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Saúde | Dermatologia | Albinismo: Entre as crenças, a falta de meios e de informação | Dr. César Martins

Dr. César Martins Dermatologista Policlínica da Benedita

Albinismo: Entre as crenças, a falta de meios e informação

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A importância das ONGD e das missões médicas

“A 22 de Fevereiro deste ano, uma criança de doze anos foi raptada na sua casa, no povoado de Naicuanha (Distrito de Lichinga, norte de Moçambique). Encontrava-se a dormir com os seus pais, quando estes foram ameaçados por desconhecidos que empunhavam uma arma – que posteriormente se constatou que era de brinquedo, feita em madeira. No dia seguinte foi descoberto o corpo da criança sem vida, com os membros superiores e inferiores amputados. A polícia está a trabalhar para capturar os autores deste crime bárbaro, para que sejam responsabilizados.”

Esta é uma notícia frequente de se ouvir na medida em que os albinos são perseguidos, torturados e os seus corpos violentados para serem usados por feiticeiros em África com o intuito de fazerem poções mágicas.

O albinismo é uma condição genética, que se manifesta no ser humano e que leva à ausência da produção de um pigmento que dá cor à pele, íris e cabelo: a melanina. Não é uma doença. Não é contagioso. Não se transmite.

No ser humano já estão identificados vários genes que levam a diferentes graus de albinismo, desde a ausência total de pigmentação da pele, cabelo e olhos do OCA1 (OCA - oculocutaneous albinism – albinismo óculo-cutâneo), que acarreta ainda redução da acuidade visual, fotofobia (sensibilidade à luz) e nistagmo (movimentos involuntários dos olhos que tornam difícil focar), ao albinismo OA (ocular albinism – albinismo ocular) que como o próprio nome indica, afeta apenas a pigmentação da íris.

Para alguém manifestar esta condição, que é recessiva, tem de a herdar dos dois lados da família, ou seja, tanto a mãe como o pai têm de ser portadores de um destes genes. Pode ser comparado, de um modo simplista, aos olhos azuis numa pessoa. O gene terá de vir dos dois lados para se manifestar.

O albinismo, grosso modo, afeta uma média de 1 em cada 20.000 pessoas do mundo. A sua prevalência tem, no entanto, um valor diferente numa análise da sua distribuição por gene envolvido, por grupos étnicos e por regiões do globo.

O OCA1 é o subtipo mais comum e é responsável por cerca de 50% dos casos em todo o mundo, sendo predominante em caucasianos, seguido pelo OCA2, com 30% dos casos mundiais, com prevalência no continente africano, estimandose que afete uma média de 1 em cada 10.000 pessoas e nalgumas populações, até 1 para cada 1.000.

Já o OCA3 aparece apenas no sul do continente africano, é praticamente ausente em caucasianos, a sua prevalência é de 1 para cada 8.500 e representa 3% dos casos a nível mundial. O OCA4 é muito raro entre caucasianos e africanos, no entanto é responsável por 17% dos casos mundiais e no Japão é responsável por 1 em cada 4 casos de albinismo oculo-cutâneo. Há outros genes, mas estes são os que têm mais expressão.

O isolamento geográfico de algumas populações também pode ser um dos responsáveis por haver zonas do globo com taxas maiores de pessoas com albinismo, como sejam ilhas ou zonas remotas com acessos muito difíceis.

Para uma pessoa com albinismo, o sol pode ser o seu maior inimigo. Sem a barreira da melanina e se não for utilizada roupa e sapatos adequados ou outra proteção como protetor solar, chapéus e óculos de sol, os raios ultra-violeta A e B podem exercer o seu efeito nocivo e dar início a uma série de lesões na pele e culminar em cancro. Os problemas de visão que o albinismo também acarreta, como falta de acuidade visual, nistagmo e estrabismo, tornam difícil a vida escolar e a integração na sociedade, caso não possuam os meios necessários para conseguir ter óculos corretivos e com proteção contra os raios ultravioleta.

Em adição aos problemas de saúde de que sofrem, em todo o mundo estas pessoas são olhadas com preconceito, como diferentes, como não pertencendo à sociedade, por terem algumas características físicas que as distinguem da maioria. Mas enquanto isto em alguns países ou locais não é tão óbvio, noutros coloca

estas pessoas em risco acrescido.Como se não bastasse terem uma expectativa de vida reduzida devido aos cancros de pele, a sua diferença torna-se alvo de perseguições.

Questões culturais e o difícil acesso ao sistema de saúde convencional alimentam o tradicional recurso a feiticeiros, atores principais na criação de crenças relacionadas com entidades sagradas. Este sistema de crenças provoca o preconceito, a exclusão social e incentiva o crescimento de ações criminosas.

Culturalmente, o nascimento de uma criança com albinismo é considerado uma maldição para a família e para a comunidade. Existem relatos de bebés com albinismo mortos à nascença pelos próprios pais ou levados a líderes espirituais. Mães de crianças com albinismo são pressionadas a abandonar os seus filhos. As condições de pobreza e o difícil acesso à educação não permitem que as pessoas sejam devidamente informadas. É fundamental

acompanhar e sensibilizar as famílias e as comunidades.

Se por um lado, as pessoas com albinismo são referenciadas a forças do oculto e vistas como causa de azar, doença ou morte, por outro, são potenciadas como fonte de cura, purificação, poder e sorte. O mito tornou a ausência da cor na pele num elemento extremamente perigoso para quem é portador de albinismo. Perseguição, ataques físicos e mutilações conduzem, na grande maioria dos casos, à morte.

E o que podemos fazer por estas pessoas?

As maiores necessidades das pessoas com albinismo estão relacionadas com a segurança, com o acesso à educação e aos cuidados de saúde. É fundamental criar leis e mecanismos de segurança, informar convenientemente para desmistificar as crenças erróneas e aplicar punições aos crimes cometidos contra as pessoas com albinismo. Este é um objetivo para os governos dos países.É necessário investir na área da educação para permitir trabalhos mais qualificados, sem ser no exterior para que fiquem protegidos do sol. A educação é também uma forma de apoiar, integrando as pessoas com albinismo na sociedade. Também é um objetivo do governo dos países em questão, mas onde as ONGs dão um grande contributo.

Advertir para a prevenção do cancro de pele e para os cuidados dermatológicos e oftalmológicos, é extremamente importante para que as pessoas com albinismo melhorem a sua qualidade e esperança

de vida. Falamos do uso de roupa, sapatos, chapéus e protetores solares, que protejam do sol, e do uso de óculos. É importante dizer que os óculos apropriados são determinantes ajudar a vencer a barreira do relacionamento e da aprendizagem.

E assim surge a ONGD Kanimambo - Associação de Apoio ao Albinismo, que tem tido um papel indissociável dos progressos e ajuda a esta causa. Criando um movimento espontâneo e solidário de jovens, que se organizaram para angariar, recolher e enviar artigos de proteção solar (protetores solares, chapéus de sol e cicatrizantes) para crianças e adultos com albinismo. Milhares de protetores solares e cremes cicatrizantes foram distribuídos com o auxílio dos seus parceiros, incontáveis panamás e outros tipos de chapéus, roupas e óculos de sol com proteção UV foram distribuídos. Várias missões institucionais e uma missão ligada a um projeto de educação foram realizadas, auxílio prestado a outras ONG e associações no terreno. Três missões médicas foram realizadas, duas de oftalmologia e uma de dermatologia, que permitiram tratar e auxiliar muitas pessoas com albinismo e fornecer óculos graduados com proteção UV. Pode conhecer mais sobre esta ONGD em

www.knmb.pt

ou facebook.com/KanimamboONGD n

A Kanimambo

A Kanimambo é uma ONG portuguesa que protege os albinos considerando imperativo que se promova a educação, única arma contra as crenças falsas e retrógradas que associam albinismo a feitiçaria, que tantas vidas têm ceifado precocemente. Acredita que o conhecimento poderá iluminar o caminho para uma realidade melhor, onde as pessoas com albinismo possam viver em segurança nas suas comunidades..A Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) estabeleceu um protocolo de cooperação com a Kanimambo, que se concretizou na 1ª Missão Médica de Dermatologia da Kanimambo | Nampula e Maputo (Moçambique) | Fevereiro 2019. A equipa deslocou-se para a realização de consultas e cirurgias a pessoas com albinismo bem como empreender ações de formação de âmbito hospitalar e universitário junto de estudantes de medicina de diferentes universidades e médicos de medicina geral e familiar em colaboração com o Ministério da Saúde de Moçambique. A missão de dermatologia foi o primeiro passo desta colaboração, no âmbito da qual os dermatologistas Dr. César Martins e Dr. Ricardo Vieira examinaram e trataram doenças e cancros de pele no Hospital Central de Maputo e no Hospital Central de Nampula.

Quer ajudar?

Junte-se ao Grupo de Amigos da Kanimambo! Poderá doar 5€/ mês (contribuição mínima) de forma a permitir o funcionamento e a expansão dos projectos da associação. Saiba mais em knmb.pt”

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