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Saúde | Psicologia | A importância dos animais de companhia | Dra. Carla Ferreira
Carla Ferreira Médica Psicóloga na Clínica de Olhalvas e Policlínica da Benedita
A importância dos animais de companhia
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Há séculos que o ser humano domestica animais. Nem sempre como o melhor dos propósitos e nem sempre com a clara consciência de que mais do que seres vivos são seres sencientes, dotados da capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente, de terem uma percepção do que lhes acontece e do que os rodeia, que necessitam por isso de cuidados e afectos específicos à sua espécie e necessidades .
Hoje, mais do que nunca, assiste-se a uma humanização no seu trato, sendo que a própria lei já os protege de algumas situações infelizes. Estamos, porém, ainda longe de encontrar um ideal que nos coloque no patamar de evolução sintónico o suficiente para os proteger de todos males como merecem. E merecem muito e por tudo. Merecem antes e acima de qualquer outro motivo porque são detentores de direitos. Mas merecem também porque podem significar muito em inúmeras vidas humanas, que neles constroem a satisfação das suas necessidades relacionais, quando assim faz sentido, ou quando ninguém mais as consegue ou pode preencher. Ao longo dos meus anos de trabalho já me deparei com diversas vidas que superaram momentos difíceis graças aos seus animais de estimação. Já encontrei crianças com atrasos de desenvolvimento ou dificuldades de interacção emocional, que com eles evoluíram muito, pela
capacidade inata que têm de não nos falhar nem nos desiludir. Também já encontrei animais que pereceram devagarinho após a morte dos seus queridos donos, pela tristeza e solidão. Já os vi agitados perante a aflição dos donos, num entendimento muito próximo do sexto sentido, provando, por isso, que também todos os outros poderão ser reais.
Após o tempo de pandemia e a solidão que se instalou em inúmeras casas, a importância da companhia dos animais tornou-se ainda mais relevante. Durante meses, muitas pessoas centraram as suas interacções nos seus animais de estimação, que constituíram uma fonte de afecto e proximidade, que nos foi vedada pelos limites sanitários impostos pelas autoridades de saúde. Num momento de fragilidade humana, foram eles que em muitos lares assumiram a função de um ser vivo presente incondicionalmente, independentemente da quarentena ou outras medidas de protecção. Talvez possamos não ter pensado muito sobre isso, mas na realidade a sua função na manutenção da saúde mental das pessoas foi muito elevada, pela capacidade de serem responsivos e atentos.
Não posso deixar de apelar para a responsabilização das pessoas que pensam adoptar um animal. Percebendo a elevada importância que podem ter na vida das pessoas, é muito injusto que se tome esse encargo, se não existir motivação para tal. Ter um animal implica responsabilidade, tempo, dedicação, foco e capacidade monetária para o alimentar e levar ao veterinário quando adoecem ou envelhecem. Qualquer relação implica reciprocidade, zelo, cuidado, para ser satisfatória. De outra forma apenas cumprirá um qualquer capricho emocional passageiro. Se sentir que é esse o seu caso, aceite, a vida é feita de escolhas e opções. Será uma decisão muito mais acertada do que não assumir a responsabilidade por um animal que ficará a seu cargo e que não vai ser feliz.
Para terminar, deixo três testemunhos que permanecerão anónimos e que nos descrevem na perfeição o que atrás referi.

Sobre os cães
“Os meus cães têm sido tudo. Numa sequência de momentos duramente desestruturantes, foram (e continuam a ser) a constância de ternura, de afeto, de confiança. A certeza da aceitação incondicional. A sua fragilidade e pouco tempo de vida, nunca deixam de me causar uma enorme tristeza e angústia. Imaginar-me sem eles é desolador.
Concebo com muita dificuldade uma vida sem eles sempre ao meu lado. Assustame demasiado. A visão de poderem sofrer, perturba-me profundamente. Ser a única pessoa responsável por eles e pelo seu bem estar, muitas vezes torna-se muito limitador perante outras escolhas, caminhos e dinâmicas. Mas se o faria tudo outra vez? Sem dúvida. O seu amor incondicional é libertador. São perfeitos. Não falham, fazem-me sempre sentir melhor. São sempre a opção certa, determinante no retorno e sem desilusões. “ M.

Sobre os gatos
atenta, parada e corre pela casa, animada, quando chego a casa.
Já me viu preocupada e aflita, e nesses momentos mia à minha volta, em círculo, como se quisesse proteger-me e conter o que sinto.
Não lhe atribuo nenhum dom, apenas um conhecimento de anos, uma dedicação bilateral, uma sensibilidade mútua.Faz parte da minha vida, e é um dos meus melhores colos.” T.

Sobre as aves
“Um dia um sobrinho trouxe-me um canário e foi com grande relutância que o aceitei pois não gosto de aves fechadas em gaiolas. Dia a dia ia aumentando o tempo em que a minha mão permanecia dentro da gaiola, perto dele e assim foi também ficando menos agitado na sua presença.
Até que já comia instalado na minha mão perfeitamente confiante. Não tardou que o retirasse da gaiola e o deixasse voar pela casa. Tem sido espantoso que venha para cima da mesa onde trabalho e abra as asas para que eu lhe faça festas na barriga e alise as penas. Que se aninhe no meu colo como se o fizesse no ninho.
Confesso que ainda me parece surreal que um passarinho com uma cabeça tão pequena tenha um coração tão grande, capaz de tanta companhia e carinho. Acho que sabemos muito pouco sobre os animais que nos rodeiam e a sua capacidade de amar” n