puerpério que é oportunizada, até mesmo, pela Lei n. 11.108/2005, a Lei do Acompanhante ; e oferta de exames para homens que participam do pré-natal (o “pré-natal do parceiro”). Essas atividades, que já vêm sendo realizadas, vão ao encontro das linhas de ação e objetivos da Política. Não se trata de privilegiar os homens, mas de beneficiar de forma sistêmica a população. Afinal, ao se melhorar as condições de saúde dos homens, beneficia-se também as mulheres e crianças que com eles convivem e, muitas vezes, deles dependem. Na sequência, o expositor apresentou folders e cartazes de campanhas realizadas pelo Ministério da Saúde com foco nos homens, bem como artigos e periódicos publicados com dados sobre a saúde desse segmento. Falou da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, cujo objetivo é promover a saúde integral desse público, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS. A marca dessa política, segundo Eduardo Chakora, é o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde. Mencionou o aporte do Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.12.288, de 20 de julho de 2010). Eduardo Chakora destacou que muitos dados em saúde já têm desagregação por raça/ cor, o que ajuda a tornar as políticas mais efetivas, posto que se pode direcioná-las melhor para as especificidades de cada grupo, e sabe-se que o acesso ao SUS ainda é, de fato, mais dificultado para a população negra, não obstante essa representar a maior parcela dos usuários. Ressaltou que a forma de lidar e cuidar da saúde nos terreiros é a mesma oferecida na atenção básica. Não há divergência. Ambas priorizam a escuta, o acolhimento, o cuidado, a integralidade, a perspectiva individual e coletiva e as redes de solidariedade. Apresentou os resultados de um levantamento feito pelo Projeto Ató-Ire acerca dos principais problemas de saúde que chegam até os terreiros, destacando que, em sua maioria, são característicos de doenças psicossomáticas, todas tratáveis com alta resolutividade pe-

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los serviços de saúde: dor de cabeça, desmaio, depressão, taquicardia, doença desconhecida, amnésia, doenças de pele, febre reumática, convulsões, alcoolismo, insônia, doença dos nervos e doenças da barriga. Segundo Eduardo Chakora, as religiões afro-brasileiras promovem espaços potenciais de cuidado que devem ser levados em consideração nos processos de educação em saúde. Elas reúnem, ao mesmo tempo, um repertório simbólico e real de alternativas de informação, formação e atendimento na prática de lidar com a saúde e com a educação, podendo tornar-se importante instrumento estratégico para a promoção da saúde. O modelo de atenção e cuidados nos terreiros, por suas características, pode influenciar positivamente políticas públicas de saúde. Por exemplo, o acolhimento e o toque no corpo podem contribuir para a Política Nacional de Humanização. O respeito aos idosos e ao saber dos mais velhos pode contribuir com a Política Nacional de Saúde do Idoso. A celebração da vida e do nascimento são exemplos a seguir pela Política Nacional de Humanização do Parto e do Nascimento. O respeito às orientações sexuais é um princípio do Programa Brasil sem Homofobia. O equilíbrio psicossocial cabe dentro da Política Nacional de Saúde Mental. O uso de folhas e ervas dialoga com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Enfim, a inclusão de todas e todos é e precisa ser cada vez mais uma prática no SUS. A luta das lideranças de terreiros pelo direito humano à saúde e por políticas públicas passaram a fazer parte de uma agenda nacional. É importante, agora, que se desenvolva competência cultural, quer seja no espaço dos terreiros, quer seja no espaço do SUS. Não há mais como deixar as práticas dos terreiros isoladas. As ações técnico-políticas precisam ser fortalecidas, a despeito de ainda haver muito dissenso interno, que precisa ser resolvido para que o processo funcione. Eduardo Chakora lembrou que o perfil de doenças mais recorrentes na população negra coincide com aquele observado para a população em geral. O que diferencia uma e outra é, no entanto, o racismo, a discriminação e a negação de direitos que incide diferentemente sobre elas, levando indicadores de saúde, mortalidade e morbidade desfavoráveis para a população negra. Essa tem, por conta do contexto que é historicamente construído, maior dificuldade para acessar os serviços de saúde, havendo dados indicando que o atendimento médico, as consultas, os planos de saúde e o tratamento odontológico são mais acessíveis à população branca. Reiterou os objetivos da RENAFRO e apresentou uma sugestão de agenda conjunta, chamando a atenção para a importância de que haja troca entre a RENAFRO e os gestores de saúde. Os pontos propostos na agenda foram: }} Estabelecer pontes e parcerias em ações técnico-políticas afins, por meio das Coordenações Estaduais e Municipais das Capitais em Saúde do Homem que já estejam desenvolvendo ou possam desenvolver ações voltadas para a população negra nos territórios. No caso, até o momento, esses são RS, BA, MS, MT, MA, SP, SC, PI, AP, AC, PA, RR e AM.

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}} Pautar, nas oficinas de trabalho do Colegiado Nacional das Coordenações de Saúde do Homem, os temas priorizados na Rede. }} Reforçar, nos Conselhos (Municipais, Igualdade Racial, Direitos do Negro, Saúde da População Negra, LGBT, LGBT/CNS), a participação e a articulação no campo da Saúde do Homem. }} Elaborar e confeccionar em conjunto materiais educativos que interliguem as práticas de saúde dos terreiros com as do SUS. }} Promover a sensibilização e a capacitação de lideranças, multiplicadores, facilitadores, gestores e trabalhadores da saúde, sobre os temas da saúde do homem e das práticas do povo de terreiro, no que tange aos principais temas. }} Realizar pesquisa, por meio de parceria entre Estado, universidades e a RENAFRO, acerca da saúde nos terreiros, com tema a ser definido pelos entes. Finalizando, Eduardo Chakora apresentou um documentário intitulado A história de Márcio, que pode ser visto em: <http://www.youtube.com/watch?v=QTd3Cboi5Og>. O filme fala sobre paternidade responsável.

4.1.2 | Debate a partir das questões trazidas pelo público }}

José Cleber, Casa Fanti-Ashanti, São Luís, MA: Comentário para Maria Inês Barbosa. A ideologia do branqueamento é uma questão ainda difícil de ser colocada no país, não obstante seja algo que continua a ser feito pelas famílias, pelos políticos, pela literatura, pela mídia, etc. Esse é um tema essencial que deveria estar posto em todos os encontros, pois a união entre os negros precisa ser promovida para que se faça frente a isso, se empodere este grupo.

}}

Ogan Andrey Giforenan Lemos , técnico da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde (SEGEP/MS): Comentário para Eduardo Chakora. Sexismo não faz mal somente à mulher. Ele atinge também o homem. E isso aliado ao racismo fica ainda mais grave. Por isso, a transversalidade desses dois temas, mencionada por Eduardo Chakora, precisa ser colocada no dia a dia, inclusive nos terreiros. O debate sobre o cuidado e a necessidade de superar o racismo é importante e quem luta pela promoção de espaços de saúde nos terreiros precisa também apoiar essa causa.

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Ogan Luis: Comentário à fala de Maria Inês Barbosa. Exposição remete à história ancestral, de como o país foi construído sem dar visibilidade aos negros. Os povos de terreiros precisam lutar por essa causa, perceber que os brancos não podem ser responsabilizados pela trajetória, mas, por outro lado, precisam ser aliados no combate ao racismo. Os movimentos precisam de união, precisam compreender que o racismo e a homofobia só podem ser vencidos dessa maneira. Só assim se terá um sistema de saúde que acolha a todos.

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}}

Damiana de Oliveira, Departamento de DST/AIDS do Ministério da Saúde: Comentário geral. O movimento negro ajudou muito a romper com as dificuldades e o isolamento nos quais quem está na gestão pública de serviços muitas vezes se encontra, porém, precisa continuar a contribuir. Muitas vezes falta apoio de dentro da gestão. Se há apoio e pressão externas, as coisas têm maiores chances de acontecer, pois ganham maior visibilidade. A RENAFRO é o espaço que os povos de terreiros têm para isso. Seu trabalho é uma oportunidade de ação, de sensibilização, de integração.

Argumentando a partir das colocações feitas pelo público, Maria Inês Barbosa destacou a importância de se estudar não somente os inimigos, mas também os brancos que foram aliados, arriscando suas vidas por acreditarem que era genuína a luta, por acreditarem que os outros negros tinham os mesmos direitos que eles, até mesmo de ocupar os mesmos espaços. Esse, segundo ela, é um projeto de ser humano. Por outro lado, há conquistas específicas do movimento negro, do povo, algumas das quais não foram até hoje plenamente implementadas, como a Lei n. 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. Outra questão a se pensar é se as pessoas estão preparadas para trabalhar a desconstrução do racismo, se elas entendem o processo no qual o racismo é constituído e reafirmado, pois muitos têm boas intenções, mas acabam por apenas justificar a situação e reproduzir, em suas práticas e na operacionalização das ações, os mesmos modelos que se propõem a combater. Desse modo, a sociedade que gerou as situações de desigualdade, violência e falta de cuidado precisa ser levada em conta. Afinal, as pessoas são sujeitos da história e, ao mesmo tempo, vítimas da história. Maria Inês Barbosa afirmou que somos construídos para exercer determinados modelos, o que não é fortuito, uma vez que a continuidade do poder nas mãos dos brancos requer que homens e mulheres negras também exerçam seu papel preestabelecido no caso, o de subjugados. O racismo só poderá ser combatido se o debate acerca dessas questões for aprofundado. Segundo Maria Inês Barbosa, não há como falar de masculinidade e política de saúde dos homens sem discutir raça, racismo e outros temas que estão correlacionados. Esses temas também precisam ser levados em conta, pois interagem entre si e já se têm dados desagregados por raça/cor. Essa abordagem integrada constitui um dos pontos em que se precisa avançar, a despeito das retaliações tanto por parte do Estado quanto pela sociedade. Ela própria constitui-se numa forma de fazer frente às retaliações. Caso contrário, a população negra, que é maioria no país, assim como as questões que lhe dizem respeito continuarão na “periferia”. Quanto às práticas de saúde nos terreiros, Maria Inês Barbosa chama a atenção para a necessidade de que se assuma uma perspectiva intercultural e interracial, sob pena de que se acabe por “folclorizar” a questão. É essencial que haja diálogo entre as diferentes culturas e raças e que o diálogo se dê entre iguais. No entanto, até os dias atuais o hegemônico, o universal, continua a ser o branco. O negro e sua cultura continuam a representar

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a “outra perspectiva”, a “outra visão do mundo”. Por isso, enquanto não se mudar a matriz que norteia os pensamentos, continuaremos a reificar a realidade que exclui a população negra e sua cultura , enquanto se pensa que está a transformá-la. Nesse sentido, a interculturalidade é, sem dúvidas, o tema sobre o qual precisamos nos debruçar. Por último, Eduardo Chakora chamou atenção para o quão radical é o convite feito à luz de todo o debate: buscar a epistemologia, a origem do processo. Afinal, não basta tentar construir novas estruturas em cima do que já está posto. A partir do esforço concentrado do grupo se pode “produzir uma marola, e esta pode virar uma onda”, a partir da qual seja possível trabalhar sob a perspectiva de raça e gênero.

4.2 | Painel 4: Homens negros, os terreiros e a epidemia do HIV/AIDS: perspectivas para a prevenção Expositora Damiana de Oliveira | Departamento de DST/AIDS do Ministério da Saúde

Coordenação e comentários Ricardo Mororó | coordenador do GT Homens de Axé / Paraíba

4.2.1 | Resumo da apresentação Em sua apresentação, intitulada “A epidemia da AIDS: cenário atual”, Damiana de Oliveira trouxe uma série de informações acerca do que o Departamento de DST/AIDS vem realizando. Apresentou as novas diretrizes que têm sido seguidas para a prevenção, o enfrentamento e o tratamento do HIV/AIDS. Antes, apresentou o cenário atual da epidemia, que atinge um número estimado de 718 mil pessoas no país, das quais 144 mil desconhecendo sua soropositividade. Esse é, segundo ela, o maior gargalo das ações, pois muitos só ficam sabendo que estão infectados quando já desenvolveram a doença. Atualmente, a média anual de mortes por AIDS é de 12.000, e a cada ano ocorrem 38 mil novos casos de AIDS no Brasil. A expositora comentou um gráfico em que eram apresentados dados em cascata sobre o HIV/AIDS. Entre as 718 mil pessoas vivendo com HIV/AIDS no país, 574 já foram diagnosticadas. Dessas, 531 mil estão vinculadas aos serviços de saúde, sendo que 436 mil estão retidas nesses; 313 mil recebem o tratamento anti-retroviral, sendo que 236 mil têm carga viral indetectável (≤50 cópias/ml). Ou seja, dos 718 mil casos, somente 236 mil recebem o tratamento de forma resolutiva, posto que sua carga viral é indetectável, o que indica que os serviços de saúde não estão alcançando todos os infectados. Constitui objetivo das políticas de enfrentamento ao HIV/AIDS fazer com que isso deixe de ocorrer. Damiana de Oliveira destacou que o número de novos casos detectados no país encontra-se estável, uma vez que não houve grandes alterações em seus níveis nos últimos cinco anos. No entanto, a AIDS continua a ser uma epidemia concentrada em populações-chave, a saber, homens que fazem sexo com homens (incluindo homossexuais e

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travestis), usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo, para os quais as taxas de prevalência são de 10,5%, 5,9% e 4,9%, respectivamente. Esses são os segmentos populacionais com maior vulnerabilidade ao HIV/AIDS, o que é potencializado por fatores como o estigma e o preconceito, as rotinas alternativas, o medo de estar doente, a maior chance de infectar e ser infectado em decorrência do tipo de contato, inclusive sexual, a que estão submetidos e ao medo da quebra de sigilo quando procuram por atendimento em saúde. A expositora chamou a atenção para a necessidade de que, em sua execução, a política conside que nem todos os direitos foram garantidos. Afinal, muitos e muitas seguem com medo de perder o emprego, medo do estigma, etc. Além das populações-chave, o Departamento de DST/AIDS tem atuado perante as populações negra e à indígena, as quais, não por questões genéticas, mas, sim, por questões socioculturais e econômicas são consideradas potencialmente vulneráveis à epidemia, estão em todos os grupos, logo, não necessariamente precisam de ações específicas. A atenção a essas duas populações, que é feita de forma articulada com outros Departamentos, Secretarias e também com a sociedade civil organizada, retrata uma mudança de cenário em relação ao que se tinha no início da epidemia, pois atualmente negros e indígenas, em decorrência das suas condições de vida que incluem o preconceito racial, as piores condições socioeconômicas, o menor nível de escolaridade e o medo da discriminação pela cor e a orientação sexual vêm sendo vítimas preferenciais. Antes, o percentual de notificações de negros infectados era baixo, mas o número de óbitos por HIV era comparativamente mais alto, denotando que essa população, além de conviver com a discriminação racial, convivia com a discriminação por conta da doença, preferindo, por conta disso, não se expor buscando por atendimento nos serviços de saúde, de modo a evitar a dupla vitimização. Para além da discriminação racial, é importante que se atente para outros fatores estruturais as desigualdades de gênero, a pobreza, o não acesso aos direitos humanos e a violência que contribuem para a maior vulnerabilidade de determinadas populações e que, por isso, têm que ser levados em conta na abordagem da questão, com vistas à prevenção. Acerca disso, Damiana de Oliveira ressaltou a necessidade de se pensar em ações que garantam aos distintos segmentos da população especialmente aos negros, que historicamente acumulam fatores vulnerabilizantes a busca por e a permanência na rede de atenção à saúde. A expositora apresentou alguns dados com recortes por sexo e raça/cor, chamando a atenção para o elevado número de casos cuja raça/cor é ignorada. Reforçou a relevância desse fato, tendo em vista que os dados norteiam políticas públicas, de modo que quanto melhor a qualidade dos dados, mais bem focadas podem ser as políticas. Apresentou a agenda atual para a prevenção ao HIV/AIDS, que está focada em cinco pontos: 1) combinação de intervenções; 2) focalização das intervenções em segmentos prioritários, com respeito à situação epidemiológica local; 3) aplicação de tecnologias que já existem; 4) uso de novas intervenções biomédicas (medicamentos), independentemente da carga viral; 5) “imunização” por meio da informação e da educação, especialmente para os jovens.

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Enfatizou que o protocolo para a prevenção e o tratamento do HIV mudou. Agora se trabalha sob a perspectiva da prevenção combinada, com o Estado garantindo mais de uma alternativa para o autocuidado. Isso porque não há mais como focar a prevenção somente no uso do preservativo, uma vez que a distribuição é de responsabilidade do Estado, mas o uso é uma responsabilidade individual. Ressaltou ainda que a disponibilização de medicamentos é também importante na prevenção, havendo pesquisas demonstrando até que ponto isso funciona. A prevenção combinada passa também pela combinação entre prevenção com o uso de tecnologias novas e também clássicas , tratamento e diagnóstico. Fazer a terapia pós-exposição, por exemplo, garante a profilaxia antes da exposição. Outra profilaxia que vem ganhando espaço é aquela feita depois da exposição, que é garantida não só para profissionais da saúde, mas também para outros, como profissionais do sexo ou cidadãos comuns. Damiana de Oliveira destacou que o diálogo e a articulação para a prevenção e o enfrentamento ao HIV/AIDS, além de se dar em espaços informais com a sociedade civil, conta com dois espaços formais dentro do próprio Departamento de DST/AIDS. Um deles é a Comissão Nacional de Articulação com Movimentos Sociais (CAMS), que foi criada em 2004 (institucionalizada pela Portaria n. 230/2011) e se constitui num espaço formal de articulação, de caráter consultivo, onde representantes da sociedade civil em parceria com o DDAHV discutem a formulação das políticas públicas de enfrentamento das DST, HIV/AIDS e hepatites virais, trabalhando na perspectiva de resolução de problemas relacionados às pessoas vivendo com o HIV/AIDS e com hepatites virais. O outro espaço formal é a Comissão Nacional de DST, AIDS e Hepatites Virais (CNAIDS), que foi instituída em 1989 como uma comissão consultiva e de assessoramento e é composta por 36 membros dos quais 1/3 vem das organizações da sociedade civil, 1/3 de instâncias governamentais e 1/3 da comunidade técnico-científica , que se reúnem a cada dois meses.

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No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde (Comissão DST/AIDS/HV/TB) discute a politica nacional e define a atuação no âmbito do controle social, havendo, ainda, grupos de trabalho que são criados conforme as necessidades do momento. Podem, por exemplo, ser voltados para comunicação, lipodistrofia, prevenção, transmissão vertical, DST, entre outros. Damiana de Oliveira destacou que, para além do cenário atual da epidemia e da execução da política, há que se considerar também os recursos disponibilizados. Ressaltou a importância disso, pois a realidade que se vive atualmente é a do esgotamento dos recursos mundiais disponibilizados para o enfrentamento e a prevenção ao HIV/AIDS no Brasil, que já não é mais reconhecido como um país que precisa de ajuda internacional. Agora, então, tem-se feito necessário pensar na sustentabilidade dos movimentos sociais de luta contra o HIV, já que os recursos para tal são, hoje, exclusivamente nacionais. Apontou que, em 2013, o Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais apoiou a execução de 111 subprojetos de organizações da sociedade civil, por meio da Agência Internacional de Cooperação Técnica. Em 2014, foram 89 subprojetos apoiados. Enfatizou que todos os projetos são apoiados com o intuito de aumentar o número de pessoas infectadas que são identificadas, acompanhadas e tratadas pelo sistema de saúde. Chamou atenção para a necessidade do trabalho articulado com outras pastas, como a de direitos humanos, o que necessariamente precisa ser promovido pelo próprio Estado. Falou do Fundo Posithivo, iniciativa do governo federal que se propõe a fomentar a criação de um Fundo de Apoio às Organizações da Sociedade Civil que trabalham no enfrentamento da epidemia da AIDS e das hepatites virais. Seu objetivo é contribuir para a sustentabilidade financeira dessas organizações, após o esgotamento dos financiamentos do Banco Mundial que mantinham sua atuação. O intuito é que esse Fundo seja instituído por meio de aporte inicial de recursos financeiros do governo federal e complementado, posteriormente, por doações provenientes de fontes de origem diversificadas. Damiana de Oliveira reiterou que o que se está a buscar por meio de todas as iniciativas e investimentos é o diagnóstico precoce e a garantia de estratégias conjugadas de prevenção para toda a população. Destacou a importância de as pessoas terem direito à testagem, de que elas entendem que, embora a porta de entrada seja a atenção básica, o centro de testagem e aconselhamento (CTA) pode ajudar. A testagem, dentro dessa perspectiva, é encarada como um direito humano de todos e todas. É vista como procedimento que pode ajudar na implementação dos três eixos norteadores do SUS, a universalidade, a equidade e a integralidade. Para que possa ser ampliada, a organização da testagem precisa levar em conta a visão sobre a epidemia concentrada; as tecnologias disponíveis e a inclusão de pessoas mais expostas; a conjugação de métodos e a intervenção em diferentes contextos; o estabelecimento de uma conexão entre os serviços disponíveis envolvendo ONGs, consultórios na rua, centros de convivência, UBS, ESF, SAE, presídios, entre outros ; e a ampliação de estratégias de aproximação entre serviços e comunidade. É necessário que se esteja atento à forma como se dá a epidemia no país. Afinal, se ela não acomete igualmente

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toda a população, o foco de atuação tem que estar nas populações que, de fato, precisam. Ademais, é necessário que se trabalhe com os serviços e estruturas que já existem, sem que se crie novos. Para a prevenção e o enfrentamento à epidemia, todos devem contribuir, até mesmo as instituições religiosas, que sempre estiveram presentes. E o Departamento, conforme Damiana de Oliveira, está aberto para parcerias. Não que ele deva dizer ao grupo religioso como deve se comportar, mas é ao grupo que cabe dizer ao Departamento o que funcionará melhor para contemplar as especificidades de seu público. Essa cooperação entre o Departamento e os diferentes grupos religiosos só é possível se houver interlocução e articulação. Tudo pautado no diálogo, no respeito, no acesso, na oportunidade, no reconhecimento dos saberes, na educação entre pares e na promoção do protagonismo. Tudo isso independentemente do espaço onde se esteja. Damiana de Oliveira ressaltou que atualmente já se reconhece a ineficiência de intervenções voltadas para a população em geral, tendo em vista que essa pode saber como agir. O foco das ações que integram a resposta à aids no país tem endereço certo, que são as populações-chave. Falou de várias estratégias que vem sendo desenvolvidas com vistas a dar maior capilaridade à testagem entre as populações-chave e também disseminar informações, o que vem sendo feito, sobretudo, em parceria com ONGs. Entre essas, enfatizou o Programa “Quero Fazer” que é da USAID/Brasil, em parceria com o Departamento de DST/AIDS e hepatites virais e apoio dos Programas Estaduais e Municipais de DST/AIDS e ONGs LGBT ; as unidades móveis de aconselhamento e testagem voluntária (trailers); a educação entre pares; a participação nas redes sociais; o envio de mensagens SMS; e o Projeto “Viva melhor sabendo”. Mencionou, ainda, o financiamento da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) o qual, segundo ela, ainda tem recebido poucas propostas, não obstante haja recursos suficientes e a existência de projetos estratégicos com ênfase na população jovem – uma vez que o número de casos encontra-se alto, com destaque para a população de rua e as gestantes usuárias de crack. Especificamente para a população negra, apresentou algumas ações planejadas para o ano de 2014, destacando que pretendem desenvolver campanhas que chamem gestores e população para participar do planejamento, a fim de que se chegue a materiais mais eficientes. Por fim, destacou que a testagem é muito importante, porém, não vai resolver sozinha o problema da epidemia concentrada. Afinal, se se está caminhando para uma situação em que as pessoas comprarão o teste e o farão em suas casas, logo, não passarão pelo serviço público para a detecção e o acompanhamento.

4.2.2 | Debate a partir das questões trazidas pelo público }}

Tinho, Grupo Gaivota do Maranhão: Apresentou dois comentários e duas perguntas. O primeiro comentário é que o Ministério da Saúde tem sido muito omisso nas campanhas exclusivas para segmentos, sendo que algumas delas foram vetadas como aquela voltada para as prostitutas , e outras nem sequer foram cogitadas como para povos de terreiros. Em outros casos, o público retratado não reflete a diversidade da

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população. Sua omissão reflete nitidamente o racismo institucional, deixando claro que o fundamentalismo ainda impera. O segundo comentário foi que a falta de campanhas ressaltando que não se pega HIV pela saliva, antes do início da ampliação da testagem por fluído oral, tem contribuído para o retorno ao velho estigma, pois parte da população não possui essa informação e acaba por se atemorizar com tal possibilidade. Essa, segundo Tinho, teria sido uma atitude irresponsável por parte do Ministério da Saúde, que fez com que muitas ONGs não quisessem aderir à testagem com fluído oral. A primeira pergunta feita foi se a possibilidade de se ter acesso à testagem nas farmácias, sem qualquer tipo de acompanhamento, não poderia resultar em mais altas taxas de suicídio, menos notificações e menos procura por tratamento. Por fim, perguntou sobre qual a destinação dos recursos que não são aplicados por falta de projetos aprovados, pois, entre os vinte projetos enviados para a solicitação de apoio às paradas do Orgulho LGBTT, somente dez foram aprovados. }}

Maria Inês Barbosa, OPAS: Primeiramente, lembrou que o Banco Mundial não doa recursos para financiar ações, mas apenas empresta. Em segundo lugar, destacou a importância de que se reflita sobre como garantir acesso ao teste por fluído oral, que deve ser alvo de uma política pública, num país tão grande como o Brasil, caso se passe essa iniciativa para as mãos de ONGs. Em terceiro lugar, reiterou que é responsabilidade do Ministério da Saúde garantir não somente a assistência à saúde, mas também o acesso à informação para a prevenção, e é disso que se está a falar quando se pensa em educação em saúde. Então, não se trata de eximir o Ministério da Saúde dessa responsabilidade, mas, sim, de buscar formas de atuação conjunta com outros Ministérios. Não se trata de excluir, mas de garantir informação e direito a todos.

}}

Ronaldo, Movimento Maranhense de Pessoas Vivendo com o HIV/AIDS: Criticou a estratégia adotada pelo Ministério da Saúde em relação à testagem por fluído oral. Houve posicionamentos contrários por parte de muitas ONGs e o Ministério desconsiderou isso. Enfatizou a necessidade de que as opiniões da sociedade civil sejam levadas em conta.

}}

Ricardo Mororó, coordenador da mesa: Destacou a importância da disseminação de informação, da formação de multiplicadores e da prevenção, pois sem informação não há como buscar direitos. Essas são lacunas a serem cobertas até mesmo nos terreiros, pois pais e mães de santo não falam sobre HIV/AIDS. Esse ainda é um tema tabu. Apontou a necessidade de que o Departamento invista nisso, pois as populações-chave estão presentes também dentro dos terreiros.

}}

Mãe Luza de Oxum, São Luís, MA: Apontou que no Maranhão tem conseguido levar todos os temas mencionados para dentro dos terreiros, graças às parcerias firmadas.

Iniciando suas respostas pelo comentário de Ricardo Mororó, Damiana de Oliveira destacou que o Departamento sempre teve como parceiras as religiões de matriz africana, porém, não por meio de projetos, mas via articulação. Ressaltou que todas as propostas de projetos que chegam até eles são analisadas e, só então, aprovadas. Nada é aprovado e financiado sem passar por esse processo. Enfatizou, ainda, que o Departamento não tem

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capacidade e nem a responsabilidade de solucionar, sozinho, a questão da prevenção no país, pois essa é uma responsabilidade de todos os Ministérios não somente o da Saúde e também da população. Adicionalmente, disse que reconhecem que a capacitação técnica e a formação de multiplicadores é importante, pois não basta repassar recursos. Disse que a questão dos direitos humanos não lhes passa desapercebida, mas que, pelo contrário, há uma agenda articulada com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Lembrou que ao governo cabe um papel e também responsabilidades diferentes daquelas que cabem aos movimentos sociais. Estes últimos são importantes, porém, sua atuação e sua possibilidade de intervenção vão até certo limite. Afinal, é o Estado quem deve responder pelos acertos e erros das decisões que toma e pelas ações que implementa, e não a ONG ou movimento social que a sugeriu, motivo pelo qual eventos como o Encontro Nacional de ONG AIDS (ENONG) ajudam a construir indicativos, sugestões, e não agendas pactuadas com obrigações de execução. Essa é uma questão importante, segundo Damiana de Oliveira, pois faz lembrar que a proposta da testagem por fluído oral em outros locais, para além dos hospitais, é pautada em uma política de saúde, não sendo, portanto, algo aleatório e contrário ao posicionamento dos movimentos sociais. Ela permite explorar outras possibilidades, ainda que alguns movimentos sociais se posicionem contrariamente. Assim, aproveitando para argumentar também em relação ao que apontou Maria Inês Barbosa, Damiana de Oliveira disse reconhecer que não basta oferecer a testagem por fluído oral nas estruturas existentes. Diferentemente disso, é importante que se trabalhe em paralelo com a atenção básica, de modo a garantir atendimento para os portadores do HIV/ AIDS. Isso não deve caber somente ao Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). A idéia, portanto, não é substituir o CTA, mas garantir outras opções de atendimento dentro da rede de saúde, que é tão ampla. Ademais, no SUS há muito mais opções do que apenas o fluído oral, e garantir essa diversidade de opções é dever do governo. Cabe à pessoa o direito de escolher que melhor opção lhe atende. Por esse motivo, Damiana de Oliveira disse não ver como problemática a oferta do teste do fluído oral nas farmácias. Especificamente sobre a educação, destacou que a relação com o Ministério da Educação (MEC) encontra-se fragilizada em relação ao Programa Saúde na Escola (PSE), sendo essa uma pauta que está parada e que assim continuará pelo menos até o final de 2014, por ser este um ano eleitoral. Quanto à destinação dada para os recursos que sobram em decorrência da falta de projetos a financiar pergunta de Tinho , informou que esses não ficam parados, mas são redirecionados para outras ações que tenham objetivos semelhantes. Reiterou que antes aprovavam projetos mesmo quando sua redação não estava satisfatória, mas tinham condições técnicas de realização e desde que se tratasse de instituições cujo trabalho e a capacidade técnica já eram conhecidas pelo Departamento. Atualmente, no entanto, não é possível fazer isso, pois há problemas de auditoria. Em relação à falta de campanhas informando que o HIV não se pega pelo beijo, pela saliva, enfatizou que isso não deve ser usado como argumento para invalidar tudo o que o Governo vem fazendo em prol da prevenção e do enfrentamento ao HIV, nem para retirar a importância da disponibilização da testagem por fluído oral.

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4.3 | Conversa afiada Homens de axé: o que queremos para nossa saúde? Participantes Ogan Silvestre | Porto Velho, RENAFRO Rondônia Rodrigo Petinati | Maceió, RENAFRO Alagoas Juracy Junior | Aracaju, RENAFRO Sergipe Sudário Mesquita | Fortaleza, RENAFRO Ceará

Coordenação e comentários José Marmo da Silva | Coordenador nacional da RENAFRO

Nesta parte do evento, José Marmo da Silva trouxe algumas perguntas para o debate, que foram respondidas pelos participantes na sequência. As perguntas e respostas são trazidas nos subitens a seguir.

4.3.1 | O que é ser homem de terreiro? Segundo Juracy Junior é, antes de tudo, lançar fora todos os estigmas como não chorar ou aceitar o dengo ou colo dos mais velhos e rótulos impostos pela sociedade entre os quais, o de heterossexual, machista, durão. O homem de terreiro é totalmente diferente daquele construído pela sociedade, pois se desmonta e se refaz completamente no espaço do terreiro. Aprende-se a amar de forma incondicional, sem questionamentos quanto à origem da pessoa, sobre quem ou o que se é, o que nos ensina a sentir como nossa a dor que é do outro. Essa é a maior experiência entre todas que o terreiro proporciona.

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Para Rodrigo Petinati, ser homem dentro da comunidade de terreiro implica vivenciar todas as situações que a comunidade apresenta, pois é o homem quem deve ouvir e aprender, executar suas funções, acolher e receber. É ele quem deve seguir por todos os caminhos que se colocam, o que requer o exercício de diferentes papéis inclusive o da mãe, que primeiro escuta e depois, somente se for preciso, briga. Ao exercitar a perspectiva de quem cuida, o homem acaba entendendo o processo e se entendendo melhor; e até mesmo o orixá, quando vê que o erro cometido não foi por mal, lhe releva. Com isso, o homem de terreiro acaba não somente ensinando, mas também aprendendo a mudar suas posturas e atitudes, até porque estar dentro do terreiro faz com que o homem esteja em permanente reconstrução, aprendendo com e ao mesmo tempo ensinando aos mais velhos e aos mais novos. Diante da pergunta posta, Ogan Silvestre destacou que nunca parou para pensar sobre o assunto, para se perguntar sobre qual seria seu papel como homem no terreiro, pois nasceu e foi criado dentro dessa tradição, com sua mãe e seus doze irmãos. Sempre desempenhou sua função dentro do terreiro, porém, vendo-a não como a função de um homem dentro da comunidade, mas apenas como a função de alguém que é parte da comunidade e deve orientar tanto homens quanto mulheres, assim como aprender com ambos.

4.3.2 | O que deve ser levado em consideração quando falamos em saúde do homem, lembrando que somos homens de terreiro? Quais são as questões importantes? Na perspectiva de Juracy Junior, antes é preciso saber de que homem se está a falar, já que dentro dos terreiros há uma multiplicidade de homens. Considerando apenas o ponto de vista fisiológico, todos os homens quer sejam de terreiro ou não são iguais e precisam igualmente ter acesso ao SUS, dele recebendo atenção diferenciada. Juracy Junior mencionou que, onde trabalha, as mulheres são maioria e chegam com facilidade solicitando licença para ir ao médico, mas isso não acontece no caso dos homens. No geral, eles ainda enfrentam o risco de serem demitidos, caso comecem a se ausentar demais do trabalho para buscar por atenção à sáude. Disse acreditar que essa diferença seja cultural, imposta, atingindo também os homens de terreiro. Para eles, não há diferença de necessidades ou de dificuldades com relação a isso, sendo necessário construir para todos os homens caminhos que lhes permitam ter o direito de buscar por cuidados em saúde.

4.3.3 | Há alguma questão importante a ser levada em conta dentro da dimensão do sagrado, já que somos homens de terreiros, com espaço e corpo sagrado? Homens têm outras necessidades, mas na dimensão do sagrado, o que devemos levar em consideração para falarmos de saúde do homem? Segundo Ogan Silvestre, a palavra-chave é “sagrado”, um vez que o corpo do homem de terreiro é sagrado, é o templo dos orixás e precisa estar bem, pois, caso contrário, o espírito que nele habita também não estará. O probléma é que os homens, de modo geral,

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foram educados num sistema que lhes ensina que eles não adoecem, o que torna mais difícil, até mesmo dentro dos terreiros, convencê-los a procurar atendimento e tratamento em saúde. Os homens de terreiro não conseguiram, ainda, se libertar dos efeitos desse tipo de aprendizado, embora sua preocupação com o corpo devesse ser ainda maior, já que eles são templo. Sudário Mesquita seguiu a mesma linha argumentativa de Ogan Silvestre, reiterando que o processo educativo acerca do que é ser homem perpassa todos os espaços onde transitamos. Ao chegar no terreiro, no entanto, o homem passa por um processo de desconstrução de sua masculinidade, por meio do qual precisa aprender a cuidar e a ser cuidado; precisa aceitar que sua posição dentro do terreiro não será determinada a partir do papel que desempenha na sociedade. Afinal, a sociedade impõe a heteronormatividade a todos, mas no terreiro é necessário que se dialogue com outras sexualidades. Sudário Mesquita destacou que a necessidade de quebrar com a autossuficiência, de se permitir outra relação com os elementos da natureza, isso também é uma questão de saúde, na medida em que o corpo não transita sem a mente – “corpo são, mente sã”. De forma complementar, também é uma questão de saúde o fato de que ser parte de uma comunidade de terreiro é ser parte de um todo, pois, se o corpo vai bem, a energia do orixá também vai bem. Desse modo, sob sua perspectiva, ser homem de terreiro é um caminho para o fortalecimento e também para o reconheciento desse homem diferente.

4.3.4 | Como os terreiros podem auxiliar na saúde dos homens? Rodrigo Petinati destacou que até pouco tempo atrás não tinha percebido o quanto o terreiro ajuda a preservar a saúde de seus membros, o quanto o que fazem no terreiro resulta em saúde, pois, quando a mãe ou pai de santo recomenda um banho ou qualquer outro procedimento, o que ela está receitando, na verdade, é saúde. Se a promoção de espaços de saúde é importante, então, a promoção dos terreiros também o é, pois eles são espaços de saúde. Por tudo isso, a promoção do acolhimento dentro dos terreiros é essencial. A questão é que muitos terreiros ainda não aprenderam como demonstrar seus resultados, diferentemente do Estado, que tem estatísticas para tal. Uma das coisas mais complicadas dentro do terreiro, segundo o respondente, é convencer os homens sobretudo os pais de santo a buscar atendimento em saúde na rede de serviços, mostrá-los que cuidar da saúde física é também uma forma de cuidar do que é sagrado. Nos dias de hoje, outro ponto essencial é também encontrar formas mais transparentes de acolher os indivíduos e saber lidar com suas necessidades.

4.3.5 | Homens de terreiros vêm se cuidando mesmo? Existe algum diferencial no cuidado desse grupo? Embora não conheça outras casas além da sua, Rodrigo Petinati disse saber que existem as que oferecem cuidado com a saúde. No entanto, isso não significa dizer que os homens de terreiro estejam se cuidando. Chamou atenção para o fato de que conhece algumas ir-

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mãs de santo já bem idosas, porém, não conhece irmão de santo algum em idades similares, sugerindo que, pelo menos entre os mais velhos, o cuidado se dava de forma diferente entre os sexos. Nesse quesito, então, os homens de terreiro parecem estar ficando para trás. Ogan Silvestre destacou que o cuidado da saúde dos homens de terreiro é um desafio, pois ainda há o tabu em relação a isso. Enfrentar esse desafio, segundo ele, é responsabilidade de toda a comunidade de terreiro, já que, do lado espiritual, todos os homens de terreiro já cuidam. Juracy Junior lembrou que nos eventos promovidos pela área de saúde sempre são ouvidas reclamações vindas dos homens acerca do grande tempo de espera nos postos. Parece que as mulheres foram educadas para ser mais pacientes, tolerar melhor a espera e o espaço de espera, o que, para a maioria dos homens, parece desconfortável, contribuindo para que eles não queiram esperar pelo atendimento.

4.3.6 | Já que se falou da sala de espera. O SUS está preparado para lidar com a saúde do homem de terreiro? Por quê? Segundo Sudário Mesquita, não. Se estivesse, não haveria a necessidade de um momento dentro do evento para apresentar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que não é nova. Disse acreditar que a Política tenha sido pensada a partir de estatísticas que demonstram a situação desfavorável dos homens. De fato, nas periferias, onde está localizada a maioria dos terreiros, a realidade é bem ruim. É possivel perceber a tentativa de implementar políticas para os diversos perfis de homens, incluindo os homens de terreiros. Porém, ainda se usa pouco da ajuda dos coletivos, ainda não se percebeu seu potencial papel nesse processo. Se os coletivos começarem a assumir sua responsabilidade, de forma compartilhada com o SUS, e, ao mesmo tempo, se o Ministério da Saúde começar a promover o diálogo com os coletivos sem tentar implementar “de cima para baixo” a Política , pode ser que tudo comece a funcionar melhor. Todos esses questionamentos precisam estar, também, dentro dos terreiros, caso contrário, como o pai de santo poderá ser referência para seus filhos? Segundo Sudário Mesquita, se temos uma Política, precisamos, então, dialogar com ela, o que implica participar dos conselhos e outros processos deliberativos, saber para onde os recursos estão indo e sinalizar demandas existentes dentro do terreiro. Caso contrário, não temos o direito de reclamar. Enfatizando o papel da RENAFRO, destacou que o principal diferencial dos terreiros que participam da Rede é exatamente a oportunidade de participarem de forma efetiva desses processos. Ogan Silvestre chamou a atenção para o fato de que o Ministério da Saúde ainda não conseguiu garantir, de forma satisfatória, um olhar regionalizado, pois há fatores culturais que precisam ser levados em conta. Nesse sentido, a grande contribuição da RENAFRO é justamente trazer o SUS para a discussão, pois esse ainda não está preparado para dar conta de discutir saúde do homem, menos ainda do homem de terreiro. O SUS ainda não conhece, de fato, como a saúde funciona dentro dos terreiros.

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4.3.7 | Principais questões trazidas pelo público

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Magno, Casa de Iemanjá, São Luis do Maranhão: Como conciliar a questão da masculinidade, no que concerne não somente ao heterossexual, mas ao homem em sua essência, para além da orientação? Como levar em conta o fato de que muitos homens sofrem discriminação também dentro dos terreiros?

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Wagner: Reiterou que somos morada dos deuses, mas quem é de Aruanda tem incorporação do mestre, da entidade, que conhece a saúde de cada um de seus filhos. Incorporar uma entidade já é indicativo da necessidade de buscar por um médico, pois a própria entidade recomenda a busca por esse profissional nos casos em que o tratamento necessário extrapola a possibilidade do terreiro. Desse modo, as entidades também são fundamentais no cuidado da saúde dos homens de terreiro.

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Amauri Cunha, Recife,PE: A Jurema transcende o SUS, pois o próprio mestre incorporado resolve o problema de saúde, traz a cura, sinalizando os casos em que é necessária a busca por um médico. No entanto, é importante que sejam discutidos os temas propostos, pois nem sempre o SUS consegue atender à demanda recebida, até aquela encaminhada pelo mestre incorporado. Isso é um problema, pois muitos homens não têm paciência de esperar pelo tempo do SUS, continuando a buscar ajuda somente na espiritualidade e é importante continuar a remeter à possibilidade da cura sagrada, espiritual.

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Airton Gouveia : A RENAFRO não pode levar até os terreiros as discussões e questões ali postas? Afinal, os terreiros recebem preservativo, mas não é somente disso que necessitam, também precisam de médico, formação, etc.

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Sem identificação 1: Qual seria a ação que a RENAFRO poderia desenvolver em conjunto com o Ministério da Saúde? Qual deveria ser a fala de cada participante do evento, para com o Ministério da Saúde, a fim de incentivar seus filhos e filhas de santo a se cuidarem, para incentivar os orixás a abrirem seus corações – até mesmo para declararem sua soropositividade – de modo a receber tratamento diferenciado? Destacou que todo babalorixá e iyalorixá precisa ter essa consciência, pois não é somente o ebó que soluciona os problemas. Muitas vezes basta a escuta. Por isso, todos os participantes do evento saem com o dever de repassar em seus terreiros as informações recebidas, de estimular os homens em suas comunidades a se cuidarem. Afinal, todos são altares vivos dos orixás.

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Ricardo Mororó, João Pessoa, PB: O terreiro, acima de tudo, precisa ser o espaço onde as pessoas se sintam à vontade para se abrir. Por isso, não cabe tornar obrigatório que a soropositividade seja revelada, até porque isso vai contra a Lei n. 12.984/2014, que prevê pena para quem revelar a sorologia contra a vontade do soropositivo. Além disso, os cuidados com a saúde cabem a todos, não somente aos soropositivos. Desse modo, se existe uma casa de terreiro estabelecendo a obrigatoriedade de que se revele a soropositividade, ela está, sim, discriminando e sendo preconceituosa com seu filho ou filha.

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}} Sem identificação 2: O Maranhão é o terceiro estado com maior número de amputações penianas em decorrência do câncer de próstata, o que demonstra que estamos falhando no cuidado à saúde dos homens. Então, a questão não é somente o HIV/ AIDS e o cuidado ao soropositivo, mas o cuidado a todos os homens dentro do terreiro. Isso porque os sacerdotes não são somente religiosos, são também pais, amigos e companheiros de seus filhos. Devem, por isso, orientá-los, ainda que eles não lhes deem ouvidos. Os terreiros não são espaços menos acolhedores do que se costuma dizer, pois muitos chegam apenas precisando ser ouvidos e nem sempre conseguimos fazer isso. Ademais, pode-se até fazer o encaminhamento para a rede hospitalar, porém, não sem antes fazer todo o possível para ajudar, para tentar curar. Isso também é acolhimento. Além disso, pais e mães de santo também precisam se cuidar, pois não há como cuidar da saúde do outro se não cuidarmos da nossa saúde antes. }}

Maria Inês Barbosa, OPAS: Primeiro, pede que os participantes reflitam sobre de que maneira as casas de terreiro têm se aproximado e se posicionado ante o Programa Mais Educação, uma vez que ambos ocupam majoritariamente os mesmos lugares nas comunidades. Falando de interculturalidade, convidou os participantes do Encontro a buscar conhecer mais de outras experiências exitosas que tentam promover a troca de conhecimentos entre o saber formal e o espiritual, para que possam se aproveitar delas e aperfeiçoar a prática dentro de seus terreiros.

}}

Luís Alves, RENAFRO Distrito Federal, DF: Chamou a atenção para o fato de que muitas vezes somos corajosos para apontar o problema, a dificuldade do outro, porém, não conseguimos fazer o mesmo em relação a nós mesmos.Isso vale até mesmo para o campo da saúde. O Encontro permitiu aos participantes se enxergarem e questionarem também seu próprio posicionamento em relação ao cuidado com sua saúde.

Rodrigo Patinati disse ser fácil falar do terreiro como espaço de acolhimento. De sua parte, nunca ouviu falar de uma casa de matriz africana que tenha deixado de acolher alguém, porém, já ouviu falar de casos em que ela deixou de apoiar. Ou seja, independentemente da orientação sexual da pessoa, a ajuda é dada, a energia é emanada para se chegar à resolução de seu problema. Porém, na distribuição de papéis dentro da hierarquia do sacerdócio, o que se tem que observar não são suas genitálias ou sua orientação sexual, mas sim seu sistema reprodutor, que é o que complementa sua ligação com o religioso. O mesmo vale para soropositivos que fazem parte da comunidade: esses não poderão exercer as mesmas atividades que os demais, por uma questão de saúde, pois precisam ser preservados de determinadas tarefas mais extenuantes. Rodrigo Petinati disse não entender por que a questão da sexualidade é tão questionada, já que há homossexuais dentro de todos os terreiros e, ainda, porque o orixá vê o indivíduo dentro do espaço religioso. Quanto ao acolhimento, destacou que esse deve ser dado a todos indistintamente, não cabendo impor à pessoa que ela se defina como homossexual ou heterossexual para que seja tratada. Rodrigo Petinati reiterou a dificuldade que é para o homem de terreiro buscar por atendimento nos serviços de saúde, entendendo que o fato de seu corpo ser espaço do sagrado não exclui a necessidade de se cuidar. Talvez, se houver um esforço em mudar essa pers-

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pectiva entre os mais jovens, seja mais fácil reverter o processo, pois é muito complicado promover essa mudança com os mais velhos. Necessário, então, acompanhar o que vem acontecendo, sem, no entanto, deixar de promover a mudança. Ogan Silvestre disse acreditar que o terreiro é e sempre será um espaço de acolhimento. O problema é quando se esbarra na dimensão do sagrado, pois aí não se trata mais de preconceito, mas sim da tradição que foi sendo repassada dos pais para os filhos dentro dos terreiros. A questão da ancestralidade precisa ser discutida, pois as respostas em relação às novas manifestações da sexualidade não estão prontas. Reiterou que há dois espaços que ainda não sabem caminhar juntos: o da saúde formal – personificada nos médicos e o da cura espiritual representada pelos terreiros. É certo que há iniciativas conjuntas entre o Ministério da Saúde e a RENAFRO, levando ações distintas aos terreiros, para além da distribuição de preservativos. Porém, os terreiros precisam também começar a levar demandas até a RENAFRO, para que ela promova a articulação com as Secretarias e o Ministério da Saúde. Juracy Junior disse que, pelo menos em sua casa, seu pai acolhe a todos indiscriminadamente, sendo ele próprio bissexual. Porém, tiveram problemas a partir de 1996, quando surgiram os primeiros filhos soropositivos, pois, com a circulação dessa notícia, a casa se tornou instável. Nessa ocasião foi necessária habilidade por parte do sacerdote, pois ele precisou ter sensibilidade para contornar a situação. O sacerdote, de modo geral, precisa ter uma relação simbiótica com seus filhos. Ele só existe porque seus filhos existem, e vice-versa. Se algum sacerdote não tem essa habilidade, ele não é verdadeiro. Quanto à cura pelo sagrado, essa é uma possibilidade presente a qualquer instante. Não há dúvidas quanto a isso, embora existam fatores que levem a cura a acontecer ou não, o que está acima de nossa compreensão. Por isso, é importante que haja profissionais especializados para o atendimento quando a possibilidade de cura espiritual cessa. Juracy Junior mencionou como possibilidade a reconstrução de assentamentos coletivos de orixás, destacando que, se as religiões de matriz africana tivessem dentro dos hospitais o

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mesmo espaço que têm as religiões cristãs, podendo colocar nesses espaços um ebó, conseguiriam curar muitas pessoas, contribuindo, assim, para a redução da lotação hospitalar. Sudário Mesquita comentou a questão trazida por Magno, destacando que a discriminação em relação à população LGBT dentro dos terreiros e a necessidade de seu enfrentamento são realidades. Disse não saber se as religiões de matriz africana continuam a ser, entre todas, as que mais acolhem, de forma independente da orientação sexual. Essa é uma questão importante a ser confrontada, para que o terreiro possa se firmar como espaço de promoção dos direitos humanos. Para isso, é importante que se conheça como a população LGBT está sendo tratada dentro dos terreiros e, por outro lado, como ela está se posicionando nesses espaços. O babalorixá precisa lidar com isso, pois a pessoa não pode ter a sensação de que não será acolhida por causa de sua orientação sexual. Lembrou que as pessoas têm o direito de manter sua soroposividade em sigilo, de modo que o que pode ajudar é a maior proximidade entre os terreiros e os movimentos sociais que lidam com o HIV/AIDS. Há que se lembrar de que todos que fazem parte do terreiro, quer seja pai, mãe ou filho/a, são corresponsáveis por manter o axé, que é a energia da vida. Portanto, o cuidado, a proteção e a não discriminação também são responsabilidades de todos. Por outro lado, as pessoas precisam entender que, a despeito de qual seja seu problema, existe toda uma rede disponível para atendê-las. Com relação à sugestão de ter membros da RENAFRO desenvolvendo iniciativas dentro do terreiro, ressaltou que isso é importante, mas não exime cada participante do evento da responsabilidade de ser multiplicador nas comunidades onde está inserido, de socializar com os pais, mães, filhos/as e irmãos/ãs o que viu e ouviu. Caso contrário, não há como promover a articulação. Esse, sim, é o sentido essencial da atuação da RENAFRO, que busca promover um diálogo horizontal com os terreiros e com o Ministério da Saúde. Por último, Sudário Mesquita mencionou algumas experiências exitosas de Fortaleza, que promovem a aproximação entre os terreiros e outras entidades e instituições, com o intuito de favorecer o diálogo sobre o cuidado, numa perspectiva mais ampliada. Encerrando a mesa, José Marmo da Silva enfatizou a necessidade de que se conheçam melhor os programas e ações existentes, para que se possa tentar novas experiências. Isso porque a RENAFRO está apenas começando, ainda está construindo o processo.

4.4 | Encerramento Por uma agenda de saúde para os homens de terreiros Expositor Pai Edilson de Obaluaiê | coordenador nacional do Gt Homens de Axé da RENAFRO

Ao final, Pai Edilson de Obaluaiê fez a leitura da Carta de Recomendações de São Luís, a qual foi revisada e aprovada por todos, tendo sido destacada a importância de seu envio

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às instituições envolvidas no Encontro, entre as quais o Ministério da Saúde, a OPAS e o UNFPA. Ela pode ser lida na íntegra no Anexo II deste documento. Não procedeu à leitura das ações pactuadas durante o Encontro, pois essas já haviam sido apresentadas no dia anterior, por ocasião da apresentação dos resultados do debate nas salas de conversa. Em vez disso, apresentou a agenda de trabalho e os compromissos do GT Homens de Axé, consensuados durante conversa com diferentes grupos da Rede (Anexo III). Destacou que, naquela ocasião, ficou acordada a realização de uma atividade única para todos os núcleos: a capacitação e a formação política nos núcleos estaduais de agentes multiplicadores. Rodrigo Petinati mencionou algumas questões que o GT Juventude se depara, as quais são parecidas com aquelas postas para o GT Homens de Axé. À luz disso, sugeriu a formulação de uma agenda unificada contemplando ações em conjunto, entre as quais a promoção de discussões dentro dos terreiros. Por último, foi escolhida Porto Velho, Rondônia, para sediar o III Encontro Nacional Homens de Axé.

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ANEXOS


ANEXO I | PROGRAMAÇÃO FINAL DO EVENTO II Encontro Nacional Homens de Axé I Encontro Estadual Homens de Axé do Maranhão Data: 18 e 19 de agosto de 2014 Local: Hotel Veleiros, São Luís, MA Programação Dia 18 de agosto de 2014 08h00 | Credenciamento 08h40 | Boas Vindas e Cânticos de louvor à vida e à natureza 09h00h | Mesa de Abertura Mãe Luza de Oxum | Coordenadora do Núcleo RENAFRO Maranhão Pai Edilson de Obaluaiê | Coordenador Nacional do GT Homens de Axé / RENAFRO José Marmo da Silva | Coordenador Nacional da RENAFRO Emerson Melo | Coordenador Centro de Formação para a Cidadania Akoni Silvia Viana | Secretária Adjunta da Secretaria Municipal de Saúde de São Luís Claudete Ribeiro | Secretária da Secretaria Estadual de Igualdade Racial do Maranhão Cristina Loyola | Secretária Adjunta de Atenção Primária à Saúde do Estado do Maranhão Eduardo Chakora | Coordenador Nacional de Saúde do Homem / Ministério da Saúde

09h30 | Painel 1: Religiões afro-brasileiras, saúde e masculinidades Sub-tema: Religiões afro-brasileiras e suas práticas de cuidados na promoção da saúde dos homens Expositor: Babá Dyba de Iemanjá – Porto Alegre, RS

Sub-tema: Masculinidades, tradição religiosa afrobrasileira e sexualidades: tensões e desafios Expositor: Babá Dieison de Xangô Porto Alegre, RS Coordenação: Ogan Luiz Alves – Brasília, DF

12h30 | Almoço 14h00 | Salas de Conversa Sala 1 | Homens, violências e vulnerabilidades / Drogas: o que os homens de terreiro têm a ver com isso Facilitadores: Jurandir Telles – Ilhéus, BA; e Iaô Sudário Mesquita – Fortaleza, CE

Sala 2 | Homens de terreiro, relações amorosas e diversidade sexual Facilitador: Babá Edilson de Obaluaiê Rio de Janeiro, RJ

Sala 3| Paternidade e aborto: os impactos na vida dos homens negros e homens de terreiros Facilitadora: Juliana Coutinho – Ministério da Saúde

16h30 | Apresentação dos resumos das Salas de Conversa Coordenação: Egbome Paulo de Ewá –São Luís, MA

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17h30 | Lanche 18h00h | Reunião dos coordenadores estaduais do GT Homens de Axé da RENAFRO Dia 19 de agosto de 2014 08h30h | Cânticos de louvor à vida e à natureza 08h45 | Painel 3: Homens negros, masculinidades e políticas públicas Expositora: Maria Inês Barbosa Organização Pan-Americana da Saúde Expositor: Eduardo Chakora – Ministério da Saúde Coordenação: Tata Marinho – Ilhéus, BA

10h45 | Painel 4: Homens negros, os terreiros e a epidemia de HIV/AIDS: perspectivas para a prevenção Expositora: Damiana de Oliveira – Departamento de DST/AIDS do Ministério da Saúde Coordenação: Iaô Ricardo Mororó – João Pessoa, PA

12h30 | Almoço 14h00 | Conversa Afiada Homens de Axé: o que queremos para a nossa saúde Iaô Sudário Mesquita – Fortaleza, CE Ogan Rodrigo Petinati – Maceió, AL Pai Juracy Júnior – Aracaju, SE Ogan Silvestre – Porto Velho, RO Coordenação: José Marmo da Silva Coordenador Nacional da RENAFRO

16h00 | Por uma agenda de saúde para os homens de terreiros Expositor: Pai Edilson de Obaluaiê Coordenador do GT Homens de Axé

17h0 | Carta de São Luís 17h30 | Lanche 18h00 | Escolha da cidade que vai sediar o próximo encontro (III Encontro Nacional Homens de Axé) Facilitador: Ogan Marmo e Pai Edilson de Obaluaiê

18h30 | Encerramento Realização: Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde/GT Homens de Axé Colaboração: Centro de Formação para Cidadania AKONI Apoio: Ministério da Saúde/SEGEP/DAGEP, Área Técnica de Saúde do Homem e Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais Fundo de População das Nações Unidas UNFPA Secretaria Estadual de Saúde do Maranhão Secretaria Municipal de Saúde de São Luís Secretaria Estadual de Igualdade Racial do Maranhão

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ANEXO II | CARTA DE RECOMENDAÇÕES DE SÃO LUÍS CARTA DE SÃO LUIS4 II Encontro Nacional Homens de Axé e I Encontro Estadual Homens de Axé do Maranhão Nós, homens de terreiros de vários estados brasileiros, reunidos nos dias 18 e 19 de agosto de 2014, em São Luís do Maranhão, durante o II Encontro Nacional Homens de Axé e o I Encontro Estadual de Homens de Axé do Maranhão realizado pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), considerando as dificuldades na implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e da Política Nacional de Saúde Integral do Homem e tendo como base a Constituição Brasileira e o Estatuto de Igualdade Racial recomendamos: 1. que o Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde implementem a curto prazo a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, reconhecendo e respeitando os saberes e as práticas de cuidados das religiões afro-indígenas, uma vez que a PNSIPN agora é lei; 2. que o CONASS e o CONASEMS incluam em suas ações, pautas e agendas de trabalho, nos estados e municípios, o tema saúde da população negra, incluindo também a saúde da população de terreiros, tendo como foco o combate ao racismo, o sexismo, a homofobia, a intolerância religiosa, e todas as formas de preconceito e discriminação; 3. que o GT Homens de Axé da RENAFRO sejam incluídos nas discussões e nas ações de implementação da Política Nacional de Saúde Integral do Homem, respeitando a diversidade dos homens de terreiros e a regionalidade; 4. que os órgãos das Nações Unidas reconheçam e valorizem as ações de PROMOÇÃO da saúde dos terreiros e apoiem as ações desenvolvidas pela RENAFRO em todos o país; 5. que o Estado Brasileiro reconheça que o racismo, a intolerância religiosa, a homofobia e todas as formas de preconceito e discriminação causam impactos na saúde e qualidade de vida da população e que seja devidamente punido de acordo com a legislação brasileira e os Tratados Internacionais do qual o Brasil é signatário; 6. que o Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde possam apoiar e garantir as ações da RENAFRO no campo da saúde do homem, à partir da abordagem integral, que inclua a visão de mundo dos terreiros e suas práticas de cuidados; 7. que a RENAFRO componha, juntamente com o Estado e os órgãos das Nações Unidas, o grupo gestor de planejamento e execução da década dos povos afrodescendentes;

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Disponível em: http://renafrosaude.com.br/carta-de-sao-luis/.

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8. que a RENAFRO participe das instâncias de formulação, planejamento monitoramento e avaliação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e da Política Nacional de Atenção Integral a Saúde do Homem; 9. que o Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde intensifique a divulgação dos dados desagregados por cor nos Boletins Epidemiológicos e em todos os sistemas de informações em saúde e pesquisas realizadas pelo referido Departamento, assim como apoie iniciativas do movimento social negro e dos grupos de lideranças de religiões de matriz africana, com projetos especiais voltados para o combate ao racismo e à intolerância religiosa nas ações envolvendo prevenção, comunicação e assistência em HIV/AIDS e Hepatites Virais; 10. que a publicação Saúde Brasil, do Ministério da Saúde, possa dar continuidade aos dados desagregados por cor; 11. que o Conselho Nacional de Saúde continue apoiando a Mobilização Nacional PróSaúde da População Negra, assim como estimulando os conselhos estaduais e municipais para a mobilização; 12. que o Conselho Nacional de Saúde inclua como pauta importante nas reuniões do referido Conselho discussões sobre a saúde da população negra, uma vez que somos mais de 50% da população brasileira (IBGE), e realize um Balanço Anual sobre a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, conforme determinado pela Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial), com os respectivos responsáveis pela implementação dessa Política e a presença de todos os integrantes titulares e suplentes da Comissão Intersetorial de Saúde da População Negra do CNS, e que os resultados desse Balanço sejam divulgados e disponibilizados para o movimento negro, gestores e para os Conselhos de Saúde em todo o país. São Luís (MA), 19 de agosto de 2014. Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

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ANEXO III | AGENDA DE TRABALHO E COMPROMISSOS DO GT HOMENS DE AXÉ II Encontro Nacional e I Encontro Estadual Homens de Axé Agenda de trabalho e compromissos do GT Homens de Axé Atividade: Capacitação e formação política nos núcleos estaduais de agentes multiplicadores MÊS

LOCAL

SETEMBRO 2014

Núcleo Ceará, no dia 19

OUTUBRO 2014

Núcleo Piauí, no dia 11

NOVEMBRO 2014

Núcleo Paraíba, no dia 29 Núcleo Amapá, no dia 27 Núcleos Acre e Rondônia (Ação Conjunta), entre os dias 7 e 9 Núcleo Sergipe, nos dias 28 e 29 Núcleo Maranhão, nos dias 21 e 22 novembro Rio Grande do Sul, (sem data marcada) Bahia ( à combinar)

1º SEMESTRE 2015

Pernambuco ( à combinar) Alagoas ( à combinar) Núcleos Rio de Janeiro e São Paulo (Ação Conjunta), ( à combinar)

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ANEXO IV | Identidade Visual Banner

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Convite

II Encontro Nacional

I Encontro Estadual Homens de Axé do Maranhão

II Encontro Nacional Homens de Axé 18 e 19 de agosto de 2014 São Luís do Maranhão

A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde estará realizando o II Encontro Nacional Homens de Axé em São Luís do Maranhão. O encontro tem como objetivo dar continuidade as discussões sobre a saúde do homem de terreiro e os cuidados com o corpo na dimensão do sagrado. Pretende também refletir sobre as interseções da Política Nacional de Saúde do Homem e da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra levando em consideração às práticas de cuidados dos terreiros e as práticas de saúde do SUS.

Realização: Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde/GT Homens de Axé Colaboração: Centro de Formação para a Cidadania AKONI Apoios: Ministério da Saúde/SEGEP-DAGEP, Área Técnica de Saúde do Homem e Departamento de DST-AIDS e Hepatites Virais UNFPA/Fundo de População das Nações Unidas Secretaria Estadual de Saúde do Maranhão SEIR/Secretaria Estadual de Igualdade Racial do Maranhão Secretaria Municipal de Saúde de São Luis

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Manual de Identidade Visual

Manual de identidade visual Homens de Axé

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Marca

HORIZONTAL

VERTICAL

Pantone 1545 c

100% PANTONE

TRANSPARENTE WHITE

CMYK marron - Ciano 52% +Magenta 73% + amarelo 82% + preto 73% Ciano - Ciano 0% +Magenta 0% + amarelo 0% + preto 0%

2

Versões monocromáticas

P&B positivo/cheio/vazado

P&B negativo

Fundo vermelho

3

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Reduções

4

Tipografia/Logotipia Auxiliar

Homens de axé slugfest

ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 ! ? “” () * @ , . / ‘ : ;

*&

$

verdana

ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 ! ? “” () * @ ~ , . / ‘ : ; = + * & ^ % $ #

5

HOMENS DE AXÉ

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Papelaria bรกsica Timbrado

Endereรงo - email - fones - etc - ononononononononononononononononono

Envelope

6

Endereรงo - email - fones - etc - ononononononononononononononononono

Timbrado

Camisa

7

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Estandarte/banner

ONONO ONONO ONONO ONONO ONONO ONONOO

8

Cartão de visita

EDMILSON DE OMOLÚ COODENADOR

EDMILSON DE OMOLÚ COODENADOR

ENDEREÇO - IMAIL - FONES - ETC

ENDEREÇO - IMAIL - FONES - ETC

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HOMENS DE AXÉ

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Querido Amauri, muito obrigado (a) por nos dar a chance de conhecer a sua criatividade e elegância, sempre tão fundamentais para todos e todas nós. Um legítimo homem de axé. Sentiremos sua falta. Olorun Kosi Purè! Designer e artista plástico, o recifense Amauri Cunha foi uma referência do movimento cultural negro pernambucano e sempre se dispôs a elaborar, voluntariamente, identidades visuais para as iniciativas da Renafro.

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sumário executivo


ANEXO V | Galeria de fotos

HOMENS DE AXÉ

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sumรกrio executivo


HOMENS DE AXÉ

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sumรกrio executivo


HOMENS DE AXÉ

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sumรกrio executivo


HOMENS DE AXÉ

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