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Vou voltar para vencer

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Patrão ecológico

Patrão ecológico

O estatuto de super-herói deixa-o para as figuras criadas pela Marvel ou pela rival DC. E, sobretudo, para os bombeiros que, ano após ano, lutam para proteger a ‘sua’ amada Estrela. Mário Patrão foi o único português a terminar a duríssima edição 2023 do Dakar em duas rodas e chegou ao pódio dos que mais sofrem. Mas quer voltar a sentir emoções fortes como no dia em que ganhou uma etapa. Com a ajuda do eterno amigo a quem quer dedicar um triunfo final!

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Alinhar no Rali Dakar é um sonho de muitos. Que pode virar pesadelo em questão de segundos. Mesmo para o mais bem equipado dos pilotos. Mas há sonhos e desafios a que não vale a pena tentar fugir. Foi assim que Mário Patrão decidiu aumentar o nível de exigência do rali mais duro do Mundo: inscreveu-se na categoria Original by Motul, dispensando qualquer assistência externa para si ou para a sua moto. “Porquê? Depois de ter feito sozinho, com a Suzuki, e também numa equipa oficial, necessitava uma motivação extra para voltar. O gosto pela mecânica reforçou a ideia que, curiosamente, se concretizou com a mudança de regulamentos. É que as 4 ou 5 horas que gastávamos a pintar o ‘road-book’, podem agora ser dedicadas à mecânica já que estes são entregues apenas uns minutos antes da partida de cada etapa”.

Ao tempo de sobra (?!) e gosto pela mecânica juntou a sempre importante questão económica. “Gasta-se muito menos, cerca de 25 a 30% do que levando uma equipa de assistência. Mas a maior motivação foi mesmo o gozo de não estar dependente de ninguém, de ‘meter a mão na massa’ e ter tempo para fazer a mecânica, como aconteceu em 2022. Já este ano as coisas foram mais complicadas, porque as especiais e as ligações foram muito mais longa e exigentes, tendo menos tempo no final de cada dia”.

Descanso Na Maratona

Mas as dificuldades para o senense aumentaram “pelas condições meteorológicas e porque a moto já tinha dois anos e acusou saturação em algum material. Deu mais trabalho do que quando a moto era nova. Para lá do problema da água na gasolina ou da embraiagem no último dia, devido à lama, o veio da escora partiu duas vezes, obrigando à substituição”.

Ainda assim, ultrapassando as dificuldades naturais de qualquer Dakar e os obstáculos acrescidos, Patrão terminou em 3.º entre os “malle-moto”. O que, depois do 6.º posto em 2022, leva, de forma quase natural e sem ponta de vedetismo ou fanfarronice, a apontar para o triunfo em 2024.

“Reunindo as condições para levar uma moto nova, e se as regras não alterarem, a ideia é lutar pela vitória”. Pragmático, de pés bem assentes na terra, reconhece que esta categoria é dura, “por vezes muito dura mesmo”, mas nem assim consegue ver um super-herói quando se olha ao espelho. “Nada disso!!! De forma alguma. Sou apenas mais um piloto ‘normal’, apenas com uma capacidade acrescida de resolver os problemas mecânicos pelo grande à vontade nesse campo. Não me sinto mais do que qualquer outro piloto… agora que descanso menos que os outros, é claro! É mais desgastante, sem ninguém para ajudar a armar a tenda ou a arrumar as coisas. Aliás, o dia em que mais descansei foi na etapa-maratona. Só tínhamos uma hora para mexer na moto e depois era descansar”.

Solid O Que Gera Amizades

Para quem já esteve integrado numa estrutura apoiada diretamente por uma fábrica (KTM, de 2016 a 2020), Mário Patrão não mostra qualquer saudosismo de ser ‘oficial’. Mas re- conhece que, por momentos, “o que faz falta é estar ali alguém a perguntar se está tudo bem, como correram as coisas se precisas de alguma coisa… Não há uma ‘solidão competitiva’, mas a gestão tem de ser feita de forma autónoma e apoio só dos companheiros da classe. Por isso existe um ambiente único naquela parte do acampamento. Ajudas e és ajudado. Aliás, quando a escora partiu foi pre- ciso ajuda para levantar e segurar a moto, tanto mais que estava magoado nesse dia. E logo surgiram outros pilotos a ajudar. Esse espírito de solidariedade afasta qualquer solidão, tanto mais que estão todos no mesmo patamar se for preciso uma chave a única hipótese é pedir emprestada a um companheiro”.

Uma gestão individualizada que obriga, também, a ter mais cuidado para não estragar a moto ou aumentar o desgaste de alguns componentes. É que quanto mais se destruir a moto, mais trabalho há no final do dia. além de que as peças são sempre algo curtas e a mala de 80 litros não dá para levar as peças todas que poderão ser necessárias”.

Eletricidade De Futuro

Não se pense, porém, que a categoria Original by Motul é para ‘velhos’, pilotos lentos ou em fim de carreira. “Depois de tantos resultados, de um palmarés recheado, de várias presenças no Dakar, é necessário perceber, a cada ano, o que é importante. Para piloto e para os patrocinadores. É mais importante andar nos 20 primeiros e à quarta etapa ir para casa?

Ou é importante ficares nos 25 ou 26 primeiros e arriscar um pouco menos todos os dias? Para sofrer uma queda ou ter problemas? Por isso, piloto e patrocinadores, decidem o rumo a tomar e a verdade é que, nesta categoria e a lutar pelos lugares da frente, o retorno dado foi muito superior”.

O grande cuidado na imagem e a forte ligação aos sponsors de longa data começa antes do Dakar e continua bem para lá das areias sauditas. Uma ligação que esteve na origem do mais recente projeto do Todo-oTerreno nacional, alinhando em várias provas com a KTM Freeride E-XC Mesmo reconhecendo que “quando a ideia foi apresentada surgiu al- guma apreensão, porque as motos elétricas ainda não estão evoluídas de tal forma que possam competir diretamente com motos a combustão. Estão ainda um pouco atrás em termos de competitividade. Mas, depois de mais de 20 títulos nacionais, mais de duas décadas de competição, porque não apostar numa coisa nova e diferente e importante em termos de meio ambiente. O principal objetivo, de passar a imagem de uma moto divertida também em competição, com maior economia e sem poluição foi conseguido. O projeto é para continuar, sobretudo no enduro, esperando que a autonomia seja maior para poder fazer raides e ralis. E até já fala num projeto para 2024 e, embora acreditando que a curto prazo haverá elétricas no Dakar, não sei se será já. É uma tecnologia recente que vai exigir um programa de desenvolvimento muito complexo e muitos testes”.

Triunfo De Emo Es Fortes

Talvez, um dia, seja possível ver Mário Patrão com uma moto movida a iões de lítio na prova sonhada por Thierry Sabine. E, quem sabe, a lutar por uma vitória. Como aquela que aconteceu no dia 12 de janeiro de 2023, na tirada entre Shaybah e o Empty Quarter, carregada de emoção. E se “uma vitória é sempre uma vitória”, acontecer no dia em que passavam 3 anos sobre o acidente de Paulo Gonçalves confe- re outro significado a essa vitória. “Esse é um dia inesquecível, por mais anos que vivamos, e as recordações surgiram bem antes da partida. Aliás, é impossível fazer uma etapa, por mais que queira, sem lembrar o qua aconteceu ao Paulo. Pode ser um trauma, uma defesa… não sei explicar. Mas, numa etapa grande, é impossível não recordar aquilo que pode acontecer e que aconteceu a um amigo nosso. Pode ser um travão para me defender”. fió

Independentemente das cautelas – e foram bastantes! – “no final, ao saber que tinha ganho, a felicidade foi muito grande. Sei que o Paulo iria ficar muito feliz pelo resultado. Mas foi uma sensação estranha, difícil. Com diversas emoções ao longo do dia. Foi uma boa etapa, correu tudo bem, mas… tive ajudas! Numa etapa grande apanhamos sempre sustos, por vezes daqueles que só pensamos ‘já fui…’. Mas parece que, por vezes, há alguém que nos segura, que ajuda a endireitar a moto. Andei com dores na clavícula desde a queda no primeiro dia e, nesse dia, levei um daqueles esticões que até fazem ver estrelas. Não sei como a moto se segurou depois de perder completamente a traseira e saltar duas ou três vezes. Por uma questão de mera sorte não caí. Nem baixei os braços e continuei a acelerar. E sei que ele ficou feliz, onde quer que esteja. Porque o Paulo era assim. Lutar sempre por aquilo que queres, não desistir nem baixar os braços”.

Este foi, sem dúvida, um dos anos de maior sucesso para o piloto senense: uma vitória numa etapa à geral, a vitória final entre os Veteranos e o terceiro lugar final na categoria Original by Motul.

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