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Saúde | Fisiatria | A Depressão ou uma desvitalização extraordinária | Dr. Sérgio Martinho
Dr. Sérgio Martinho Médico Psiquiatra na Policlínica Central da Benedita
A Depressão ou uma desvitalização extraordinária
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O dicionário de língua portuguesa é simpático ao definir “depressão”, porque não se compromete e as palavras têm vários significados. Afinal, não se pode dispensar um compêndio de uma língua para aclarar uma condição mental. Mas é simpático; à depressão, chama-lhe: um abaixamento de nível, uma diminuição da pressão, um achatamento, uma cavidade pouco funda ou até uma zona baixa entre montanhas. No entanto, nada disto nos diz verdadeiramente o que é a depressão clínica. Se os dicionários não nos oferecerem as respostas que pretendemos, talvez possamos recorrer aos números, que são invariáveis, grandiloquentes e puros, porque escondem a verdade do mundo.
Vamos a isso. Os números dizem que 5% da população mundial sofre de depressão, isto equivale a cerca de 280 milhões de pessoas, representando uma das maiores causas de incapacidade. Os números são impressionantes, não há dúvida. Em Portugal, estima-se que o problema seja ainda mais expressivo, com 7% da população a receber um diagnóstico de depressão a cada ano. Se pensarmos em doenças mentais no geral, é estimado que um em cada cinco portugueses sejam donos de uma perturbação mental. Os números são eloquentes, não há dúvida. E todos estes factos causam uma impressão significativa, mas a verdade é que não nos dizem grande coisa também. Muito bem; a depressão é frequente, e depois?
Para podermos ficar mais próximos, resta-nos, portanto, imaginar. Imaginemos isto: sem explicação aparente, ao cabo de alguns dias, o simples acto de
levantar da cama exige uma energia de que nem os deuses dispõem, os braços e as pernas pesam como mármore e qualquer movimento se arrasta numa extrema lentidão, como se toda e qualquer actividade, seja levantar o braço para acenar a um amigo, seja caminhar até ao carro, parece prolongar-se num esforço que equivale a mexermo-nos num mundo de gelatina. Há ainda o que se passa na cabeça: um redemoinho na fronte, um peso no cimo, atrás, de lado. Não é bem uma dor, mas concentração densa de qualquer coisa, um conjunto de agonias físicas que se centram num ponto específico. Dorme-se pouco. Demora-se a adormecer, porque na cabeça giram pensamentos de passados inalteráveis e de futuros imprevisíveis. E, quando, por sorte, nos acontece adormecer, não é muito tempo que dura; acorda-se a meio da noite, vai-se acordando, aos poucos.
Nos pensamentos, picando e moendo, redemoinham memórias dolorosas que julgávamos já há muito terem sido postas na linha. Em todas as ideias, serpenteiam culpas passadas, que a bem ver, se calhar, racionalmente, nem têm muito a ver connosco, mas que nos acusam como se fôssemos os responsáveis máximos por tudo o que de mal acontece no mundo. Na nossa cabeça, todos os acontecimentos se assumem como nossa responsabilidade. Neste jorro de eventos mentais, tentamos procurar alguma claridade, alguma concentração que nos faça regressar a um conjunto ordeiro de ideias que nos alivie e nos permita ver o mundo com melhores olhos. Procuramos essa capacidade de pensar, mas não está lá. Tentamos concentrar-nos num livro, mas esquecemos imediatamente o que acabámos de ler, circulamos angustiadamente pela mesma página, pela mesma página, pela mesma página. Da memória, desvanecem-se as mais corriqueiras actividades, que, noutra altura, levaríamos a cabo quase sem pensar nelas. Quase nos esquecemos de comer, porque a fome, amiga de sempre, desaparece. Operações mentais básicas perdem-se em distracção e vergonha, porque, se virmos bem, antes disto, até passámos por situações mais complicadas sem qualquer problema e ultrapassámos

os problemas com esforço e resolução. Mas, agora, não. Agora, estamos atolados. E como é isso possível? Perguntamo-nos como é possível falhar desta maneira, agora. Agora, todos os problemas se densificam no seio desta tristeza exagerada, que não é bem tristeza, é uma coisa maior, mais profunda, é quase uma ausência de sentimento, uma indiferença face ao presente, uma irresolução face ao passado e uma angústia face ao futuro. Nada mais é feito com prazer ou sem recorrer a uma energia imensa que drena um corpo que sempre funcionou sem problemas. Parece que a vida do corpo desceu uns degraus e se colocou na cave, a funcionar a serviços mínimos ou quase nem isso. Neste ambiente, com arrepio, aparecem as hipóteses negras do desaparecimento, interrogações passageiras começam a surgir mais prolongadamente, a própria morte aparece como um assunto frequente na nossa cabeça, o que assusta, aterroriza e, mesmo assim, não se pode evitar, porque a desesperança toma conta da vida mental.
Como se vê, a imaginação pode, mais do que os números ou as definições, oferecer um reflexo do que é a depressão. É verdade que nem todos os quadros depressivos se apresentam desta maneira. Alguns deles são mais leves, outros mais graves, mas, de alguma maneira, todos eles apresentam os sintomas descritos, em maior ou menor grau.
Mas, talvez, mais importante do que dizer o que é a depressão, é dizer o que ela não é. A depressão não é uma demonstração de culpa ou de fraqueza moral; não é um fingimento invisível; não é uma desculpa para não querer trabalhar ou para fugir; não é uma invenção dos médicos ou das empresas farmacêuticas para vender medicamentos. A depressão existe, acontece no cérebro, com repercussões em todo o corpo. É responsável por grande parte do sofrimento humano neste século. A boa notícia é que há algumas coisas que a depressão tem. Duas delas são solução e tratamento, que podem ser farmacológicos ou psicoterapêuticos, ou ambos, dependendo dos casos. E não, os medicamentos não pretendem deixar as pessoas prostradas ou zombies. Também não há que ter medo dos fármacos, porque existem para que a situação possa melhorar. O importante é não adiar o tratamento e a procura de ajuda, porque a depressão é como uma planta daninha: quanto mais o tempo passa, mais fundo se estendem as suas raízes. Devemos ser bons jardineiros e não permitir que a depressão arruíne as boas plantas do nosso jardim n