Tempo de retomada

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Trudruá Dorrico TEMPO DE RETOMADA

Trudruá Dorrico TEMPO DE RETOMADA

Copyright © 2025 Trudruá Dorrico

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editoras responsáveis

Rejane Dias

Cecília Martins

revisão

Julia Sousa

capa

Diogo Droschi

(Ilustração de capa: Tamikuã Txihi)

diagramação

Guilherme Fagundes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dorrico, Trudruá

Tempo de retomada / Trudruá Dorrico. -- Belo Horizonte, MG : Autêntica Editora, 2025.

ISBN 978-65-5928-577-8

1. Poesia brasileira I. Título.

25-268128

Índices para catálogo sistemático:

1. Poesia : Literatura brasileira B869.1

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

CDD-B869.1

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7 Das formigas e das letras:

os caminhos Makuxis pelos mundos

Sony Ferseck [Wei Paasi]

11 Tempo de retomada, de Trudruá Dorrico

Carola Saavedra

15 Produção de nomes europeus

21 Retomada de nossos nomes

23 Meu nome

24 Quando você vai perguntar meu nome?

25 Retomada é um paradigma

26 Cumplicidade

27 Retomada

28 De que chuva você está falando?

29 Colonizar

30 Canção de ninar colonial

32 Etnônimos

33 Os últimos brasileiros

35 Produção de racismo indígena

39 Retomada de amor (próprio)

41 Presa

43 Só um pouco de raiva para não assustar você

44 O que é o amor indígena

45 Silêncio

46 Eu sou quem eu amo?

48 Um futuro para chamar de nosso

49 Pausa e voo

50 Parixara

51 Feridas

52 Desejo histórico

53 Eu sou teu país?

54 Autodeterminação

55 Promíscua

56 Mito

57 Amor

58 O que é e o que não é poesia

59 Produção do mito da terra vazia

61 Retomada da florestania

65 Terra não é mercadoria

66 Vô Iruri – Madeira

68 Pemonkon

69 Árvore de ideias contracoloniais

71 Marcos Temporais

72 Contramonocultura

74 Genocídio

75 Manifesto da Literatura Indígena Contemporânea

78 Erro de português

79 Gare

80 Paradoxo

81 Salvação colonial

83 Tempo de ficção

85 Museus vivos

88 Pé de Roraima

89 Tempo de netas

Das formigas e das letras: os

caminhos Makuxis pelos mundos

Sony Ferseck [Wei Paasi]*

Boa Vista – Roraima/Kuwai Kîrî/Weiyamî Pata’ 18 de abril de 2023

Cantar como quem dança com as vozes dos ancestrais pelos tempos afora. Dançar como quem escreve na terra as pegadas da vida indígena. Escrever como quem desenha nas pedras a letra de Makunaimî. Assim leio Trudruá Dorrico. Ela-Formiga soube fazer das formigas que passeiam pelo lavrado, que são as terras mesmas do povo Makuxi, as formigas que passeiam em preto agora

* Sony Ferseck, em poesia; Wei Paasi, em Makuxi Maimu, pertence ao povo Makuxi. É poeta, escritora, palestrante e pesquisadora. Atualmente é bolsista de pós-doutorado pelo Programa de PósGraduação em Letras pela Universidade Federal de Roraima (PPGL/UFRR), doutora em Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Literatura, Artes e Cultura Regional e graduada em Letras/Inglês pela UFRR. É, também, ex-professora substituta no Instituto de Formação Superior Indígena Insikiran da UFRR. Além de sua pesquisa, ela se dedica às suas próprias produções literárias, como Pouco Verbo (2013), Movejo (2020) e Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), obra semifinalista na categoria Poesia do 65º Prêmio Jabuti. Cofundadora, junto com Devair Fiorotti, da primeira editora independente de Roraima, a Wei.

neste branco de celulose e que chegarão muito mais longe e a terras tantas que até Makunaimî riria satisfeito de sua valentia.

Lendo Trudruá, me lembrei de tantas coisas! A primeira delas foi de um canto entoado pelos parentes Xucuru-Kariri que diz “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro”.

Cantavam depois de já termos conquistado direitos com a Constituição Federal de 1988, quando qualquer outra demanda ameaçava pôr em risco os mesmos direitos que vieram a preço de muitas lutas. E assim, conhecedora dessas muitas lutas, Trudruá faz com que sua voz seja uma voz em coletivo, trançada com as vozes que cantavam músicas em Makuxi e as que gritavam contra a brutalidade colonizadora dos europeus que invadiam as terras ancestrais de Makunaimî.

Assim, coletiva e ardida como as mordidas das formigas de fogo, já em brasas de raiva causada pelas injustiças tantas vivenciadas, entre as quais as que nos negaram nossos próprios nomes, certeira, Ela-formiga pergunta a quem pergunta: “Quando você vai perguntar meu nome?”. Não esse nome de papel que nos empurraram garganta abaixo, mas aquele que “é a pele do meu corpo”?. Aquele diz o nome da terra? Trudruá então nos ensina o que aprendeu com o povo Makuxi, que seu nome “é da terra” e que para ouvi-lo é preciso (re)aprender a língua da terra, os silêncios da terra e, assim, cantar junto com ela.

A outra coisa de que lembrei lendo Trudruá foi que, se tudo nos mundos são gentes, todas essas gentes têm suas artes também, todas elas dançam, inclusive as formigas. Ela-Formiga lembra que, se for para pisar na terra,

que seja macio, que seja dançando como em “Parixara”. Impossível não assistir à roda de parixara se abrir ao ler esse poema. Mais difícil ainda é resistir e não se sentir convidado a seguir para a frente e para trás, cadenciando no ritmo da dança.

Nessa dança cósmica que é a vida, como diz Ailton Krenak, todos os passos compõem a coreografia do caminho de reencontro com o povo e seus conhecimentos. Inclusive os que vão para trás, e é tocante perceber, em Pemonkon, como esse gesto nos leva ao tempo em que o próprio tempo não seguia essa linha reta, confundindo avanço, progresso como conhecimento e civilização desde a invasão em 1500. Para nós, povos indígenas, conhecimento é esse grande rio de águas encantadas que corre atravessando vidas e se demorando no tempo, como os avós.

Esses atravessamentos são uma coisa bonita de ver nesse formigueiro feito por Trudruá. De passagens dos relatos colonizadores como A carta, de Pero Vaz de Caminha, passando por documentos e relatos históricos, leis, poemas autorais até chegar a episódios narrativos que compuseram a seção “Tempos de ficção”, Trudruá segue no caminho de contracolonização da palavra acostumada a denominações já cristalizadas pela literatura ocidental. Ela prossegue num trabalho de conquistar aliados para as literaturas indígenas, trabalho duro e incansável a que vem se dedicando desde que soube de seu pertencimento ao povo Makuxi, como é possível ver em sua intensa atuação nas redes sociais e na profusa produção intelectual e artística.

Que, mais do que ler as palavras de Trudruá, você seja lido/a/e também por elas. Que, como descendentes dos povos indígenas, essas palavras passem a ser, junto

com as dos ancestrais, o poema dos mundos. Que, como aliado/a/e, você se sinta convidado/a/e a fazer parte de um jeito de ser-estar que veja no mundo muitos outros mundos, todos possíveis.

Que suas palavras, parenta-Formiga, tragam o desde sempre e ressoem, porque esse é o nosso destino.

Boas leituras!

Tempo de retomada, de Trudruá Dorrico

Carola Saavedra* Pesquisadora Makuxi

Em seu novo livro, a escritora, poeta e pesquisadora macuxi Trudruá Dorrico dá corpo ao que podemos chamar de literatura de retomada, ou seja, uma literatura que, assim como a retomada do território ancestral, reivindica o direito à vida, o direito social, cultural, espiritual, mas também poético. Porque o mundo é feito de palavras. E a palavra indígena é, na voz de Trudruá, ao mesmo tempo flecha e canto, arma e cura. Seus textos, que mesclam diversos gêneros – prosa, poemas, documentos históricos e ficção –, nos levam pela

* Carola Saavedra é autora dos romances Toda terça (2007), Flores azuis (2008), Paisagem com dromedário (2010), O inventário das coisas ausentes (2014), Com armas sonolentas (2018) e O manto da noite (2022), todos pela Companhia das Letras. Seus livros foram traduzidos para inglês, francês, espanhol e alemão. É doutora em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), professora e pesquisadora de Literatura e Estudos Culturais no Instituto Luso-Brasileiro na Universidade de Colônia. Sua pesquisa atual, sobre arte e literatura indígena no Brasil, é parte do projeto “O pensamento das margens: arte e literatura indígena e afro-brasileira”, financiado pela Fundação Thyssen. É autora também do livro de ensaios O mundo desdobrável: ensaios para depois do fim (Relicário, 2021) e da coletânea de poemas Um quarto é muito pouco (Quelônio, 2022).

senda que atravessa a longa noite do genocídio colonial. Começando por documentos como A carta, de Pero Vaz de Caminha, passando pelo Diretório dos Índios, de 1758, que outorga aos indígenas nomes e sobrenomes europeus, e vai até o Registro Civil de Nascimento para os Povos Indígenas, de 2014, que dá aos indígenas odireito de escolher um nome indígena, e a Lei Federal n.º 14.382/2022, que permite alterar o nome “imotivadamente”, pois a história dos povos indígenas é também a história da perda e da recuperação de um nome. E, se tudo é palavra, retomar a palavra torna-se passo essencial para poder, novamente, nomear o mundo. Não por acaso nos avisa o poema de abertura: “As cenas se repetem / mas só até a hora / que os poemas / fizerem a retomada”. Assim, a escrita de Trudruá é ao mesmo tempo poética e política, aspecto que caracteriza a arte indígena, inserida numa realidade de luta constante, de resistência, de visão de mundo que não separa vida e obra. Mas aqui todo cuidado é pouco, e Trudruá sabe disso; nada-se num rio de correntes perigosas, a língua portuguesa, que deságua num mar onde muitos povos indígenas estão imersos, águas do esquecimento, que borram para longe a própria língua, a memória. Relação necessariamente ambígua empunhar a arma que nos fere. O que resta? Resta a retomada dessa língua anterior, nunca silenciada, gravada no corpo, nos sonhos. Resta reescrever o passado, reinventar o futuro. E Trudruá Dorrico faz isso com beleza e astúcia, carregando as palavras que são suas, no caso, o macuxi, mas que são de todo um continente, Abya Yala, que segue vivo, marcando o ritmo de nossos passos.

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