Livro 5 Ressignificar - Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no Esporte

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E n s i n o e d i dá t ic a de p e rs p e c t iv a c rí t i c a na E d u c a ç ã o F í s i c a e no Es p o r t e

Emerson Duarte Monte Marcos Renan Freitas de Oliveira Organizadores

Coleção Formação e Produção em Educação Marta Genú Soares Coordenação

LIVRO 5

CCSE / UEPA Belém – Pará 2 02 0


© Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa RessignificaЯ. Este livro ou parte dele pode ser reproduzido por qualquer meio mantida a fonte de origem. A responsabilidade pelas opiniões expressas nos capítulos é exclusivamente incumbida aos autores e as autoras assinantes.

COLEÇÃO FORMAÇÃO Diretora da Coleção Marta Genú Soares Coordenação Acadêmica do Livro 5 Marta Genú Soares Organizadores do Livro 5 Emerson Duarte Monte Marcos Renan Freitas de Oliveira Ilustração e Editoração Emerson Duarte Monte Revisão do Inglês Carla Loyana Dias Teixeira

E

PRODUÇÃO

EM

E DU CA ÇÃO

Comitê Científico Prof. Dr. Allyson Carvalho de Araújo (UFRN) Prof.ª Dr.ª Eugenia Trigo Aza (IISABER/ES) Prof.ª Dr.ª Ilma Pastana Ferreira (UEPA) Prof.ª Ma. Ivana Lúcia Silva (IFRN) Prof.ª Dr.ª Joelma C. P. Monteiro Alencar (UEPA) Prof.ª Dr.ª Mirleide Chaar Bahia (UFPA)

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UEPA / SIBIUEPA M772 Ensino e didática de perspectiva crítica na educação física e no esporte [recurso eletrônico] / Organizadores Emerson Duarte Monte, Marcos Renan Freitas de Oliveira. – Belém, PA: CCSE/UEPA, 2020. 259 p.: Formato Digital. (Coleção Formação e Produção em Educação, dirigida por Marta Genú Soares; v. 5). Vários autores Formato: PDF Modo de acesso: World Wide Web ISBN Digital: 978-65-00-10315-1 1. EDUCAÇÃO FÍSICA – Pesquisa – Brasil. 2. PROFESSORES – Formação. 3. PRÁTICAS CORPORAIS. I. Monte, Emerson Duarte. II. Oliveira, Marcos Renan Freitas de. III. Série. CDD 22. ed. 613.7 Contato: Universidade do Estado do Pará | Campus III Avenida João Paulo II, 817, Sala NUPEP | RessignificaЯ Bairro: Marco | CEP: 66.095-049 | Belém - Pará - Brasil E-mail: gressignificar@gmail.com | martagenu@gmail.com | anibal.neto@uepa.br


UMÁRIO Apresentação

Emerson Duarte Monte e Marcos Renan de Oliveira

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Teoria Histórico-Cultural, Pedagogia Histórico-Crítica e Abordagem Crítico-Superadora do ensino da Educação Física: algumas contribuições

Cássia Hack Celi Nelza Zülke Taffarel Pandemia e política adoecida: uma análise na Educação Física

sob a ótica da pedagogia Crítico-Superadora

Arliene Stephanie Menezes Pereira Francisco Eraldo da Silva Maia Joselita da Silva Santiago Symon Tiago Brandão de Souza

38

Impactos socioeducacionais em época de pandemia:

análise crítica sobre o ensino e a didática

64

Rayane Mesquita Estumano Luciane Cristina Farias de Aguiar Marta Genú Soares

Educação Física Escolar em tempos de pandemia

88

Denise Grosso da Fonseca Roseli Belmonte Machado

Limites da relação entre Lutas e Educação Física:

primeiros ajustes de uma crítica docente

108

Benedito Carlos Libório Caires Araújo O trato com o conhecimento esporte na Educação Física Escolar:

limites, contradições e possibilidades

Wanderley dos Santos Araújo Marcos Renan Freitas de Oliveira

134


Questões críticas a considerar na organização didática de Exercícios Físicos em Treinamento Resistido

Daniel Castilho de Souza Fábio Andrade Fernandes Gláucia Lobato Kaneko Marta Genú Soares

154

Educação Especial na teoria Educação de Corpo Inteiro:

possibilidades e ressignificações

178

Inara Maria Rolim Tavares Suzelli Helena Borges Raiol Higson Rodrigues Coelho

204

O Estágio e as Práticas Pedagógicas no processo de Formação Docente para atuação na Educação Física Escolar Inclusiva

Anita Franco Vilardaga Sergio Roberto Silveira

Desafios e possibilidades para o ensino da Educação Física no processo de inclusão educacional de alunos com Transtorno do Espectro Autista

Glenda dos Santos Pinheiro Vanessa Rodrigues Cuns Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito Anibal Correia Brito Neto

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O ensino da Educação Física na Educação Infantil:

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reflexões a partir da interculturalidade

Laíne Rocha Moreira Larici Keli Rocha Moreira


PRESENTAÇÃO

“A desumanização do indivíduo perpassa por toda a história dos corpos racializados e marginalizados, sendo na objetificação, na comercialização ou na contagem estatística.” Mauricio Igor (2020)

Em 2020 nos confrontamos com a existência da pandemia da COVID-19 causada pelo Coronavírus – denominado SARS-CoV-2 – que atingiu a todos e todas em âmbito global e local. Sabe-se, que se trata de uma doença sistêmica que afeta diversos órgãos do corpo humano, com elevado grau de transmissibilidade e de letalidade, e desafia a comunidade científica a entender de que modo o vírus se comporta em crianças, jovens, adultos e idosos, portadores ou não de comorbidades. A COVID-19 tem mobilizado cientistas e pesquisadores do mundo para dar respostas aos questionamentos, dúvidas e controvérsias sobre os fármacos e procedimentos mais eficientes para o tratamento da doença, bem como para a produção de vacinas para imunização da população mundial. Trata-se de uma doença que já custou a vida de mais de um milhão e setecentas mil pessoas no mundo e mais de cento e oitenta e oito mil no Brasil. É com a centralidade da luta, do enfrentamento e da resistência contra as forças negacionistas da existência do Coronavírus e da produção de vacinas para a imunização de todos os seres humanos, que o Grupo de Pesquisa

RessignificaЯ – Experiências

Inovadoras

na

Formação

de

Professores de Educação Física e Prática Pedagógica socializa o quinto Ebook intitulado “Ensino e Didática de perspectiva crítica na Educação Física

e no Esporte”. 5


Imbuídos do sentimento de superação das contradições da vida social que este livro dialoga com a fotografia “Sem título e sem nome”, produzida em 2020 pelo artista Mauricio Igor, de 25 anos, nascido em Belém/PA, professor de Artes Visuais. O artista expressa o processo de desfalecimento do indivíduo e da sua pessoalidade diante de uma grave crise econômica, política, social e sanitária que vivenciamos hodiernamente. A

fotografia

permite

compreender

que

o

processo

de

desumanização do ser humano se vincula à história de opressão aos corpos racializados e marginalizados, contabilizados sob a égide dos interesses do capital e dos governos. A identidade, a história e a individualidade dos indivíduos são interditadas, coisificando os corpos e tornando-os apenas estatísticas da desumanização da necropolítica do sistema do capital.

Obra: Sem título e sem nome. Autor: Mauricio Igor (1995). Ano: 2020. Técnica: Fotografia.

Tomados pelos desejos orientadores do sentido e do significado da fotografia do artista, reforçamos a necessidade de construirmos coletivamente um mundo em que as relações humanas entre as gerações

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possam expressar a diversidade, a liberdade, o direito à vida e a solidariedade. Nesse diapasão, este livro se configura como uma coletânea de 11 capítulos que perpassam por três blocos temáticos, os quais discutem e integralizam as relações da Educação Física com a pandemia, com as práticas corporais e com a educação especial. Tais blocos estão no meio de um artigo de abertura e um de fechamento do livro. O primeiro capítulo de autoria das professoras Cássia Hack e Celi Nelza Zülke Taffarel, traz à tona as contribuições da Teoria HistóricoCultural, da Pedagogia Histórico-Crítica e da Abordagem Crítico-Superadora do ensino da Educação Física para o desenvolvimento do trabalho educativo em uma perspectiva que supera as teorias não críticas e as teorias críticoreprodutivistas. As autoras fundamentam-se no materialismo histórico dialético para articular a teoria necessária no desenvolvimento do trabalho educativo no campo da Educação Física. No bloco temático que discute a relação da Educação Física com a pandemia o primeiro capítulo é de autoria dos pesquisadores Arliene Stephanie Menezes Pereira, Francisco Eraldo da Silva Maia, Joselita da Silva Santiago e Symon Tiago Brandão de Souza; o segundo capítulo foi produzido pelas professoras Rayane Mesquita Estumano, Luciane Cristina Farias de Aguiar e Marta Genú Soares; e o terceiro foi elaborado pelas autoras Denise Grosso da Fonseca e Roseli Belmonte Machado. Os estudos desse bloco trazem para o debate e a crítica, as políticas públicas de enfrentamento da pandemia, a necessidade de as escolas assumirem uma teoria pedagógica de perspectiva crítica para o ensino dos conteúdos da cultura corporal e as experiências e práticas da Educação Física escolar em tempos de crise sanitária. As práticas corporais situam-se no segundo bloco temático, com os capítulos de Benedito Carlos Libório Caires Araújo; Wanderley dos Santos Araújo e Marcos Renan Freitas de Oliveira e; Daniel Castilho de Souza, Fábio Andrade Fernandes, Gláucia Lobato Kaneko e Marta Genú Soares. Os estudos problematizam o ensino de perspectiva crítica das práticas corporais, com centralidade para as lutas, os esportes e a ginástica, como possibilidades 7


emancipadoras e contra hegemônicas nos campos da Educação Física escolar e não escolar. A temática da educação especial insere-se no terceiro bloco com os capítulos de Inara Maria Rolim Tavares, Suzelli Helena Borges e Raiol Higson Rodrigues Coelho; de Anita Franco Vilardaga e Sergio Roberto Silveira; e de Glenda dos Santos Pinheiro; Vanessa Rodrigues Cuns, Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito e Anibal Correia Brito Neto. Os estudos refletem sobre a formação acadêmica, a prática pedagógica de professores/as de Educação Física para a inclusão dos alunos com deficiência na escola e as perspectivas e desafios de uma educação inclusiva na Educação Física escolar a partir de uma teoria pedagógica propositiva e sistematizada. O último capítulo do livro é de autoria de Laíne Rocha Moreira e Larici Keli Rocha Moreira e discute sobre o ensino da Educação Física na educação infantil sob a lente da interculturalidade, que é uma perspectiva teórica emergente do contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão social e que busca a construção de práticas educativas sensíveis às questões da diversidade cultural relativas a classe, gênero e etnia em todas as etapas da educação básica. No percurso formativo, crítico e propositivo das pesquisas apresentadas neste livro, os leitores poderão analisar as temáticas privilegiadas e problematizadas, os resultados alcançados e as sugestões para novos estudos, sintonizados com o ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no Esporte e a produção do conhecimento científico, como força motriz de processos de formação humana emancipatória em tempos de pandemia. Em tempo de ascensão de ideologias de carizes fascistas, remontando a tragédia histórica das ditaduras italiana e alemã, a farsa criada pelo chefe do executivo federal sobre a pandemia e as saídas por meio das vacinas, coloca em marcha a materialização de um governo genocida. Nutrir a nossa prática com a perspicácia exposta por Mauricio Igor em sua obra caminha na direção da ruptura necessária com o obscurantismo e o negacionismo signatários da fascistização.

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O alimento que dará musculatura ao nosso corpo teórico está presente nessa obra, para fazer frente às políticas de destruição dos serviços públicos e dos direitos sociais. A nossa unidade está delineada a partir do programa de defesa, intransigente, da vida humana, e é com ela que conquistaremos, no campo da prática, a liberdade da classe trabalhadora. Portanto, é necessário permanecer com o otimismo da vontade sem deixar de se guiar pelas análises do pessimismo da razão.

Belém, Pará, Amazônia, Brasil / 2020 Emerson Duarte Monte e Marcos Renan Freitas de Oliveira

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Teoria Histórico-Cultural, Pedagogia Histórico-Crítica e Abordagem CríticoSuperadora do Ensino da Educação Física:

Algumas contribuições Cássia Hack (UNIFAP) * Celi Nelza Zülke Taffarel (UFBA) ** Resumo: O texto apresenta fundamentos e contribuições da Teoria Histórico-Cultural, da Pedagogia Histórico-Crítica e da Abordagem Crítico-Superadora do Ensino da Educação Física que orientam o trabalho educativo. Apoiamo-nos no materialismo histórico dialético para articular a teoria necessária para o desenvolvimento coerente do trabalho educativo no campo da Educação Física. Palavras-chave: Teoria Histórico-Cultural. Pedagogia Histórico-Crítica. Abordagem Crítico-Superadora do Ensino da Educação Física. Materialismo Histórico Dialético. * Doutora em Educação (UFBA) com estágio na Università degli Studi di Cassino e del Lazio Meridionale (Itália). Professora Adjunta na Universidade Federal do Amapá. E-mail: cassia.hack@gmail.com

** Doutora em Educação (UNICAMP). Professora Titular na Universidade Federal da Bahia. E-mail: celi.taffarel@gmail.com

Entendo e defendo que a escola é a forma mais avançada que temos para garantir a formação de crianças, jovens e adultos, no que diz respeito ao acesso ao patrimônio histórico da humanidade e o local privilegiado para desenvolvimento das funções psicológicas superiores (TAFFAREL, 2013, p. 138).

ste texto aponta fundamentos e contribuições da Teoria Histórico-Cultural, da Pedagogia Histórico-Crítica e da Abordagem CríticoSuperadora do Ensino da Educação Física para o desenvolvimento do trabalho educativo em uma perspectiva que supera as teorias não críticas e as

teorias crítico-reprodutivistas (SAVIANI, 2008), no trato das contradições no chão da escola, considerando seu grau de desenvolvimento, para contrapor-se a atual perspectiva de escolarização que, majoritariamente tem nas

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Hack e Taffarel (2020)

pedagogias do aprender a aprender os seus fundamentos (DUARTE, 2011a). Este conjunto de teorias ancora sua gênese e desenvolvimento nos pressupostos do Materialismo Histórico Dialético (SAVIANI, 2008, 2011, 2019; TAFFAREL, 2013, 2016; MARTINS, 2013; GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019). Saviani (2011) afirma que não é suficiente recolher trechos da obra de Marx e Engels, ou perscrutar implicações educacionais do conjunto da obra destes autores para construir uma pedagogia inspirada no materialismo histórico dialético 1. Implica a apreensão da concepção de fundo, de ordem ontológica, epistemológica e metodológica, que caracteriza o materialismo histórico dialético. Imbuídos destes elementos, deve-se adentrar o interior dos

processos pedagógicos,

reconstruindo suas

características objetivas e formulando as diretrizes pedagógicas que possibilitarão a reorganização do trabalho educativo sob os aspectos das finalidades e objetivos da educação, das instituições formadoras, dos agentes educativos, dos conteúdos curriculares e dos procedimentos didáticopedagógicos “que movimentarão um novo éthos educativo, voltado à construção de uma nova sociedade, uma nova cultura, um novo homem” (SAVIANI, 2011, p. 24), contribuindo neste período de transição (TROTSKY, 2009), nas palavras de Taffarel (2016, p. 6) “são as condições objetivas colocadas à humanidade que permitem o desenvolvimento humano, a construção da subjetividade humana, a construção do sistema axiológico dos seres humanos”. Não existe uma educação e uma escola em condições idealizadas, pois são fenômenos sociais desenvolvidos nas condições objetivas, ou seja, a partir da realidade concreta em meio a disputa de projetos históricos conflitantes, opostos, é preciso, portanto, tomar uma posição política, pois “projetos históricos diferentes alimentam diferentes concepções de educação e sociedade” (ESCOBAR, 1997, p. 141), e vez que nem o conhecimento é neutro, tendo em vista que adquire força ideológica e força produtiva na sociedade de classes, vale o apontamento de Taffarel (2013, p. 139) para quem 1

Corroborando com o pensamento de Manacorda (2010).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Não existe um modelo de educação a partir do qual seria medida a educação existente ou que seria preparada a educação do futuro. Existe o que está posto, a partir do qual se constrói o la contra. Não é um plano alternativo de educação, nem tampouco a educação de um plano alternativo de sociedade, igualmente inexistente. Não é uma dedução a partir de um suposto modelo de sociedade, mas, sim da expressão geral do movimento real.

Manacorda (2010, p. 432) alertava [...] que não é só a escola, seja ela qual for, a educar, mas a vida inteira em sua plenitude, todo o platônico pantakhoû; o que nos remete à complexa relação educação-sociedade, que muitos, especialmente Marx, claramente descobriram e que hoje tem dimensões mundiais. Se o fato educativo é um politikum e um social, consequentemente, é também verdadeiro que toda situação política e social determina sensivelmente a educação: portanto, nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da batalha política e social.

E, neste sentido, não é possível desenvolver uma didática histórico-crítica separando-a “da concepção marxista de ser humano, de sociedade, de conhecimento, bem como do papel da educação escolar” (GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019, p. 1). Ao tratar das questões referentes ao ensino e didática, temos que compreender também que as pedagogias que lhes dão as bases, são desenvolvidas para formar e conformar 2 tendo em vista determinados objetivos, ou seja, estabelecendo nexos e relações adequadas aos estágios de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, umas teorias educacionais na perspectiva de manutenção, outras com caráter crítico, e, por fim, as pedagogias de cunho socialista. Todas e cada uma delas com suas intencionalidades subjacentes em relações sociais concretas e historicamente situadas.

2

Ver as “Onze Teses sobre Educação e Política” elaboradas por Saviani (2008, p. 65) e “As teses de abril de 2011 sobre educação, consciência de classe e estratégia revolucionária” elaboradas por Taffarel (2013).

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Saviani e Duarte (2012, p. 2) afirmam “que a luta pela escola pública coincide com a luta pelo socialismo”. E, neste sentido, defendem que esta tese está apoiada na análise de uma contradição que marca a história da educação escolar na sociedade capitalista. Trata-se da contradição entre a especificidade do trabalho educativo na escola – que consiste na socialização do conhecimento em suas formas mais desenvolvidas – e o fato de que o conhecimento é parte constitutiva dos meios de produção que, nesta sociedade, são propriedade do capital e, portanto, não podem ser socializados. (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 2).

As

políticas públicas

educacionais

e as (contra)reformas

curriculares que rebaixam a formação tanto na educação básica quanto no ensino superior, que pressupõe o “notório saber” ao invés do professor formado e qualificado para o ensino, acabam por confirmar a tese supracitada, que o conhecimento mais elaborado não é para todos em uma sociedade capitalista. Em contraposição a concepção capitalista de uma educação rebaixada, fragmentada e subserviente aos seus próprios interesses, a proposta que discutimos é a do desenvolvimento de uma educação que permita a apropriação dos múltiplos elementos culturais produzidos historicamente pela humanidade, o saber sistematizado, que são estes conhecimentos monopolizados por aqueles que detêm os meios de produção. Saviani (2008, p. 4-24) tomando como “critério de criticidade os condicionantes objetivos da educação”, denomina as teorias educacionais em

teorias não críticas que compreendem a educação como autônoma a partir dela mesma – pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia tecnicista –, e de teorias crítico-reprodutivistas àquelas que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre aos seus condicionantes objetivos, à estrutura socioeconômica que determina o fenômeno educativo, contudo, entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade – teoria da escola enquanto violência simbólica, teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado e teoria da escola dualista.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Quanto à possibilidade de desenvolver uma teoria crítica da

educação, Saviani (2008, p. 25) considera a questão acerca de se “é possível encarar a escola como uma realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana?”. Neste sentido, sabendo que a escola é determinada socialmente, que há distintos interesses de classe, e as contradições do modo de produção capitalista, em um período de transição, uma “teoria crítica (que não seja reprodutivista) só poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses dos dominados”. Desenvolvendo a questão “é possível articular a escola com os interesses dos dominados?” ou se “é possível uma teoria da educação que capte criticamente a escola como um instrumento capaz de contribuir para a superação do problema da marginalidade?”. Saviani (2008) indica que para uma teoria deste tipo é necessário “avançar no sentido de captar a natureza específica da educação, o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista”, que do ponto de vista prático, consiste em lutar [...] contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares [...] garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. [...] evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes. (SAVIANI, 2008, p. 25-26).

Tendo em vista a centralidade estratégica da Educação como fenômeno próprio dos seres humanos no seu processo de humanização, no sentido de superar as tendências teóricas educacionais que não tem propostas pedagógicas que emitam crítica na “explicação do mecanismo de funcionamento da escola como está” e, portanto, sacrificam a história “na ideia em cuja harmonia se pretende anular as contradições do real” ou “na reificação da estrutura social em que as contradições ficam aprisionadas” (SAVIANI, 2008, p. 24), há necessidade de uma “ação coletiva e organizada, com

estratégias

objetivamente

fundamentadas,

em

direção

a

uma

reestruturação radical que promova a socialização da propriedade dos meios de produção” (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 2), e, apesar desta organização 14


Hack e Taffarel (2020)

coletiva não ser uma utopia sem base real, tão pouco será concretizada por ação de forças espontâneas 3. Vivemos em uma sociedade fundada no modo de produção capitalista, portanto, uma sociedade de classes, e classes que têm interesses antagônicos. Compreendemos que a Educação e a Escola são determinadas socialmente, portanto, há uma necessidade de disputar os rumos e defender uma escolarização fundamentada essencialmente em uma teoria que seja propositiva, que tenha a intencionalidade de contribuir para a transformação do modo de produção e reprodução da vida, que compreenda o período de transição em que vivemos. Uma teoria [...] [que] impõe-se a tarefa de superar tanto o poder ilusório (que caracteriza as teorias não críticas) como a impotência (decorrente das teorias crítico-reprodutivistas), colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado. (SAVIANI, 2008, p. 25).

Desta assertiva depreende-se que quem assume esta teoria está assumindo posição na luta de classes, faz a crítica ao capitalismo e defende os princípios histórico-dialéticos para o estabelecimento de uma sociedade comunista, militando nesta perspectiva, com todo o movimento das contradições4, produzindo as condições objetivas e subjetivas para contribuir neste período de transição para uma formação fundada nos princípios da omnilateralidade5. Neste sentido, aponta-se para os pressupostos ontológicos de concepção de ser humano e o papel do trabalho no processo de humanização. O ser humano não nasce humano, torna-se humano e precisa produzir e 3

Estes apontamentos corroboram com as formulações de Suchodolski acerca da pedagogia socialista. Ver em Suchodolski (1974). 4 Alguns dos polos de contradição são expressos na existência da propriedade privada e na divisão social do trabalho (alienação), atividade alienada produzindo as condições de sua própria superação (alienação versus desenvolvimento humano). Ver em Marx e Engels (2012). 5 O conceito de omnilateralidade é um neologismo em relação à unilateralidade. Refere-se à compreensão antípoda à formação unilateral provocada pela reificação, pela divisão social do trabalho, pelo trabalho alienado, e, pelas relações de classe parciais, limitadas e limitadoras, perniciosas, enfim, estranhadas (HACK, 2017, p. 32). Para ampliar a compreensão acerca do conceito ver Marx e Engels (2012), o conjunto da obra de Taffarel, Manacorda (2010) e Frigotto (2012).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

garantir sua existência pela transformação da natureza que se dá mediante a realização de trabalho adequado a finalidade, em uma ação intencional (SAVIANI, 2012; TAFFAREL, 2016). “É por meio do trabalho que o ser humano incorpora, de forma historicamente universalizadora, a natureza ao campo dos fenômenos sociais” (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 21) e é neste processo que as necessidades humanas se ampliam para além das necessidades de sobrevivência para àquelas sociais. Assim, vale destacar a tarefa da educação escolar, posto que é o trabalho educativo que garante a transmissão6 dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade. Este conjunto de explicações contribuem para a compreensão dos nexos entre a teoria do conhecimento, do desenvolvimento humano e pedagógica, a partir da referência marxista, acerca das razões pelas quais a formação humana é uma questão vital à humanidade, posto que se encontra intrinsecamente ligada ao processo histórico de produção e reprodução da vida. Como expressão de uma pedagogia marxista é desenvolvida coletivamente como uma possibilidade de contribuir efetivamente na Educação, compreendendo “as complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista” (SAVIANI, 2008, p. 25) ao qual, defendemos a relação em simultaneidade dialética com os princípios desenvolvidos na Abordagem Crítico-Superadora no campo da Educação Física. A Pedagogia Histórico-Crítica é apresentada por Saviani (2008, 2011, 2019), como uma pedagogia articulada aos interesses da Classe Trabalhadora que desenvolve método que supera por incorporação as contribuições do que já foi elaborado, preconizando a relação e a vinculação entre educação e sociedade “considerando a reciprocidade da relação dialética entre a dimensão política e pedagógica” (GALVÃO; LAVOURA;

6

Pasqualini e Lavoura (2020, p. 4) defendem “uma posição teórico-metodológica que pode ser assim sintetizada: a pedagogia histórico-crítica conserva da pedagogia tradicional o princípio da transmissão do conhecimento para todos, mas, na medida em que se baseia em outra concepção de conhecimento, subordina-se a outra finalidade – pedagógica e política – e se realiza a partir de outro método, tal princípio é requalificado, vislumbrando a práxis que transforma a realidade social”.

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MARTINS, 2019, p. 159). Estimula a atividade e iniciativa dos estudantes, sem desresponsabilizar o trabalho do professor, favorecendo o diálogo entre professores

e

estudantes,

bem

como

com

a

cultura

acumulada

historicamente, acolhendo interesses e ritmos de aprendizagens e o desenvolvimento psicológico, sem desonerar a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão e assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 2008, p. 5556). Se há supervalorização do processo é possível transformá-lo em “uma abstração esvaziada de conteúdo e sentido” (SAVIANI, 2008, p. 62), contudo, os conteúdos são fundamentais e, sem conteúdos relevantes, conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir. Nas palavras de Duarte (2016, p. 1) A decisão sobre o que ensinar às novas gerações por meio da educação escolar envolve relações entre o presente, o passado e o futuro da sociedade e da vida humana. Se tomarmos essa decisão levando em conta apenas necessidades imediatas do presente, não ensinaremos às crianças e aos jovens a considerarem as consequências para o amanhã das escolhas que a sociedade e os indivíduos fazem na atualidade.

Saviani (2008, p. 56-60) aponta cinco “momentos articulados num mesmo movimento único e orgânico” para o desenvolvimento da Pedagogia

Histórico-Crítica

que

necessitam

ser

compreendidos,

dialeticamente, a partir do conjunto filosófico e teórico que lhe permitem a organização. Momentos que não se reduzem a passos no sentido linear, cronológico e isolado. O ponto de partida seria a prática social [...], que é comum a professor e estudantes, porém, ocupando possivelmente posições distintas 7 [...] e distintos níveis de compreensão 8 [...] da prática

7

Como agentes sociais diferenciados (SAVIANI, 2008, p. 56). Esta distinção remete ao nível de conhecimento e experiência, do ponto de vista pedagógico, enquanto o professor tem uma compreensão de “síntese precária”, a compreensão dos estudantes é de caráter sincrético. (...) Movimento da síncrese (“como a visão caótica do todo”) e a síntese (“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela mediação da análise (“as abstrações e determinações mais simples”) constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) 8

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

social. [...] A problematização 9 trata de detectar quais são as questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em consequência, quais conhecimentos são necessários dominar. [...] É, portanto, indispensável apropriar-se dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas advindos e detectados na prática social. Como estes instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a sua apropriação pelos estudantes depende da sua transmissão direta ou indireta 10 [...] por parte do professor. Este terceiro passo foi denominado de instrumentalização 11 [...]. Adquiridos os instrumentos básicos, ainda que parcialmente, é chegado o momento da expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu, denominado de catarse 12. [...] Trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social. O quinto passo [...] é o ponto de chegada na própria prática social, compreendida agora não mais em termos sincréticos13 [...]. (SAVIANI, 2008, p. 56-58, notas de rodapé introduzidas ao texto original para explicar a terminologia, expressas pelo autor na mesma obra).

É preciso assimilar dialeticamente a prática social como uma alteração qualitativa do ponto de partida e o ponto de chegada para compreender, de acordo com Saviani (2008, p. 58) “que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma”.

como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (método de ensino) (SAVIANI, 2008, p. 56). 9 “[...] a problematização é diretamente dependente da instrumentalização, uma vez que a própria capacidade de problematizar depende da posse de certos instrumentos” (SAVIANI, 2008, p. 60). 10 A transmissão direta ou indireta relaciona-se ao fato de o professor tanto transmiti-los diretamente como quanto indicar meios pelos quais a transmissão se efetive (SAVIANI, 2008, p. 57-59). 11 A Instrumentalização aqui denominada não está posta em sentido tecnicista, trata-se, contudo, da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem (SAVIANI, 2008, p. 57). “Nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário, etc.” (SAVIANI, 2008, p. 64). 12 “Catarse na acepção gramsciana de “elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens” (GRAMSCI, 1978, p. 53 apud SAVIANI, 2008, p. 57), ou seja, a assimilação subjetiva da estrutura objetiva (SAVIANI, 2008, p. 60). 13 Neste ponto, ao mesmo tempo que os estudantes ascendem ao nível sintético em que, por suposto, já se encontrava o professor no ponto de partida, reduz-se a precariedade da síntese do professor, cuja compreensão se torna mais e mais orgânica (SAVIANI, 2008, p. 58).

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Hack e Taffarel (2020)

Saviani (2008, p. 58) aponta a catarse – “a passagem do sincrético à síntese” – como ápice do processo pedagógico tendo em vista a elevação da compreensão dos estudantes acerca do mundo real, em um “fenômeno [...] a educação é uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível, uma desigualdade no ponto de partida e uma igualdade no ponto de chegada” (SAVIANI, 2008, p. 58). Na compreensão de Saviani (2017, p. 174-175) o “movimento [...] parte da síncrese (a visão caótica do todo) e chega, pela mediação da análise (as abstrações e determinações mais simples), à síntese (uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas) [que] constitui o próprio método dialético”. A contribuição do Professor na Pedagogia Histórico-Crítica é imprescindível do ponto de vista catártico para o estudante. Esta contribuição, segundo Saviani (2008, p. 64) está dialeticamente relacionada com a compreensão que este Professor desenvolve relacionando sua prática com a prática social global, ou seja, quanto mais vincular o conteúdo específico de cada disciplina às finalidades sociais mais amplas, mais pode ocorrer a apreensão do conhecimento pelos estudantes. Neste sentido, a necessidade de prover uma formação elevada aos Professores é uma imposição do ponto de vista da Classe Trabalhadora em uma Universidade Pública que coopera com a elevação do padrão cultural da humanidade. Saviani (2012, p. 13) define o trabalho educativo14 como “o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”, sabendo que “o que não é garantido pela natureza tem ser produzido historicamente pelos homens, e aí se incluem os próprios homens. [...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica” (SAVIANI, 2012, p. 13). E é a partir deste enunciado que se organiza a Pedagogia Histórico-Crítica na fundamentação do seu exercício imbricada aos princípios da Teoria Histórico-Cultural que

14

Saviani (2012, p. 13) define o objeto da educação como a “identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir este objetivo”.

19


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

apontam os elementos acerca do desenvolvimento histórico-social do psiquismo. A Teoria Histórico-Cultural constata e demonstra, a partir dos estudos de Leontiev, Lúria e Vigotski, apreendidos por meio dos estudos sistematizados por Martins (2011, 2013), que o desenvolvimento humano se amplia histórico-socialmente pela realização do trabalho. Martins (2011, p. 5) caracteriza o psiquismo humano15 como sistema 16 interfuncional que se institui por apropriação dos signos culturais, e os processos funcionais e seu desenvolvimento, a partir da proposição de Vigostki, acerca da identificação entre desenvolvimento do psiquismo humano e a formação dos comportamentos complexos, culturalmente instituídos, formando as funções psíquicas superiores 17. Martins (2013, p. 7) aprofunda

a

necessidade

“do

ensino

sistematicamente

orientado

à

transmissão dos conceitos científicos, não cotidianos, tal como preconizado pela Pedagogia Histórico-Crítico”. Uma síntese de suma importância elaborada por Martins (2013, p. 3) considera que o desenvolvimento das funções psíquicas é condicionado pelas apropriações culturais, sob condições históricas nas quais elas não são disponibilizadas equitativamente entre os indivíduos, o estudo do desenvolvimento psíquico deve reconhecer a propriedade da análise das condições objetivas nas quais ela ocorre no que se inclui a própria condição escolar.

Neste sentido, vale mencionar Marx (2012, p. 33) com seu postulado acerca da fase superior da sociedade comunista na Crítica ao Programa de Gotha “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual,

segundo suas necessidades”. No desenvolvimento da formação humana, há 15 “Vigotski [...] identificou, pioneiramente, que as novas formas de funcionamento mental construídas pelos saltos qualitativos requeridos à atividade consciente e intencional se impõem como atributos fundantes da psique dos homens e condição central para os domínios que conquistam sobre a natureza. Dentre esses atributos se destacam as capacidades para torna-la inteligível e objeto de suas ações” (MARTINS, 2013, p. 11). 16 Noção de sistema ancorada no materialismo dialético, especialmente no princípio lógico dialético de totalidade (MARTINS, 2013, p. 6). 17 As funções psíquicas superiores são os comportamentos complexos culturalmente formados (MARTINS, 2013, p. 11).

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Hack e Taffarel (2020)

que se lembrar, os indivíduos não estão em igualdade, tendo em vista que suas características pessoais, suas trajetórias na vida, as mediações a que tiveram acesso foram/são determinadas social e historicamente, daí desiguais, assim, não é possível tratar igualmente quem está em situação desigual. Tratar como iguais quem está e se constitui em situações desiguais é um princípio neoliberal, não cabe em uma formação omnilateral. É

necessário,

portanto,

para que cada necessidade seja

correspondida com uma atividade que lhe proporcione desenvolvimento, tendo em vista que também o desenvolvimento não ocorre sem a correspondente atividade 18, ou seja, não é qualquer atividade que lhe dará a possibilidade de desenvolvimento 19. Vale lembrar também que é por sucessivas aproximações que o ser humano se apropria do fenômeno, pois segundo Martins (2011, p. 5) é necessário que o grau de complexidade requerido nas ações dos indivíduos e a natureza da mediações disponibilizada para sua execução condicionam a formação da imagem subjetiva da realidade e, a serviço dessa construção, impõe-se o ensino sistematizado e orientado por conteúdos não cotidianos, por conteúdos clássicos, historicamente sistematizados pelo gênero humano, na defesa do qual se aliam a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica.

O desenvolvimento do psiquismo humano identifica-se com a formação da imagem subjetiva da realidade objetiva. E é da imagem subjetiva da realidade objetiva a função de orientar as ações dos seres humanos de forma subjetiva e objetiva na realidade concreta. Este processo não é automático e nem “um espelhamento mecânico da realidade na consciência, mas como produto da internalização dos signos da cultura” como explicitado por Martins (2013, p. 11). Este é um processo deveras complexo e decorre a partir da base cerebral biológica às atividades relacionais integradas, 18

O processo de trabalho, como atividade socialmente determinada por fins específicos, exige a pré-ideação e, consequentemente, o desenvolvimento da consciência e de funções que possibilitem os modos de operar necessários à sua realização, tais como planejamento, autocontrole, análise/síntese, generalizações, abstrações, etc. (MARTINS, 2011, p. 15). 19 Ver Martins, Abrantes e Facci (2016).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

interpsíquicas (interpessoais) e intrapsíquicas (intrapessoais). “Forma-se, portanto, pelas mediações consolidadas pela vida coletiva, pela prática social do conjunto dos homens, pelos processos educativos” (MARTINS, 2013, p. 11). Neste sentido, imprime-se ainda mais a importância de uma escolarização que desenvolva potencialmente o máximo do ser humano em suas capacidades no sentido da emancipação humana e formação omnilateral, para este fim, cabe destacar o ensinamento de Martins (2013) acerca da necessidade precípua de reconhecer e considerar no planejamento da prática pedagógica a tríade conteúdo-método-destinatário, o que será ensinado, como o será a vista daqueles a quem se ensina para aprimorar a potencialidade do ensino. Quando Duarte (2011b) aponta os fundamentos da Pedagogia Histórico-Crítica, o faz a partir de três elementos: 1) a individualidade livre e universal na sociedade comunista, 2) a autoatividade 20 como atividade plena de sentido e fundamento da vida na sociedade comunista, e, 3) as relações humanas plenas de conteúdo21 na sociedade comunista. Estes elementos apontam para a compreensão do que é necessário tratar para o desenvolvimento do indivíduo neste período de transição, e, portanto, na educação em período de transição22. Dessa perspectiva, há uma formulação do escopo da Educação no horizonte da sociedade comunista, e que na inexistência de tal sociedade, é necessário construir as condições objetivas e subjetivas para o atual período da história.

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Na sociedade comunista, deixa de existir a alienação do trabalho e esse torna-se autoatividade, ou seja, atividade na qual o indivíduo desenvolve sua personalidade e por meio da qual ele deixa a marca de sua individualidade na riqueza humana (DUARTE, 2011a, p. 16). 21 “[...] me parece de grande importância, em pedagogia, a noção de “clássico”. Não se confunde com o tradicional e também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é aquilo que se firmou como fundamental, como essencial. Pode, pois, constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos do trabalho pedagógico” (SAVIANI, 2012, p. 13). “[...] algo se torna clássico para a humanidade se for um produto da prática social cujo valor ultrapassa as singularidades das circunstâncias de sua origem” (DUARTE, 2016, p. 106). 22 Ver em Pistrak (2009) e Alves (2015).

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Hack e Taffarel (2020)

Shardakov (1968) contribui quando aponta cinco condições para que se desenvolvam as condições subjetivas de elaboração crítica do pensamento para domínio do conhecimento, conforme síntese elaborada por Taffarel (2010, p. 175-176), tendo em vista que na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural

uma

centralidade

do

ensino

escolar

no

desenvolvimento dos processos funcionais, condição do desenvolvimento humano. (i) Possuir os conhecimentos necessários na esfera em que a atividade crítica deverá ser desenvolvida [...] não se pode analisar criticamente aquilo sobre o qual não se possuem dados suficientes. (ii) Estar acostumado a comprovar qualquer resolução, ação ou juízo emitido antes de considerá-los acertados, enfrentando, assim, o bombardeio da mídia que leva as pessoas a aceitarem os conhecimentos falsos como verdades absolutas; (iii) Relacionar com a realidade as regras, leis, normas ou teorias correspondentes, o processo e o resultado da solução, a ação ou juízo emitido. Isso significa que enfrentamos as ilusões, radicalizamos a busca da verdade e estabelecemos nexos, relações e determinações. (iv) Possuir o suficiente nível de desenvolvimento no que diz respeito à construção dos raciocínios lógicos. Isso implica que a atividade não se reduz a práticas desprovidas de reflexões; e (v) Ter suficientemente desenvolvida a personalidade: as opiniões, as convicções, os ideais e a independência na forma de atuar, o que exige certas relações e condições educacionais.

Nesse seguimento, faz-se oportuno tratar da relação entre conhecimento e currículo. Apontamos que a excelência é a função social da Universidade, a excelência na produção, transmissão e disseminação do conhecimento, em padrões elevados de qualidade e equidade baseado nos princípios de liberdade e pluralismo, de valorização do ser humano, da cultura, do saber promovendo o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico, social, artístico e cultural, conservando e difundindo valores éticos e de liberdade, igualdade e democracia, propiciando condições para transformação da realidade, visando a justiça social e o desenvolvimento autossustentável. Para isto, a Universidade tem sua autonomia prevista constitucionalmente para garantir a liberdade de pensamento, a livre

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

produção e transmissão do conhecimento para atender os princípios e as finalidades que lhe caracterizam como universidade23. Assim, é vital que desenvolva as formas mais complexas de pensamento. Contudo, a realidade não tem coincidido com as formulações documentais acerca da Universidade, as condições objetivas e subjetivas não estão garantidas. Há quem defenda que o conhecimento 24 compreendido em consonância com a concepção de sociedade neoliberal25, “é exclusivamente individual, circunstancial e não passível de ser integrado a uma visão totalizadora do real. O conhecimento da realidade é sempre parcial e particular” conforme a crítica elaborada por Duarte (2011a, p. 84). Segundo Duarte (2011a, p. 85) esta é uma tentativa de “naturalização do social, que é visto como resultante incontrolável e incognoscível das imprevisíveis ações individuais. O conhecimento individual, por sua vez, é reduzido à percepção imediata e a saberes tácitos”. Duarte (2011a, p. 85) argumenta que esta é “uma teoria do conhecimento como fenômeno cotidiano, particular, idiossincrático e não assimilável pela racionalidade científica”. Esta concepção de conhecimento individualizado e individualista inviabiliza uma direção intencional e racional do conjunto social. A

perspectiva

de

conhecimento

aqui

defendida

trata

o

conhecimento como uma elaboração historicamente produzida, um saber sistematizado e objetivo que deve ser socialmente disseminado. Forma essa de conhecer que contrasta com as perspectivas idealistas, pós-modernas, irracionalistas e outras. Perspectiva que: (a) defende a capacidade humana de conhecer a realidade (sendo, por um lado, a realidade cognoscível e, por outro, os seres humanos capazes de conhecê-la); (b) o conhecimento tem 23

Alguns dos elementos que caracterizam os princípios e as finalidades da Universidade conforme a proposta de projeto de Lei Orgânica das Universidades Púbicas Federais. 24 Duarte tratando de uma análise procedida por Wainwright sobre o pensamento de Hayek, ideólogo neoliberal. 25 Existem outras concepções que delineiam o conhecimento, por exemplo, as pós-modernas tem características bem peculiares: o solipsismo, irracionalismo e fragmentação do conhecimento (DUARTE, 2011b, p. 91). Ver mais em Duarte (2011b), Malanchen (2016) e Gama (2015).

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Hack e Taffarel (2020)

expressão objetiva – ou seja, é objetivo porque corresponde à realidade da qual provém – e que sua objetividade pode ser comprovada a partir da atividade humana (prática) 26; e que, neste ínterim, é possível a verdade objetiva, a qual é verificada também na/pela prática; (c) o conhecimento é produzido em determinadas condições objetivas, em determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, como condição e consequência da atividade humana sobre a realidade concreta; (d) constitui-se em um patrimônio vital da humanidade, o qual necessita ser transmitido de geração para geração como um dos substratos a partir dos quais se funda a humanização dos seres humanos e o processo ininterrupto de produção e de reprodução da vida. Afinal, as obras-primas da humanidade não são um conjunto de conhecimentos autônomos; são produções humanas, fruto das mãos de muitas pessoas que viveram em diversos tempos; gerações participaram e participam de sua construção. Apropriarse desse saber é, de alguma forma, entrar em contato com esse sujeito histórico que também nos constitui. Neste sentido, pelo acesso ao conhecimento elaborado, podemos construir uma via solidária e fraterna de encontro com sujeitos empíricos e históricos! (FONTE, 2012, p. 18).

Estas

formas

elaboradas

de

conhecimento

precisam

ser

organizadas, para a transmissão sistematizada no processo de formação, no meio escolar/acadêmico. A esta organização denominamos currículo. A despeito das teorias e classificações acerca do currículo 27, não o reduzimos apenas a uma questão técnica de organização e racionalização linear, formal, e fragmentada em disciplinas, legitimando ideologicamente o 26 Importante distinguir esta definição de conhecimento da ideia do conhecimento como mero reflexo ou reflexão da realidade (ideia da qual comumente esta definição é erroneamente vinculada). Conforme Saviani destaca no prefácio à obra organizada pela Profa. Alessandra Arce, intitulada “O trabalho pedagógico com crianças de até três anos” (2014), no quadro da teoria marxista, a representação não se restringe ao reflexo imediato da realidade, tendo em conta que o ser humano é capaz de transcendê-la, antecipando as possibilidades de sua transformação. 27 Currículo palavra etimologicamente originada do latim curriculum, significa tempo corrido, corrida, caminhada, percurso. Por analogia tem-se uma primeira aproximação conceitual – o currículo escolar representaria o percurso do homem no seu processo de apreensão do conhecimento científico selecionado pela escola (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Ver sobre as políticas curriculares e teorias curriculares em Malanchen (2016).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

modo de produção capitalista, mas sim, no sentido da necessidade imediata e eminente de reconceptualização28 a partir de um conjunto de teorias coerentes entre si, que intencionalmente fundamentem este currículo para a formação de Professores, em um período de transição, levando em consideração que o objeto do currículo, na acepção marxista, é a elevação do pensamento teórico do indivíduo e de que a discussão acerca de currículo também é uma discussão acerca de concepções pedagógicas. O currículo antes de ser um instrumento legal em que as regras do jogo são inscritas, é um fenômeno histórico, e como tal, resulta das disputas de projetos societários estabelecidas por meio das relações sociais, políticas, ideológicas e pedagógicas na expressão de uma organização dos parâmetros necessários à formação do ser humano enquanto profissional pautado nas tradições cultural e científica do campo de conhecimento circunscrito à área de formação. A compreensão expressa pelo Coletivo de Autores (1992, p. 31) acerca do currículo como [...] um movimento próprio da escola que constrói uma base material capaz de realizar o projeto de escolarização do homem. Esta base é constituída por três polos: o trato com o conhecimento, a organização escolar e a normatização escolar. Tais polos se articulam afirmando/negando simultaneamente concepções de homem/cidadania, educação/escola, sociedade/qualidade de vida, construídas com base nos fundamentos sociológicos, filosóficos, políticos, antropológicos, psicológicos, biológicos, entre outros, expressando a direção política do currículo. Essa direção se materializa de forma implícita ou explícita, orgânica ou contraditória, hegemônica ou emergente, dependendo do movimento político-social e da luta de seus protagonistas [...], que buscam afirmar determinados interesses de classe ou projetos de sociedade [...].

28 A noção de reconceptualização não faz parte dos dicionários de língua portuguesa. Porém, aparece o termo conceptualização, que se refere ao processo de conceptualizar que significa desenvolver conceitos sobre algum tema. Assim, depreende-se que a inclusão do prefixo reindica, por conseguinte, que reconceptualização é o resultado de voltar a conceptualizar. Trata-se da prática que leva a pensar novamente algo para gerar conceitos diferentes sobre a temática. Ideia desenvolvida a partir do pensamento gramsciano.

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Hack e Taffarel (2020)

O Coletivo de Autores (1992, p. 27) apontou esta concepção crítica e superadora de currículo ampliado como sendo “[...] o percurso do homem no seu processo de apreensão do conhecimento científico selecionado pela escola: seu projeto de escolarização” e, conforme Malanchen (2016, p. 8) com “conteúdos historicamente produzidos e objetivamente interpretados como base para organização curricular”. A partir desta compreensão, assumimos como objeto do currículo o pensamento teórico, a atitude científica, a elevação das funções psicológicas superiores (TAFFAREL, 2015), como tarefas para um processo de formação. Necessário se faz apontar os três polos da base material do currículo, segundo a síntese do Coletivo de Autores (1992, p. 29-30), que não perde a totalidade do fenômeno ao expressar os elementos que são determinantes na formulação curricular (a) o trato com o conhecimento, (b) a organização escolar e (c) a normatização. Contudo, há necessidade de coerência e simultaneidade na existência destes polos. [...] o trato com o conhecimento corresponderia à necessidade de criar as condições para que se deem a assimilação e a transmissão do saber escolar. Trata-se de uma direção científica do conhecimento universal enquanto saber escolar que orienta a sua seleção, bem como a sua organização e sistematização lógica e metodológica. Esse trato não se viabiliza num vazio, está diretamente vinculado a uma organização escolar. A organização do tempo e do espaço pedagógico necessário para aprender. A apresentação do saber na escola se dá num tempo organizado sob a forma de horários, turnos, jornadas, séries, sessões, encontros, módulos, seminários etc. Tempo que é organizado nos limites dos espaços físico-pedagógicos: salas de aula, auditórios, recreios cobertos, bibliotecas, quadras, campos etc. Os dois polos até aqui tratados da dinâmica curricular se institucionalizam na escola, através de um terceiro: a normatização escolar que representa o sistema de normas, padrões, registros, regimentos, modelos de gestão, estrutura de poder, sistema de avaliação etc.

Em uma teoria pedagógica marxista, referenciadamente, da Pedagogia Histórico-Crítica depreende-se que o ser humano se constitui

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

socialmente, por meio do trabalho29, “sendo o trabalho a atividade vital e criadora mediante a qual o ser humano produz e reproduz a si mesmo, a educação omnilateral o tem como parte constituinte” como apresentado por Frigotto (2012, p. 266). Compreendemos a educação em um sentido amplo com um caráter de prática social consciente e intencional, historicamente determinada na relação dialética com a natureza e entre si, para a produção social da existência imbuído de um caráter classista. Neste sentido, a universidade enquanto construção histórica é instrumento de educação, que deve contribuir para a formação omnilateral do ser humano, permitindo-lhe o acesso à multiplicidade dos aspectos culturais, historicamente produzidos e socialmente transmitidos, contudo, esta função da Universidade trilha pelas disputas dos projetos societários, em que as forças reacionárias têm, majoritariamente, prevalecido, mas não sem a resistência da Classe Trabalhadora e frações da Classe. Quanto a Teoria Histórico-Cultural é essencial observar que não é coerente fazer uma “transposição imediata para a prática pedagógica” dos seus elementos característicos, pois neste sentido, seria apenas mais “psicologismo de nefastas consequências” como pondera Martins (2013, p. 1). Reforçando esta afirmativa, Martins (2013, p. 1-2) ressalta que a contribuição efetiva desse aporte psicológico para a educação exige a mediação de uma teoria pedagógica afim com seus fundamentos teórico-filosóficos, ou seja, a mediação da pedagogia histórico-crítica. Nesta direção, ao colocarmos em foco o desenvolvimento do psiquismo em suas relações com o ensino sistematizado, visamos fazê-lo destacando as intervinculações e interdependências entre psicologia e pedagogia, ou por outra, entre a psicologia histórico-cultural e a pedagogia históricocrítica.

As autoras Gama (2015) e Malanchen (2016) demonstram princípios curriculares que deixam evidente as contribuições da Teoria Pedagógica Histórico-Crítica, subsidiada na Teoria Psicológica Histórico Cultural, no trato com o conhecimento. Identificam nas elaborações da 29 Daí a referência do trabalho como princípio educativo e da apropriação crítica e criativa dos conhecimentos acumulados pela humanidade, implicados a necessária relação entre os conhecimentos gerais e politécnico.

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Hack e Taffarel (2020)

Pedagogia Histórico-Crítica, em especial a teoria curricular, que defende a superação da educação escolar em suas formas burguesas, sem negar a importância da transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos, elementos fundamentais não apenas para tecer a crítica ao projeto educacional burguês, mas, sobretudo, para fazer proposições que indicam possibilidades para enfrenta-lo nas condições históricas atuais. Gama (2015) avança no sentido de identificar também as contribuições da Abordagem Crítico-Superadora, no campo da Educação Física, para a formulação de um currículo ampliado no sentido de superar a lógica formal pela compreensão dialética. Argumento com o qual temos acordo, e temos defendido a coerência entre as teorias do conhecimento, psicológica e pedagógica para a constituição da Educação, da Escola/Universidade, do Currículo, da Formação de Professores, para o Ensino, sem perder as conexões discutidas por Martins (2013, p. 2) “da unidade contraditória entre as dimensões naturais e sociais, entre produto e processo, entre objetividade e subjetividade, etc. que fazem da vida humana um contínuo processo de formação e transformação”. Destacamos tais contribuições porque permitem avançar no exame da problemática acerca da seleção, organização e sistematização dos conhecimentos no tempo e espaço pedagógico, tendo em vista o desenvolvimento psíquico e a lógica interna do conteúdo. Gama (2015) ressalta que a imbricação entre os conhecimentos a serem transmitidos e as funções psicológicas a serem desenvolvidas, a partir da perspectiva históricocultural, não se trata de uma imbricação casual ou fortuita, mas algo que decorre da própria natureza do desenvolvimento psicológico humano. Compreender, portanto, que a apropriação dos conhecimentos científicos e o desenvolvimento do pensamento humano constituem uma unidade dialética, em que o desenvolvimento do pensamento e das demais funções psicológicas superiores não podem ser pensadas como forma desvinculada de conteúdo, do mesmo modo que o ensino do conteúdo não pode ser pensado em si mesmo.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Portanto, o ensino do conteúdo não contém apenas a aprendizagem de uma certa propriedade, mas incide sobre os processos de percepção, atenção, memória, linguagem, etc. É a apropriação do conhecimento por meio da aprendizagem que promove o desenvolvimento do pensamento e demais funções psicológicas superiores. Destacamos, que o desenvolvimento de funções psicológicas, não se processa apenas em imbricação com o ensino de conhecimentos, mas são também promovidas de modo intenso no processo de apropriação dos procedimentos sociais de ação e regras e combinados. Gama (2015) contribui com a discussão sobre princípios para tratar o conhecimento retomando a classificação realizada por Martins (2009) acerca da natureza dos conteúdos escolares. Destaca que existem conteúdos de formação operacional, que têm influência direta na formação de novas habilidades, exercendo influência indireta na construção de conceitos, e conteúdo de formação teórica, que têm influência direta na formação de conceitos e indireta no desenvolvimento de funções afetivocognitivas

(MARTINS,

2009).

Defendemos

que

a

fragmentação

do

conhecimento, desprovido das dimensões operacional e de formação teórica limita as possibilidades de desenvolvimento de uma consistente base teórica. O exposto acima nos permite reafirmar que a disciplina Educação Física no currículo escolar apresenta uma especificidade e natureza singular, mas, com nexos e relações com a especificidade e natureza mais geral da Educação. Isto porque a concepção presente na Abordagem Crítico Superadora da Educação Física está edificada, com seu objeto próprio, a Cultura 30

Corporal 30,

sob

as

bases

científicas

do

conhecimento

Compreendida como “[...] o fenômeno das práticas [corporais] cuja conexão geral ou primigênia – essência do objeto e o nexo interno das suas propriedades – determinante do seu conteúdo e estrutura de totalidade, é dada pela materialização em forma de atividades – sejam criativas ou imitativas - das relações múltiplas de experiências ideológicas, políticas, filosóficas e outras, subordinadas à leis histórico-sociais. O geral dessas atividades é que são valorizadas em si mesmas; seu produto não material é inseparável do ato da produção e recebe do homem um valor de uso particular por atender aos seus sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonísticos, competitivos e outros relacionados à sua realidade e às suas motivações. Elas se realizam com modelos socialmente elaborados que são portadores de significados ideais do mundo objetal, das suas propriedades, nexos e relações descobertos pela prática social conjunta” (TAFFAREL; ESCOBAR, 2009, p. 3).

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Hack e Taffarel (2020)

desenvolvimento em três dimensões distintas e inter-relacionadas de fundamentos, a saber a filosófico-metodológica, a teoria pedagógica e a prática pedagógica (LAVOURA, 2020). Deste conjunto de teorias baseadas no Materialismo Histórico Dialético decorre o trabalho educativo, que se desdobra em decisões didáticas de como tratar o conteúdo da Cultura Corporal na Escola. Segundo Lavoura (2020, p. 109) Desse modo, tem-se a articulação da dimensão da prática pedagógica e da teoria pedagógica ao fundamento filosóficometodológico que explicita a totalidade das relações sociais em que a vida humana é produzida e reproduzida em termos reais e objetivos, permitindo compreender o que é esta sociedade atual em que vivemos, qual sua estrutura essencial de funcionamento, sua gênese, nascimento, edificação e desenvolvimento, quais as contradições que ela é imanentemente portadora e quais as suas possibilidades futuras de superação.

Ao

propor

a

seleção,

organização,

sistematização

do

conhecimento no ensino da Educação Física sob predição da Cultura Corporal, sob os pressupostos do conjunto teórico apresentado, visamos também superar a biologização da Educação Física e a super valorização de conhecimentos advindos da área da saúde relacionados com a área médica, e dentro dela o paradigma da doença, para atribuir-lhes as dimensões da formação operacional e, principalmente de formação teórica. Assim, as contribuições apontadas pela Teoria Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítico, nos campos da psicologia e da pedagogia, respectivamente, tratam da unidade teórico-metodológica fundamentadas no materialismo histórico-dialético, das quais constatamos um conjunto de teorias coerentes entre si que explicam desde o mais geral, o particular e o singular; da qualidade e a quantidade; das contradições; da possibilidade e realidade, e que há intrinsecamente a necessidade de definir a base de sustentação da formação objetivando a transformação da realidade. No modo de produção capitalista, com todas as contradições inerentes a este processo, há um conjunto de teorias que explicam o que é a sociedade, o ser humano, como conhecemos e apropriamos as objetivações

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

humanas na sua forma mais desenvolvida e determinada historicamente (TAFFAREL, 2015), ou seja, desenvolvem no plano da educação uma perspectiva marxista para o desenvolvimento humano. Só através da riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano é que em parte se cultiva e em parte se cria a riqueza da sensibilidade subjetiva humana (o ouvido tonal, o olho para a beleza das formas, em suma, os sentidos capazes de satisfação humana e que se confirmam como faculdades humanas) [...] também os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa palavra, a sensibilidade humana e o caráter humano dos sentidos, que vêm a existência mediante a existência do seu objeto, através da natureza humanizada. (MARX, 1987, p. 199 apud TAFFAREL, 2015, p. 262).

A partir deste conjunto de reflexões é possível materializar contribuições de princípios e procedimentos para o trato com os conhecimentos clássicos 31 no desenvolvimento do ensino na Educação Física de seu objeto de estudo, a Cultura Corporal tendo em conta que todo conhecimento científico é provisório e se desenvolve por sucessivas aproximações aos objetos, contudo, com coerência em uma perspectiva de suplantar

contradições

referentes

à

negação

do

conhecimento

e

pseudoconcreticidade, na perspectiva da formação humana omnilateral. Confirmamos, portanto, que segundo a Abordagem Crítico Superadora, concebe-se a natureza da Educação Física como sendo uma atividade humana caracterizada como um trabalho não-material em que seu produto (o conhecimento sistematizado convertido em saber escolar) não se separa do ato de sua produção. Sua especificidade consiste na transmissãoassimilação de um tipo de conhecimento que lhe é peculiar, distinguindo-a das demais disciplinas do currículo porque trata, do ensino da Cultura Corporal, cuja realização no interior da prática educativa visa contribuir para a produção da humanidade em cada indivíduo singular (COLETIVO DE AUTORES, 2012; SAVIANI, 2008). 31 Clássico na acepção de algo que é referência para os demais, que resistiu ao tempo, ou seja, permanente, que não coincide com o tradicional e também não se opõe ao moderno. O clássico é aquilo que se firmou como fundamental, como essencial. Ver em Saviani (2012) e Saviani e Duarte (2012).

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Hack e Taffarel (2020)

Acordamos com Kopnin (1972, p. 238) quando se refere ao espectro da dialética marxista que a mesma “não serve a si mesma e é necessária não para justificar a sua existência; ela é um método de concepção da verdade objetiva e está subordinada às finalidades de reprodução das leis da natureza e da sociedade assim como existem na realidade”. Neste mesmo sentido, Escobar (1997, p. 141-142) afirma que A abordagem materialista não pode ser traduzida em aspectos do conteúdo metodológico ou das categorias da dialética marxista. Ela implica articular o método de análise da realidade e o sistema de categorias explicativas do modo de produção capitalista, e sua superação, com indicações tático-estratégicas que, além de tudo, não se dissociam da orientação político-partidária - onde, senão, poderia se gestar uma teoria revolucionária? - da luta a ser travada para atingir as transformações sociais almejadas.

Defendemos assim a existência de contradições que podem ser enfrentadas e historicamente superadas, se as condições objetivas forem conquistadas 32. Destacamos quatro dimensões a serem consideradas neste processo: 1) ontológica, 2) teleológica, 3) pedagógica, e 4) organização do trabalho

pedagógico,

ao

que

estabelecendo

os

nexos

e

relações

perspectivados pelo conjunto teórico apresentado assumidos no chão da escola implicados na superação da dicotomia teoria-prática, na perspectiva da construção da práxis revolucionária. Não são as ideias que alteram o real, mas sim a atividade humana provida de caráter teórico. Como Marx explicou, em 1845, nas Teses sobre Feuerbach “Na prática tem o homem de provar a verdade [...]. A disputa acerca da realidade ou não realidade de um

pensamento que se isola da prática é uma questão puramente escolástica. [2ª tese]” (MARX; ENGELS, 2012, p. 537, grifo do autor). Demonstramos assim, cientificamente, a articulação da dimensão da prática pedagógica da Educação Física com a teoria pedagógica, com os fundamento filosófico-metodológico, do materialismo histórico dialético, que

32 Retomamos a categoria “possibilidade de essência” que trata da modificação da essência de uma coisa com sua transformação em outra coisa (CHEPTULIN, 2004), e, neste sentido, constatamos que as condições objetivas precisam ser construídas para superar na totalidade o que determinada a negação e a fragmentação do conhecimento.

33


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

explicita a totalidade das relações sociais em que a vida humana é produzida e reproduzida em termos reais e objetivos. Com isto amplia-se a reflexão teórica dos estudantes, a partir do trato com o conteúdo da Cultura Corporal, para compreenderem a sociedade capitalista, nascimento,

sua

estrutura

edificação

e

essencial de

desenvolvimento,

possibilidades de superação do capitalismo.

34

funcionamento, as

sua

contradições

gênese, e

as


Hack e Taffarel (2020)

Historical-Cultural Theory, Historical-Critical Pedagogy and Critical-Overcoming Approach to Physical Education Teaching: Some contributions Abstract: It presents fundamentals and contributions from the Historical-Cultural Theory, the Historical-Critical Pedagogy and the Critical-Overcoming Approach to Teaching Physical Education that guide educational work. It uses the dialectical historical materialism to articulate the necessary theory for the coherent development of teaching work in the field of Physical Education. Keywords: Historical-Cultural Theory. Historical-Critical Pedagogy. CriticalOvercoming Approach to Physical Education Teaching. Dialectical Historical Materialism.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Pandemia e política adoecida:

uma análise na Educação Física sob a ótica da pedagogia Crítico-Superadora Arliene Stephanie M. Pereira (IFCE) * Francisco Eraldo da S. Maia (UNOPAR) ** Joselita da Silva Santiago (FAVENI) *** Symon Tiago Brandão de Souza (IFCE) **** Resumo: Vivemos um momento carregado de tensionamentos políticos, econômicos e sanitários causados pela pandemia da COVID-19. No Brasil, é possível perceber as manifestações destes tensionamentos dentro de um contexto medidas autoritárias e imparciais com ataques aos direitos trabalhistas, precarização da pesquisa cientifica e do ensino público, o que tem dificultado ainda mais o enfrentamento da pandemia. Assim, partindo dos conhecimentos produzidos no campo pedagógico da Educação Física para refletirmos sobre esta realidade levantamos o seguinte questionamento: Qual trato pedagógico devemos ter para lidar com a realidade pandêmica mundial, em especial no Brasil? Diante disso, buscamos analisar e discutir a crise pandêmica que assola o Brasil e o mundo, e em um segundo momento, procuramos apontar as contribuições da Educação Física para enfretamento dessa realidade por meio da pedagogia Crítico-Superadora. Para isso, realizamos leituras e observações de notícias e publicações retiradas da internet, redes sociais e de programas televisivos. Também foram utilizadas leituras adicionais de outros autores para a reflexão da crise sanitária e econômica mundial para avivar esta discussão. Com isso, foi constatado que os trabalhadores têm enfrentado uma série de ataques nos últimos anos e que durante a pandemia da COVID-19, não foi diferente. Verificou-se que estes, devido as condições materiais que os foram dadas necessitam continuar a trabalhar, se expondo assim, ao vírus. Destacamos ainda que este capítulo apresenta não somente as apreensões do contexto de pandemia, mas também ação judicativa para atuação direta na transformação da atual realidade, neste caso, atenuamos os debates na área de Educação Física. Palavras-chave: Educação Física. Crítico-superadora. Pandemia. COVID-19. * Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação (UECE). Mestra em Educação Física (UFRN). Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. E-mail: stephanie_ce@hotmail.com ** Pós-Graduando em Ensino de Educação Escolar (FAVENI). Especialista em Didáticas e práticas de ensino (UNIQ). Tutor no curso de Educação Física na Universidade Norte do Paraná. E-mail: eraldo2maia@gmail.com *** Pós-Graduanda em Ensino de Educação Física Escolar (FAVENI). Graduada em Educação Física (IFCE). Professora na rede de ensino particular na Escola Turma da Mônica. E-mail: josysantiago3006@gmail.com **** Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação (UECE). Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. E-mail: symontiago@hotmail.com

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Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

INTRODUÇÃO Dedicamos este artigo a José Maciel Menezes, avô da autora Arliene Stephanie Menezes Pereira, falecido em 15 de maio de 2020 em virtude da COVID-19.

ivemos um momento carregado de tensionamentos políticos, econômicos e sanitários causados pelo avanço da pandemia da COVID-19. No Brasil, de forma mais específica, é possível perceber as manifestações destes tensionamentos dentro de um contexto de medidas autoritárias e imparciais com ataques aos direitos trabalhistas, precarização da pesquisa científica e do ensino público, o que tem dificultado ainda mais o enfrentamento da pandemia. Deste modo, torna-se evidente a necessidade de pesquisas que discutam também as reverberações da pandemia no campo científico, político, econômico e educacional. Bem como, de reflexões críticas que possam discutir o enfretamento da crise sanitária. Diante disso, no presente capítulo, partimos dos conhecimentos produzidos no campo pedagógico da Educação Física para refletir sobre esta realidade. Assim sendo, levantamos o seguinte questionamento: Qual trato pedagógico devemos ter para lidar com a realidade pandêmica mundial, em especial no Brasil? Frente a esse questionamento, buscamos analisar e discutir a crise pandêmica que assola o Brasil e o mundo, e em um segundo momento, procuramos apontar as contribuições da Educação Física para enfretamento dessa realidade por meio da pedagogia Crítico-Superadora. Escolhemos essa pedagogia por entendê-la como proposta crítica que permite caminhos para assimilação consciente da realidade e do conhecimento. Ademais, esta apresenta-se como uma proposta que se baseia no discurso de justiça social opondo-se, assim, aos modelos positivistas, opressores e coercivos da formação humana. Tal processo, permite que a prática docente seja calçada no entendimento da existência de classes sociais. Deste modo, a análise dos dados inclusos no presente estudo foi julgada a

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

partir da perspectiva da classe trabalhadora. Partindo desse entendimento, realizamos leituras e observações de notícias e publicações retiradas da internet, redes sociais e de programas televisivos. Também foram utilizadas leituras adicionais de outros autores para a reflexão da crise sanitária e econômica mundial para avivar esta discussão. Justificamos a importância deste texto como fomento e embasamento teórico-crítico contra desgovernos que ambicionam projetos que fluem na contramão de uma saúde de qualidade, de uma educação crítica e da valorização docente. Assim, para iniciarmos essa discussão, é necessário contextualizar o momento atual. Ensejamos que este texto seja a continuação de uma série de histórias que vem se desenrolando há algum tempo no atual cenário político brasileiro, e para uma melhor compreensão recomendamos a leitura inicial do texto “A tendência Crítico-Superadora como sobrevelação na Educação Física para o atual momento político brasileiro: dilemas e reflexões” (PEREIRA, 2019), pois este é uma extensão comunicativa, uma continuidade do exto que será apresentado neste momento. Porém, agora partimos para uma nova etapa dessa história. Nos tópicos a seguir, em um primeiro momento, analisamos o atual cenário pandêmico mundial e nacional por meio de uma síntese temporal dos acontecimentos, e em seguida, apresentamos as ideias trazidas pela pedagogia Crítico-Superadora através do livro “Metodologia do Ensino de Educação Física” (SOARES et al., 1992), como forma de impulsionar as reflexões na área de Educação Física. É UMA CRISE POLÍTICA, ECONÔMICA OU DA SAÚDE? OU TUDO JUNTO E MISTURADO? Iniciamos com um contexto mais geral, onde em dezembro de 2019, os jornais noticiavam que na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, pessoas que frequentaram um mercado de peixes e animais exóticos (onde eram vendidos vários tipos de animais selvagens vivos, como

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Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

morcegos, cobras, castores, entre outros) 33 estavam com sintomas de uma doença infecciosa desconhecida, e que afetava as vias respiratórias, causando dificuldades na respiração e, em alguns casos, a morte em poucos dias. “Woolhouse, da Universidade de Edimburgo, afirmou que a China tem mais casos desse tipo por causa do tamanho de seu território, de sua densidade populacional e do contato próximo que algumas pessoas têm com animais infectados” (UOL, 2020a, s/p). Logo após esses primeiros casos, foram identificadas outras pessoas que não estiveram no mercado, mas que apresentavam um quadro com os mesmos sintomas da doença, atestando que o vírus estava sendo transmitido entre os humanos. A partir daí os jornais noticiavam cada vez mais, que o vírus estava se espalhando pelo mundo: era o começo da pandemia. A doença logo se espalhou por outros continentes. Na Itália, por exemplo, o primeiro caso de uma pessoa infectada foi notificado dia 17 de fevereiro, sendo seguida por números de mortes em tempo recorde, com quase mil mortes em apenas 24 horas. No Brasil, o primeiro caso foi notificado no estado de São Paulo em 26 de fevereiro, sendo um homem de 61 anos que voltou de uma viagem da Itália. A partir daí o vírus causava tensão no país e começou a se espalhar rapidamente. Em março já atingia todas as unidades da federação, assim, prefeitos e governadores começaram a lançar vários decretos, que foram publicados visando reduzir a velocidade do contágio da doença, e para adotar medidas de prevenção como o isolamento social e o fechamento do comércio. Diante disso, diversos setores de serviços foram suspensos, exceto aqueles considerados essenciais (como os relacionados à saúde, alimentação, segurança, mídia, internet, limpeza, bancos, unidades lotéricas, dentre outros). No mundo todo, eventos como campeonatos de futebol, shows e até as olimpíadas estavam sendo cancelados. Todas essas medidas eram necessárias para “achatar a curva” de contágio, ou seja, evitando que muitas 33 Para entender melhor sobre essa questão dos mercados de animais exóticos na China e o consumo de animais silvestres, recomendamos a leitura da reportagem “O que são os mercados chineses de animais silvestres?” de Carolina Fioratti. Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/o-que-sao-os-mercados-chineses-de-animais-silvestres.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pessoas se contaminassem de uma vez só, necessitando, portanto, do sistema de saúde que não abarcaria tantos doentes em um curto espaço de tempo. Então, com o achatamento da curva de contágio não teríamos uma sobrecarga ou colapso dos sistemas de saúde. É importante ressaltar que esses decretos foram editados não somente diante de uma crise sanitária, mas também diante de uma crise econômica, uma vez que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro apresentou crescimento de apenas 1,1% em 2019 (NERY, 2020), primeiro ano do governo Bolsonaro (sem partido). Deste modo, tais decretos passaram a ser contestados por determinados grupos, principalmente por empresários e por aqueles que apresentavam alguma proximidade afetiva com o presidente da república. A crise se consolidava não somente no Brasil, mas mundialmente; bem como não se instalava apenas na saúde, mas também na economia. Durante a primeira semana de março de 2020 o presidente Jair Bolsonaro, juntamente com sua comitiva viajou aos Estados Unidos, e ao retornarem para o Brasil, 23 membros desta comitiva apresentaram os sintomas do novo coronavírus, fizeram o teste e foram diagnosticados com resultado positivo. Por sua vez, o presidente, sem mostrar os exames, informou a impressa que o resultado de seu teste havia sido negativo. Diante disso, e insatisfeita com a conduta do presidente, a juíza Raquel Chiearelli da 4º vara da Justiça Federal exigiu que o Hospital das Forças Armadas revelasse o resultado do exame do presidente (REVISTA FÓRUM, 2020). Como registrado em publicações do Jornal The Intercept Brasil (FILHO, 2020, s/p), ainda no mês de março, além de não apresentar os resultados de seus exames, o atual presidente se pronunciava a respeito da pandemia por meio da seguinte declaração: “a vida em primeiro lugar, mas, sem emprego, a sociedade enfrentará um problema tão grave quanto a doença: a miséria”. Apesar do discurso mostrar uma possível preocupação com a vida, seu governo apresentou desde o início do mandato políticas ultraliberais lideradas pelo então ministro da economia, Paulo Guedes, que ameaçam as conquistas da classe trabalhadora ao atacar o programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de propor a suspensão dos contratos de trabalhos por quatro meses, por meio da Medida 42


Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

Provisória nº 927, de 22 de março de 2020 (BRASIL, 2020a). Apesar do artigo que trata dessa suspensão dos contratos trabalhistas ter sido revogado, o governo continuou seus ataques aos mais pobres, como pode ser visto na defesa do isolamento vertical onde os trabalhadores jovens, não atuantes em serviços essenciais, deveriam voltar aos postos de trabalho. É importante destacar aqui que até 17 de março apenas medidas de distanciamento social tinham sido adotadas no Brasil como prevenção. No entanto, no dia anterior, 16 de março, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se referiu a doença como “vírus chinês”, e membros do governo do país também utilizaram termos como “vírus de Wuhan” e “coronavírus chinês” (UOL, 2020b). Este ato de usar da intolerância com termos

xenófobos

e

racistas

revela

na

verdade

a

incompetência,

irresponsabilidade e a falta de preparo e decoro dos governantes. E reverberando o mesmo racismo latente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro, em 18 de março fez o Brasil entrar nesse embate com a China chamando a China de ditatura e comparando a postura diante da pandemia com o acidente na usina de Chernobyl na antiga União Soviética. A propagação mundial do coronavírus teve repercussão no mundo político que começou a estimar os dados econômicos provocados pela doença. A grande probabilidade é que a economia não cresça, o que eleva a pressão sobre o ministro da economia, que até agora não apresentou nenhum plano efetivo e sem atingir os trabalhadores para conter essa probabilidade, como por exemplo: taxar as grandes fortunas; pausar o pagamento da dívida externa; taxar bancos, lucros e dividendos; diminuir salários de governantes com seus “penduricalhos”, regalias e número de assessores; retirar também as regalias do judiciário, como o auxílio moradia, por exemplo. Mas pelo contrário, se mostra altivo em sempre estar ameaçando os servidores públicos com cortes de salário e jogando “nas costas” destes todas as contas do país, assim como foi feito na reforma da previdência. Nos rumos de um país onde o lucro dos grandes empresários é mais importante que a vida, e então o “Brasil não pode parar”, o presidente do Brasil se pronunciava no dia 24 de março minimizando a gravidade da 43


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pandemia e comparando a COVID-19 a uma “gripezinha” ou “resfriadinho” e pediu para prefeitos e governadores “abandonarem o conceito de terra arrasada”, que, para ele, inclui o fechamento do comércio “e o confinamento em massa” (BRASIL 247, 2020, s/p). Parte da população contrariada com a fala desmedida do governante, e sem poder ir às ruas para se manifestar, pois estão em isolamento social, realizaram panelaços de suas casas e apartamentos em diversas cidades do Brasil como forma de protesto. “O que vemos nesse homem é o exercício da necropolítica, uma decisão de morte. É uma mentalidade doente que está dominando o mundo” (KRENAK, 2020, p. 4). O presidente em suas medidas irresponsáveis incluiu um decreto com igrejas e templos como “serviços essenciais”, liberando sua abertura durante a quarentena, isso porque uma parte dos políticos apoiadores do seu governo fazem parte da bancada da bíblia no congresso. Logo após, no dia 29 e março, o presidente contrariou o isolamento e distanciamento social defendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ao sair andando nas ruas do Distrito Federal e ainda com as pessoas se aglomerando em torno dele. Se dirigindo às pessoas nas ruas afirmava que: ‘A hidroxicloroquina está dando certo em tudo que é lugar. Um estudo francês chegou para mim agora, porque eu não sou médico, não’. Em Sobradinho, Bolsonaro afirmou que o uso da hidroxocloroquina foi testado em 80 pacientes com COVID-19, destes 78 foram curados. (PODER 360, 2020, s/p).

Falas sem nenhum embasamento científico, pois ainda não se tem evidências científicas comprovadas que atestem que o uso do medicamento Reuquinol, que possui como princípio ativo a hidroxicloroquina, tenha realmente algum efeito claro no tratamento da doença. Em 8 de abril, tem-se a notícia: A defesa da aplicação da cloroquina, sem restrições, contraria o que diz o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A recomendação da pasta tem sido de adotar a substância apenas em casos mais graves. A cloroquina ou a sua variação, a

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Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

hidroxicloroquina, é usada para o tratamento da malária e de doenças autoimunes. Na segunda-feira, Mandetta afirmou ter sido pressionado por dois médicos a editar um protocolo para administração do remédio em pacientes da COVID-19, após reunião com Bolsonaro. Ele se recusou alegando ausência de embasamento científico. (TERRA, 2020, s/p).

As divergências nas falas do presidente com, na época, o ministro da saúde, Luís Henrique Mandetta, era o início de uma série de desentendimentos que mais na frente elucidamos o final. Entre as afirmações do presidente era possível ver nas redes sociais, seus apoiadores conclamando, mediante as reportagens que colocavam quatro pessoas curadas, num hall de milhares de mortos no mundo pela doença: “Não é fake... pode pesquisar. Fiquem em paz, a doença já tem cura. Arregacem as mangas e vamos trabalhar!” 34. É importante frisar este contexto pois, no início de julho esse mesmo presidente que se recusou mostrar seus primeiros exames de COVID19, chegando inclusive a fins judiciais para isso como relatamos anteriormente, afirmou ter testado positivo para a doença no início de julho. Além disso, o presidente aparecia em vídeos nas redes sociais fazendo uso da cloroquina para seu tratamento e a qual já foi devidamente comprovada que não há eficácia no tratamento do novo Coronavírus. Nessa histórico o mais cômico, senão trágico, foi uma cena flagrada por repórteres fotográficos em que o presidente exibia uma caixa de cloroquina para as emas que vivem no Palácio da Alvorada. Enquanto prefeitos e governadores discutem como manter o isolamento social, medidas preventivas para pessoas em situação de vulnerabilidade social, e correndo contra o tempo para aumentar o número de leitos no sistema de saúde, manifestantes “que se dizem de direita” estão indo as ruas desde o dia 15 de março, se aglomerando em manifestações contra a democracia, sendo a favor de uma volta a ditadura e da intervenção militar com faixas e dizeres com: “Fecha o Supremo Tribunal Federal”, “Fora, Maia”, “AI-5”, “Fecha o Congresso”. Em uma dessas manifestações, no dia 20

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Frase extraída de rede social. Não colocamos nomes por prezar a ética na pesquisa.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de abril em Brasília, o presidente discursou dizendo “Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil” (LIMA, 2020, s/p). O presidente, como foi mostrado nas reportagens televisivas e jornalísticas, não cumpriu nenhuma das medidas da OMS, como o uso de máscara, ou de manter a distância de pelo menos um metro de distância, mas ao contrário, cumprimentava a multidão e entre uma fala e em outra tossia compulsoriamente. E ainda: No mesmo fim de semana em que o Ministério da Saúde anunciou mais 321 novas mortes pela COVID-19 e a projeção de que os números devem continuar subindo, milhares de bolsonaristas percorreram as vias do Brasil em carros e motos, pedindo o fim do isolamento social e a volta das atividades comerciais. (LIMA; AZEDO, 2020, s/p).

Aproveitando-se da atual situação, políticos conservadores manipulam uma parcela da população contra o Congresso Nacional e a democracia,

inclusive organizando e se fazendo presente em

tais

manifestações. A insistência do presidente em desautorizar as medidas dos governos estaduais e municipais começa pela avaliação de que este governo não se limitará a culpar a pandemia pela recessão econômica, mas também “lavando as mãos” e jogando toda a culpa nos governadores e prefeitos e se eximindo da culpa. Em outras palavras, se as medidas de isolamento social derem certo e não atingirmos um recorde no número de mortos e de contaminações, ele dirá que “era só uma gripezinha” e que a crise econômica se instaurou por culpa dos outros governantes. Se ela não der certo os culpará da mesma maneira por termos milhares de casos de vítimas fatais além de terem “quebrado a economia”. Ao reiterar todos os dias que as medidas de fechamento do comércio, entre outras, são exageradas, o presidente Jair Bolsonaro, no entanto, vai além: tenta atribuir parte da responsabilidade pela devastação futura da economia ao que ele chama de “medidas excessivas”. Em meados do final de março, começam as divergências entre o presidente e o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta. O ministro desde o começo se mostrava favorável e defensor das medidas de isolamento como 46


Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

forma de conter a disseminação do vírus, pra isso também defendia argumentos científicos (vale lembrar que neste governo a ciência e as universidades públicas vêm sendo duramente atacadas com fake news e com cortes nos investimentos). E que o presidente sempre discursou contrário as medidas do Ministério da Saúde. E aqui começa mais uma crise com divergências públicas instaurada durante este momento no Brasil. Até que em 12 de abril, Mandetta dá uma entrevista para o programa “Fantástico” da Rede Globo de Televisão, uma das principais redes televisas do país e que vem fazendo duras críticas ao governo e sendo alvo também de críticas do presidente. Na entrevista o ministro criticava algumas medidas e falas do presidente e mostrava a atual conjuntura divergente entre os dois. No dia seguinte foi demitido. É importante salientar nesse contexto que Mandetta mesmo neste momento com um discurso coerente sobre a pandemia, foi um dos apoiadores do golpe no governo Dilma (Cf. PEREIRA, 2019), assim como a Rede Globo de televisão. O desenrolar dessa demissão ainda foi mais desastroso. Nelson Teich que assumiu no dia 17 de abril o lugar de Mandetta no Ministério da Saúde, pediu demissão no dia 15 de maio, menos de um mês após assumir a pasta. O motivo foi a pressão do presidente para apoiar o uso da cloroquina, medicamento que já relatamos anteriormente não ter nenhuma eficácia comprovada contra o coronavírus. Desde então o Brasil está a mais de dois meses sem ministro da saúde em meio a uma pandemia35. Em 23 de abril temos também mais uma declaração do presidente dos Estados Unidos que desmerece a situação mundial, que declarou que “[...] uma injeção de desinfetante no corpo seria benéfica para matar o vírus causador da COVID-19” (CARTA CAPITAL, 2020, s/p). O resultado das falas desmedidas do presidente dos Estados Unidos foi um colapso no seu sistema de saúde com 1500 mortes por dia em meados de 14 de abril. Apesar de diversos órgãos internacionais alertarem sobre o caráter devastador do coronavírus (COVID-19), assim como das constantes orientações para o combate e controle deste vírus, Bolsonaro apresentou-se 35

Data referente a 29 de julho de 2020.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

indiferente quanto a pandemia, declarando que alguns, naturalmente, iriam morrer e ele enquanto presidente não poderia fazer nada. Em 28 de abril de 2020, o Brasil já registrara um novo recorde no número de mortes por COVID-19, com um total de 5.385 mortes, ultrapassando assim os números de mortos da China. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde do Brasil (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os indivíduos são alvos da doença, e aqueles que não fazem parte dos chamados grupos de risco (idosos e/ou portadores de doenças como pressão alta, doenças pulmonares, câncer ou diabetes, entre outros) também devem seguir as orientações internacionais, porque mesmo sendo assintomáticos transmitem a doença. Apesar do número extremamente alto de mortalidade pelo vírus, em entrevista o presidente comenta o número de mortes com a seguinte frase: “E daí? Lamento, quer que eu faça o que?” mostrando total descaso com o número de pessoas falecidas e apresentando-se indiferente quanto a este fator e quanto ao avanço da pandemia no Brasil, além de não ser condolente com as famílias que perderam seus entes; declarando o que foi trazido na fala supracitada, que alguns cidadãos, naturalmente, iriam morrer e ele enquanto chefe de estado não poderia fazer nada (BRASIL 247, 2020, s/p). É possível perceber a divisão da sociedade em dois grupos, aqueles que possuem uma maior imunidade biológica ao vírus e aqueles que apresentam uma menor resistência, podendo deste modo, vir a óbito. A postura do presidente da república deixa a entender que, em nome da economia, determinados grupos, como os idosos, podem ser sacrificados por não apresentarem possibilidades significativas para contribuir, através de sua força de trabalho, para manutenção do lucro da classe detentora dos meios de produção. Paralelo a isso, diante da crise econômica brasileira e do alastramento da pobreza, trabalhadores jovens, sobretudo informais, se veem diante de dois problemas: trabalhar e ser contaminado com o vírus ou ficar em casa e perecer diante da falta de subsídios básicos para sobrevivência. Tais situações revelam o desapreço que a classe dominante tem pelo trabalhador, sem fornecer ajuda a estes, e preocupados com o capital 48


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forçam através de manifestações, postagens nas redes sociais, assim como em vídeos a reabertura do comércio de serviços não essenciais em nome do lucro. O governo federal, por sua vez, condizente com uma política neoliberal, de sucateamento dos serviços públicos pouco se preocupa com a saúde e bem estar do trabalhador e de seus familiares. Apesar da ajuda do auxílio emergencial de R$ 600,00 (que teve a proposta inicial de R$ 200,00), e diante de tudo que foi falado, é possível perceber as poucas ações do governo federal para combater a pandemia, bem como para ajudar os mais pobres. Além disso, nos últimos dias alguns membros da classe dominante exigiam o fim do isolamento social, e que o governo federal juntamente com esses grupos empresariais atacaram nos últimos anos de forma incisiva os direitos da classe trabalhadora através da Lei nº 13.467 de 2017 (BRASIL, 2017a), que Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da Emenda Constitucional nº 103 que Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias, da Lei nº 13.415 de 2017 (BRASIL, 2017b), que altera diferentes leis dentre elas a Lei de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional; o que mostra na verdade, os interesses na manutenção da reprodução de suas riquezas e status quo. O ataque aos trabalhadores, as retiradas de direitos, a exposição destes as doenças, dentre outros situações, têm sido mecanismos contundentes da burguesia para manter seus privilégios. Por outro lado, é possível perceber movimentos expressando resistência a esses ataques. No contexto da pandemia diversos grupos de trabalhadores têm exigido o auxílio emergencial, a não abertura do comércio, assim como o impeachment do atual presidente, com o fito de preservar a vida das pessoas, sobretudo dos que se encontram no grupo de risco. É preciso se perguntar como é que ficarão aqueles que trabalham na economia informal, os que dependem de comércio e serviços, se todos ficarmos isolados. Como estas pessoas comprarão comida, pagarão suas contas, sobreviverão? Ao governo federal cabe pensar em soluções de curto 49


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

prazo. Socorrer as empresas aéreas é bom, mas socorrer os camelôs e outros trabalhadores informais também é. A Lei de Responsabilidade Fiscal é um exemplo do que precisa ser mudado emergencialmente. Ela impede que municípios e estados gastem mais de 60% da sua receita líquida com gastos com pessoal. A maioria dos municípios do Brasil está perto do limite neste momento. Com o desaquecimento da economia, os prefeitos terão menos receita, dada a queda de arrecadação e, mesmo sem contratar alguém, verão o percentual de gastos com pessoal explodir. Por fim, depois desta breve explanação sobre o atual momento no mundo, em especial no Brasil, tomamos emprestadas as palavras de Paulo Freire (1997, p. 6) que nos diz que o “processo de conhecimento, formação política, manifestação ética, procura da boniteza, capacitação científica e técnica, a educação é prática indispensável aos seres humanos e deles específica na História como movimento, como luta”. E tomando a História como possibilidade para debater os conflitos, lançamos agora um olhar crítico mais específico a partir de nossa área, a Educação Física. UM OLHAR NA/DA EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE A ATUALIDADE A PARTIR DA PEDAGOGIA CRÍTICO-SUPERADORA É possível perceber que desde 1990 países, de diferentes continentes, como Estados Unidos, Irlanda, Portugal, Grécia, compreendidos como

economias

expressivas

no

desenvolvimento

do

capitalismo,

apresentaram pouco crescimento econômico nas últimas décadas (PAULO NETTO, 2012). Paulo Netto esclarece que foi a partir de 1987, por meio da queda da bolsa de Nova York, que se desencadeou um processo de consolidação da crise do capitalismo em longo prazo. De acordo com o autor, isso explica a dificuldade de crescimento econômico representado nos países mencionados. A permanência da crise passou a ser compreendida como um fator determinante da precarização do trabalho (CEOLIN, 2014), assim como, da formação de professores críticos. Celli Taffarel e Santos Júnior (2016)

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Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

denunciam que a classe dominante, diante da crise sistêmica, tem buscado precarizar a formação dos trabalhadores por meio de um ensino que nega o conhecimento científico e a perspectiva de compreensão crítica de sociedade. Paralelo a isso, é percebido também que a burguesia brasileira, sobretudo diante do contexto de pandemia de COVID-19, tem explicitado os interesses de manutenção das taxas de lucro através da precarização do trabalho. Tais interesses, que já estavam presentes no contexto da crise do capital, e têm se intensificado nos últimos meses, assim dificultando o controle da pandemia no Brasil, principalmente, entre os mais pobres. Isso porque os problemas sanitários e socioeconômicos de um país interferem de forma significativa no sistema imunológico dos trabalhadores. Paris (2020) corrobora com essa afirmação ao esclarecer que o fato de muitos trabalhadores enfrentarem problemas de moradia, residirem em favelas superlotadas, não terem água encanada e possuírem medo de serem demitidos, expõe ainda mais o trabalhador ao vírus. No entanto, o presidente da república, buscando isentar o estado burguês da preservação da saúde coletiva, discursa em defesa da responsabilização individual para enfrentamento da COVID-19. Tomando seu histórico como exemplo declara que “No meu caso particular pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho" (MÁXIMA, 2020, s/p). Como resposta o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE, 2020, s/p) publica uma nota de repúdio ao pronunciamento do presidente informando alguns equívocos em sua fala, alertando que a prática do exercício físico não atua como vacina ou remédio contra a COVID-19. O CBCE alerta também sobre a escassez de estudos científicos, durante aquele período, que relacionassem o nível de atividade física com o fortalecimento do sistema imunológico para combater a COVID-19. Diante de tudo que foi exposto até aqui, e considerando a nota do CBCE, assim como de outras diversas entidades da Educação Física que se manifestaram contra as ações do então governo federal, torna-se evidente a necessidade da articulação de mecanismos efetivos provenientes da área que 51


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

ajudem a classe trabalhadora a compreender o contexto em que está inserida, nesse momento. Mais que isso, é preciso subsidiar elementos concretos que permitam a transformação das atuais condições capitalistas. Como afirmado por Freire (1997, p. 5): Sem a luta política, que é a luta pelo poder, essas condições necessárias não se criam. E sem as condições necessárias à liberdade, sem a qual o ser humano se imobiliza, é privilégio da minoria dominante quando deve ser apanágio seu. Faz parte ainda e necessariamente da natureza humana que tenhamos nos tornado este corpo consciente que estamos sendo. Este corpo em cuja prática com outros corpos e contra outros corpos, na experiência social, se tornou capaz de produzir socialmente a linguagem, de mudar a qualidade da curiosidade que, tendo nascido com a vida, se aprimora e se aprofunda com a existência humana.

Diante disso, por meio de uma perspectiva reflexiva será buscado nesse tópico as contribuições da Educação Física para a formação de cidadãos críticos, em um contexto de crise sanitária, econômica e política. Para isso optou-se por buscar proposições didático-pedagógicas da Educação Física que permitam a compreensão e a transformação das atuais relações entre a classe dominante e os trabalhadores. Assim, foi preciso retomar a década de 1990, período em que se registra na Educação Física diversas produções de cunho crítico que buscam compreender a realidade neoliberal em que os estudantes pertencentes a classes sociais mais vulneráveis estavam inseridos. De acordo com Castellani Filho (1999) as concepções pedagógicas da Educação Física podem ser divididas em dois grupos: propositivas (que apresentam elementos teóricos para intervenção da realidade) e não propositivas (que apresentam uma nova concepção de Educação Física, sem apresentar elementos para intervenção da realidade). Diante da necessidade de interferir na realidade, o presente estudo buscou as pedagogias críticas imersas no grupo das concepções propositivas, que se dividem em dois subgrupos: sistematizadas e nãosistematizadas. No grupo das concepções propositivas sistematizadas, só há uma perspectiva de ensino crítico: a pedagogia Crítico-Superadora (CASTELLANI FILHO, 1999). Deste modo, a pedagogia Crítico-Superadora 52


Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

por possibilitar um melhor entendimento da presente realidade e de sua transformação,

foi

eleita

como

a

proposição

mais

adequada

para

enfretamento dos problemas discutidos neste texto. Essa pedagogia apresenta uma apreensão crítica da Educação Física, sobretudo por ter como base o materialismo histórico dialético, e a pedagogia histórico-crítica elaborada por Dermeval Saviani, o que permite uma compreensão filosófica e histórica da realidade (SAVIANI, 2013). Já o livro representativo da pedagogia Crítico-Superadora é a obra “Metodologia do Ensino de Educação Física” escrito por Soares et al. (1992). O contexto em torno dos desafios de luta por melhores condições de vida da classe trabalhadora frente a pandemia de COVID-19, torna-se ainda mais evidente diante das afirmações dos autores deste livro a respeito da classe dominante, ao entender que estes buscam defender seus próprios interesses que: [...] correspondem às suas necessidades de acumular riquezas, gerar mais renda, ampliar o consumo, o patrimônio [...] seus interesses históricos correspondem à sua necessidade de garantir o poder para manter a posição privilegiada que ocupa na sociedade e a qualidade de vida construída e conquistada a partir desse privilégio. (SOARES et al., 1992, p. 24).

Diante disso, fica mais evidente que as manifestações e carreatas da classe dominante brasileira que questionavam a necessidade do isolamento social e que se desenvolveram sob a justificativa de preocupação com a sobrevivência dos trabalhadores, na verdade representam discursos que visam camuflar suas reais intenções de acumular capital, uma vez que após o ano de 2016 esses mesmos grupos contribuíram massivamente para uma maior precarização dos serviços públicos, do trabalho e previdência social, tão caros aos trabalhadores. Por sua vez, os interesses da classe trabalhadora podem ser definidos pela “[...] necessidade de sobrevivência, à luta no cotidiano pelo direito ao emprego, ao salário, à alimentação, ao transporte, à habitação, à saúde, à educação, enfim, às condições dignas de existência” (SOARES et al., 1992, p. 24).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Diante dos interesses opostos da classe dominante e da classe trabalhadora expressos acima, é possível perceber a existência de uma luta de classes na atual sociedade. Marx e Engels (2016, p. 112), afirmam no livro “Manifesto do Partido Comunista” que “a história de todas as sociedades passadas consistiu no desenvolvimento de antagonismo de classes, que assumiram diferentes formas em diferentes épocas”. Por ser os interesses dos trabalhadores antagônicos aos desejos dos capitalistas, exige-se da classe trabalhadora a luta para superação do atual modelo econômico capitalista. É diante disso, que a abordagem CríticoSuperadora, inserida na educação de uma sociedade contraditória e marcada pela luta de classes, busca nortear o ensino através de três princípios para atuação docente, a saber: diagnóstica, pois permite a classe trabalhadora uma análise crítica da realidade social; judicativa, por julgar os dados da realidade a partir dos interesses da classe trabalhadora, que é permanentemente criticada pela classe dominante; e teleológica, por buscar uma atuação prática e revolucionária capaz de possibilitar uma transformação efetiva da realidade. Diante disso, inferimos que a Educação Física por meio da perspectiva Crítico-Superadora deve realizar um diagnóstico crítico do contexto econômico, político e sanitário que o Brasil atravessa atualmente, de modo, que possibilite a compreensão do avanço das políticas neoliberais e seus impactos na vida das pessoas no contexto da pandemia. Partindo do entendimento de que os professores de uma maneira geral, incluindo os de Educação Física estão realizando atualmente aulas remotas através de plataformas e aplicativos como Skype, Google Meet,

Zoom, Google Classroom, YouTube e de outras plataformas de transmissão audiovisual, levantamos questionamentos acerca de quem é alcançado por este tipo de ensino, para saber se realmente estamos cumprindo com a educação como um direito de todos. Na verdade [...] a educação pública se encontra sob um dos maiores ataques de sua história, em que os grandes conglomerados de serviços de educação privada se articulam para abocanhar o fundo público para a Educação oferecendo plataformas de ensino à distância e outras ferramentas que tornam a educação ainda mais excludente e ampliam o fosso entre aqueles que tem condições de estudo e 54


Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

acesso à internet e os demais. (MOVIMENTO NACIONAL CONTRA A REGULAMENTAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - MNCR, 2020, s/p).

Esses questionamentos têm o fito de diagnosticar os impactos da ausência de um planejamento sólido do governo federal, e que deveria estar alinhado as orientações de órgãos internacionais como a OMS para combater o avanço de COVID-19 no Brasil, e sobretudo, proteger a vida dos trabalhadores. Dessa forma, algumas indagações merecem ênfase, como: De que forma os que não possuem acesso à internet podem acompanhar as atividades escolares, sobretudo as aulas dos professores de Educação Física? Como a ausência de ações do governo para combater e prevenir o avanço de COVID19 pode prejudicar o ensino daqueles que não tem acesso à internet? Ou como a ausência dessas ações afeta na duração do período de quarentena? Como a pandemia pode afetar negativamente os corpos dos denominados grupos de risco? Quem têm prioridade a leitos e respiradores e por quê? Quais atividades físicas podem ser praticadas nesse período de quarentena? Qual o impacto da crise estrutural do capital, bem como da pandemia de COVID-19 na formação e atuação dos professores de Educação Física? Ou então, Como a omissão do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) diante das ações e declarações do presidente da república a respeito da atividade física em período de pandemia pode colocar em risco a vida das pessoas? Como o ofício do Conselho Regional de Educação Física 2 (CREF 2, 2020, s/p) enviado ao governo Estadual do Rio Grande do Sul no dia 13 de abril de 2020, solicitando reabertura das academias e centros de treinamentos ao ar livre. Assim como o ofício do CONFEF (2020, s/p) enviado ao presidente da república no dia 16 de abril de 2020 podem colocar em risco a saúde da população, assim como dos profissionais de Educação Física que atuam fora do espaço escolar? Na verdade para o último questionamento o MNCR traz que “O sistema CONFEF/CREFs se coloca mais uma vez ao lado dos patrões e com eles suja suas mãos de sangue ao ser mais um defensor do relaxamento das restrições de circulação, sendo portanto linha auxiliar do plano genocida do

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

governo federal de estimular a classe trabalhadora a se expor aos perigos da pandemia” (MOVIMENTO NACIONAL CONTRA A REGULAMENTAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - MNCR, 2020, s/p). Diante disso, é possível criar um juízo de valor a respeito do que foi diagnosticado. Nesse momento todas as reflexões e ponderações devem partir de uma perspectiva de classe, nesse caso, a dos trabalhadores. Com isso podemos inferir uma visão ampla da realidade. Diante disso, e considerando o avanço neoliberal em todos os setores, é possível perceber a convergência de objetivos entre o atual governo e o sistema CONFEF/CREFs, por exemplo. Diante da pandemia, tornando explícito o desejo de defender os interesses da burguesia, o governo federal, na figura do presidente se posicionou em defesa do isolamento vertical, exigindo quebra da quarentena para o retorno das atividades trabalhistas de setores não essenciais. Em paralelo, o sistema CONFEF/CREFs se manifesta, sem contrapor as declarações anticientíficas do presidente da república, solicita a este a inclusão da Educação Física nos serviços essenciais, com o objetivo de reabrir os centros de treinamentos e academias, possibilitando deste modo, a possibilidade de exposição dos trabalhadores e da sociedade ao vírus. Dias depois o presidente da república publica o Decreto nº 10.344, de 8 de maio de 2020 (BRASIL, 2020b) que passa a compreender “academias de esporte de todas as modalidades” como serviço essencial. Essas condutas do governo federal confirmam as asseverações de Olinda (1998), quando esclarece que para os neoliberais a racionalidade econômica predomina, deste modo, os humanos são compreendidos não em seu sentido espécie, mas de engrenagem contributiva para o funcionamento do capital. Na busca de superação desse problema, a autora acima coloca a educação como prática social capaz de possibilitar, aos mais pobres, isto é, aos dominados, a reflexão e a transformação das relações de dominação e subordinação do sistema neoliberal. E enfatizando que não basta o educador reconhecer o caráter político da educação, mas também desenvolver uma prática pedagógica política para que isso se efetive. 56


Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

Com isso, na busca do cumprimento do princípio teleológico, a sociedade é convidada a se posicionar com atitudes

e discursos

revolucionários ensejando a mudança. Colocamos a partir deste princípio que não devemos nos calar por achar que muitas vezes não adianta se posicionar, pois foi dessa maneira que outras vozes da chamada “ultradireita brasileira” ganharam voz e notoriedade. O princípio teleológico parte da prática de dar voz as nossas ideias que corroboram com a prática efetiva. Na Educação Física essa voz deve partir da nossa prática educativa saindo de uma tomada de

consciência

ingênua

para

sua

problematização

humanizadora,

problematizadora e sobretudo libertadora! CONSIDERAÇÕES FINAIS Elencamos neste texto uma discussão em torno da crise sanitária, política e econômica do Brasil. Com isso, foi constatado que os trabalhadores têm enfrentado uma série de ataques nos últimos anos. No contexto de avanço desenfreado da pandemia de COVID-19, não foi diferente. Verificouse que estes, devido as condições materiais que os foram dadas (dependência salarial, moradia, falta de apoio governamental, pressão da burguesia preocupada com o lucro etc.) necessitam continuar a trabalhar, se expondo assim, ao vírus. Diante desse contexto, a pedagogia Crítico-Superadora foi apresentada como proposta capaz de possibilitar contribuições para enfretamento dessa realidade, uma vez que esta se consolida por meio da ação diagnóstica, de um julgamento de valor dos dados analisados, a partir da classe trabalhadora, e de ações teleológicas. Diante disso, compreendemos que este capítulo apresenta não somente a apreensões do contexto de pandemia, mas também ação judicativa para atuação direta na transformação da atual realidade, neste caso, por meio das aulas de Educação Física. Vale ressaltar também que a pedagogia Crítico-Superadora enseja a trabalhar através de seus pressupostos, como a relevância social do conteúdo e o caráter contemporâneo. Tais pressupostos reforça a necessidade 57


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de tematizarmos os atuais problemas em que estamos inseridos. Pois não podemos refletir nossa área de forma isolada do contexto em que está inserida, visto que se transforma e é mediada a partir do reordenamento do mundo do trabalho na sociedade. E tendo que [...] a relação de luta entre os trabalhadores e o capitalismo flexível tem se mostrado um campo interessante de investigação, dado o amoldamento daqueles primeiros frente à complexificação do mundo do trabalho e da reestruturação produtiva, no que diz respeito à perda das reivindicações históricas de uma sociedade emancipada do trabalho abstrato e produtora de mercadorias. Para um aprofundamento destas questões na educação física é necessário perfilar análises da realidade concreta do trabalho realizado pelos professores, mediado pela presente reconfiguração do mundo do trabalho, análises estas que se mostram carentes no campo da nossa literatura. (NOZAKI, 2004, p. 35).

Essas reconfigurações do mundo do trabalho se mostram eficazes avançando através da linguagem, do trabalho e do poder. Através da pedagogia Crítico-Superada desejamos uma Educação com uma prática transformadora associada a uma tomada política de consciência na interface com o momento atual. Pois, o corpo consciente no individual parte de um corpo consciente na coletividade, então cada um de nós deve fazer a parcela de reflexão crítica que lhe cabe. Ao governo cabe deixar os partidarismos de lado e focar em soluções concretas. A população deve se preparar para dias de tensão e ansiedade, colaborar com as medidas e ter empatia com o próximo. Afinal

isolar-se

socialmente

não

significa,

somente,

nos

trancarmos em casa sem um contato inerente com o mundo. Isolar-se representa mais que um ato político, é um ato reflexivo e de amor a si mesmo e ao próximo! A pandemia vai passar, mas nossa prática crítica e reflexiva, esta não deve passar nunca!

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Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

Pandemic and diseased politics: an analysis in Physical Education on the Critical-Overcoming pedagogy view Abstract: It is a moment of political, economic, and health tensions caused by the coronavirus disease pandemic. In Brazil, it is possible to perceive the manifestations of these tensions within a context of authoritarian and impartial policies, surrounded by attacks on labor rights, precarious scientific research, and public education, which has made it even more challenging to face the pandemic. Thus, we use the knowledge produced in the pedagogical field of Physical Education to reflect on this reality. We raise the following question: What pedagogical approach should we have to deal with the worldwide pandemic reality, especially in Brazil? Therefore, we seek to analyze and discuss the pandemic crisis that is plaguing Brazil and the world, and we point out the contributions of Physical Education to face this reality through Critical-Overcoming pedagogy. For this, we carry out an analysis of news and publications taken from the internet, social networks, and television programs. Additional readings by other authors were also used to reflect on the world health and economic crisis to enliven this discussion. It shows that workers have faced a series of attacks in recent years, and during the COVID-19 pandemic, it was no different. We found that, due to the material conditions that were given, they need to continue working, exposing themselves to the virus. We also emphasize that this article presents not only the apprehensions of the pandemic context but also judicial action for direct action in the transformation of the current reality, in this case, we mitigate the debates in the area of Physical Education. Keywords: Physical Education. Critical-Overcoming. Pandemic. COVID-19.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

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62



Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Impactos socioeducacionais em época de pandemia:

análise crítica sobre o ensino e a didática Rayane Mesquita Estumano (SEDUC/AM) * Luciane Cristina Farias de Aguiar (SESC/PA) ** Marta Genú Soares (UEPA) *** Resumo: Este estudo trará de um relato de experiência e descreve as práticas pedagógicas de professores da Rede Estadual de Ensino em Manaus (AM) realizadas durante a implantação do Programa “Aula em Casa”. Os sujeitos intérpretes são (sete) professores que ministraram aulas a distância (EaD) no período de 23/03/2020 a 15/08/2020, sendo: 2 (dois) docentes atuantes no ensino fundamental menor; 3 (três) no ensino fundamental maior e 2 (dois) no ensino médio que tiveram a identidade preservada pela adoção de códigos e os dados foram coletados com de aplicação de entrevista semiestruturada com interpretação do conteúdo referendado pelo aporte teórico. As falas dos professores revelam que a Escola, ao fazer a escuta das demandas docentes e discentes, trabalha na perspectiva de solução de problemas locais que possam ser regionais, atendendo as especificidades em respeito as condições de cada unidade educacional. A maioria dos professores concorda em relação aos desafios na implantação do sistema EaD neste período, apontando a existência de uma desigualdade social que limita o acesso dos educandos às ferramentas tecnológicas necessárias ao estudo remoto. Conclui que somente a ciência, a prudência e a organização social podem criar condições para o enfrentamento e superação das implicações letais causadas pela pandemia. Palavras-chave: Educação. Amazônia. COVID-19. * Mestranda em Educação (UEPA). Especialista em Educação Especial e Gerenciamento de Processos Inclusivos (FCC/PA). Professora de Educação Física na Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (SEDUC/AM). E-mail: rayestumano@hotmail.com ** Mestranda em Educação (UEPA). Especialista em Educação Física Escolar (ESMAC/PA). Professora de Educação Física no Serviço Social do Comércio do Pará (SESC/PA). E-mail: lucianec.f.a@gmail.com *** Doutora em Educação (UFRN). Professora Titular na Universidade do Estado do Pará. E-mail: martagenu@gmail.com

INTRODUÇÃO

inquietação por este estudo se iniciou depois de duas semanas da implementação do Programa “Aula em Casa” no Estado do Amazonas.

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Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Quando os professores e as professoras na Secretaria de Educação do Amazonas (SEDUC/AM) nas turmas do Ensino Fundamental e Ensino Médio, tiveram que organizar as atividades pedagógicas nos meios tecnológicos e redes sociais, como os grupos no WhatsApp e criar salas virtuais no Google

Classrom. Com o passar das semanas verificamos o quantitativo de alunos que participavam ativamente das atividades sugeridas nas turmas e, em três turmas do 6º ano, do total de 45 alunos em cada turma, aproximadamente 30 alunos entregaram as atividades, ocorrendo o mesmo com as três turmas do 7º ano, do total de 41 alunos, aproximadamente, 14 alunos de cada turma acompanharam as tarefas. Com isso, perguntamos para alguns professores da Rede Estadual de Ensino, via WhatsApp, como estava o desempenho e envolvimento dos seus alunos no Programa “Aula em Casa” durante a Pandemia do COVID-19. Desta maneira, o objetivo geral é descrever as práticas pedagógicas de professores da Rede Pública de Ensino de Manaus (AM) realizadas durante a implantação do Programa “Aula em Casa”. Além disso, apontar quais foram os impactos socioeducacionais ocasionados com o advento da Pandemia do COVID-19, responsável por alterar as relações sociais, culturais e políticas no mundo, em específico, entre educadores e educandos vinculados a Rede de Ensino Público do Estado do Amazonas. Os sujeitos intérpretes deste estudo são sete professores da SEDUC do Amazonas que ministraram aulas EaD no período de 23/03/2020 a 15/08/2020; sendo 2 (dois) docentes atuantes no ensino fundamental menor, 3 (três) no ensino fundamental maior e 2 (dois) no ensino médio. Com o intuito de preservar a identidade dos docentes, utilizamos os códigos: E1, E2, E3, E4, E5, E6 e E7. Os dados foram coletados através de aplicação de entrevista semiestruturada e a interpretação ocorreu seguindo a análise de conteúdo proposto por Bardin (1979), visando: organizar, categorizar e decifrar os dados reunidos. Para responder aos objetivos dialogamos sobre a Pandemia do COVID-19 e suas implicações sociais; em seguida descrevemos as medidas adotadas pela SEDUC/AM durante o período de fechamento das escolas; 65


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

posteriormente, apresentamos a análise dos dados, relatando as opiniões dos docentes sobre o Programa “Aula em casa” e, por fim, apontamos conclusões sobre os impactos provenientes da Pandemia do COVID- 19 para a área da Educação Amazonense. EPIDEMIOLOGIA: IMPACTOS SOCIOCULTURAIS DO CORONAVÍRUS

A pandemia do COVID-19, ocasionada pelo vírus Severe Acute

Respiratory Syndrome Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), vem interferindo drasticamente

e

afetando

não

apenas

o

campo

biomédico

e/ou

epidemiológico, mas também, impacta diversas dimensões que constituem a sociedade em âmbito global, de modo a interferir e modificar as relações sociais a níveis econômico, político, cultural e histórico, sem precedentes antes imaginados. Em curto período de tempo, vimos diversos reflexos de sua propagação: os crescentes casos de mortalidade; medidas de contenção da mobilidade social (isolamento/quarentena), fechamento de postos de trabalho, escolas, entre outros. A principal característica, de pandemias como esta, se encontra na sua potencialidade de propagação, mediante a vigência de um surto epidêmico que atinge a população em distintos: tempos, territórios e culturas. Ao longo da história de nossa civilização, há exemplos como: a Peste Bubônica, Gripe Espanhola, Tuberculose, Gripe Aviária e Gripe Suína. Doenças que se diferem devido a constatação científica da velocidade de propagação entre elas, sendo a globalização a principal responsável por essas mudanças, de modo a acelerar os processos de contágio (FRENK; GÓMEZDANTÉS, 2006-2007). Vejamos, então, o exemplo da Peste Bubônica – denominada popularmente como Peste Negra 36 – considerada a primeira grande pandemia de que se tem conhecimento, teve início na Ásia Central, espalhou-se pelo mundo dizimando milhares de cidadãos no século XIV (LOPES, 1969). Dentre 36

Chamada “peste negra” devido as manchas escuras que apareciam na pele dos enfermos em decorrência da doença.

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Estumano, Aguiar e Soares (2020)

as diferenças existentes entre a Peste Bubônica e o surto atual de Coronavírus, encontra-se os agentes causadores destas doenças. A Peste Negra foi disseminada por uma bactéria identificada como Yersinia pestis, presente em pulgas que transitavam e infestavam os ratos e demais roedores. Já a COVID – 19, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), apresenta o Coronavírus como causador da doença. Originada na China, obteve a classificação de pandemia em 11 de março de 2020, chegando ao Brasil em fevereiro, especificamente, por meio do registro do primeiro caso em 26 de fevereiro. No caso da doença medieval, a medida em que a população aderiu as recomendações sanitárias de higiene e foram implantadas medidas básicas de saneamento nas cidades, houve a diminuição quantitativa de ratos urbanos e, consequentemente, a diminuição da doença. Outro fator relevante, sem dúvida, correspondeu a adesão de políticas públicas de isolamento social que fortemente contribuíram a contenção da epidemia – mecanismo também utilizado, atualmente, pelos estados brasileiros a fim de combater a contaminação da população pelo novo Coronavírus. Também podemos apontar semelhanças entre a pandemia do Coronavírus e outro surto epidêmico conhecido como Gripe Espanhola, provocada pelo vírus influenza do tipo A (H1N1). No início da propagação desta pandemia, as autoridades governamentais seguiam o padrão de negar a existência de uma crise sanitária, principalmente, em relação a dificuldade de se diagnosticar a natureza da doença e seus efeitos sobre a economia e os sistemas de saúde. De acordo com Goulart (2005, p. 102) Enquanto, na Europa, a espanhola se disseminava, no Rio de Janeiro, capital da República, as notícias sobre o mal reinante eram ignoradas ou tratadas com descaso e em tom pilhérico, até mesmo em tom de pseudocientificidade, ilustrando um estranho sentimento de imunidade face à doença.

No entanto, obteve-se como resultado desta negação, a contaminação de praticamente um quarto da população mundial e uma

67


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

estimativa de 17 a 50 milhões de mortos. No Brasil, os índices registraram em torno de 35 mil mortos - entre estes - a morte do Presidente Rodrigues Alves. Dentre as semelhanças entre a proliferação do vírus influenza do tipo A (H1N1) e COVID-19, consistem na mínima intervenção do governo Federal do Brasil em contribuir as intervenções sanitárias dos Estados em ambos os períodos históricos. Recentemente, inclusive, a política brasileira, por meio das afirmações do atual presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, negou a agressividade com que o Coronavírus afeta as pessoas acometidas pela doença, alegando ser apenas uma “gripezinha”. Esta e outras demonstrações de discordância com as recomendações defendidas pelos organismos internacionais, incluindo a OMS, conduzem-nos a questionar sobre como podemos combater efetivamente está mazela sem o devido reconhecimento e apoio da União a calamidade a qual enfrentamos. Vale ressaltar que as estimativas científicas em relação a possibilidade de descoberta da vacina contra a COVID-19, apontadas pela OMS, demonstram a necessidade de espera de um longo período para criação e testagem das vacinas desenvolvidas pela comunidade científica - podendo corresponder até um ano e meio de espera. Neste caso, compreende-se que ainda não há medicação comprovadamente eficaz, mesmo o governo brasileiro defendendo o uso de alguns medicamentos como a Cloroquina. Pensando nisso, a estratégia seguida pelos estados brasileiros, visando minimizar a propagação da doença, constam: 1) Lavar as mãos com água e sabão ou higienizador; 2) Manter no mínimo 1 metro de distância entre as pessoas com sintomas aparentes de virose (tosses/espirros) ou não 3) Evitar tocar nos olhos, nariz e boca, se as mãos não estão higienizadas; 4) Ficar em casa, caso seja possível; 5) Deve-se evitar viajar para as regiões comprovadamente afetadas por Coronavírus; 6) Os viajantes que retornam das áreas afetadas devem monitorar seus sintomas por 14 dias e seguir os protocolos elaborados pelos países receptores (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020). Portanto, diante desta atmosfera de incertezas, cabe a população acatar as medidas de precaução recomendadas por autoridades em saúde e, sobretudo, agir com responsabilidade sobre o bem-estar individual e coletivo. 68


Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Tendo em vista que - diferentemente dos casos de pandemias registrados ao longo da história da civilização moderna - as contaminações por COVID-19 têm

se

intensificado,

devido,

também,

pela

existência

de

casos

assintomáticos. Por isso, apesar das contradições sociais, políticas e econômicas as quais estamos sujeitos, vemos a necessidade de unir forças no combate desta pandemia, mediante a adesão da população e políticas governamentais das recomendações atuais dos organismos da saúde. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu a COVID-19 como pandemia global (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICA DE SAÚDE, 2020).

Desde então, elaborou estratégias biopolíticas com o

intuito de combater a proliferação do Coronavírus no mundo. Em contrapartida, o Ministério da Saúde do Brasil publicou a Portaria nº 188, reconhecendo a vigência de um estado de “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN)”, em razão da infecção humana causada pelo novo Coronavírus (BRASIL, 2020). O Mistério de Educação, a fim de apontar orientações a serem seguidas pelos sistemas de ensino estabeleceu - dentre as medidas educacionais mais significativas, impactantes e controversas - a defesa das ações de políticas públicas voltadas a difusão do ensino a distância (EAD). Tal iniciativa, adotada por diversos sistemas de ensino brasileiros em seus respectivos estados – incluindo no Estado do Amazonas- buscou minimizar os problemas advindos da paralisação das aulas, mediante a disponibilização de estudos não presenciais ministradas pelos docentes vinculados a Rede de Ensino Pública e Privada. Diante disso, foram desenvolvidas pelo Governo Federal a Medida

Provisória

934/2020

que

estabelece

as

recomendações

excepcionais, direcionadas ao ano letivo da Educação Básica e do Ensino Superior durante o período de enfrentamento desta pandemia (BRASIL, 2020). Em nível estadual, no Amazonas, têm-se as seguintes normas estabelecidas: a Portaria nº 311/2020, criada pela Secretaria de Educação e Desporto (SEDUC/AM) e a Resolução n° 30/2020 pelo Conselho Estadual de Educação (CEE/AM).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Ambas

visam

garantir

a

continuidade

das

contribuições

pedagógicas no processo de formação dos educandos e orientar as ações das escolas pertencentes ao Estado diante das restrições impostas pela adoção do isolamento social. Evitando-se assim, comprometer a saúde dos sujeitos pertencentes a comunidade escolar, caso fossem inseridos em locais de aglomeração e que pudessem deixá-los expostos ao vírus. Nesta

perspectiva,

os

sujeitos

do

processo

de

ensino-

aprendizagem – professores e alunos – foram redirecionados a ambientes totalmente diferentes das habituais estruturas concedidas nas redes escolares e, de certa forma, sujeitados a própria sorte. Conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), sabe-se que esta crise epidemiológica resultou na paralisação das aulas que atingiram inúmeras escolas e universidades, afetando aproximadamente cerca de 90% dos educandos do planeta (UNESCO, 2020). Vale destacar que, em meio a tais mudanças brutais, observaramse, de imediato, a necessidade de algumas adequações como o conhecimento e uso das tecnologias da informação em ambiente residencial, a aquisição individual de computadores, celulares ou notebooks para acessar ao conteúdo disponibilizado na internet, auxílio dos pais e/ou responsáveis legais durante a realização das tarefas desenvolvidas pelos educandos, entre outros fatores. Cabe a nós questionar se estes mecanismos de fato foram acessíveis, condizentes com a realidade socioeconômica da população amazônica; se aceito pela comunidade escolar; ou, simplesmente, favorecem ao processo de exclusão, evasão, aumento dos índices de reprovação que constantemente rondam o âmbito escolar. Em um País, como o Brasil, que vive com graves problemas no processo de inclusão digital e inserção das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na sociedade, podemos considerar que tais medidas podem contribuir, significativamente, a ampliação do abismo ao acesso educacional entre as distintas classes sociais. Conforme Matos e Chagas (2008) com o advento das TICs, houve uma ampliação do caráter assimétrico e excludente provenientes do processo 70


Estumano, Aguiar e Soares (2020)

de globalização econômica. Fato este que provocou um aumento nos índices de desigualdade econômica e social dos brasileiros, o qual favorece também a exclusão digital. Para os autores: Existe certa literatura ufanista a respeito do papel das TIC's nas sociedades contemporâneas [...] que promove a ideia de que a mera existência dessas tecnologias, por si só, permite a melhoria das condições econômicas e sociais de uma parcela supostamente cada vez maior da população dos diferentes países. Entretanto, o que ocorre é exatamente o contrário. Deixadas às "forças do mercado", as novas tecnologias tendem a promover uma acentuação das desigualdades. (MATOS; CHAGAS, 2008, p. 90).

Deste

modo,

entende-se

que,

para

a

implantação,

bom

funcionamento e adesão desta ação de política pública educacional, torna-se inevitável atentarmos a desigualdade social, econômica, histórica e cultural a qual se encontra sujeita a comunidade escolar. Logo, vemos, mais uma vez, a educação brasileira limitar seu âmbito de abrangência, tornando-se, ainda mais, restrita a população. Pois, apesar dos esforços estatais em definir uma estratégia rápida de minimizar os problemas advindo com a pandemia, nem todos os educadores e educandos possuem: conhecimentos básicos de informática e condições financeiras para a aquisição de tecnologias indispensáveis ao prosseguimento dos estudos neste momento. ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19 O Governo do Estado do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Educação e Desporto (SEDUC), organizou-se no início da pandemia do COVID-19 para evitar a disseminação do novo Coronavírus nas escolas estaduais. O Governo suspendeu as aulas presenciais e passou atender os alunos do ensino fundamental maior e ensino médio – no período de isolamento social – pelo Programa “Aula em Casa”, com base na Portaria nº 311/2020, especificando que: as aulas serão transmitidas pelo sistema de ensino à distância (EaD), nos aplicativos: Mano, Youtube, Instagram,

Facebook, Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), Google Classrom e 71


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

grupos de WhatsApp criados, individualmente, pelos professores. Essa medida foi implementada também pela Rede Municipal do Amazonas, porém o foco deste estudo serão os professores vinculados a Rede Estadual de Ensino. A organização do trabalho pedagógico dos docentes selecionados pela SEDUC/AM consistiu em selecionar os conteúdos e gravações de vídeo aula na Sede da Secretaria, a serem publicadas durante as semanas de aula. As Coordenadorias ficaram responsáveis por receber os planos pedagógicos dos professores durante o Regime Especial de aulas não presenciais, especificando que no plano pedagógico deveria ser preenchido: a Coordenadoria, Escola, Professor (a), Ano e Série, turmas, turno e bimestre. Além disso, houve a exigência de se especificar o componente curricular que o professor ministraria na semana de estudo, a unidade temática e/ou eixo, período de estudo, habilidades (objetivos), objeto de conhecimento

(conteúdo),

atividades

orientadas

e

estratégia

de

monitoramento. Quando sabemos que, em meio à crise pandêmica, A própria pandemia é um tema gerador para suscitar muitas reflexões e iniciativas práticas. Por que não refletir sobre a pandemia, em seus distintos aspectos, com as comunidades acadêmicas e sociais? Temos currículos engessados, que já não dão conta das questões da atualidade, com pouco ou nenhum espaço para mulheres, negros e indígenas intelectuais – tantas outras e tantos outros são também excluídos. (MOTA NETO, 2020, p. 1).

Quanto a frequência dos alunos, foram registrados diariamente pelo formulário disponibilizado pela SEDUC/AM, com o objetivo de monitorar a participação dos alunos no Programa “Aula em Casa”. Neste formulário, o aluno seleciona o nome da escola, preenche dados pessoas incluindo o nome completo, série, turno que estuda, data, as disciplinas que assistiu e relata: Como soube da existência do Programa “Aula em Casa”; como participou da aula no referido dia; como avaliava a aula visualizada. Esta frequência também foi realizada pelos professores, através de formulário disponibilizados on-line. Este teve o objetivo de verificar como os docentes participavam do Programa “Aula em Casa”. Neste portal 72


Estumano, Aguiar e Soares (2020)

eletrônico, o professor registrava seu e-mail, o nome da escola onde trabalha, quais turnos ministra as aulas, quais séries leciona, a data do referido dia, disciplina ministrada. Além disso, também, relatava: Como visualizou a aula do dia; qual ferramenta considerava eficiente para interagir com os alunos durante a execução do programa; a melhor maneira de interagir com os alunos durante a pandemia do COVID-19 e, por fim, expõe sua avaliação sobre a aula - assim como os alunos. Nesta perspectiva, observam-se profundas mudanças no campo educacional, diante da vigência da pandemia do COVID-19, exigindo uma reorganização do trabalho pedagógico docente compatível com as exigências inerentes ao uso das ferramentas digitais. Dentre as principais alterações constam: aprender a utilizar as plataformas virtuais recomendadas pela SEDUC/AM, ministrar aulas on-line, preencher registros diários eletrônicos, mobilizar docentes e familiares durante o processo de ensino-aprendizagem, atuando como ponte entre o sistema educacional e os educandos. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Para a compreensão e análise dos dados, compreendemos ser necessário atentar-se, primeiramente, a totalidade do contexto social que vivencia o Brasil, a fim de nos subsidiar levantar possíveis reflexões sobre a atual conjuntura social. Nesta perspectiva, iniciaremos tecendo algumas considerações sobre as mobilizações sociais, ações de políticas públicas direcionados a educação e prosseguiremos apresentando os relatos dos professores sobre as práticas pedagógicas realizadas neste período. A partir do ano de 2016, tem-se início uma nova etapa de reformulações das políticas educacionais, impulsionadas, principalmente, por meio de emendas constitucionais que determinaram profundas mudanças no cenário político-social brasileiro. Por meio de tais reformulações políticas, estabeleceram-se emendas, a exemplo da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, visando reduzir os investimentos nas áreas da educação, ciência e tecnologia, saúde e assistência social durante os próximos vinte anos no orçamento da Seguridade Social da União (BRASIL, 73


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

2016). Paralelamente, ocorreram mobilizações em prol de mudanças estruturais no campo educacional, advindos de propostas como: a Reforma do ensino médio; criação Projeto Escola Sem Partido; a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e militarização das escolas. Projetos estes ainda não finalizados totalmente. Com o advento da pandemia do COVID-19 tudo mudou. As discussões em torno destas problemáticas passaram, aparentemente, a segundo plano. A atenção nacional direcionava-nos a preocupação com o destino da saúde pública e as possíveis alternativas em meio a um novo contexto social. O novo normal correspondeu a “ficar em casa”; “cuidar dos seus”; “higienizar-se criteriosamente”. Doravante, o futuro tão planejado, idealizado, organizado por muitos, interrompeu-se. Restava-nos buscar refúgio em nossas casas, viver o luto, prestar solidariedade e empatia aos familiares e amigos que sofreram perdas. Perdas que não encontraremos retorno, mas que nos conduzem a refletir, drasticamente, sobre a vida e o futuro dela. No entanto, mediante a tamanha comoção mundial as ações das políticas públicas prosseguiram e foram direcionadas, inicialmente, a atender as demandas sociais em busca de amparar as vítimas da COVID-19 e, paralelamente, diminuir a propagação da doença. Diante disso, tem-se, enquanto estratégia de combate do governo amazonense: a paralização do ensino presencial e a implantação do sistema EaD conforme supracitado. Com a pandemia do COVID-19 temos a possibilidade do sistema de ensino à distância (EaD), onde as escolas, em especial as escolas públicas, não estavam preparadas para a modalidade de ensino à distância da Educação Infantil ao Ensino Médio. Mesmo assim, alguns Estados, como o Amazonas se organizou para continuar o ano letivo sem cobrar notas das avaliações, porém as frequências devem ser diárias. Estamos em uma crise sanitária que ao longo do ano de 2020, segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil se aproximou de 190 mil mortes provocados pelo COVID-19. Pode-se deduzir com essa estatística que nomes de alunos, pais ou professores podem estar presentes nesses números ou estes podem ter perdido entes queridos, mas o Sistema Educacional não 74


Estumano, Aguiar e Soares (2020)

parou. As atividades continuaram sendo elaboradas e cobradas pelos professores, pois quando voltar as aulas, os conteúdos deverão ser revistos para que o ano letivo não seja perdido. Estes são o ponto chave deste estudo, no qual nos debruçamos a investigar, de modo a analisar, especificamente, a visão dos professores amazonenses sobre as implicações oriundas da implantação do ensino EaD – por meio do Programa “Aula em Casa” – e quais consequências trazem para o universo socioeducacional da comunidade escolar desta localidade. Para analisar as respostas categorizamos este estudo em cinco pontos: O primeiro, refere-se a compreender qual a percepção do professor sobre a rotina de convívio com as turmas, destacando: a elaboração dos planos pedagógicos, o acompanhamento das aulas televisionadas e a realização

das

revisões

dos

conteúdos.

O

segundo

corresponde

a

compreender o entendimento do professor em relação a perspectiva educacional e social do Programa “Aula em Casa”. Terceiro: Identificar as metodologias utilizadas pelo docente. Quarto: investigar a participação dos alunos em relação as entregas das atividades solicitadas pelos professores. Quinto: mapear o quantitativo de alunos que acessam o Google Classrom e/ou outros meios de comunicação. Em relação a primeira pergunta, sobre a percepção do professor durante o convívio com as turmas no programa “Aula em casa”, o professor E1 afirma que o programa é “uma maneira excludente e não pensada nos meios de trabalho que o professor está tendo. Claro que não podemos perder o ano letivo, no entanto, a SEDUC/AM não nós dar condições de trabalho dignas”. A SEDUC/AM apesar de disponibilizar as plataformas de acesso, e ter o canal no Youtube desde o ano de 2019, durante esse período a SEDUC/AM não utilizou da ferramenta para formações continuadas para os professores da Rede Pública de Ensino e não proporcionou vivencias com os alunos utilizando as tecnologias. Para o professor E2 o Programa é importante e frisa “as Diretrizes Pedagógicas para o Regime Especial de Aulas Não Presenciais, é um documento que apresenta recomendações para todos os atores educacionais (coordenadorias distritais e regionais, gestores, professores, 75


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pais e alunos)”, essa responsabilidade é esclarecida no capítulo anterior, mas infelizmente na prática observamos que nem todos os atores estão envolvidos no processo educativo. O professor E2 também acrescenta “o documento direciona metodologias e faz parte do trabalho do professor manter os planejamentos, realizar atividades de fixação ou revisão de conteúdo, para garantir a aprendizagem significativa dos alunos”. É fundamental problematizar essa aprendizagem significativa diante de alunos de escolas da Rede Pública de Ensino, onde muitos educandos nesse momento de pandemia estão com pais desempregados ou que precisaram parar de trabalhar, pois o mercado informal fechou, onde as contas de aluguel, luz, água e alimentação se tornaram prioridades de muitas famílias, e consequentemente não tiveram oportunidades para uma boa estrutura que garanta uma aprendizagem sólida. Como medida para ajudar na alimentação dos alunos da Rede Estadual de Ensino, a partir da alteração excepcional no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) por meio da publicação da Lei nº 13.987, de 7 de abril de 2020, que permite a distribuição imediata dos gêneros alimentício aos pais ou responsáveis dos estudantes matriculados na rede de educação básica pública, o governo do Amazonas, por meio do Programa “Merenda em Casa”, atendeu mais de 400 mil estudantes no período de isolamento social, em Manaus e 61 municípios do Amazonas. Porém, essa entrega ocorreu apenas uma vez durante esses meses de pandemia do COVID-19. O professor E5 destaca vários problemas socioeducacionais que observa, Há diversas realidades numa mesma cidade, alunos sem TV, ou que moram em locais onde o sinal da TV é ruim, não possuem internet, ou mesmo foram para o interior fugindo da pandemia, que não sabem mexer com computador, internet e até direito com o próprio celular ou pesquisas na internet, fatores que tornam esta atividade complicada de se realizar, há também a questão de pais ausentes, ou que trabalham em serviços essenciais, ou mesmo que por questões financeiras precisam trabalhar só pra conseguir o sustento da família. Todas estas questões socioeconômicas dificultam muita a realização deste Programa, mas realmente é um grande esforço do Governo, professores e sociedade em geral que pode sim gerar bons frutos. 76


Estumano, Aguiar e Soares (2020)

O professor E3 também expõe essa realidade nas turmas que ele ministra “a responsabilidade com a elaboração de planos pedagógicos e acompanhamento das aulas são importantes e viáveis durante o período especial de aulas não presenciais” e aborda a importância do contato com os alunos e pais, mas compreende que nem todos os alunos tem acesso aos meios eletrônicos. Apesar das problematizações acima, o professor E4 acrescenta que: É uma realidade possível para os professores executarem, visto que a maioria tem celular. A SEDUC/AM disponibilizou através do seu Centro de Mídias as vídeo aulas, facilitando para os professores que precisam apenas assistir as aulas e ter um material de complemento, ajudando na minha visão muitos professores, contribuindo e diminuindo as atribuições inerentes a cada professor.

O professor E6 diz “penso que somos parte fundamental na aplicação desse método especial de aula, pois conhecemos nossos alunos e se temos como contactá-los devemos fazer - isso dentro das nossas possibilidades”. O professor E4 e E5 destacam ser possível a execução desse Programa, mas infelizmente não abrange a totalidade dos alunos. Quanto a elaboração do plano de aula, fica a cargo do professor como irá organizar o trabalho tendo como base as vídeo aulas disponíveis nos aplicativos que a SEDUC/AM disponibiliza, facilitando em partes o trabalho dos professores. Além do mais, com os grupos criados no WhatsApp, mesmo você esclarecendo que deve ser procurado no horário como se estivesse na escola, de 7:15 às 11:15 e 13:00 às 16:00, muitos pais e alunos mandavam mensagens até de madrugada para tirarem dúvidas das atividades ou para entregarem os exercícios solicitados. Desta maneira, afetando a vida pessoal dos professores, caso estes não possuam dois celulares; um para a vida social e outro para a escola. Observamos essa situação também nos dizeres do professor E7: A responsabilidade dos professores foi para além dos muros da escola. Os horários semanais de trabalho não são mais respeitados, o professor acabou se tornando o contado mais 77


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direto dos alunos e de seus responsáveis com a escola (de forma positiva e negativa também). O professor ganhou novas responsabilidades; ficou ainda mais perceptível as falhas na estrutura educacional, os desafios familiares e pessoais de cada aluno, o limite ou a inexistência ao acesso às tecnologias, além do seu analfabetismo tecnológico.

A segunda pergunta, sobre a perspectiva educacional e social, e a opinião sobre o Programa “Aula em Casa”, três professores acharam uma boa iniciativa do Governo, dois acharam excelentes e dois uma atitude interessante diante do cenário atual, o isolamento social. Porém, os professores destacaram ser uma política excludente, não tem uma supervisão para saber se os alunos estão aprendendo, muitos alunos não possuírem televisão e muito menos internet para acompanhar as aulas, a existência de falhas na preparação dos professores, alunos e pais para o uso da tecnologia. Os dois professores do Ensino Fundamental Menor descrevem dois pontos relevantes: as políticas públicas para a utilização das tecnologias e a equidade da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O E1 “devemos pensar meios de continuar com o ano letivo e não prejudicar ainda mais o nosso alunado, mas a SEDUC/AM deveria pensar em políticas públicas eficazes para contemplar esses alunos que não possuem meios de acompanhar esse programa”. O professor E2 destaca “o contato por aplicativos de mensagens não garantem que o aluno aprendeu, muito menos que todos tiveram o acesso às aulas televisionadas, não garantindo a equidade que tanto falamos na BNCC”. Os professores do Ensino Fundamental Maior, o professor E3 afirma “excelente iniciativa diante da situação atual, visto que as aulas são disponibilizadas de forma democrática e flexível, como através do Youtube que é possível assistir as aulas quantas vezes forem necessárias”, realmente as aulas ficam gravadas no Youtube e no AVA, porém, muitos não tem nem televisão como vão ter acesso a internet? O professor E4 levanta a questão do meio tecnológico “as tecnologias e suas ferramentas estão presentes no cotidiano, contudo muitos alunos na Rede Pública principalmente nas periferias nem sempre tem acesso à internet e acabam se prejudicando no decorrer das aulas online” assim como, o professor E5 expõe que “existe uma 78


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parcela dos alunos que não tem acesso à internet, onde estudar e realizar as atividades propostas pelos professores sem sair de casa fica difícil de ser realizada”. Logo, ratificamos a segregação do acesso dos alunos com as novas tecnologias de aprendizagem. O professor do Ensino Médio E6 apresenta seu ponto de vista e este resume a opinião dos outros seis professores quando diz que: A ideia é interessante, possui profissionais competentes com aulas bem elaboradas e práticas, porém não consegue agregar um número expressivo dos alunos da Rede. Sabemos que temos uma sociedade desigual, logo temos alunos com todas as ferramentas possíveis e o acompanhamento dos responsáveis para um ambiente de estudo em casa e outros que não possuem material tecnológico, ou não tem um espaço adequado em casa, e ainda as que não tem um responsável para os orientar.

Infelizmente as situações elencadas não ocorrem apenas no Estado do Amazonas, Capital Manaus, é uma situação em nível Nacional. Nem todos os alunos da Rede Pública de Ensino tem infraestrutura para um ambiente de estudos ou até mesmo alunos bolsistas das Redes Privadas não possuem uma estrutura boa para estudar e se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio por exemplo. Logo, nesse momento de Pandemia do COVID-19 estamos vivenciando um darwinismo social seja de raça ou de classe

social,

onde

os

mais

privilegiados

estarão

usufruindo

de

conhecimento. E devemos lutar para que esse conhecimento sistematizado chegue a todos e não apenas para uma parcela da população, situação está, não apenas vivida durante a Pandemia do COVID-19. A terceira pergunta, quanto as metodologias utilizadas para complementar as atividades que estão sendo passadas na televisão, o professor E1 envia apostilas, vídeos e exercícios complementares do conteúdo ministrado nos vídeos aulas disponíveis pela SEDUC/AM. O professor E2 descreve que “faço contato com famílias por meio de ligação, publicações em redes sociais mostrando alguns resultados, isso têm motivado alguns pais e alunos a se empenharem na participação”. Os professores E3, E4 e E5 estão se comunicando com estudantes e responsáveis através do WhatsApp, disponibilizando atividades na mesma 79


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

plataforma e através do Google Classrom. O professor E5 acrescenta “passo atividades teórico-práticas baseadas nas vídeo aulas, acompanho e incentivo os mesmos a estudarem a teoria, mas também praticarem de acordo com as possibilidades do conteúdo.” Os professores do Ensino Médio, o professor E6 diz “utilizo o

Google Classrom, eu posto o link da vídeo aula transmitida pelo Programa, juntamente com slides da aula e crio um questionário com perguntas objetivas e/ou subjetivas sobre o assunto abordado naquela semana” e o professor E7 expõe “paralelas as aulas pela TV, uso o WhatsApp, Google

Classrom para o envio de atividades complementares, grupo no Facebook, Youtube e AVA como plataformas para revisar as aulas ou para os alunos sem acesso a TV.” Para a quarta pergunta, a respeito de quantos alunos do total de 40 conseguem ter acesso no Google Classrom ou outros meios de comunicação, os professores do Ensino Fundamental Menor, o professor E1 destacou: “não trabalhamos com esse aplicativo, apenas o WhatsApp, onde temos grupos com os pais de cada turma. Em média alcançamos 15 a 18 alunos por turma” e o professor E2 expõe: “nossa realidade é bem complexa trabalhamos com alunos cujo as famílias tem um poder aquisitivo muito baixo os pais não conhecem as ferramentas do Google, assim como os alunos não têm acesso ao computador ou celular”. Vale ressaltar que a SECUC/AM deu a opção de os professores utilizarem o Google Classrom para toda a Educação Básica, cabe cada escola decidir quais ferramentas querem utilizar. Os professores do Ensino Fundamental Maior, respectivamente E3, 34 e E5 responderam: “em turmas de 45, estão acessando entre 33 a 38 estudantes”; “efetivamente temos o retorno de até 20 alunos” e “varia de 15 a 30 alunos por turma, sendo que a média das minhas turma são de 40 alunos e não 35”. No Ensino Médio o professor E6 relatou que “a turma que eu tenho menos alunos possui a quantidade de 19 alunos e a com mais alunos tem 32, porém a média de alunos que participam efetivamente das atividades é menor que a adesão na turma” e o último professor E7 registrou que “varia de acordo com a turma, de maneira geral, a ferramenta mais efetiva é o 80


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WhatsApp que tem uma média de 30 alunos de cada turma, já no Google Classrom tem uma média de 10 alunos”. Analisando as respostas da pergunta número 3 e 5, concluímos que apesar da SEDUC/AM disponibilizar vários meios de comunicação, o acesso dos alunos não alcança a totalidade por turma, isso significa que muitos estão sem ter contato com os conteúdos transmitidos, infelizmente isso é uma problemática que deve ser levantada, pois estamos falando do Sistema Público de Ensino, o qual muitos alunos não tem nem televisão. Realidade está de uma Capital do Estado do Amazonas, Manaus, e não podemos esquecer dos demais municípios do Estado, onde muitos alunos não têm acesso as aulas por não possuírem televisão em casa e, muito menos, acesso à internet, ocorrendo uma segregação entre os próprios alunos da Rede. A quinta pergunta, sobre a entrega das atividades solicitadas aos alunos, os 7 professores relatam: E1 - “nem todos”; E2 - “nem sempre’’; E3 “a maioria não está entregando dentro do prazo”; E4 - “na faixa etária de 50 porcento”; E5 - “pouquíssimos, tem alunos que não entregaram nenhuma atividade ainda, já vamos para a terceira atividade e muitos não entregaram nenhuma”; E6 - “Eu não estipulo um prazo, porque sei que muitos alunos possuem dificuldades para a utilização desse recurso, à medida que eles entram na plataforma, eu peço para que façam as atividades pendentes”; por fim, o E7 - “de maneira geral, os professores irão receber as atividades no retorno das aulas presenciais para facilitar aos alunos que também não estão tendo acesso a esses conteúdos devido a algum déficit tecnológico e pessoal”. Analisando as respostas das perguntas 3 a 5, destacamos a preocupação dos professores em relação a acessibilidade dos discentes ao sistema de ensino EaD, frisando que nem todos os alunos realizam as atividades propostas por eles - mesmo estes disponibilizando variadas estratégias de ensino. Dentre o quantitativo de alunos atendidos, relatam que obtiveram retorno somente de aproximadamente 50% de alunos por turma. Diante desta constatação, torna-se evidente que esta forma de ensino não tem apresentado eficácia, justamente, pela realidade social em que se encontra a comunidade escolar. Além disso alegam: apesar da coordenação 81


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pedagógica contatar pais e/ou responsáveis, não podem interferir no compromisso dos educandos de mandarem as atividades em dia, mediante as situações elencadas: falta de televisão ou internet para executar as tarefas e enviar aos professores. É fundamental pontuar e ratificar como o entrevistado E7 se posiciona sobre os professores que terão que aceitar todos os trabalhos quando as aulas voltarem sem prejuízo de nota nas avaliações. Mas, o que devemos destacar é a aprendizagem significativa de cada aluno e não apenas as notas que irão tirar para passar de ano. Devemos destacar também que o ensino à distância vai afetar principalmente a aprendizagem dos alunos com deficiência, autistas e as pessoas com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, pois a mudança de rotina dificulta a aprendizagem desses sujeitos. Ainda considerando que é primordial a aprendizagem vivida no coletivo, a troca social e a vivência prática para a formação da corporeidade, visto que: A relação estabelecida entre a corporeidade e as expressões do sujeito implica em vivências no meio sociocultural que resultam no desenvolvimento dos domínios do comportamento referentes aos aspectos cognitivos e sócio afetivos. A análise do fenômeno da corporeidade perpassa pela compreensão de conceitos subjacentes, entre eles: corpo, consciência corporal e omnilateralidade. (SOARES, 2017, p. 16).

Para orientar o trabalho pedagógico em tempos de pandemia, é precedente analisar o tipo de trabalho, o lugar, o espaço, os sujeitos e a natureza do conhecimento. Há indicadores referenciais para a tomada de decisão no processo educativo, e nesse caso, as condições da escola, dos professores, alunos e técnicos, a infraestrutura do Município e o suporte de condições sanitárias. O nível escolar e a caracterização da comunidade devem ser decisivos para a retomada às aulas.

CONCLUSÃO

82


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Frente a situação inusitada para a sociedade mundial, tendo em vista que a última pandemia a afetar os continentes planetários data de 1918 com a Gripe Espanhola, portanto, no século passado, e somente pessoas com mais de 100 anos testemunharam suas implicações socioeducacionais. A sociedade como um todo precisa pensar coletivamente para superar a gravidade da doença e o contágio geográfico. Somente a ciência, a prudência e a organização social podem criar condições de enfrentamento e superação das implicações letais causadas pelas pandemias. O campo da Educação e o lugar da Escola é local decisivo para proteger e construir medidas cautelares para a manutenção da vida da comunidade escolar e da sociedade. As falas dos professores revelam que a Escola, ao fazer a escuta das demandas docentes e discentes, trabalha na perspectiva de solução de problemas locais que possam ser regionais, atendendo as especificidades em respeito as condições de cada unidade educacional. A maioria dos professores concorda em relação aos desafios na implantação do sistema EaD neste período, apontando a existência de uma desigualdade social que limita o acesso dos educandos as ferramentas tecnológicas necessárias ao estudo remoto. Neste sentido, expressam uma problemática educativa que é coletiva, histórica e cultural. Com os resultados deste estudo propomos estratégias a serem discutidas pela escola considerando o contexto local, as condições dos alunos e a formação dos professores. As Redes de Ensino necessitam criar condições que se constroem a partir das demandas da comunidade escolar, tematizando saberes e conhecimentos da realidade cultural dos alunos e promovendo estruturas

pedagógicas

inovadoras,

contextualizadas

que

propiciem

aprendizagens criativas, resultantes das situações vividas no cotidiano social. Estamos propondo “o que Paulo Freire chamou na ‘Pedagogia do Oprimido’ de ‘inédito viável’. O que queremos ainda não existe. Será inédito. Terá de ser criado. Mas só será viável se nos empenharmos coletivamente em construí-lo” (MOTA NETO, 2020, p. 1). Para além dos documentos curriculares oficiais, das normativas escolares e dos programas educacionais, a essência do desenvolvimento escolar está na prática social da comunidade 83


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

estendida para a escola, e nesse sentido, a apropriação de pedagogias emancipatórias, dialógicas e contextualizadas alcançam resultados efetivos e promotores de situações transformadoras de condições precárias em condições favoráveis a vida com qualidade e plena de direitos humanos.

84


Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Socio-educational impacts in times of pandemic: critical analysis on the teaching and the didactic Abstract: This study will deal with an experience report. It describes the pedagogical practices of teachers from the State Public Schools in Manaus (AM) carried out during the implementation of the “Aula em Casa” Program. The interpreting subjects are (seven) teachers who taught distance classes (EaD) in the period from 03/23/2020 to 08/15/2020. Composed by 2 (two) teachers working in the lower elementary school; 3 (three) in elementary school and 2 (two) in high school who had their identity preserved by the adoption of codes. The data collection occurred through the application of semi-structured interviews. The theoretical contribution supported content interpretation. It reveals that when the school listens to the demands of teachers and students, they work with the perspective of solving local problems that may be regional, meeting the specificities regarding the conditions of each teaching unit. Most teachers agree on the challenges in implementing the distance education system in this period, pointing out the existence of social inequality that limits the access to the technological tools necessary for the distant study. It concludes that only science, prudence and social organization can create conditions to face and overcome the lethal implications caused by the pandemic. Keywords: Education. Amazon. COVID-19.

REFERÊNCIAS AMAZONAS. Secretaria de Educação e Desporto. Portaria GS nº 311, de 20 de março de 2020. Dispõe sobre o regime especial de aulas não presenciais para a Educação Básica, como medida preventiva à disseminação do COVID19. Manaus: Diário Oficial Municipal: seção 2, Manaus, AM, 20 mar. 2020. AMAZONAS. Conselho Estadual de Educação do Amazonas. Dispõe sobre o regime especial de aulas não presenciais para a Educação Básica, como medida preventiva à disseminação do COVID19. Resolução nº 30/2020, de 18 de março de 2020. Disponível em: http://www.educacao.am.gov.br/wpcontent/uploads/2020/03/Resolucao30-ano-2020.pdf. Acesso em: 24 ago. 2020

BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 15 dez. 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 jun. 2020.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

FRENK, J.; GÓMEZ-DANTÉS, O. Globalización y Salud: retos para los sistemas de salud en un mundo interdependiente. Ethos Gubernamental: Revista del Centro para el Desarrollo del Pensamiento Ético, San Juan, PR, n. 4, p. 65-77, 2006-2007. Disponível em: https://eticapr.blob.core.windows.net/fi les/ETHOS-IV.pdf. Acesso em: 21 nov. 2020. GOULART, A. C. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 12, n. 1, p. 10142, jan./abr. 2005. LOPES, O. C. A Medicina no Tempo. São Paulo: EDUSP, 1969. MOTA NETO, João. Por pedagogias

emancipatórias em tempos de pandemia. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2020/08 /10/por-pedagogias-emancipatorias-emtempos-de-pandemia. Acesso em: 12 ago. 2020. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICA DE SAÚDE (OMS). Organização Mundial de Saúde. COVID-19 (doença causada pelo novo Coronavírus). Folha Informativa, 6 abr. 2020. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 13 jun. 2020. SOARES, Marta G. Aportes sócio filosóficos, teorias do conhecimento e o corpoconsciente. In: SOARES, Marta G.; MONTE, Emerson D. (org.). Produção

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UNESCO. A Comissão Futuros da

Educação da Unesco apela ao planejamento antecipado contra o aumento das desigualdades após a COVID-19. Paris: Unesco, 16 abr. 2020. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/comissao– futuros–da–educacao–da–unesco– apela–ao–planejamento–antecipado–o– aumento–das. Acesso em: 12 ago. 2020.



Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Educação Física Escolar em tempos de pandemia Denise Grosso da Fonseca (ESEFID/UFRGS) * Roseli Belmonte Machado (ESEFID/UFRGS) ** Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa de natureza qualitativa que teve como objetivo compreender o modo como a Educação Física escolar tem se posicionado no cenário das aulas remotas, em tempos de distanciamento social, frente à pandemia de COVID-19. Foi desenvolvida através da aplicação de questionário, elaborado na plataforma de formulário Google, composto por 20 questões, abertas e fechadas, cujas informações indicaram categorias de análise sobre: principais dificuldades dos professores; possíveis mudanças nas aulas de Educação Física e avaliação. A pesquisa indicou que a realidade vivida pelos docentes tem demandado outros saberes, envolvendo outras metodologias e conteúdos, que as diferenças e desigualdades sociais se explicitaram e se aprofundaram e que a avaliação parece estar em suspensão, nos levando a refletir sobre a perspectiva de um inédito viável. Palavras-chave: Educação Física escolar. Distanciamento social. Ensino remoto. * Doutora em Educação (UNISINOS). Professora na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: dgf.ez@terra.com.br

** Doutora em Educação (UFRGS). Professora na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: robelmont@yahoo.com.br

CENÁRIOS DA PANDEMIA

stamos vivendo a maior crise sanitária a atingir o mundo, neste início de século, a qual traz uma feroz ameaça, revelada no quadro de vulnerabilidade do ser humano, desde uma escala global até a realidade do nosso país. A disseminação do vírus SARS-Cov-2, causador da COVID-19, mostra um contexto em que se alastra a desumanização nas relações sociais, capitaneada pelo projeto neoliberal inserido numa sociedade globalizada, em que a economia e o mercado se consolidam, cavando mais fundo o fosso que separam ricos e pobres. Nesse sentido, Antunes (2020) traz a metáfora do 88


Fonseca e Machado (2020)

metabolismo social, inicialmente concebida por Marx e posteriormente analisada por Mészáros para explicar a complexa engrenagem econômica que, com sua lógica expansionista, carrega em seu bojo a exacerbação da destrutividade. Quadro esse que emoldura a corrosão do trabalho, a destruição ilimitada da natureza, a segregação urbana e social, a discriminação, a opressão de gênero, o culto ao racismo e o obscurantismo no desprezo e negação à ciência. No Brasil, dadas características geográficas, históricas, políticas, econômicas e sociais, o cenário desenhado assume proporções que se revelam perversas na medida em que se materializa de distintas formas. Vivemos não só uma crise na saúde, mas também uma crise política que transdimensiona o agravamento do quadro epidemiológico, por conta dos equívocos e inconsequências da postura de um (des)governo, que, no plano federal, propaga a desobediência e desconsidera as orientações da ciência. Nesse sentido, a exemplo do que nos lembra profeticamente Saramago, um governo que se apresenta cego de razão se utilizando do poder para desrespeitar a vida e debochar da morte. No âmbito ambiental, a destrutividade denunciada por Antunes (2020), encontra uma flagrante evidência, na criminosa devastação da Amazônia com a conivência das instituições em seus poderes, a exemplo na sinistra reunião ministerial de 22 de abril deste ano, divulgada em diversas mídias, em que o atual ministro do meio ambiente declara: “Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. Uma fala clara que acena para um desprezo e falta de comprometimento com uma política ambiental sustentável. Declaração que vai se consolidando, a cada novo ato normativo, numa flexibilização de direitos ambientais já conquistados. Nesse sentido, se configura uma política em que, a expansão destrutiva, deixa de lado as necessidades humanas e sociais subjugada ao domínio do capital (ANTUNES, 2020). No plano econômico e social, medidas aprovadas no Congresso e Senado nacionais, como a Proposta de Emenda à Constituição, PEC 55/2016, 89


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

que congelou os gastos públicos por 20 anos, degradam as políticas públicas comprometidas com o bem estar social, soterrando os poucos avanços até então conquistados. Bossle (2019), no artigo intitulado Atualidade e relevância da educação libertadora de Paulo Freire na Educação Física escolar em tempos de Educação S/A, ao traçar um panorama do atual momento econômico nacional, traz informações baseadas no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas indicando que nos últimos 4 anos a renda acumulada dos mais ricos cresceu 8,5% enquanto a dos pobres caiu 14%, significando que a concentração das riquezas, bem como a pobreza e a desigualdade, aumentaram. Nesse contexto, a Educação, como não poderia deixar de ser, sofre as consequências do necessário distanciamento social implantado no mês de março, tão logo se estabelece o quadro pandêmico no país. De uma semana para outra, professores, estudantes e famílias se vêm imersos num outro modo de viver, de ensinar e aprender, nunca antes imaginado. As novas tecnologias passam a ser o meio que possibilita buscar continuar os processos educacionais, afastados da presencialidade da escola. Nesse sentido, se questiona: Com que meios? Quais estratégias usar para continuar ensinando a aprendendo a partir de ferramentas digitais? Como pensar e conceber aulas de Educação Física nesse contexto? Para pensar sobre este problema que se apresenta, nos debruçamos a realizar uma pesquisa que tenta compreender a Educação Física escolar nesse contexto. Com o intuito de apresentar alguns dados da pesquisa desenvolvida, este artigo está organizado em cinco seções. Esta primeira apresenta o cenário que vivemos; logo após trazemos apontamentos que tratam da Educação Física (escolar), como pano de fundo para as discussões que envolvem o objeto desta investigação; em seguida temos os caminhos metodológicos que explicitam a natureza e estratégias da pesquisa desenvolvida; a seguir colocamos a análise das informações em diálogo com autores que as referenciam e finalizamos com algumas sínteses conclusivas.

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Fonseca e Machado (2020)

EDUCAÇÃO FÍSICA (ESCOLAR) Como ponto de partida para as reflexões que emergem neste estudo, revisitamos questões legais e pedagógicas que foram, ao longo do tempo, dimensionando o ensino da Educação Física configurando distintas identidades em cada período histórico. A Educação Física escolar no Brasil inicia através de métodos ginásticos europeus, se sustentando desde o final do século XIX e início do século XX a partir de pressupostos eugenistas e higienistas, assumindo, em meados do século XX, um caráter militarista e disciplinador, sem deixar de lado a preocupação com a saúde. Nesse sentido, os exercícios físicos, principais elementos da prática

desenvolvida

nas

escolas,

representavam

os

fatores

do

desenvolvimento da saúde, da força de trabalho e dos valores morais. O esporte ingressou como conteúdo da Educação Física na década de 1950, através do Método da Educação Física Desportiva Generalizada que aos poucos substitui os métodos ginásticos hegemônicos até então. A partir do golpe civil-militar de 1964, o esporte assumiu papel de destaque como conteúdo privilegiado e a aptidão física a centralidade dos objetivos da disciplina. Disciplina esta que, na legislação educacional, através das LDB 4024/1961 e 5692/1971, é instituída com o caráter de mera atividade,

ou

seja,

atividade

exclusivamente prática,

portanto sem

compromisso com a apreensão dos conhecimentos que a sustentavam e com a função social que lhe cabia e, por isso, tida por muitos como de menor importância. Com a LDB 9394/1996, a Educação Física passa a ser componente curricular obrigatório da Educação Básica, adquirindo as prerrogativas legais e pedagógicas dos demais componentes curriculares. Nesse contexto, as discussões na área começam a crescer, desde o movimento renovador instalado na década de 1980, com avanços nas pesquisas e estudos, trazendo novos olhares, perspectivas e identidades para a Educação Física escolar. Destacamos o entendimento do Coletivo de Autores (2012, p. 50) que a define como “uma prática pedagógica que tematiza distintas formas de atividades expressivas corporais como jogo, esporte, dança e ginástica que 91


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

configuram uma área de conhecimento chamada de Cultura corporal”. Contudo, a partir da Lei 13.415/2017 a LDB 9394/1996 foi alterada e, dentre as mudanças, como sabemos, está a organização curricular do Ensino Médio, em que as únicas disciplinas obrigatórias nos três anos são Língua Portuguesa e Matemática, Educação Física, Arte, Filosofia e Sociologia, em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), passam a ser estudos e práticas, perdendo o caráter de componente curricular, retrocedendo à condição de atividades dentro de uma disciplina específica ou em projetos interdisciplinares. Tal alteração compromete o princípio da educação integral, uma vez que, como refere Molina Neto et al. (2017) “educação integral significa oportunizar o acesso pleno ao conhecimento, e às diferentes configurações da cultura construída e sua retirada indiscutivelmente atenta, agride e mutila a formação humana da cidadania, em especial da juventude brasileira (MOLINA NETO et al., 2017, p. 102). No âmago dessas alterações, na perspectiva da BNCC, as práticas pedagógicas escolares são balizadas pela ideia de competências, organizadas em Unidades Temáticas, subdivididas em objetos de conhecimento e especificadas em habilidades, orientando o trabalho dos diferentes componentes

curriculares.

Muitos

autores

discutem

que

o

cenário

educacional em que habita a ideia de competência, também está ligado a lógicas de gerenciamento, da adoção de índices econômicos como indicadores de qualidade, de desempenho, da meritocracia e da remuneração variável. É fundamental destacar que, com o desenvolvimento do neoliberalismo a figura da fábrica foi sendo substituída pela da empresa. Essa nova organização passou a requerer um novo tipo de trabalhador, maleável e móvel, capaz de adaptar-se a novos ambientes; de não pertencer a um lugar fixo; de usar e descartar informação, de saber trabalhar com outros e capaz de aprender a aprender. O enfoque por competências é percebido, como uma forma de vincular a educação ao mercado de trabalho, promovendo práticas individualistas, potencializando a acumulação flexível. Como a proposta é substituir a estabilidade, a rigidez, pela dinamicidade, pelo movimento, à educação cabe assegurar o 92


Fonseca e Machado (2020)

domínio dos conhecimentos que fundamentam as práticas sociais e a capacidade de trabalhar com eles, por meio do desenvolvimento de competências que permitam aprender ao longo da vida, categoria central na pedagogia da acumulação flexível. (KUENZER, 2007, p. 1159).

Assim, a partir desse breve olhar sobre o que tem sido a Educação Física, buscamos referências para compreender como está sendo hoje, em circunstâncias de distanciamento social e encontros remotos. Portanto, pano de fundo, a partir do qual nós, pesquisadoras do Grupo de Estudos em Docência e Avaliação em Educação Física da Escola de Educação Física Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GEDAEF/ESEFID/UFRGS), atentas a essas novas configurações, usamos quando nos propusemos a acompanhar os acontecimentos atuais com o intuito de avaliar, refletir e orientar futuras ações. CAMINHOS METODOLÓGICOS Esta investigação, que problematiza como tem ocorrido as aulas de Educação Física em tempos de distanciamento social, tem por base o cruzamento entre duas pesquisas em andamento: “A Educação Física na Área das Linguagens: propostas curriculares e prática pedagógica” e “Políticas curriculares para Educação Física escolar e a questão da diferença: problematizações sobre a docência e o currículo nas escolas gaúchas”. A escolha metodológica se localiza na perspectiva qualitativa, a qual de acordo com Negrine (2010), busca a descrição, análise, interpretação e discussão das informações coletadas no processo investigativo, procurando entendê-las

de

forma

contextualizada

sem

a

pretensão

de

fazer

generalizações. Nessa linha, a pesquisa qualitativa se propõe a romper com modelos que dicotomizam pesquisado e pesquisador, buscando “responder ao desafio da compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas

relações,

construções

culturais,

em

suas

dimensões

grupais,

comunitárias ou pessoais” (WELLER; PFAFF, 2018, p. 30). Assim, nos posicionamos nessa perspectiva, em consonância com os autores que a referendam, considerando que focar nosso objeto num desenho qualitativo 93


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

nos traz a possibilidade de melhor compreender o momento educacional atual e o modo como a Educação Física está implicada nele, perspectivando como já dito, avaliar, refletir e orientar futuras ações. Nesse sentido, realizamos um estudo de cunho exploratório, procurando conversar com professores de Educação Física que estivessem atuando nas escolas gaúchas no momento do distanciamento social, para dar conta do objetivo de compreender o modo como a Educação Física escolar no Rio Grande do Sul, tem se posicionado no cenário das aulas à distância, em tempos de distanciamento social, frente à pandemia de COVID-19. O contato com os professores foi sistematizado através de um questionário, elaborado na plataforma de formulário Google, composto por 20 questões. O convite para participar da pesquisa, inicialmente, foi dirigido aos professores que realizaram o curso de extensão Educação Física na Educação Básica Diálogos e Possibilidades (edições 2017, 2018 e 2019), promovido pelo grupo GEDAEF/ESEFID, aos quais foi solicitado que difundissem para outros colegas. Também divulgamos a pesquisa em redes sociais, destacando os critérios

dos

sujeitos

que

poderiam

respondê-la

e

encaminhamos,

concomitantemente, termo de adesão com os respectivos esclarecimentos e cuidados éticos. A partir desses movimentos, outros professores foram incluídos, obedecendo aos seguintes critérios de seleção: 1) ser professor que atua

na

Educação

Básica;

2)

estar

trabalhando

no

momento

de

distanciamento social. Todos os questionários respondidos estão de posse das pesquisadoras e comprovam que os sujeitos que responderam atendem aos critérios da pesquisa. O questionário, elaborado na plataforma de formulários Google, foi divulgado no dia 1° de maio de 2020 e recebeu retorno até o dia 10 de maio de 2020. Após esse processo, recebemos 43 formulários respondidos. Desses, identificamos 11 professores que atuam na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, 12 que atuam em escolas privadas e 20 professores que atuam nas redes municipais, oriundos da capital do Estado, Porto Alegre e de outras 14 cidades gaúchas. Esses docentes atuam no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na Educação Infantil, sendo que a maioria atua em mais de uma etapa de ensino. 94


Fonseca e Machado (2020)

Nesse

sentido

trazemos

algumas

análises

das

primeiras

informações recolhidas, orientadas pelos objetivos específicos que buscaram: identificar as principais dificuldades dos professores de Educação Física para realizar suas aulas na modalidade à distância; identificar possíveis mudanças nas aulas de Educação Física em tempos de distanciamento social e refletir sobre Avaliação na Educação Física escolar em tempos de pandemia. ANÁLISE E INTEPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES: POSSÍVEIS INTERLOCUÇÕES

A pesquisa permitiu nos aproximar do modo como as práticas em Educação Física escolar têm se organizado e como têm sido realizadas neste momento de distanciamento social nas escolas dos professores que colaboraram com esta investigação. Grande parte das redes iniciou suas atividades em março. Algumas começaram e pararam, outras continuaram, e ainda tivemos aquelas que entraram em recesso ou férias para depois iniciar as atividades remotas. É importante dizer isso para que já se compreenda que não se trata de atividade homogênea, inclusive porque de início não houve uma determinação ou orientação de como deveriam ser. O que tivemos foi a Medida Provisória nº 934, de 1° de abril que colocou: “Artigo 1º - O estabelecimento de ensino de Educação Básica fica dispensado, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho escolar, desde que cumprida a carga horária mínima anual”. A Portaria MEC nº 343 37, de 17 de março de 2020, tinha autorizado a educação superior a se estabelecer pelos meios digitais e isso foi sendo continuado pelas escolas. Em início de junho, tivemos um parecer do Conselho Nacional de Educação, parcialmente homologado sobre a educação na pandemia, suspendendo o trecho que falava sobre avaliações e exames, e mantendo a autorização para que as atividades remotas passassem a valer como carga horária. 37 Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020, dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais [...]. Alterada pela Portaria MEC nº 395, de 15 de abril de 2020, que prorroga por mais 30 dias, e a Portaria nº 473, de 12 de maio de 2020, com mais uma prorrogação.

95


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Nesse sentido trazemos para o debate elementos da pesquisa realizada em que se configuram fatos da realidade diante das tantas questões que atravessam a vida e o fazer dos professores, familiares e estudantes, num país cujas desigualdades tentamos sintetizar; num contexto em que as famílias de diferentes classes sociais foram interpeladas a assumirem outros papéis e as casas passaram a ser um espaço da escola. Os professores, de um dia para o outro, foram chamados a ministrar aulas, através dos meios eletrônicos. Isso nos convocou a refletir sobre os pontos já citados: que Educação Física está sendo oferecida neste momento? Quais as condições para fazer ensino? Que saberes estão sendo demandados aos professores e aos alunos? Quais metodologias estão sendo possíveis? Como tem ocorrido a avaliação? Diante disso, pensamos estar vivendo uma situação limite entre o que compreendemos ser os processos pedagógicos da Educação Física e as condições que temos. Partimos desse último questionamento, para iniciar nossas reflexões. Inspiradas em Freire (1994), as situações-limite nos colocam diante do que ele chama de o “inédito-viável”, em que, mesmo que nem sempre perceptíveis, duas posições se encontram na arena das disputas; uma esperançosa e outra desesperançosa. Nas notas do Pedagogia da Esperança, Ana Maria Freire revisita o Pedagogia do Oprimido, ampliando a reflexão sobre essa categoria freireana. Para ela o “inédito viável” encerra uma crença no sonho possível e na utopia que virá, diante dos obstáculos, barreiras que precisam ser vencidos, as quais se colocam como “situações-limites”. Nesse sentido tais situações podem ser percebidas como obstáculos intransponíveis e, portanto, como algo que não desafia para a luta, pois de antemão a derrota parece certa; ou ao contrário, como uma realidade que existe e que precisa ser enfrentada, o que é motivo de empenho na luta para sua superação. Ainda nessa perspectiva os primeiros veem a situação limite como determinada historicamente, a partir do que nada há a fazer, só se adaptar a ela. Por outro lado, os segundos, quando percebem que os temas desafiadores da sociedade não estão encobertos pelas situações limite se sentem impelidos a assumir seu protagonismo e a descobrirem o “inédito-viável”. Assim esse inédito viável, é na verdade uma situação inédita pouco conhecida, mas sonhada, 96


Fonseca e Machado (2020)

perseguida e que ao se dar a conhecer mediante a reflexão-ação sobre a realidade concreta pode se transformar em realidade. Entendemos que as incertezas e buscas permanentes por manter o ensino e a aprendizagem como um direito de todos tem se constituído num dos grandes desafios que, em meio a muitas tensões, mobiliza professores de todas as etapas da escolaridade, neste momento. Sobre os saberes do professor, Tardif (2002) destaca a existência de quatro diferentes saberes implicados na atividade docente: os saberes da formação profissional (conhecimentos pedagógicos e demais ciências que subsidiam a educação); os saberes disciplinares ( aqueles pertencentes ao campo específico de cada disciplina); os saberes curriculares ( relacionados à organização curricular da escola e às escolhas que cada professor faz na sua disciplina) e, por fim, os saberes experienciais (que são os saberes produzidos a partir das vivências na docência). Saberes estes que emergem de uma realidade de ensino presencial, com todas as suas especificidades e nuances, contudo, neste momento, sabemos que outros saberes estão sendo construídos por professores na experiência emergencial que estamos vivendo. Poderíamos acrescentar, quem sabe, a exercitação de saberes tecnológicos, considerados como possíveis ajustes da tecnologia ao meio educacional (MATTOS; AZEVEDO, 2014), que passam a ser os principais mediadores do processo educativo. Ao considerarmos, então, essa nova didática digital a distância, cujos saberes estão sendo constituídos nos meios tecnológicos, essa falta de contato com os alunos implica na escolha e na realização do trabalho. O professor Nuccio Ordine, que escreveu a Utilidade do Inútil 38, produziu um vídeo em que ele fala sobre as aulas de forma remota, e diz que de tudo o que estamos vivendo, há apenas uma certeza, “o contato com os alunos em sala de aula é o que pode dar verdadeiro sentido ao ensino e aí está incluída a

38

Nuccio Ordine é professor de literatura italiana na Universidade da Calábria, e atua como membro ou professor visitante em diversas universidades e institutos de pesquisa de prestígio nos EUA e na Europa. Com livros traduzidos para mais de 15 idiomas, dirige coleções de clássicos na Itália e na França e colabora com o jornal Corriere della Sera. É um dos principais estudiosos da obra de Giordano Bruno, sobre quem escreveu A cabala do asno (2006) e O umbral da sombra (2009), e doutor honoris causa da UFRGS.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

própria vida do docente”. Como trabalhar utilizando uma “didática digital”? Como ler um “texto clássico sem olhar nos olhos dos meus estudantes” (sem reconhecer os seus gestos de desaprovação ou de cumplicidade)? E finaliza afirmando que “nenhuma plataforma digital pode mudar a vida dos estudantes, somente o professor pode fazer isso” 39. A partir disso refletimos nas dificuldades dos professores de Educação Física que ministram suas aulas para pontos pretos numa tela (alunos com câmeras fechadas ou sem elas), também pensamos que estamos fazendo a Educação Física escolar de um modo muito distinto, sem contato, sem presença. Todavia, é preciso dizer que não estamos com o intuito de esclarecer tudo o que envolve este momento, mas de oferecer possibilidades de debate, compreendendo a complexa trama que vai enredando o dia a dia dos professores. Em relação a alguns dos dados específicos retratados na pesquisa que estamos desenvolvendo vamos falar exemplificar três situações: os saberes que estão sendo trabalhados, a metodologia e os aspectos da avaliação. Como um modo de organizar as informações que os contemplam, decidimos considerar saber e conteúdo dentro de um mesmo campo de sentido e, também, compreender que esses saberes podem ser de três ordens, como já trouxeram os Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 90 e que, por muito tempo, subsidiou os planejamentos escolares: conceituais, procedimentais e atitudinais. Compreendendo o todo problemático que essa divisão pode encerrar, acabamos por acreditar que é uma boa maneira de ilustrar as práticas que foram e estão sendo realizadas. Nessa perspectiva, podemos dizer que os professores propuseram, inicialmente, levar aos seus alunos conteúdos de ordem conceitual, do conhecer. Por exemplo, análise histórica da constituição e estabelecimento das práticas corporais, regras de organização e execução das diferentes práticas corporais, conhecimento sobre regras, federações, organizações esportivas, relação cultural e vivência das diferentes práticas nas distintas localidades, conhecimento sobre o corpo, saúde, exercícios, atividade física, dentre outros exemplos. Saberes 39

Vídeo “Coronavírus: reflexões sociais sobre a pandemia”. Disponível https://www.youtube.com/watch?v=tZkQRZ-18Kg. Acesso em: 01 jun. 2020.

98

em:


Fonseca e Machado (2020)

esses que, como dissemos, para fins de organização, chamamos de conceituais. Com o passar das aulas, os professores passaram a conduzir, também, saberes de uma categoria procedimental, ou seja, da ordem do saber fazer, do experimentar, ensinando e/ou conduzindo a execução de procedimentos. Como exemplo, movimentar-se de tal modo, executar uma atividade, realizar um jogo, experimentar uma brincadeira, vivenciar uma modalidade de dança, um movimento da ginástica, execução de um aquecimento referente a uma luta, realizar o fundamento de algum esporte, etc. Notamos uma mudança, em que no início o foco estava voltado para os saberes conceituais e foram avançando para os procedimentais. Isso, no nosso entendimento, teve uma relação com as escolhas metodológicas que foram sendo feitas e com as possibilidades tecnológicas que foram se materializando. Por outro, lado não encontramos relatos que falassem dos saberes atitudinais. A metodologia de trabalho em desenvolvimento neste período teve relação com, além da dimensão de conteúdo que estava sendo desenvolvida

(conceitual

ou

procedimental),

também

com

o

modo

oportunizado pela instituição ou da possibilidade do professor de chegar até aos alunos. Os professores organizaram os saberes para chegarem aos alunos começando pelo encaminhamento de materiais de leitura, envio de atividades de análise e reflexão desses textos e indicação de vídeos já existentes para que os alunos assistissem. Após, outras metodologias foram incluídas: produção de videoaulas, realização de aulas síncronas, salas de debate, execução de diferentes movimentos referentes a práticas corporais. Houve uma mudança nas opções metodológicas e nas categorias dos saberes, que foram concomitantes, quando um mudou o outro também foi alterado, buscando atingir/contemplar o maior número de alunos. Assim, no detalhamento sobre o modo como os saberes foram sendo disponibilizados aos alunos, é possível identificar as formas que mais se destacaram. A primeira delas foi por WhatsApp, utilizada para envio de materiais e para comunicação. Também foram utilizadas as plataformas

Facebook, Google Meet, Google Classroom, Zoom, Skype, provedores de email e sites das escolas. Muitas instituições e docentes lançaram mão dessas 99


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

ferramentas de forma conjunta, como modo de atingir a multiplicidade de alunos,

considerando:

condições

de acesso,

condições

familiares

e

necessidades de estímulos diversos para aprendizagem. Esses aspectos têm trazido um imenso e árduo trabalho ao professor neste momento. Em relação a esta questão das formas de acesso, cabe destacar o que já comentamos em outras ocasiões que embora o celular possa ser uma ferramenta explorada pelos professores para potencializar os estudos, os desafios ainda são grandes para transformá-lo em ferramenta para a democratização do conhecimento. Além das dificuldades de acesso às plataformas de ensino utilizadas nesse período de pandemia, o grande número de brasileiros que não tem acesso à internet, ou que têm acesso precário, aumenta consideravelmente, nas classes D e E, de acordo com dados do IBGE de 2020. Em relação ao aspecto da Avaliação, as respostas dos professores colaboradores parecem indicar que um dos tripés do processo educativo, ensino-aprendizagem- avaliação não está claro nesse contexto. Embora alguns informem algumas estratégias avaliativas que estão sendo realizadas, envolvendo o envio de tarefas via plataformas digitais ou até mesmo impressas entregues na própria escola, muitos declaram não estar ocorrendo avaliação, trazendo argumentos que justificam tal ausência, como não terem sido orientados ou mesmo não terem sido autorizados. Nesse sentido, a Portaria nº 544, de 16 de junho de 2101, do MEC, autoriza a manutenção de aulas remotas ou à distância até 31/12/2020 e declara ficar sob a responsabilidade das instituições, as alternativas de trabalho bem como a realização de avaliações durante o período em pauta. Tal orientação ou ausência de orientações sobre avaliação pode ser interpretada, num primeiro momento, como uma abertura ou atribuição de autonomia às escolas diante da situação de emergência e novidade pedagógica que se instala. Por ouro lado, parece ser um indício de que as circunstâncias vividas fogem de qualquer outra situação já experimentada, gerando também nesse aspecto, um clima de insegurança e incerteza. Ainda, as tantas precariedades dos alunos que habitam as periferias, que impedem que muitos estejam podendo participar das aulas nos modos como estão sendo oferecidas, também têm 100


Fonseca e Machado (2020)

sensibilizado os professores no sentido de relativizarem o processo avaliativo, destacando que o mesmo deverá ser revisado no retorno às aulas presenciais, com as reformulações que se façam necessárias. Diante dos fatos enunciados, a partir dos atos normativos e das respostas dos professores, como pensar a avaliação a partir da situação posta em relação ao sentido da avaliação no atual contexto educacional. Nessa perspectiva, retomamos brevemente, a partir de Fonseca (2015), as concepções que atravessam a prática avaliativa, quais sejam: uma tradicional classificatória e sentensiva, identificada com princípios quantitativos, vinculada diretamente à aprovação ou reprovação dos alunos; uma mediadora ou formativa identificada com princípios qualitativos e relacionada à regulação e dinamização do processo de ensino aprendizagem; e outra, emancipatória que amplia a perspectiva formativa e mediadora, buscando mobilizar o senso crítico do educando, do educador e da escola, através também de processos autoavaliativos. O “o quê avaliar” diz respeito aos conhecimentos trabalhados em relação aos objetivos propostos; e “o como avaliar” vai se referir às estratégias usadas, ou seja, a escolha das formas como se dará a prática avaliativa. As informações sobre avaliação, trazidas até a etapa que analisamos neste artigo, poderiam indicar um esvaziamento do debate sobre essa importante dimensão da prática pedagógica, reforçando a fragmentação do processo educativo que não a compreende como parte indissociável desse todo. Entretanto, neste contexto, cabe problematizá-la para além das aprendizagens dos alunos. Nessa perspectiva Antunes (2014, p. 16-17) nos ajuda a olhar para a Avaliação, na forma como tem sido pensada, praticada ou colocada em suspensão, quando afirma que “a avaliação não é uma questão de final de processo, mas que ela está o tempo todo presente e, consciente ou inconscientemente, orienta nossa atuação na escola ou na sala de aula atuais”. Destaca ainda que a avaliação é contínua e processual e que tem como finalidade orientar a inclusão e o acesso contínuo de todos a todos os conteúdos, referindo que esta é, ao mesmo tempo, a contradição e a possibilidade existente nos processos da avaliação de aprendizagem. Assim, é

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

em meio a esta contradição que o processo educativo atual caminha, buscando, entre outras situações, encontrar o lugar da Avaliação. REFLEXÕES FINAIS Começamos emoldurando o contexto atual em que o mundo, o país, os estados, os municípios, as escolas e as famílias se veem mergulhados na conjuntura do distanciamento social. São muitas intercorrências que afetam as vidas em cada um e em todos os espaços do cotidiano. A seguir falamos da Educação Física, revisitando as tendências e abordagens que a configuraram nos currículos escolares, como possível lastro para melhor vislumbrá-la no atual cenário, ou seja, fizemos um recuo que oferecesse um modo de rememorar as práticas das quais a Educação Física escolar já se ocupou e que estavam sendo desenvolvidas até o advento do distanciamento social. Continuando, situamos a dimensão metodológica do estudo, cuja natureza qualitativa nos desafiou a um exercício interpretativo que pudesse conjugar as subjetividades social e culturalmente emolduradas, numa leitura crítica da realidade instalada. Daí partimos para as análises, buscando contemplar as categorias que emergiram das falas dos colaboradores, ao encontro dos objetivos propostos para este estudo, ou seja: identificar as principais dificuldades dos professores de Educação Física para realizar suas aulas na modalidade à distância; identificar possíveis mudanças nas aulas de Educação Física em tempos de distanciamento social e, refletir sobre Avaliação na Educação Física escolar em tempos de pandemia. Nessa perspectiva apontamos alguns aspectos que se destacam como possíveis sínteses conclusivas. As dificuldades dos professores, situam-se dentre outras, na dimensão dos saberes docentes, diante da novidade de um ensino predominantemente digital. O enfrentamento em caráter emergencial provocou um choque de realidade pela ausência de condições de acesso tecnológico a um número significativamente maior do que poderia ter sido imaginado, de estudantes e até mesmo de professores das escolas públicas.

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Fonseca e Machado (2020)

Em relação as mudanças nas aulas de Educação Física, em tempos de distanciamento social, notamos que, considerando a organização dos saberes em conceituais, procedimentais e atitudinais, vemos uma ênfase na dimensão conceitual. As práticas são muito distintas do que tínhamos. Enquanto

tínhamos

um

trabalho

mais

voltado

para

a

dimensão

procedimental, grupal, de troca, de vibração em grupo, de aprendizagens coletivas, temos um trabalho voltado para o individual e mais conceitual. A espontaneidade do contato docente e discente substituída pela edição dos vídeos. A voz do professor substituída pela leitura solitária dos textos. O encontro coletivo pelo trabalho individual. São outras práticas que tem uma relação com o espaço e com o tempo em que estamos vivendo. A respeito do aspecto da avaliação, as informações parecem indicar que os processos desenvolvidos e não desenvolvidos até o momento, apontam para muitas indagações. Destacamos que, ao mesmo tempo em que os professores manifestam incertezas e inseguranças sobre o processo avaliativo, nas condições concretas em que se apresentam, também evidenciam um olhar que o relativiza, prorrogando sua operacionalização para um período pós-pandêmico como forma de respeitar as precárias condições de acesso por parcela considerável da comunidade estudantil. Parece estar implícita a grande contradição enunciada por Antunes (2020), entre o caráter processual e contínuo da avaliação que a torna parte indissociável do processo educativo e a (im)possibilidade de efetivamente concretizá-la nos modos como tem sido concebido o ensino. Nesses aspectos que emprestaram materialidade aos propósitos desta pesquisa, queremos acrescentar que a Educação Física que estamos vivenciando nestes tempos, é outra, na medida em que estamos trabalhando alguns saberes e não outros e, conduzindo os alunos de modo totalmente diverso do que se fazia. Além disso, é preciso considerar as desigualdades entre as instituições, alunos e professores, as quais foram ainda mais escancaradas neste momento e que configuram vivências muito distintas. Nesse sentido trazemos a afirmação de Santos (2020, p. 21) de que “a quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a injustiça, a

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

discriminação, a exclusão social e o sofrimento imerecido que elas provocam”. A Educação Física escolar parece não ter continuado de forma remota. Até porque não temos o “escolar”, pois não temos escola, sua presença, seu ambiente, suas trocas, seus encontros, capazes de nos oportunizar trabalhar com distintos campos do saber e suas diferentes ordens. Por outro lado, estar próximo dos ritos que conhecemos é, por vezes, um elo com aquilo para o qual queremos voltar, uma inspiração para os dias difíceis e um sopro de saúde e de vida. Mas, não é escola, não é Educação Física escolar, é outra coisa. Nem pior e nem melhor, talvez o possível para este tempo que nos convoca a manter nosso comprometimento com a educação e com a luta por mudanças nos processos políticos e civilizatórios. A questão crucial imediata desta era de trevas é a luta pela preservação da vida. Isso significa encontrar no presente as condições para estancar a crise pandêmica com o apoio vital da ciência e, ao mesmo tempo começar a desenhar um outro sistema de metabolismo verdadeiramente humano –social. Estamos em um momento excepcional da história, um daqueles raros momentos em que tudo o que parece sólido pode fenecer! Urge, então inventar um modo de vida no qual a humanidade seja dotada de sentido em suas atividades mais vitais e essenciais. (ANTUNES, 2020, p. 23).

Talvez, seja esse o nosso inédito viável para a Educação Física escolar.

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Fonseca e Machado (2020)

School Physical Education in pandemic times Abstract: This study uses qualitative research to understand how school Physical Education has positioned itself in the remote classroom scenario, in times of social distance because of the COVID-19 pandemic. It was developed through the application of a questionnaire, elaborated on the Google form platform, composed by open and closed questions, whose information indicated categories of analysis on main difficulties of teachers; possible changes in Physical Education classes and assessment. It reveals that the reality experienced by teachers has demanded other knowledge, involving different methodologies and contents. It also concludes that social differences and inequalities have become explicit and deepened and that the evaluation seems to be in suspension, leading us to reflect on the perspective of an unprecedented viable. Keywords: School Physical Education. Social distancing. Remote teaching.

REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.

FREITAS, Luiz Carlos et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2014.

BOSSLE, F. Atualidade e relevância da educação libertadora de Paulo Freire na Educação Física Escolar em tempos de “Educação S/A”. In: SOUSA, C. A.; NOGUEIRA, V. A.; MALDONADO, D. T. Educação física Escolar e Paulo Freire: ações e reflexões em tempos de chumbo. Curitiba: CRV, 2019. p. 17-32.

KUENZER, Acácia. Da dualidade assumida à dualidade negada: o discurso da flexibilização justifica a inclusão excludente. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100 Especial, p. 1153-1178, out. 2007.

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MATOS Barros de; AZEVEDO Rosa Marins de. Tecnologia e saberes docentes na formação de professores do ensino tecnológico Lana. Polyphonía, Goiânia, v. 25, n. 2, jul./dez. 2014. MOLINA NETO, V. et al. A Educação Física no Ensino Médio ou para entender a era do gelo. Motrivivência, Florianópolis, v. 29, n. 52, p. 87-105, set. 2017. NEGRINE, A. Instrumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa. In: MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto. A pesquisa qualitativa na Educação Física: alternativas

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

metodológicas. Porto Alegre: Sulina, 2010. TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. WELLER, Wivian; PFAFF, Nicole (org.).

Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 2013.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Limites da relação entre Lutas e Educação Física:

primeiros ajustes de uma crítica docente Benedito Carlos Libório Caires Araújo (UFS) * Resumo: Esse texto tem por objetivo apontar as relações entre modelo econômico e os processos estéticos de ressignificação das lutas corporais na sociedade capitalista. Para tanto, nos debruçamos sobre uma síntese histórica da transição do Japão feudal para a industrialização acelerada, com ênfase na estrutura escolar instituída naquele país, em especial, as atividades pedagógicas relativas à cultura corporal nas aulas de Educação Física. Palavras-chave: Cultura Corporal. Economia. Educação Física. Formação Profissional. Lutas. * Doutor em Educação (UFS). Professor no Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: batukege@academico.ufs.br.

a tradição grega, um prólogo é um termo originalmente usado na tragédia para a sessão anterior à entrada do coro e da orquestra, na qual se enuncia o tema da peça. Pedimos a paciência dos leitores para um longo, porém, absolutamente necessário prólogo com o qual iniciamos este escrito. Em continuação de nossa peça, daremos início à nossa explanação: Yamamoto Kichizaemon was ordered by his father Jin'emon to cut down a dog at the age of five, and at the age of fifteen he was made to execute a criminal. Everyone, by the time they were fourteen or fifteen, was ordered to do a beheading without fail. When Lord Katsushige was young, he was ordered by Lord Naoshige to practice killing with a sword. It is said that at that time he was made to cut down more than ten men successively. A long time ago this practice was followed, especially in the upper classes, but today even the children of the lower classes perform no executions, and this is extreme negligence. To say that one

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Araújo (2020)

can do without this sort of thing, or that there is no merit in killing a condemned man, or that it is a crime, or that it is defiling, is to make excuses. In short, can it not be thought that because a person's martial valor is weak, his attitude is only that of trimming his nails and being attractive? If one investigates into the spirit of a man who finds these things disagreeable, one sees that this person gives himself over to cleverness and excuse making not to kill because he feels unnerved. But Naoshige made it his orders exactly because this is something that must be done 40. (TSUNETOMO, 2005, p. 93-94, grifo nosso).

Esse excerto foi extraído do livro: Hagakure: The Book of

Samurai, texto datado do século XVII, escrito por Yamamoto Tsunetomo, um samurai que viveu no apogeu do Xogunato, a Era Tokugawa, segundo Kobayashi (2010), época de ouro dos espadachins samurai no Japão. O trecho em destaque descreve o processo de aprendizagem das lutas, em especial o manejo da espada na decapitação, e os valores discutidos a partir dessa atividade. Para compreendermos a dinâmica do desenvolvimento econômico atrelado aos desígnios das atividades de combate, usaremos o Japão como exemplo. As lutas encontraram solo fértil, permanecendo, mas se alterando conforme o modelo produtivo. Enquanto o modelo feudal sucumbia ao capitalismo recente, no contexto do desenvolvimento industrial, cabe destacar que, no âmbito das lutas, a tecnologia instrumental desenvolvia-se de tal forma que os instrumentos de combate adquiriram uma capacidade

40 Yamamoto Kichizaemon foi ordenado pelo seu pai, Jin'-emon, a abater um cachorro quando tinha cinco anos, e aos quinze foi mandado executar um criminoso. Todos, naquele tempo, com quatorze ou quinze anos, eram ordenados a decepar sem falhas. Quando o senhor Katsushige era jovem, foi ordenado pelo senhor Naoshige a praticar matança com uma espada. Dizia-se, naquele tempo, que ele havia sido feito para abater mais de dez homens sucessivamente. Há muito tempo atrás essa prática foi seguida, especialmente pelas elites, mas hoje em dia, nem as crianças das classes mais baixas praticam execuções, e isso é uma negligência extrema. Dizer que se pode prescindir desta sorte de coisas, ou que não há mérito em matar um condenado, ou que isso é um crime, ou que é uma profanação, isso é dar desculpas. Em suma, não se pode pensar que por uma pessoa ter valores fracos em relação às lutas [martial, preferi traduzir dessa forma], sua atitude é apenas aparar as unhas e ser atraente? Se alguém investigar o espírito de um homem que acha essas coisas desagradáveis, verá que esta pessoa se entrega à engenhosidade como desculpa para não matar, porque se sente enervado. Mas Naoshige fez dessas as suas ordens exatamente porque isso é algo que deve ser feito (tradução nossa).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

destrutiva jamais vista em períodos anteriores. Os rifles substituíram as espadas, lanças e flechas, e os canhões, as catapultas. Uma única esquadra marítima tinha o poder de destruir uma costa inteira. Nesse período, os combates corporais perdem a sua funcionalidade de gênese e, portanto, seu destaque na formação dos combatentes. Em contrapartida, o processo de transição do feudalismo para o capitalismo no Japão ocorre com, aproximadamente, mais de dois séculos e meio de atraso, com uma importante peculiaridade, diferente do que ocorreu na maioria das nações europeias: ele se sucede num período um pouco menor de quatro décadas, denominado como Restauração Meiji (1868-1912) 41. Como parte desse processo, o declínio da família Tokugawa, se dá em função de diversas motivações, que resultaram em insurgências no interior do Japão, principalmente na segunda metade do século XVIII, a saber: rendimentos insuficientes para suprir os gastos, acréscimo de impostos, desastres naturais, abrupta diminuição de insumos, aumento da pobreza e da fome; por outro lado, os comerciantes ampliam seus rendimentos, sobrepujando politicamente a casta dos samurai

42

, subvertendo

a hierarquia social. Ainda assim, o fator determinante são as pressões externas, das nações desenvolvidas, a reabertura dos portos ao mundo ocidental; principalmente em meados do século XVIII. Cabe lembrar que a Rússia havia fracassado anteriormente em estabelecer relações comerciais com o Japão, o mesmo aconteceu com os Estados Unidos e a Europa. Contudo, a pressão determinada pela necessidade de circulação de mercadorias imputava uma nova dinâmica bélica, que se atrelava aos interesses comerciais e à ampliação das tecnologias que envolvem esse período (HOFFMANN, 2007). Por tudo isso, o governo Tokugawa, mais cedo ou mais tarde, cederia, e somente uma mudança radical em todo o corpo social e produtivo

41 A historiografia desse período, se refere a diversidades de datas, por isso, preferimos entender esse processo em um contínuo de anos, entre 1853-1862, que representam os anos que separam a chegada do Comodoro Perry à derrota das últimas tropas fiéis ao xogum, estabelecendo o Imperador como chefe político. 42 Segundo Freitas (2007), Samurai não tem flexão para o plural, possuindo a mesma grafia tanto para o singular quanto para o plural.

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Araújo (2020)

(mantendo as hierarquias sociais) poderia pôr o Japão no mesmo patamar das potências ocidentais. Deste modo, em 1853, os Estados Unidos, por intermédio do “[...] Comodoro [...] Matthew Perry entra na baía de Tóquio com uma esquadra de quatro navios, obrigando os japoneses firmar um tratado de amizade com seu país” (FREITAS, 2007, p. 73). As transformações ocorridas no Japão, a partir da intervenção imperialista yankee, em 1865, determinaram o raiar de um novo panorama histórico, político, econômico, ético, educacional e cultural cuja característica maior foi o retorno do Imperador ao comando da Nação. [...] à medida que o Japão medieval, exagerado e romântico, de feudalidade exacerbada, trinta e quatro anos após a ascensão do Imperador Meiji, conseguiu atingir um estágio de desenvolvimento econômico e social só comparado ao das mais adiantadas potências ocidentais e jamais previsto ou julgado possível. (FREITAS, 2007, p. 80-81, negrito nosso).

Com a queda do xogunato, a casta samurai cai, assim como os valores tradicionais japoneses. Outrossim, o Japão se vê obrigado a importar o modelo de sociedade capitalista Europeu. Nesse sentido, a corte japonesa inicia uma transformação social que mudaria radicalmente a base produtiva daquele país, com a explícita intenção de igualar-se economicamente e belicamente às grandes potências ocidentais. Como parte desse processo, identificamos: 1) reforma agrária realizada em 1869, em que os antigos Fudai Daimyo dispuseram suas terras à casa imperial 43, 2) as sedes dos feudos são transformadas em prefeituras 44; 3) abolição das castas, instituindo outro modelo de sociedade classista45, a fim 43 “Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governo, ainda em 1869, foi o hanseki hôkan, ou seja, a devolução de todas as terras dos daimyô, os poderosos lordes feudais, para o imperador, com o objetivo de verdadeiramente unificar o país […]. Assim, toda a terra do Japão passou a pertencer ao imperador e os súditos dos lordes se tornaram súditos do imperador. Os daimyô passaram a fazer parte da nobreza, chamada de kazoku, e se tornaram administradores imperiais das terras (KOBAYASHI, 2010, p. 239). 44 “Dois anos depois, em 1871, foi baixado o haihan chiken, que extinguiu todos os feudos, introduzindo o conceito de província como unidades administrativas, e destituiu todos os governantes feudais. Esses governantes foram obrigados a se mudar para Tóquio e servir diretamente ao imperador, que se tornou o chefe de Estado japonês de fato” (KOBAYASHI, 2010, p. 240). 45 Como apresenta Kobayashi (2010), a grande mudança “[…] aconteceu na divisão das classes sociais. Se até então havia quatro classes, a partir da Era Meiji passaram a existir três: kazoku

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de adequar-se ao modelo social democrático-burguês, dando direitos políticos a todos os cidadãos japoneses; 4) construção de escolas universais46, para instrução da população, visando a indústria, ou seja, transformar lavradores em operários; 5) retirada de todos os privilégios da casta dos bushi

47

, tornando incompatível o modo de vida do samurai com a

nova organização social, como vemos nesse trecho de Ruas (2005): Não tinha mais sentido preparar soldados com armamento dos samurais como arco e flecha, espadas, objetos pontiagudos em forma de estrelinhas com pontas envenenadas (shuriken), bastão articulado (Nunchaku), (Tonfa) Bastões de defesa com cabo e vários outros instrumentos usados na agricultura e que se transformavam em armas de combate, todas pertencentes ao (kobudo) estilos do manejo de armas. Somente os samurais lhes eram fieis, 1871 marca um rápido declínio das lutas do Budo e o Jiu-jitsu não foi exceção. (RUAS, 2005, p. 21).

Para Ruas (2005), o desenvolvimento japonês é prodigioso em dimensões históricas da humanidade, um feito assombroso, tal como descreve a seguir: De país medieval, de feudalidade exagerada e romântica em 1866, já em 1889 estava atualizado e atingia o nível das mais adiantadas potências ocidentais em um progresso ciclópico, jamais previsto ou julgado possível. Em ritmo acelerado, sem muito tempo para discernir por vezes o inconveniente do conveniente, o Japão foi importando, imitando, reproduzindo da maneira que podia os produtos da cultura ocidental. Essa transição rápida, era uma necessidade política para ficar no mesmo pé de igualdade e (nobreza), shizoku (guerreiros e nobres de classe baixa) e heimin, a população em geral. Posteriormente, essa divisão também foi abolida […]. Além disso, passou-se a permitir o casamento entre membros de diferentes castas e foi declarado o fim oficial dos párias. A população em geral também passou a ter direito a um sobrenome, à montaria e ao uso de vestimentas formais tradicionais japonesas” (KOBAYASHI, 2010, p. 240). 46 Característica importante na constituição do novo modelo escolar, o conhecimento era necessário para ampliação da produção, nesse sentido, ele é socializado, mas com outros adendos ideológicos, que a fazem inculcar valores que ajudam a edificar o modelo de sociedade burguês. 47 Entre várias medidas que levaram a extinção dos Samurai, destacam-se três: “[…] a) o fim do salário que recebiam do governo, chamado de hôroku, o que os deixou desempregados e levou muitos a passar fome; b) a proibição do porte de espada, eliminando completamente o status que possuíam; c) a falta de reconhecimento, por parte do governo, dos resultados alcançados pelos guerreiros por ocasião da transição para a Era Meiji” (KOBAYASHI, 2010, p. 240).

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Araújo (2020)

acompanhar o desenvolvimento das ciências técnicas dos europeus. (RUAS, 2005, p. 15).

Assim, após seis séculos e meio de privilégios, os samurai passam a ter o seu modus vivendi criminalizado. Em 1876 é promulgada uma lei imperial, proibindo o uso de espadas em público. Posteriormente, o samurai renasce como símbolo. Com a retomada do Império, em 1862, a necessidade da escola para garantir a formação dos trabalhadores da indústria se torna emergente, eis que surge uma figura que foi responsável pela transição da cultura local aos moldes da era moderna, o Samurai, membro de casta militar, que fora venerado, e no início da revolução Meiji cai em desgraça, ressurge como símbolo nacional, com a figura de Sensei Jigoro Kano (1860-1938), que foi a pessoa responsável pela organização das universidades e escolas japonesas. (ARAÚJO et al., 2013, p. 10).

Nesse contexto histórico, a organização da escola universal, laica e estatal surge acompanhada da necessidade de desenvolver programas de ensino. No âmbito da disciplina Educação Física, os estados nacionais adotam diferentes elementos da cultura corporal

48

: na Europa identificamos

49

as diversas correntes de ginástica , na Inglaterra vemos o Esporte e, no Japão, inicialmente, são adotadas modalidades em uso na Europa e

48“[…] Cultura Corporal como categoria teórica que nos permite apreender no pensamento, compreender, explicar cientificamente o real concreto, sendo, portanto, um objeto de estudo e ensino que se compõe de outros objetos de estudo e ensino – Esporte, Jogo, Dança, Ginástica, Luta, entre outros –, o que nos permite, uma vez apreendida sua estrutura lógico histórica, propor, em especial no sistema educacional, como tratar o conhecimento específico da cultura corporal na escola e nas aulas de Educação Física, visando elevar o pensamento teórico dos estudantes, na perspectiva da emancipação humana e da omnilateralidade” (TAFFAREL, 2016, p. 5). 49 Segundo Almeida (2005, p. 31-32, negrito nosso): “De 1800 a 1900, distinguiram-se quatro zonas com formas distintas de encarar as atividades físicas. Dessas, três encontravam-se vinculadas diretamente com a evolução da recém nascida Ginástica, a saber: a Escola Alemã, referência marcante para o posterior Movimento do Norte, marcou o nascimento da Ginástica com Guts Muths, conhecido como pai da Ginástica […]; A Escola Sueca, como principal representante dos Países Nórdicos – se constituiu como principal referência do posterior Movimento do Centro. Seu principal representante foi Pedro Enrique Ling (1776-1839) […]; A Escola Francesa, ou Movimento do Oeste, se desenvolveu a partir de um conjunto de contribuições e referências recíprocas; A Escola Inglesa é a que se distingue dos outros três movimentos. As necessidades das atividades físicas nesse contexto foram desenvolvidas tendo como base os jogos, as atividades atléticas e o desporto”.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

posteriormente a luta, em um primeiro momento com a esgrima, e depois com o judô, ambos tratados nas aulas de Educação Física, sob a égide do esporte. Em Omi (1999, p. 78 apud FREITAS, 2007, p. 74, grifo nosso) são destacados elementos deste processo: Por outro lado, a abertura dos portos trouxe consigo, para substituir as artes guerreiras ou técnicas de combate consideradas ultrapassadas, 'os esportes ocidentais, tais como o beisebol, a ginástica e o atletismo. As semi-esquecidas artes marciais foram revividas como esportes japoneses autóctones. O Ministério da Educação patrocinou o movimento de promoção da educação física em toda a nação'.

Em meio a este processo, questionado sobre a necessidade de construção de valores sociais próprios, aspecto necessário para construção da identidade nipônica, o Japão revê suas orientações sobre o modelo e os conteúdos escolares: “É exatamente neste contexto histórico que Jigoro Kano

Sama

50

funda o judô51 e o Instituto Kodokan. Kano Sama transforma o jiu-

jitsu em judô” (FREITAS, 2007, p. 74). A literatura especializada atribui significativa importância à participação de Jigoro Kano no desenvolvimento da educação na renascença japonesa e costuma ainda designá-lo como o criador do Judô. Devido ao nosso interesse em compreender as razões pelas quais o Judô se converte em modelo para escolarização das Lutas Corporais, daremos um pouco mais de atenção ao pensamento de seu criador. Antes de mais nada, cabe conhecermos quem foi Jigoro Kano. Filho de aristocratas de família de militares, nascido em 1860, em meio às transformações instituídas pelo imperador Meiji, teve em sua formação uma forte influência do pensamento moderno europeu, sobretudo do filósofo 50 Pronome de tratamento japonês, Sama (様), utilizado para tratar pessoas de altíssima posição ou importância, como imperadores e deuses. Isso aponta a importância de Sensei Kano, que foi peça fundamental na formulação educacional que serviria de transição capitalista à moda japonesa. 51 Dirigiu-se a Baizei Narai, velho cavalheiro do governo do antigo shogun e frequentador da família Kano, que havia aprendido jiu-jitsu com o grande mestre Imai da escola Kiushin-ryu. Jigoro implora para que ele o ajude em seu projeto e a resposta foi negativa: “Imagine! Seria uma traição para com seu pai você aprender uma arte completamente vulgar – depois, você terá que levar a sério seus estudos e não deve perder tempo com coisas insignificantes”.

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Araújo (2020)

alemão Immanuel Kant, de quem foi tradutor. No decorrer da sua vida pública, envidou todos os seus esforços às atividades voltadas ao renascimento japonês. Nessa fase de transição e de tomada de consciência, Jigoro continha uma vontade introjetada em sua alma nipônica humilhada por aquela ocupação estrangeira e uma necessidade de resgatar sua própria cultura, no momento em que o país das cerejeiras perdia sua feudalidade exagerada, parte do romantismo da época, seus dogmas e costumes e nessa avalanche alienadora levava consigo todas as técnicas das artes, das lutas e das armas em geral, o Budo e toda aquela cultura milenar dos extraordinários samurais. (RUAS, 2005, p. 20).

Sobre a sistematização do método do Judô, Ruas (2005) acentua o modo como sensei Kano, inspirado pelas tecnologias educacionais nascentes na Europa, organiza conteúdos clássicos da cultura bélica nipônica, conforme exposto no excerto abaixo: Jigoro Kano, era um pesquisador perfeccionista [que] colocava o rigor científico na ponta dos seus trabalhos, conta em suas memórias que na escola de Altos-Estudos da Universidade de Tokyo, se dedicou em profundidade ao estudo da metodologia e da didática e que importava livros da Europa para ajudar em suas pesquisas. Havia coletado centenas de técnicas e golpes e um dia, após ter recebido uma remessa de livros em inglês e francês, exclamou: – Achei! Era nada mais nada menos, do que uma classificação metodológica, que o inspirou na classificação do seu Gokio. Go em japonês significa cinco e kio significa princípio que mais tarde recebe o nome de instrução especificamente para o Gokio. O Gokio é visto normalmente pelo Kodokan como uma Tora-no-maki ou a chave dos estudos das técnicas de projeção, se compõe de cinco instruções, essas instruções são uma sequência de aprendizado sempre com aquisição de conhecimento que vai num crescendo, cada instrução se compõe de oito técnicas num total de quarenta. Vale a pena dizer, que com a criação do seu Gokio Jigoro Kano pôde organizar as duas principais formas didático-pedagógicas do treinamento do Judô, o Kata e o Randori. (RUAS, 2005, p. 24-25).

Para isso, ele se utiliza de uma etnografia do budô para (re)estruturar as artes de combate dentro de um novo contexto. É bom ressaltar que as perseguições aos hábitos dos antigos samurai dificultaram o 115


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

trabalho de Kano, que se inicia no estilo Shin’yo-Ryu e, posteriormente, no

Kito-Ryu, e manteve o aperfeiçoamento para construir os princípios metodológicos da Kodokan. Com

isso,

o método

criado por

Kano carrega

consigo

características do esporte nascente, com forte influência dos valores burgueses oitocentistas, próprios da tradição cavalheiresca europeia. Daí, Freitas (2007, p. 53, grifo nosso) afirmar que: “[...] o judô não foi erigido como ‘arma’ de ataque, ‘arma’ para a guerra, mas como meio à construção de uma vida equilibrada ancorada na honra, na lealdade, na fidelidade aos princípios e na solidariedade aos camaradas”. Nesse sentido, concordamos mais uma vez com Freitas (2007) quanto à impropriedade da classificação do Judô como arte marcial, senão vejamos: arte marcial, luta, guerra, combate têm centralidade intencional no objetivo de matar e/ou subjugar, aspecto secundarizado na gênese do judô, demarcado pelo signo do esporte, para quem a intencionalidade transfigurase para a unidade competir/cooperar. Embora o método seja estruturado a partir dos gestos dos jutsus

52

, a manifestação do combate se dá por meio da

simulação, em que se objetiva o aprendizado da técnica, em outras palavras, o objetivo secundário passa a ser primário. Por tudo que foi dito até aqui, é por si evidente que a experiência da Kodokan viria a influenciar decisivamente o modo como as demais tradições de luta realizavam seu processo pedagógico a fim de se adaptarem ao novo modelo produtivo. Caracterizam esse processo: homogeneização do conteúdo, universalização do método, vocação expansionista, flexibilização ao contexto. Nenhuma outra luta teve tamanho êxito em propagar seus valores quanto o Judô 53: “Seguramente o judô é um dos cinco esportes mais praticados pela criançada deste país [Brasil]” (FREITAS, 2007, p. 52). Nos dias atuais, a sua manifestação é descrita por Freitas como um tipo estranho: uma combinação de ascetismo aos valores fundamentais no tatame e, fora dele, seu mais absoluto esquecimento: 52 Lutas corporais em geral. 53 Em texto de 2011, Araújo et al. (2011) faz um estudo comparativo entre diferentes manifestações de lutas, com diferentes contextos sociais, que a partir do modo de produção burguês se organizam da mesma forma.

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Transformada em mercadoria e desviada do seu sentido original ou dos propósitos primaciais sobre os quais foi construída, esta 'arte de combate' tem produzido judocas mais ou menos e não verdadeiros. A tese que aponta o dô como meio à consecução do conhecimento nos parece, hoje, de forma mais clara, vazia, sem sentido à medida que longe de se manter fiel à ortodoxia, além dos savoir-faire condicionados, quase nenhum conhecimento ético e histórico, não mistificado, político, filosófico e pedagógico é ministrado como conteúdo próprio do judô. (FREITAS, 2007, p. 54).

Acrescido a esse fenômeno, observamos em tempos hodiernos, a espetacularização das lutas, à moda do esporte ocidental: Além das funções políticas e econômicas, o esporte desempenharia, também, funções ideológicas: legitimação da ordem social existente, posto que jamais é contestado; ocultação da luta de classes ao transformar os conflitos sociais em metáforas inofensivas aos palcos esportivos, sendo, portanto um ‘ópio do povo’; reforço ao mito burguês da ascensão social pela prática esportiva; criação da ideologia de ‘coexistência pacífica’ entre socialistas e capitalistas; confundir mercadologicamente homens como coisas; principalmente inserção em três instâncias superestruturais burguesas – a instituição cotidiana do corpo, a escola e os meios de comunicação de massa – momento em que o esporte se converte em um 'Aparelho Ideológico de Estado'. (DANTAS JUNIOR, 2008, p. 105, grifo nosso).

Quanto ao grau de desenvolvimento deste fenômeno, os Mega Eventos Esportivos, a exemplo do Ultimate Fight Championship

54

, ditam o

hegemônico. Nesse contexto, atletas e a população em geral fundamentam o seu conhecimento sobre as Lutas Corporais por meio da mera vivência 54 Segundo Awi (2012), as somas do UFC: “Produzem cerca de trinta eventos ao vivo por ano e, expõem sua marca em produtos de ginástica, roupas, videogames, bonecos, DVDs, cartão de crédito, livros e revistas. Compraram um torneio decadente por US$2 milhões e hoje não o vendem por menos de US$1,3 bilhão, valor estimado da marca UFC em 2009, segundo a revista de negócios Forbes. Em entrevista dada ao jornal americano USA Today em 2011, Mike Ozanian, editor-executivo da revista, estimou que o evento fatura anualmente algo em torno de US$300 milhões. Uma enquete promovida pela empresa de marketing esportivo Turnkey Sports, que ouviu 110 executivos americanos, apontou o UFC como a marca esportiva mais valiosa dos Estados Unidos, à frente da NFL (futebol americano) e da NBA (basquete), por exemplo. Seus eventos chegam pela televisão a seiscentos milhões de lares em 145 países e em 22 idiomas. Muitos leigos chegam a pensar que o esporte se chama UFC, e não MMA, assim como lâmina de barbear virou gilete e fotocópia, xerox” (AWI, 2012, p. 21-22).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

imediata; a permanência no senso-comum evidencia, por sua vez, a construção de um sistema que organiza as experiências humanas sem a necessidade de um desvelamento crítico. Como resultado, o que observamos é a reprodução de um espetáculo em meio ao qual, paradoxalmente, o mais excitante se faz representar pela barbárie. A descrição realizada por Awi (2012) ilustra a nossa preocupação: Foi proibido em diversas épocas e cidades, namorou a marginalidade, foi comparado a uma rinha humana e subsistiu durante muitos anos apenas com as proibições básicas de uma luta honrada: mordidas, dedo no olho e puxão de cabelo. E até essas regras já foram chutadas para longe no calor de um combate. Para muita gente, até hoje, ele sequer pode ser considerado um esporte. Não deixa de ser natural toda essa aversão a uma atividade na qual sangrar é tão normal quanto suar (alguns atletas chamam o sangue de ‘suor vermelho’). É inútil negar a violência contida numa luta de MMA. É raríssimo que uma edição do UFC termine sem que pelo menos um lutador tenha de receber atendimento hospitalar antes de voltar para casa. Embora até hoje só se tenham registrado duas mortes por conta de lesões sofridas durante um combate, a variedade de golpes traumáticos põe em risco, sim, a integridade física dos lutadores. (AWI, 2012, p. 19-20).

Outro aspecto que nos chamou bastante atenção ao investigar o pensamento dos protagonistas deste fenômeno é o modo como o pensar científico se converte em pensar instrumental, fazendo com que o gesto técnico assuma o epicentro das novas experiências com as Lutas Corporais. Pelo raciocínio dos Gracie, o judô era apenas um pedaço do jiujítsu, o pedaço que o Japão exportava porque queria manter o monopólio da luta mais eficiente do mundo. Estaria tentando implantar à força o judô em outros países — e o pior, um judô esportivo, com contagem de pontos e limite de tempo, o que contrariava seu sentido original, usado em situações de combate. Ensinar jiu-jítsu para estrangeiros seria um crime de lesa-pátria, e, por isso, o Conde Koma fora defenestrado da história oficial do judô no Japão por quase uma década. Mas os orientais não imaginavam que, no Brasil, Koma tivesse encontrado alguém disposto a manter viva — e até a aperfeiçoar — a arte original dos samurais. Embora contestados por muita gente, eram argumentos inteligentes e atraentes, capazes de chamar a atenção da imprensa e dos judocas japoneses. (AWI, 2012, p. 29-30). 118


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Quanto ao aspecto educacional, cabe ressaltar que a centralidade no gesto técnico corresponde a uma tendência dominante, em meio à qual os conteúdos das lutas tradicionais cedem espaço para os modelos emergentes na grande mídia na forma de Ultimate Fight Championship, Pride,

Strikeforce, judô olímpico, taekwondo olímpico, etc. Estes passam a representar a forma para o tratamento do conteúdo, seja na academia ou nas aulas de Educação Física na escola. Com essas considerações, abrimos a reflexão para um segundo plano de análise. Trata-se agora, de nos perguntarmos sobre os limites do desenvolvimento social das Lutas Corporais na sociedade do capital e suas possibilidades de transformação. Sob a ótica da nossa discussão, o processo educativo é uma mediação fundamental na constituição cultural do indivíduo, o qual, sob a égide do modo de produção capitalista, tem como função principal reproduzir o próprio capital e suas formas de sociabilidade. Isso posto, parece-nos, no mínimo, estranho qualquer tentativa de edificação de um projeto contrário a essa lógica que não considere a sua superação. Por tudo isso, a construção de um processo didático, no âmbito das Lutas, plenamente emancipatório, universal, “[...] ainda que em formas e intensidades diferentes [...]” (TONET, 2003, p. 9), como “[...] classe-para-si, classe revolucionária, síntese histórica de todas as classes e segmentos sociais que se contrapõem ao sistema sociometabólico do capital” (FONTANA; TUMOLO, 2006, p. 14), não é um projeto fácil. A admissão dessas premissas, todavia, não tem como finalidade justificar a inércia, o sentimento de niilismo que se exacerba na comunidade acadêmica, muito menos o hedonismo como perspectiva de superação dentro da ordem. Ao contrário, significa, dar o passo do tamanho de nossas pernas, mesmo que nosso horizonte histórico esteja distante. Significa caminharmos na direção correta, sem correr o risco de alimentar quimeras. Para isso, tomamos emprestado de Tonet (2003, p. 9) algumas das suas principais questões: “Mas, qual é a direção certa? O que é o possível?”. Em sentido mais amplo, sobre a categoria possibilidade, Tonet (2003, p. 9), afirma: “[...] o possível é um conjunto de determinações do 119


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

objeto que podem ou não vir a se realizar”. A realização, por sua vez, é constituída da concretização de múltiplos fatores, e, nesse sentido, o resultado depende intrinsecamente do fim que se almeja construir. Vejamos como Tonet elabora essa questão: […] verificar em que medida aquilo que está sendo realizado se conecta, através de quais mediações, com qual fim. Não se trata, portanto, de menosprezar a viabilidade, mas de compreender que, sendo esta sempre importante, sua definição, em termos de amplitude, profundidade e prazos, sempre estará – explícita ou implicitamente – vinculada ao fim almejado. (TONET, 2003, p. 9).

Se realizamos, portanto, a crítica ao modo de produção capitalista, que condiciona todo o processo de vida social, política e intelectual, então defender alterações no modo como as Lutas se apresentam nos dias de hoje sem considerar a delimitação de um projeto histórico e de uma prática política e educativa comprometida com o interesse dos trabalhadores, seria, no mínimo, estranho. Nesse sentido, a explicitação da posição que ocupamos relacionada às Lutas, no plano político e intelectual, justifica-se, no contexto deste escrito, em função da necessidade de um melhor esclarecimento sobre as perspectivas que estão sendo postas para o seu desenvolvimento. Nessa direção, afirmamos nossa discordância quanto à defesa da possibilidade do ensino de Lutas apenas no horizonte de uma cultura reformista, ou se preferir, emancipatória, cidadã, libertadora, sem apontar para as contradições da luta de classes, e o projeto histórico socialista, e nas possibilidades que emergem dessa conjuntura, articulando a realidade com as concretas e possíveis transformações na raiz do sistema sociometabólico do capital. A respeito desse pressuposto, concordamos com Tonet (2003, p. 9), que chama a atenção para o “[…] uso impreciso desta categoria da possibilidade e, junto a ele, o estabelecimento de fins que contrariam aquilo que se diz pretender” (no caso, cidadania plena como sinônimo de liberdade plena). Ainda no tocante a essa questão, referendamos a posição assumida por Tonet (2003), para quem:

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Araújo (2020)

[…] diante da crise estrutural em que o mundo está imerso, que resulta da lógica do próprio capital e que leva a uma barbarização cada vez maior da vida humana, a superação radical do capital e a conseqüente instauração de uma sociedade comunista se colocam como objetivos evidentes. Por isso mesmo, toda atividade educativa, teórica e prática, que pretenda contribuir para formar pessoas que caminhem no sentido de uma autêntica comunidade humana, deve nortear-se pela perspectiva da emancipação humana e não pela perspectiva da construção de um mundo cidadão. Vale enfatizar: um mundo cidadão significaria a melhor forma política de reprodução da sociabilidade mantendo, ao mesmo tempo, a desigualdade social. Por mais que aquele objetivo pareça difícil e sem viabilidade imediata, ele deve ser perseguido incansavelmente porque ele é o objetivo mais humanamente digno. (TONET, 2003, p. 10, grifo nosso).

Outrossim, considerando o recorte temático do nosso objeto, identificamo-nos com a análise produzida por Freitas (2007), para quem o ensino do judô deve se articular a um princípio formativo, coerente com as aspirações daqueles que constroem o mundo com suas mãos. Precisamos de militantes que reportem que a educação política no judô, ao contrário da educação oficial, não pode e não deve ser uma simples e bem azeitada peça da maquinaria de reprodução social, mas caixa de ressonância das contradições sociais da sociedade capitalista na qual a luta de classe contra classe é seu móbile central. O judô como escola para a vida – caminho do guerreiro – pode ser um elemento histórico e político no processo revolucionário à edificação da sociedade socialista. (FREITAS, 2007, p. 21).

Desta forma, chamamos atenção para as possibilidades concretas da formação política 55 como um aspecto inerente ao trato do conhecimento luta corporal, afirmando que o ensino de lutas na ausência dessa orientação se resume à transposição didática de um conglomerado de gestos, tal qual, a serviço da ordem, orientam para o favorecimento hegemônico.

55 Entendemos política como inerente à formação humana, independente de tempo e lugar, a condição política é a integração a sua formação social, é o que faz ser parte da sociedade, que longe dela, seria um espectro humano.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

A EDUCAÇÃO FÍSICA E AS LUTAS Nossas considerações visam determinar principalmente a essência e a especificidade do ser social. Mas, para formular de modo sensato essa questão, ainda que apenas de maneira aproximativa, não se devem ignorar os problemas gerais do ser, ou, melhor dizendo, a conexão e a diferenciação dos três grandes tipos de ser (as naturezas inorgânica e orgânica e a sociedade). Sem compreender essa conexão nem sua dinâmica, não se pode formular corretamente nenhuma das questões ontologicamente legítimas do ser social, muito menos conduzi-las a uma solução que corresponda à constituição desse ser [...] o ser humano pertence direta e – em última análise – irrevogavelmente também à esfera do ser biológico, que sua existência – sua gênese, transcurso e fim dessa existência – se funda ampla e decididamente nesse tipo de ser, e de que também tem de ser considerado como imediatamente evidente que não apenas os modos do ser determinados pela biologia, em todas as suas manifestações de vida, tanto interna como externamente, pressupõem, em última análise, de forma incessante uma coexistência com a natureza inorgânica, mas também que, sem uma interação ininterrupta com essa esfera, seria ontologicamente impossível, não poderia de modo algum desenvolver-se interna e externamente como ser social. (LUKÁCS, 2010, p. 31-32).

Se trouxermos para o campo da Educação Física a categoria trabalho, e utilizarmos a lógica dialética materialista, ao invés da formal, poderíamos afirmar, que entre as atividades presentes na escola moderna, a Educação Física deveria assumir um papel de protagonismo, o que não ocorre na realidade, como vemos nesse depoimento de Michele Ortega Escobar. […] o futuro dos estudantes está tremendamente comprometido. Gostaria de contribuir para alargar e aprofundar o universo conceitual dos jovens ajudando-os a serem um pouco mais críticos diante da realidade, não apenas em geral e, sim, particularmente, diante da questionável formação em Educação Física à qual estão sendo submetidos. (ESCOBAR, 2013, p. 121).

Seria uma grande ingenuidade nossa pensar em uma Educação Física crítica diante do cenário descrito por Escobar, ainda mais terrível quando mergulhamos na realidade das escolas públicas do Brasil. Porém, o nosso papel não é contemplar os escritos complexos e citar jargões, mas sim 122


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proporcionar as possibilidades de transição diante dessa realidade. Enfim, o exercício que descrevíamos se aproxima do que se realizou na obra Metodologia do Ensino de Educação Física, de 1992 (COLETIVO DE AUTORES, 2013), em que foi demarcado um conceito de transição entre o que está posto e o que desejamos. Na nossa opinião, é uma tentativa concreta e possível de trato do/com o conhecimento cultura

corporal, como mediação de dois projetos de mundo, de humanização e educação antagônicos: o capitalista e o socialista. Nessa direção, para auxiliar o argumento desenvolvido por Escobar (2013), Marx e Engels nos revelam aspectos importantes para o entendimento do conceito cultura corporal. Vejamos: é a partir da objetividade que formamos nossa subjetividade, e essa subjetividade só ganha expressão externa quando realizada, quando se converte em ação material. O corpo, por sua vez, constitui-se em matéria fundamental, mediação, princípio e fim, na transformação de homens e mulheres em seres humanizados, eis o relevo do que o Coletivo de Autores nos apresentou 28 anos atrás, em 1992. Toda ação humana é a unidade dialética entre: teoria/prática, subjetivo/objetivo, coletivo/singular, lógico/histórico, e tudo isso ao mesmo tempo. Se tirarmos a teoria, a ação vira atividade animal, se tirarmos a prática, a ideia perde seu conteúdo objetivo concreto, semelhante à inexistência. Em sua determinação ontológica, as ações são demarcadas pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, e elas são singulares, dado que são construídas pelo acúmulo histórico do conhecimento de outras gerações. Reavivando o debate anterior, sintetizando o que Marx e Engels (2007) definiram como o homem humanizado: a) “[…] começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver [...]” (ibid., p. 32-33); b) “O segundo ponto é que a satisfação dessa primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades [...]” (ibid., p. 33); c) “A terceira condição que já de início intervém no desenvolvimento histórico é que os homens, que renovam diariamente sua própria vida, 123


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

começam a criar outros homens, a procriar – a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos, a família” (ibid., p. 33, grifo do autor); e a conexão social, pois é dela que decorre sua condição mais presente no sentido humano; d) “A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de outro como relação social –, social no sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a finalidade” (ibid., p. 34). Figura 1 – Cultura Corporal e os cinco objetos clássicos

C O NT EÚD O S C L Á S SI CO S

DANÇA

E D UC A Ç ÃO FÍ S IC A

ESPORTE

JOGO

CULTURA CORPORAL

GINÁSTICA

LUTA

Fonte: elaboração própria.

Nessas citações encontramos o fio condutor para a compreensão 124


Araújo (2020)

e distinção das atividades humanas a partir da história. Esses elementos já foram exaustivamente debatidos e esclarecidos por Escobar (1997; 2013) em relação ao conceito de cultura corporal no campo crítico da Educação Física. O tão procurado objeto de estudos da nossa área: atividade física,

motricidade humana, corporalidade, cultura de movimento, cultura corporal de movimento e quantos mais vierem a surgir, são colocados em seu devido lugar por não tratar da especificidade de homens e mulheres reais, ou melhor, o ser que produz trabalho ou, usando as palavras de Marx e Engels (2007), o ser sensível de atividade sensível. Em completa sintonia com os princípios marxianos, em entrevista concedida à 2ª edição do já mencionado Metodologia do Ensino de Educação

Física, a autora afirma que cultura corporal: É configurada por um acervo de conhecimento, socialmente construído e historicamente determinado, a partir de atividades que materializam as relações múltiplas entre experiências ideológicas, políticas, filosóficas e sociais e os sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonistas, competitivos ou outros, relacionados à realidade, às necessidades e as motivações do homem. O singular destas atividades – sejam criativas ou imitativas – é que o seu produto não é material nem é separável do ato de sua produção; por esse motivo o homem lhe atribui um valor de uso particular. Dito de outra forma, as valoriza como atividade, em si mesma. Essas atividades são realizadas seguindo modelos socialmente elaborados, portadores de significados ideais atribuídos socialmente. A Educação Física, como disciplina escolar, estuda o conteúdo da cultura corporal com o objetivo fundamental de explicar criticamente a especificidade histórica e cultural dessas práticas e participar de forma criativa, individual e coletiva, na construção de uma cultura popular progressista, superadora da cultura de classes dominantes. (ESCOBAR, 2013, p. 127-128, grifo nosso).

Concluindo, o ser humano é o que ele produz. Produto e produtor viram uma unidade e, nesse sentido, partindo do acúmulo da área, as lutas, assim como outras atividades humanas, ganham definições que são organizadas

a

partir

de

materializadas/expressadas

nas

suas ações

necessidades/intencionalidades que

compõem

os

modos

sociabilidade.

125

de


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Nesse horizonte, a cultura, como resultante das diversas formas de trabalho – realidade objetiva/subjetividade/pensamento concretizado de

forma objetivada, é concebida como mediação fundamental para a humanização de homens e mulheres, à medida que os possibilitam se distinguir da natureza. Por sua vez, o ato de garantir a passagem do acúmulo de conhecimento de uma geração para outra faz da educação, seja na forma da Pedagogia geral ou escolar 56, uma necessidade ontológica para a garantia da vida humana como a concebemos hoje. De acordo com Leontiev (2004, p. 290): As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos de sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com o fenômeno do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação.

A luta, por sua vez, não pode ser entendida como algo à parte, ela é produto humano (no sentido que trazemos para o debate), produto das relações necessárias à vida enquanto gênero, síntese da contradição entre realidade objetiva e intenção subjetiva humana. Nesse sentido, precisamos localizar na história a necessidade e seus efeitos no transcurso da humanidade (existência, produção, reprodução e sociedade). Esse exercício nos apresenta a sua expressão nuclear, não visível de imediato, mas o seu movimento, que o faz ser o que é! Retomando com Kosik (1976), afastamonos da pseudoconcreticidade sobre o fenômeno das lutas. Para Kosik, a pseudoconcreticidade seria uma impressão 56 Citando Saviani (2005, p. 75), “No meu discurso, distingui entre a pedagogia geral, que envolve essa noção de cultura como tudo o que o homem produz, tudo o que o homem constrói, e a pedagogia escolar, ligada à questão do saber sistematizado, do saber elaborado, do saber metódico. A escola tem o papel de possibilitar o acesso das novas gerações ao mundo do saber sistematizado, do saber metódico, científico. Ela necessita organizar processos, descobrir formas adequadas a essa finalidade. Esta é a questão central da pedagogia escolar. Os conteúdos não representam a questão central da pedagogia, porque se produzem a partir das relações sociais e se sistematizam com autonomia em relação à escola”.

126


Araújo (2020)

imediata, que é a forma como geralmente o senso comum se apropria do objeto: O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças a seu contrário. A essência não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta no fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e demonstra que a essência não é inerte nem passiva. Justamente por isso o fenômeno revela a essência. A manifestação da essência é precisamente a atividade do fenômeno. (KOSIK, 1976, p. 11, grifo nosso).

Nesse mesmo exercício, encontramos n’O capital de Marx (1988; 2013), que o objeto em que se debruça na condição de essência é a unidade mais singular dessa forma social; nesse labor realizado pelo autor, ele identifica, em um primeiro momento, o dinheiro, mas com a compreensão histórica do movimento da sociedade capitalista, ele avança até chegar na mercadoria. Com as devidas proporções, e resguardando a uma condição que já encontramos avançada, buscamos o que seria a essência das lutas. Obviamente, estamos fazendo generalizações sobre o ato de preponderância agonista, pois estamos tratando de uma manifestação que se confunde, equivocadamente, com a gênese humana. Nessa mesma condição, encontramos outros conteúdos clássicos da Educação Física que padecem da mesma dificuldade conceitual, a dança e o jogo

57

. Sua gênese deve ser

57 Ver o trabalho de Carolina Picchetti Nascimento: A atividade pedagógica da Educação Física: a proposição dos objetos de ensino e o desenvolvimento das atividades da cultura corporal (2014), texto que se debruça sobre essas três unidades (dança, luta e jogo) para compreender suas relações históricas e as funções delas decorrentes, como potencializadores de funções psíquicas superiores: “É preciso explicitar, justamente, qual é o conjunto de relações, elementos ou características que se destacará para a análise das atividades da cultura corporal. Notemos que afirmar que as relações essenciais dos objetos de ensino da Educação Física (e, portanto, que o próprio objeto) estão nas diferentes atividades da cultura corporal é bastante diferente da afirmação de que essas relações essenciais (e, portanto, os objetos de ensino da Educação Física) são a Dança, o Jogo, a Ginástica e a Luta, em suas existências meramente empíricas. Não obstante, essa diferença nem sempre parece estar explícita nas teorizações sobre a Educação Física” (NASCIMENTO, 2014, p. 36-37).

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deduzida pelo seu movimento diverso em diferentes sociedades, para buscar sua regularidade (interna/externa). Esse argumento se apresenta pela necessidade explicativa, dentro do campo de estudos da cultura corporal, pois diferentemente das manifestações ginástica e esporte, que têm origens datadas e demarcadas geograficamente, as três: Luta, Dança e Jogo, estão presentes em quase todas as sociedades conhecidas na história da humanidade, dificultando a compreensão do seu núcleo central58 – atividade intencional idealizada:

necessidade/intenção/ação. Além da distinção em relação à natureza, é preciso a construção de um conceito de corpo fora do paradigma platônico/aristotélico, para quem o ser social é cindido em mente (atividades intelectuais) e corpo (atividades braçais), espelhando a organização social grega (e a nossa) em que viviam, ratificando a compreensão naturalista de sociedade e sua estrutura classista de dominação do ser humano pelo ser humano. É preciso entender as lutas não como algo acidental ou inerente ao gênero humano, como um dado da natureza, essa ideia nos coloca em um princípio que antecede ao debate sobre lutas, como Escobar nos alerta: “[…] o homem não se mexe, ele ‘age’” (ESCOBAR, 2013, p. 128). Para chegar a esta compreensão, é preciso destacar a intenção agonista, seu desenvolvimento histórico partindo dessa necessidade de naturalização nas construções objetivas/subjetivas, e sua edificação em diversas composições que constroem vários sentidos simultâneos. À ideia de gênese é particularmente importante o gesto técnico, que, como qualquer ação humana, é gerado pela condição da necessidade, a mesma que gera a intenção, que formata a ação. A ação, por sua vez, modifica o meio, e esse meio sugere novas necessidades, que mais uma vez, vão gerar uma intenção. Nesse horizonte, a atividade humana pode se caracterizar, em sentido mais amplo, pela intencionalidade no momento de sua criação. 58 Este exercício de buscar o conceito a partir da contradição entre a expressão externa e sua essência interna (1ª contradição), e posteriormente, a partir a contradição interna – que é composta pela intenção, subdividida em matar/cooperar (no caso das lutas) –, orienta-se pelos passos indicados por Marx, em seu prefácio d’O Capital: “[...] Porque é mais fácil estudar o corpo desenvolvido do que a célula que o compõe [...]” (MARX, 2013, p. 78).

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A capoeira é um bom exemplo para entendermos esse processo. A expressão externa, a que chamaremos de fenotípica, carrega a adaptação social de conflito. O desenvolvimento da capoeira precisa ser compreendido no seu processo histórico das relações sociopolíticas, e principalmente econômicas, dos seus criadores/praticantes, a quem chamamos de capoeiras. Esses sujeitos históricos vão desenvolver uma relação simultânea de singularidades coletivas e coletividades singulares, em um arcabouço de gestos, tecnicamente desenvolvidos para atender à demanda daquele que os produziu, dadas as suas condições sócio-históricas naquela sociedade: ser negro descendente de escravo numa sociedade eugenista. Tais condições são, portanto, cercadas de limitações, que moldam a capoeira em um processo constituído por explorados. As características da capoeira vão assumir as demandas dos seus produtores, nesse sentido, no seu processo de desenvolvimento, a capoeira passa a constituir um instrumento para atender as necessidades dos seus produtores. Quando a capoeira passa a assumir a lógica da mercadoria, ela ganha valor de troca, e à medida que o valor de troca passa a ser preponderante nas relações de produção da capoeira, e a sua prática avança nessa relação, distancia-se cada vez mais das relações de classe 59 que a geraram, mas o gesto técnico permanece como expressão histórica corporal (chamaremos de corporal para distinguir dos elementos de outra natureza, apenas para sinalizar que elementos como movimentos, notas musicais, e uma sorte de produções humanas que não são tidas como históricas, possuem marcas que as classificam por conta dos seus processos gênicos). Destarte, o que denomina a intenção da capoeira é sua relação agonista, remetida a uma atividade que se organiza pela intencionalidade do combate, da estrutura: viver, sublimar/morrer, ser subjugado. Para nós, a polissemia em torno dos sentidos que envolvem essa manifestação cai por

terra! Capoeira é uma luta, apesar que o seu acervo de técnicas é apropriado historicamente de diversas formas que mudam a sua intencionalidade, contudo, em sintonia com Kosik (1976), não passam de expressões que 59 A condição de opressão se manifesta em várias formas distintas: opressão de gênero, étnica, geográfica, geracional, etc.

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mimetizam gestos externos, e não revelam seu sentido histórico: Assim, podemos dizer que a prática é transformada em valor de troca: a) são coreografias com base nos gestos da capoeira; b) são exercícios ginásticos com movimentos da capoeira; são jogos lúdicos (redundância) baseados nas técnicas da capoeira. Entretanto, não seria acurado dizer que esta mesma prática é a capoeira, afinal, a Capoeira é Luta.

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Limits of the relationship between Struggles and Physical Education: first adjustments of a teaching criticism Abstract: This study aims to point out the relationship between the economic model and the processes of re-signifying bodily struggles in the capitalist society. It performs a historical synthesis of the transition from feudal Japan to accelerated industrialization. It emphasizes the school structure instituted in that country, in particular, the pedagogical activities related to body culture in Physical Education classes. Keywords: Corporal Culture. Economy. Physical Education. Professional training. Struggles.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O trato com o conhecimento esporte na Educação Física Escolar:

limites, contradições e possibilidades Wanderley dos Santos Araújo (UEPA) * Marcos Renan Freitas de Oliveira (UEPA) ** Resumo: O artigo apresenta a análise dos limites, das contradições e das possibilidades do trato do conhecimento esporte na educação física escolar a partir da produção do conhecimento sobre o tema. Assim, para cumprir com esse objetivo, inicialmente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e exploratória do tipo temática com a finalidade de encontrar fontes referentes ao tema de estudo, publicadas em livros, periódicos científicos brasileiros e dissertações. Desse modo, em busca de respostas à temática proposta, o aporte teórico-metodológico é composto pelos autores: Bracht (2000), Colavolpe (2010), Tubino (2001), Soares et al. (2012), Oliveira (2001), entre outros. Cabe ressaltar que a metodologia utilizada nesta pesquisa é a do materialismo histórico dialético. Logo, a partir dos resultados, é fato que o conteúdo esporte ainda se apresenta de forma hegemônica nas aulas de educação física, quase que exclusivamente na dimensão de esporte de rendimento, por isso, é apontado que o trato desse conhecimento, a partir da teoria educacional histórica-crítica e da abordagem pedagógica críticosuperadora, é uma possibilidade emancipatória para a sua transformação, reinvenção e promoção na escola. Palavras-chave: Educação Física. Esporte. Conhecimento. * Especialista em Pedagogia da Cultura Corporal (UEPA). Professor na Secretaria de Estado de Educação do Amazonas. E-mail: wanderley.araujo@seducam.pro.br ** Mestre em Educação (UEPA). Professor na Secretaria Municipal de Educação do Município de Bragança (PA). E-mail: marcosrenanef@yahoo.com

presente estudo está inserido na área da Educação Física Escolar com foco nas contradições da hegemonia do esporte de rendimento em detrimento do esporte-educação. O tema em questão aborda as dimensões sociais do esporte a partir das aproximações da teoria educacional pedagógica histórico-crítica (GASPARIN, 2005; SAVIANI, 2007) e da abordagem pedagógica crítico-superadora (SOARES et al., 2012).

134


Araújo e Oliveira (2020)

Ao participar como bolsista do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID-UEPA) em uma escola da rede pública do Município de Belém (PA), foi possível perceber que o trato com o conteúdo esporte nas aulas de educação física escolar é limitado a dimensão do rendimento. Isso legitima a afirmação de Bracht (2005), quando cita que o exemplo de esporte predominante no Brasil é o de alto rendimento ou de espetáculo, mesmo quando ele acontece na escola ou no espaço de lazer. Desse modo, a preocupação com o trato do conteúdo esporte nas aulas de educação física mobilizou o interesse pela realização desta pesquisa, tendo em vista a necessidade de problematizar a sua dimensão hegemônica e apresentar possibilidades superadoras, a partir de uma base teóricametodológica histórico-crítica. A produção conhecimento sobre o conteúdo esporte nas aulas de educação de física tem denunciado os limites e as contradições do seu trato na escola, e apresentado perspectivas para a transformação e reinvenção (KUNZ, 1994; OLIVEIRA, 2001). Tais explicitações trazem à tona a questão problema deste estudo: que limites, contradições e possibilidades podem ser identificados a partir da produção do conhecimento sobre o trato com o conhecimento esporte nas aulas de educação física escolar? Logo, o objetivo geral deste estudo é analisar as contradições, os limites e as possibilidades do trato do conhecimento esporte na educação física escolar a partir da produção do conhecimento sobre o tema. Assim, ao visar responder à problemática construída e os objetivos traçados, esta pesquisa faz aproximações com a unidade teóricometodológica do materialismo histórico- dialético como método de análise, tendo como base filosófica o marxismo, realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento, visto que o materialismo histórico dialético constitui-se uma concepção científica da realidade, enriquecida com a prática social da humanidade. É fato que o materialismo histórico-dialético é um enfoque teórico, metodológico e analítico, utilizado para compreender a dinâmica e as 135


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

grandes

transformações

da

história

e

das

sociedades

humanas.

Conceitualmente, o termo materialismo diz respeito à condição material da existência humana e o termo histórico parte do entendimento de que a compreensão da existência humana implica na apreensão de seus condicionantes históricos, tendo como pressuposto o movimento da contradição produzida na própria história. Segundo Frigotto (1991), o que fundamentalmente importa para o materialismo histórico-dialético é a produção de um conhecimento crítico que altere e transforme a realidade anterior, tanto no plano do conhecimento quanto no plano histórico social, de modo que a reflexão teórica sobre a realidade ocorra em função de uma ação para transformar. Como método de pesquisa, o foco está na investigação de acontecimentos ou instituições do passado, para verificar sua influência na sociedade de hoje, considera que é fundamental estudar suas raízes, visando à compreensão de sua natureza e função, pois, conforme Marconi e Lakatos (2007, p. 107), “[...] as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época”. Para compreender o objeto de estudo em questão, a presente pesquisa se configura como bibliográfica, visto que foi elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, revistas, publicações em periódicos, artigos científicos, jornais, boletins, monografias, dissertações e teses com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o assunto do trabalho (GIL, 2008). Para a localização dos trabalhos utilizados na presente pesquisa, foi realizada uma incursão nos bancos de dados da internet: Google

Acadêmico e Revista Movimento (UFRGS), bem como os livros e capítulos de autores clássicos que discutem o trato com conhecimento esporte nas aulas de educação física. Também foram consultados materiais que contribuem com o conhecimento sobre o trato com o conhecimento esporte a partir da críticosuperadora. Entretanto, ressaltamos que esses materiais apresentados não esgotam discussões teórico e metodológicas a respeito do tema. O Quadro 1 136


Araújo e Oliveira (2020)

apresenta os trabalhos selecionados para o estudo, especificando a sua forma, título, autor e temática. Quadro 1 – Pesquisa Bibliográfica FORMATO

LIVRO

TÍTULO

AUTOR

TEMÁTICA

Metodologia do Ensino de Educação Física

Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zulke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht

O livro expõe e discute questões teóricometodológicas da educação física.

LIVRO

Uma Didática para a Pedagogia HistóricoCrítica

João Luiz Gasparin

LIVRO

Dimensões Sociais do Esporte

Manoel José Gomes Tubino

ARTIGO

As dimensões inumanas do Esporte de rendimento

Elenor Kunz

LIVRO

Reinventando o Esporte: possibilidades da prática pedagógica

Sávio Assis de Oliveira

ARTIGO

Esporte na Escola e Esporte de Rendimento

Valter Bracht

ARTIGO

TESE

Desporto educacional: realidade e possibilidades das políticas governamentais e das práticas pedagógicas nas escolas públicas Sociedade, educação e esporte: A teoria do conhecimento e o esporte na formação de professores de educação física

Este livro aponta uma alternativa de ação docente-discente. A proposta consiste no uso do método dialético (Prática-Teoria-Prática). O livro retrata as três dimensões sociais do esporte. Discute as preocupações pedagógicas do professor de educação física sobre a infância e o esporte. Aponta possibilidades para o ensino do esporte encontrado no interior das escolas. Apresenta elementos de como lidar com um fenômeno como o esporte sem sucumbir a ele.

Celi Nelza Zulke Taffarel

Realiza uma crítica do desporto educacional considerando as políticas públicas e as práticas pedagógicas dos professores.

Carlos Roberto Colavolpe

Explica o esporte, suas relações e nexos, em particular na formação de professores e nas pesquisas.

Fonte: Elaboração própria.

137


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O estudo exploratório teve por finalidade permitir um maior conhecimento sobre o tema em questão e, por isso, fizemos uma vasta pesquisa bibliográfica para que todos os detalhes fossem devidamente expressos, haja vista que nenhuma pesquisa começa sem embasamento, onde é possível sempre se achar relatos sobre o assunto (GIL, 2008). A pesquisa ocorreu mediante um levantamento bibliográfico, cuja finalidade foi a de tomar posse dos conteúdos analisados no trabalho. As consultas feitas por meio dos descritores nas fontes bibliográficas na área da educação física foram relevantes, visto que acrescentaram itens que somaram com o assunto delimitado, o trato com o conhecimento esporte da educação física escolar (MARCONI; LAKATOS, 2007). Para apreender a realidade pesquisada, buscamos a aproximação com as técnicas da Análise de Conteúdo, doravante (AC), que se caracteriza pela investigação sistemática do conteúdo das mensagens, sejam elas verbais (oral e escrita), sejam silenciosas, figurativas, entre outras, sendo estas explícitas ou implícitas (FRANCO, 2008; TRIVIÑOS, 1987). Nessa perspectiva, adotamos os procedimentos técnicos da AC, elaborado por Triviños (1987), compreendendo três etapas que se complementam e se desenvolvem do início ao fim do processo investigativo, a saber: pré-análise (organização do material), descrição analítica dos dados (codificação,

classificação,

categorização)

e

interpretação

referencial

(tratamento e reflexão). Ressaltamos que este artigo forma um trabalho interpretativo com base nos dados obtidos. Portanto, todos os dados coletados foram analisados e interpretados com base no referencial destacado. Do modo como foram desenvolvidos o trato do conhecimento esporte, no campo escolar. Assim, tendo em vista a natureza dos dados coletados, optamos por confrontar evidências da produção do conhecimento sobre o esporte e relacionar o esporte de rendimento e esporte-educação, dado os limites identificados, no plano teórico/analítico da prática, imersos nas contradições do mundo dos esportes. A pesquisa, além desta Introdução, está organizada em três seções que, integradas, exploram as determinações necessárias do objeto em 138


Araújo e Oliveira (2020)

debate na sua totalidade. Na primeira seção, expomos os conceitos e definições sobre o conteúdo esporte; na segunda, apresentamos a relação entre o esporte de rendimento e esporte educação; na terceira, situamos o esporte a partir da pedagogia histórico crítica da abordagem crítico superadora; em seguida as Considerações Finais; e por fim Referências, onde constam o aporte teórico que subsidiou esta pesquisa. DEFINIÇÃO DE ESPORTE O tema esporte vem sendo muito debatido no âmbito da educação física e mobiliza professores e pesquisadores da área em busca de fundamentos teóricos e metodológicos para o seu trato com o conhecimento na escola. Tubino (2001) apresenta uma classificação do esporte, a partir de três dimensões: o esporte-educação, o esporte participação ou esporte popular e o esporte-performance ou de rendimento. Segundo o autor, o primeiro objetiva a formação humana, o desenvolvimento das personalidades e os processos de emancipação. O segundo volta-se para a realização nas horas livres e acontece de forma lúdica e descompromissada. O terceiro apresenta pontos negativos e positivos, dando ênfase aos mais habilidosos e capacitados, numa perspectiva de espetacularização. O Esporte-Educação para Colavolpe (2010) é apresentado com o objetivo de superar a visão de que o esporte na escola é só competição, própria de uma dada sociabilidade que exigia trabalhadores competitivos, para uma visão teleológica de emancipação humana, o que implica superar a sociedade de classes, imprime um novo rumo ao trabalho pedagógico na escola. E isso significa alterações na gestão e no trato com o conhecimento nas aulas e demais tempo pedagógico – treinos, torneios, campeonatos, oficinas, seminários, festivais – bem como na gestão da própria escola e sua relação com a comunidade. O Esporte de Rendimento para Darido e Rangel (2008, p. 181) fazem referência a essa dimensão do esporte expondo que este “[...] apresenta uma tendência a ser praticado pelos talentos esportivos, tendência que marca 139


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

o seu caráter antidemocrático”. Nessa tendência, o esporte segue uma linha que quem o pratica são considerados os melhores, uma vez que, um dos objetivos é a vitória, deixando de lado um caráter de democracia, onde todos têm a oportunidade de participar. Para o Soares et al. (2012, p. 69), o esporte é considerado “[...] uma prática social que institucionaliza temas lúdicos da cultura corporal, e se projeta numa dimensão complexa do fenômeno que envolve sentidos, códigos e significados da sociedade que cria e o pratica”. De acordo com Colavolpe (2010), o esporte é uma categoria explicativa da prática esportiva, que surge como uma atividade humana historicamente criada e socialmente desenvolvida. No ambiente escolar, este autor aponta que, por intermédio do trabalho pedagógico, o “[...] esporte pode ser ensinado enquanto um complexo que permite entender o mais geral da sociedade, podendo assim atuar na sua essência causando transformação na condição de alienação” (COLAVOLPE, 2010, p. 87). O ambiente escolar, então, deve ser entendido como um espaço de apropriação do conhecimento de diversos conteúdos da cultura corporal, para que, assim, o aluno eleve o padrão cultural esportivo e consiga visualizar a complexidade do conteúdo esporte. A conceituação do conteúdo esporte referida por Colavolpe (2010) retrata a importância de os conteúdos da educação física serem historicizados para que, dessa maneira, o aluno consiga entender os processos de transformações que o esporte ‘sofre’, sendo uma produção histórico-cultural que “[...] se subordina aos códigos e significados que imprime a sociedade capitalista” (SOARES et al., 2012, p. 70). LIMITES E CONTRADIÇÕES DO TRATO COM O CONHECIMENTO ESPORTE Para discutir a relação de esporte rendimento e esporte-educação é necessário delimitar elementos do debate, como exemplo, a contradição que se apresenta como movimento interno do objeto esporte e suas unidades opostas, em articulação permanente de luta na condição de forças contrárias.

140


Araújo e Oliveira (2020)

A contradição no esporte pode ser evidenciada na prática de jogos internos das escolas, que acontece quase exclusivamente por meio da prática esportiva das modalidades de futebol, vôlei, basquete e handebol. Esses jogos poderiam ser desenvolvidos em forma de festival, por meio do trato com todos os conteúdos da cultura corporal, como: a dança, a ginástica, as lutas, os jogos populares, entre outros. No campo dos limites, o modo como tem se desenvolvido o trato do conhecimento esporte, no campo escolar, Bracht (2005) cita que o exemplo de esporte predominante no Brasil é o de alto rendimento ou espetáculo, mesmo quando ele acontece na escola ou no espaço de lazer. A afirmação do autor é um dos limites apresentado por Oliveira (2001) que identifica no esporte rendimento, três elementos fundamentais da sociedade capitalista: a competição, a concorrência e o rendimento. A partir disso, é fundamentado por Oliveira (2001), a encruzilhada entre a “desesportivização” da Educação Física e o não abandono do esporte pela escola é a mola propulsora utilizada pelo autor. Isso pautado no paradigma da cultura corporal e na metodologia críticosuperadora, cujo livro permite o questionamento das “regras do jogo” do esporte moderno, apontando, com detalhes, as relações entre o fenômeno esportivo e a sociedade. Oliveira (2001) assevera que a realidade é o esporte existente na escola e a possibilidade é aquilo que o esporte pode vir a ser nesse espaço. Foi buscando essas possibilidades de reinvenção do esporte que surgiu a principal tese levantada pelo autor: a busca de outros jogos possíveis. Nesse sentido, o autor aponta os aspectos lúdicos como elementos centrais para haver possibilidade de construção de um novo modelo social. Conforme Taffarel (2000), para que o esporte na escola seja aplicado de uma forma diferente do esporte de rendimento, é necessário que haja uma articulação com o âmbito das políticas públicas da Educação e de bem-estar geral da população sempre atrelado ao projeto de escolarização e o projeto político-pedagógico da escola. Contudo, a autora admite que é um trabalho árduo, em que o professor deve buscar incessantemente o conhecimento e reivindicar que o poder público cumpra a sua parte. A autora 141


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

afirma que o aluno só terá realmente acesso ao esporte educacional, através da luta política e da reflexão. Kunz (1994) apresenta propostas concretas para se trabalhar o esporte nas aulas de Educação Física, em um sentido diferente ao do rendimento, onde o rendimento, a performance, a hiper competitividade, a hiper valorização da racionalidade técnica, entre outros, ficam em segundo plano. Bracht (2000, p. 14) justifica a predominância do esporte rendimento nas escolas devido “[...] reascendimento da polêmica suscitado muito mais pelas ações ligadas a política para o setor dos últimos governos federais através do INDESP” que buscava uma efetivação dos ganhos de medalhas olímpicas, investindo valores altíssimos no âmbito da ciência do esporte, relacionado aos centros de excelência que, para o autor, objetivam, dentre outras coisas, detectar talentos esportivos. Nos seus apontamentos, Bracht (2000, p. 14) ressalta que o “[...] objeto não é propriamente o esporte de rendimento e sim, a relação entre o esporte de rendimento e a educação física, entendida está enquanto uma prática pedagógica”. O autor também é taxativo ao dizer que o “[...] esporte de rendimento foi colocado sob suspeita” (BRACHT, 2000, p. 14) a partir do desenvolvimento, no âmbito da sociologia da educação, das teorias da reprodução, enfatizando, desse modo, o papel de conservadorismo do sistema educacional nas sociedades capitalistas, trazendo na sua estrutura interna, os mesmos fatores que estruturam também as relações sociais. A partir dessas críticas realizadas, principalmente na década de 1980, Bracht (2000) relata em seu texto quatro equívocos/mal-entendidos sobre o trato com o conteúdo esporte na escola. O primeiro equívoco/mal-entendido estaria direcionado a quem critica o esporte é contra o esporte, criando, dessa forma uma exclusividade de posicionamento: ou se é a favor, ou se é contra o esporte. Para Bracht (2000), essa visão é considerada tosca, visto que trabalha com pressupostos de que o esporte é algo a-histórico, afastando-se, dessa forma, de autores que falam em essência do esporte ou natureza do esporte. 142


Araújo e Oliveira (2020)

Bracht (2000) apresenta também o esporte como algo construído pelo

homem

sob

constantes

transformações

e

fruto

de

múltiplas

determinações, afiançando que as críticas ao esporte só podem ser endereçadas a como ele se apresenta historicamente, buscando colaborar para que o esporte assuma outras características, mais adequadas a uma outra concepção de homem e sociedade. Isso implica afirmar que criticar o esporte não vai ao sentido de aboli-lo ou de negá-lo enquanto conteúdo das aulas de educação física, pelo contrário, o autor defende que a modificação pretendida se dará por meio do trato pedagógico numa perspectiva crítica. O segundo equívoco/mal-entendido é referente à negação da técnica por parte dos críticos do esporte nas aulas de educação física. Segundo Bracht (2000, p. 17), “[...] é fundamental perceber que a técnica (deve ser sim considerada) sempre um meio para atingir fins e não como ela vem se colocando como centralidade no sistema esportivo”. Ele reforça essa proposta, ao dizer que: A pedagogia crítica em EF propôs/propõe, não é a abolição do ensino das técnicas, ou seja, a abolição da aprendizagem de destrezas motoras esportivas. Propõe sim, o ensino de destrezas motoras esportivas dotadas de novos sentidos, subordinadas a novos objetivos/fins, a serem construídos junto com um novo sentido para o próprio esporte. (BRACHT, 2000, p. 17).

O terceiro equívoco/mal-entendido remete à contraposição entre o lúdico e o rendimento. Aqui Bracht (2000, p. 17) alerta para as idealizações do lúdico e salienta que este não existe na sua forma pura, sendo, dessa maneira, moldado culturalmente. O autor identifica também, enquanto consequência paralela à acusação àqueles que “[...] defendem o esporte enquanto jogo, de negarem a aptidão física ou a atividade física enquanto promotora de saúde”. A discussão central objetiva esclarecer que não se trata de negar os benefícios das práticas corporais para a saúde, e sim de não diminuir o sentido dessas práticas a esse objetivo e de não entender a especificidade da EF (e sua função na escola) seria exatamente a promoção da saúde.

143


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O

quarto

equívoco/mal-entendido

evidencia

que

tratar

criticamente do esporte na escola acarretaria abandonar o movimento em favor da reflexão, transformando, desse modo, as aulas de EF em aulas de sociologia/filosofia do esporte na sala de aula. Para o autor, não se trata de substituir o movimento pela reflexão, e sim de fazer esta acompanhar aquele, conjuntamente a um processo de reconstrução. Bracht (2000, p. 18) ressalta ainda que pedagogizar o esporte tornou-se um problema para o sistema esportivo, uma vez que esse gera um confronto com os princípios, com a lógica que orienta as ações no âmbito do esporte, defendendo que se deva privilegiar na escola o esporte com significado menos central ao rendimento máximo e à competição e sim ao rendimento possível e a cooperação. Nessa perspectiva, o planejamento educacional tem importância ímpar, visto que a partir deste, o professor organiza todas as etapas do trabalho pedagógico. Cuidadosamente, identifica os objetivos que pretende atingir, indica os conteúdos que serão desenvolvidos, seleciona os procedimentos que utilizará como estratégia de ação e prevê quais os instrumentos que empregará para avaliar o progresso dos alunos. Para tanto, é fundamental o domínio teórico e metodológico de uma teoria educacional e pedagógica para tratar conteúdo esporte numa perspectiva crítica e emancipatória. POSSIBILIDADE SUPERADORA PARA O TRATO COM O CONHECIMENTO ESPORTE O grupo contra hegemônico da educação brasileira, com orientação crítico dialética, considerou a essência dessa área até 1980, para a elaboração de uma nova síntese, na perspectiva de apresentar à sociedade brasileira, em especial aos professores da área, o que a educação física deveria ser, numa perspectiva de superar por inclusão os determinantes históricos e sociais dessa área do conhecimento, recuperando o núcleo central da constituição histórica da educação física pelo exercício da docência, isto é, na ação pedagógica dos conhecimentos da cultura corporal.

144


Araújo e Oliveira (2020)

A referência teórica e metodológica contra hegemônica foi apresentada e sistematizada no livro Metodologia do Ensino de Educação

Física, de 1992, sob a denominação de “proposição pedagógica críticosuperadora” que é ancorada na teoria educacional e pedagógica históricocrítica (SAVIANI, 2007) e no marxismo como teoria do conhecimento e compreende a educação física como campo acadêmico e de intervenção social, cujo objeto de estudo é a cultura corporal. A pedagogia histórico-crítica surge como uma proposta que avança e supera realidades da sociedade capitalista e, assim, desperta a consciência crítica do aluno sobre o seu contexto social, instigando este a questionar a realidade em que se insere, cuja superação ocorre por meio da apresentação dos conteúdos de forma sistematizada e contextualizada por parte do professor, por isso, o aluno absorve conhecimentos teóricos aprofundados e, em seguida, é capaz de ter uma nova ação consciente. O objetivo nuclear da pedagogia histórico-crítica é a formação de seres emancipados e omnilaterais (SAVIANI, 2007; GASPARIN, 2005). A

proposição

pedagógica

crítico-superadora

sistematiza

e

apresenta os princípios didático-pedagógicos que emergem da prática docente para subsidiar a direção didático-pedagógica na educação física. Nesse sentido, toma o pressuposto de que o objetivo e o problema central do processo educativo na educação física devem ser a tomada de consciência, buscando evidenciar a relação entre os valores educativos e as condições materiais subjacentes, no sentido de contribuir para a desconstrução dessas bases materiais, na medida em que fazem parte de uma fase histórica que esgotou as suas capacidades civilizatórias. Essa tomada de consciência iniciase a partir de nova prática não espontânea, mas alimentada por uma teoria que expresse a luta pela emancipação da classe trabalhadora (ESCOBAR, 1995). Para a proposição pedagógica crítico-superadora, os conteúdos da educação física devem estabelecer nexos e relações com a realidade concreta, tendo em vista a transformação social. Para tanto, o trato com o conhecimento corresponde à necessidade de criar as condições para que ocorra o processo de ensino e de aprendizagem. Assim, os conteúdos da 145


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

educação física não podem ser trabalhados de maneira empírica ou aleatória, requerem, entretanto, planejamento, seleção, organização e sistematização metodológica. Logo, a partir dessa compreensão, apresenta três princípios de seleção de conhecimento para o trabalho pedagógico:  a relevância social do conteúdo, tendo em vista o sentido e o significado histórico e social;  a contemporaneidade do conteúdo, priorizando os clássicos e as suas formas mais desenvolvidas; e  adequação

às

possibilidades

sociocognitivas

dos

alunos,

considerando o nível de aprendizagem dos alunos e suas possibilidades como sujeitos históricos. E

expõe

ainda

quatro

princípios

metodológicos

para

a

sistematização do conhecimento: princípio do confronto e contraposição dos saberes, tendo em vista a passagem do senso comum à consciência filosófica;  princípio da simultaneidade dos conteúdos – enquanto dados da realidade, tais conteúdos devem ser tratados com relações, nexos e inserção na totalidade social;  princípio

da

espiralidade,

incorporação

e

ampliação

das

referências do pensamento por aproximações sucessivas com a realidade social;  princípio da provisoriedade do conhecimento – compreende o caráter histórico e social do conhecimento e seu movimento dialético. Nesse sentido, de acordo com Soares et al. (2012), o trato com o conhecimento esporte reflete a sua intenção epistemológica e anuncia as condições para selecionar, sistematizar e organizar esse conteúdo de ensino, implicando

em

superar

o

ensino

tradicional

e

hegemônico

desse

conhecimento, historicamente construído pela humanidade a partir de uma educação crítica e reflexiva. Conforme Soares et al. (2012), o ser humano transformou em jogos as atividades de trabalho, que foram criadas como objetos de necessidade e de ação. Os jogos tiveram, portanto, sua origem em um processo histórico que decorreu do trabalho. Logo, considerando o esporte 146


Araújo e Oliveira (2020)

como uma decorrência dos jogos, então, trata-se de um importante conteúdo da cultura corporal e abordado como uma atividade histórica. É fundamental ressaltar que, o esporte, por ser um produto que decorre das relações do trabalho, então, decorre do processo de construção e vivência da cultura. Conforme Soares et al. (2012), a cultura é o produto da vida e da atividade do homem. É um fenômeno social pertinente ao desenvolvimento histórico, ou seja, está relacionado diretamente com o trabalho, com as relações objetivas materiais, reais, dos homens com a natureza e com os outros homens. A pedagogia histórico-critica aponta princípios fundamentais para compreender o processo de emancipação por intermédio do esporte, onde a participação de todos leva ao desenvolvimento de responsabilidades e de comprometimento social com a construção da realidade numa visão de totalidade, como algo dinâmico e carente de transformações, estimulando a criatividade e formando indivíduos autônomos e independentes, opondo-se, enfim, a perspectiva tradicional e reprodutiva, estimulando mudanças reais e concretas na concepção de ensino da Educação Física bem como no conteúdo, no método e nas condições das possibilidades na prática pedagógica. Logo,

o

ensino

esportivo

escolar

superaria

o

mero

desenvolvimento de habilidades técnicas e motoras, permitindo aos alunos uma melhor compreensão da realidade do esporte e principalmente dos problemas causados por uma prática que privilegia o resultado esportivo de curto prazo. A proposta da pedagogia histórico crítica busca condições para que o esporte promova a emancipação dos sujeitos deve se sobrepor a uma visão utilitarista, que se apresenta como necessária a preservação da saúde, melhoria das condições físicas e das atividades lúdicas que visam apenas propiciar a alegria e a descontração dos alunos para se transformar numa atividade que proporcione uma melhor compreensão do fenômeno esportivo, na avaliação e nas mudanças históricas do homem. O professor deverá promover entendimento do mundo social, formulação de interesses e problematização do esporte. 147


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

No

processo

de

trabalho

pedagógico,

o

trato

com

os

conhecimentos da cultura corporal, é orientado por determinadas finalidades no que diz respeito à formação humana, e, nesse sentido, os conteúdos da cultura corporal na sua dimensão ontológica são fundamentais na formação do gênero humano. No entanto, essa dimensão pode ser secundarizada no trato com esse conhecimento quando as finalidades estão orientadas pelos interesses do capital. Frizzo (2008) alerta que o trabalho pedagógico é uma prática social munida de forma e conteúdo, expressando nas possibilidades objetivas, as determinações políticas e ideológicas dominantes e/ou de resistência de uma sociedade. Na sociedade dividida em classes, onde as relações sociais são de exploração e expropriação, o trabalho pedagógico tende a desempenhar funções demandadas pelos projetos hegemônicos. É por meio do trabalho pedagógico que o professor de educação física, ao mesmo tempo em que é submetido aos interesses hegemônicos do capital, pode contribuir, pela contradição, com a transformação das relações de produção na forma atual, tendo como horizonte histórico não a venda de uma mercadoria, isto é, o pacote de serviços da cultura corporal, e sim a formação humana dos indivíduos. Reconhecemos que não estão anuladas as possibilidades de desenvolvimento no trato com o conhecimento esporte numa perspectiva emancipatória. Pelo contrário, tendo em vista que a contradição é o motor do desenvolvimento capitalista, permitindo vislumbrar ações pedagógicas munidas de forma e conteúdo sintonizados com os interesses da classe trabalhadora que são antagônicos. Nessa perspectiva, [...] o trabalho pedagógico deve partir da análise de problematizações, visando à conscientização de valores humanos, a vivência constantemente recriada de conteúdos culturais e buscando formas democráticas de interação social. Portanto, a concepção de educação deve contemplar uma visão de futuro que considera a condição humana como objeto essencial de todo trabalho pedagógico. (FRIZZO, 2008, p. 164).

Frizzo (2008) explica que, dentre os pressupostos ontológicos fundamentais do trabalho pedagógico, estão as concepções de ser humano, 148


Araújo e Oliveira (2020)

história e realidade, estas que revelam a cosmovisão contida no processo de ensino e de aprendizagem. Assim, “[...] no trabalho pedagógico, o sujeito ativo e agente transformador é o professor e o objeto é a realidade ou o mundo concreto da necessidade” (FRIZZO, 2008, p. 164). O

papel

do

professor

no

desenvolvimento

do

trabalho

pedagógico, com os conhecimentos da cultura corporal, é fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos, ou seja, desenvolver a capacidade humana de superar a percepção imediata e aparente da realidade concreta. Quanto ao trato com o conteúdo esporte na escola, é preciso resgatar os valores que privilegiam o coletivo sobre o individual, bem como defender o compromisso da solidariedade e respeito humano, a compreensão de que jogo se faz "a dois" e de que é diferente jogar "com" o companheiro e jogar "contra" o adversário (SOARES et al., 2012). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os limites e as contradições, identificadas na produção do conhecimento sobre o trato com o conhecimento esporte nas aulas de educação física, implica reconhecer que quem crítica o esporte na sua forma hegemônica de alto rendimento, tem como objetivo transformá-lo ou reinventá-lo, promovê-lo em todas as suas potencialidades e não aboli-lo ou negá-lo. Uma possibilidade de transformação é a substituição dos jogos internos da escola pelo festival de cultura corporal. A dualidade referente à centralidade ou à negação do ensino da técnica no trato com o conteúdo esporte é uma contradição existente na produção conhecimento sobre o tema. Entretanto, essa contradição a partir da abordagem crítico-superadora evidencia que “[...] afirmar a necessidade do domínio das técnicas de execução dos fundamentos das diferentes modalidades esportivas não significa polarizar nosso pensamento em direção ao rigor técnico do esporte de alto rendimento” (SOARES et al., 2012, p. 84). O estudo também esclarece que o esporte não deve se limitar exclusivamente a promoção de saúde. Não se trata de negar os benefícios das 149


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

práticas corporais para a saúde, e sim de não diminuir o sentido dessas práticas a esse objetivo e de não entender a especificidade da Educação Física e sua função na escola que seria exatamente a promoção da saúde. De acordo com o estudo não se deve substituir o movimento pela reflexão, e sim colocálos em igualdade. Os limites identificados na discussão teórica, quanto às fragilidades na sistematização e aplicação do conteúdo esporte no contexto escolar, se devem ao fato de este ser ensinado quase que exclusivamente na dimensão esporte de rendimento. Por isso, a forma como o esporte é ensinado na escola, como conteúdo hegemônico nas aulas de educação física, alinhado à lógica do rendimento, gera a exclusão nas aulas de educação física. Conforme afirma Oliveira (2001), o esporte traz consigo possibilidades contraditórias, de modo que é possível enfatizar situações que privilegiam a solidariedade sobre a rivalidade, o coletivo sobre o individual, a autonomia sobre a submissão, a cooperação sobre a disputa, a distribuição sobre a apropriação, a abundância sobre a escassez, a confiança mútua sobre a suspeita, a descontração sobre a tensão, a perseverança sobre a desistência e, ainda, a vontade de continuar jogando em contraposição à pressa para terminar a partida e configurar resultados. Temos acordo com as formulações de Bracht (2000) quando assevera que é preciso criticar e problematizar à desesportivização da educação física, atentando para a não negação ou abandono do esporte como conteúdo. As críticas e as formulações feitas, neste artigo, se num momento remetem a um pessimismo, muitas vezes, enfatizado, e que ‘sufoca’ as possibilidades de transformação, não impedem que possamos vislumbrar possibilidades reais de transformação do esporte. Dessa forma, nos aproximamos de Taffarel (2000) e Oliveira (2001), e reivindicamos a reinvenção do esporte. O estudo considera o ponto principal da pedagogia histórico crítica, sendo o comprometimento com o ensino de qualidade, com a aprendizagem 150

efetiva

e

com

enraizamento

pedagógico

fortalecido,


Araújo e Oliveira (2020)

consolidado, engajado e comprometido com a formação da classe trabalhadora que, mediante o ensino do esporte, pautado na perspectiva crítico-superadora, pode permitir aos alunos, a apropriação da forma mais desenvolvida do saber que se encontra acumulado na cultura. A teoria educacional histórico crítica surge como uma possibilidade e apresenta subsídios necessários para a sistematização do conteúdo esporte, rompendo, desse modo, com a hegemonia do esporte de rendimento focado em técnicas, resultados e competições.

151


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Handling with the sports content in School Physical Education: limits, contradictions and possibilities Abstract: The article presents the analysis of limits, contradictions and possibilities of dealing with the sports content in School Physical Education based on the knowledge production on the subject. Thus, it was carried out bibliographic and exploratory research to find sources related to the theme published in books, Brazilian scientific journals and dissertations. The authors composing the theoretical and methodological contribution are Bracht (2000), Colavolpe (2010), Tubino (2001), Soares et al. (2012), Oliveira (2001), among others. It uses the dialectical historical materialism as methodology. It points out that the sports content still presents itself in a hegemonic way in Physical Education classes, almost exclusively in the dimension of performance sport. It concludes that dealing with this content based on the historical-critical educational theory and critical-overcoming pedagogical approach is an emancipatory possibility for its transformation, reinvention and promotion at school. Keywords: Physical Education. Sport. Knowledge.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Questões críticas a considerar na organização didática de Exercícios Físicos em Treinamento Resistido Daniel Castilho de Souza (UNIASSELVI) * Fábio Andrade Fernandes (UNIASSELVI) ** Gláucia Lobato Kaneko (UFPA) *** Marta Genú Soares (UEPA) **** Resumo: A aplicação do treinamento de força nem sempre esteve voltada para os processos didáticos necessários para resguardar a saúde e prolongar os benefícios do treinamento. Hoje, sabe-se que a organização do trabalho docente nesse espaço está diretamente relacionada a eficácia do treino, como afirmam Bompa (2001) e Santarém (2012). A pesquisa realiza investigação de campo que utiliza investidas bibliográficas e prima pela abordagem qualitativa com análise de conteúdo dos dados coletados. O estudo foi desenvolvido por duas semanas com observação da didática da aplicação do treinamento. Conclui que há necessidade em obter conhecimentos pedagógicos e biológicos para que ao prescrever o treinamento o professor tenha elementos didáticos para intervenção de forma eficaz com um plano de treino construído junto com o aluno a fim de garantir sua condição de saúde. Palavras-chave: Treinamento Resistido. Planejamento didático. Prática Reflexiva. * Licenciado em Educação Física (UEPA). Especializando em Fisiologia do Exercício pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci. E-mail: danielcastilho97@gmail.com ** Licenciado em Educação Física (UEPA). Especializando em Fisiologia do Exercício pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci. E-mail: fa.fernandes27@gmail.com *** Mestra em Educação (UEPA). Professora Substituta na Faculdade de Educação Física da Universidade Federal do Pará. E-mail: glauciakaneko@gmail.com **** Doutora em Educação (UFRN). Professora Titular na Universidade do Estado do Pará. E-mail: martagenu@gmail.com

INTRODUÇÃO

sse estudo investigou os princípios didático-pedagógicos na sala de musculação, a implementação de práticas educativas para a saúde e a importância do contato diário do professor para monitorar os resultados dos alunos, como questões críticas a considerar. O conhecimento de que 154


Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

exercícios físicos promovem diversos benefícios, desde a antiguidade o treinamento de força faz parte do cotidiano do ser humano, ao qual necessitava sobreviver e esculpir seu corpo para que assim, tivesse aptidão física em meio aos diversos confrontos da natureza. Dessa maneira começou a relação entre homem e exercício físico. Por meio da observação técnica se verificou que a principal questão crítica ao treino refere às ferramentas para elaboração e execução de um planejamento, que é o desconhecimento por parte de muitos professores que desenvolvem sistemas de treino de forma empírica, desorganizada e aleatória. Aliado a isso, os fatores de risco e lesões propiciam a necessidade real em planejar. Apesar da tarefa não ser fácil, o planejamento é de extrema importância, visto que o professor necessita de critérios para a tomada de decisões, desde a escolha de testes até o que programar para as fases do treinamento. O planejamento é um recurso para atingir resultados ainda mais significativos aos alunos, desde que na sua elaboração, o professor de educação física saiba relacionar as evidências científicas com a prática, essa correlação é mais uma questão crítica a observar-se no plano de treino. O professor de Educação Física deve, portanto, avaliar o seu aluno de forma prática, porém, levando em consideração aspectos científicos, além de, identificar possíveis erros de execução visto que o aluno necessita passar pelo processo de ensino/aprendizagem, sempre do padrão de movimento mais fácil ao mais difícil, sendo classificado como iniciante, intermediário e avançado, uma vez que o aluno iniciante não consegue realizar exercícios considerados avançados, ou os realiza com prejuízos físicos. A pesquisa é um instrumento para aqueles que buscam constantemente conhecimento, e para aqueles que não querem reproduzir paradigmas como o de que estética é sinônimo de saudável, ressaltando a necessidade de observar como o corpo reage aos estímulos orientados e planejados previamente pelos professores. Assim, averígua-se formas adequadas para atender o aluno de maneira individual, sistematizada e planejada, visto que para muitos, não é 155


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

visível a forma como ocorre o planejamento e a estruturação do trabalho pedagógico do professor, que apesar de, ao longo da formação, vivenciar diversos planejamentos didáticos, muitos utilizam os espaços apenas como um mero reprodutor de atividade física sem qualquer preocupação com o aluno e seus objetivos específicos. Nesse sentido, este estudo alcançou um professor de laboratório de exercícios resistidos, o que julgamos suficiente para uma primeira investigação sobre a organização da aula em salas de musculação. O instrumento

da

pesquisa

foi

um

questionário

com

perguntas

semiestruturadas, o qual abordou os elementos do planejamento do treinamento e a prescrição do exercício. O questionário conteve seis perguntas que abordaram fatores relacionados ao engajamento do sujeito para a prática sistematizada do treinamento resistido e a metodologia implementada no laboratório, que difere à concepção tradicional de periodização do treinamento. Os dados coletados na pesquisa ocorreram ainda por meio de observação direta extensiva dos treinos dentro do próprio laboratório. Com o enfoque para a observação das relações e percepções adotadas pelo professor, se buscou enunciar e caracterizar a organização didática como processo para a manutenção e reestabelecimento da saúde em salas de musculação. O objetivo geral foi investigar o planejamento didático e técnico do treinamento resistido, onde observou-se que embora o tema seja atual, muito pouco se discute sobre planejamento didático, pelos professores, em treinamento resistido, visto que, todo planejamento deve estar sustentado em teorias científicas. Não é de hoje que o planejamento didático deve estar presente em salas de musculação, mesmo sabendo disto muitos não planejam a aula e as metas de forma adequada, bem como os métodos do treinamento, levando o treino ao fracasso e distanciando o êxito a se alcançar. O sentido do planejamento aparece desde a reflexão do professor até as avaliações, as quais podem ser utilizadas como parâmetro para a prescrição, isto porque a avaliação pode indicar se as metas e os objetivos foram alcançados, por meio da análise de acertos e erros da prescrição e outros recursos que respeitam a individualidade. 156


Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

Como forma de organizar o estudo, a seção um intitulada “Treinamento resistido: origem e aplicação” trata desde o surgimento do treinamento físico até sua aplicação em salas de musculação. Na seção dois, denominada “A sala de musculação como espaço educativo para a saúde” se discute a finalidade dos professores em salas de musculação discutirem a educação integral nesses espaços, enquanto que a seção três “Planejamento: elementos técnico-didáticos para avaliação e controle em treinamento resistido” analisa como os elementos técnico-didáticos podem ser utilizados juntamente ao planejamento do professor para controle do treinamento resistido. 1. TREINAMENTO RESISTIDO: ORIGEM E APLICAÇÃO

Ao tratar sobre o treinamento resistido é necessário compreender a sua origem e evolução até os dias atuais, sabe-se que os princípios do treinamento estão diretamente relacionados à origem do treinamento resistido, que inicialmente de maneira empírica, foram sendo sistematizados através do método indutivo. Durante a pré-história o homem dependia de sua força, velocidade e resistência para sobreviver (OLIVEIRA, 1998) após esse período os exercícios físicos continuaram merecendo o mesmo destaque. Os egípcios – considerados por muitos historiadores como a mais antiga civilização – deixaram o seu registro em paredes de capelas funerárias mostrando homens levantando pesos em forma de exercícios. Entre os povos primitivos ocidentais, a civilização grega atinge um estágio civilizatório de forma pioneira. No mesmo livro, Oliveira (1998) sublinha que “a educação grega não divorciou a educação física da intelectual e espiritual, considerando que o homem é somente humano enquanto complexo” (OLIVEIRA, 1998, p. 21). Como assegura Fahey (2014), Milo de Krotona foi o grande responsável pelo treinamento de força devido se tornar um dos pioneiros da época, diz a lenda que Krotona selecionou um bezerro e acompanhou o seu

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

crescimento. Durante este processo o bezerro era erguido todos os dias em seus ombros, com isto houve o princípio de adaptação já que o animal crescia dia após dia. O relato histórico de Milo de Krotona, atleta olímpico de luta e discípulo do matemático Pitágoras ilustra ainda os princípios do treinamento de continuidade e sobrecarga. Os princípios de treinamento utilizados em musculação foram desenvolvidos a partir do conhecimento popular, em muitos aspectos confirmados ou aperfeiçoados pelo conhecimento científico (SANTARÉM, 2012, p. 57). Os princípios básicos do treinamento, são divididos em nove, dentre eles: o princípio da conscientização, adaptação, sobrecarga, acomodação, especificidade, individualidade, variabilidade, manutenção, reversibilidade (PRESTES et al., 2016). No princípio da conscientização é indicado transmitir ao aluno, a importância da adesão atividade física e os benefícios para a saúde; a adaptação: o organismo humano responde e se adapta com as cargas de trabalho e acomoda-se com o tempo; a sobrecarga: para evoluir o organismo necessita de cargas maiores aos quais foi adaptado, isto requer cuidado pois é de forma gradual, do simples para o mais complexo, aumento de intensidade, aumento de repetições, velocidade de execução, diminuição ou aumento do intervalo entre as series Quanto a acomodação, quanto mais treinado é um indivíduo menor é a magnitude do ganho; a especificidade: tem intima relação com programas de treinamento esportivo, sendo utilizado por atletas de alto rendimento; a individualidade: é a teoria que garante a individualização do treinamento, e comprova que cada ser humano reage de uma forma, adequar cada pessoa a um plano de treino individualizado, sem replicações de treino igual para todos; a variabilidade: este princípio se estrutura no conceito de variar, o número de series, sistema de treinamento, tipos de contração, velocidade de execução, variação entre pesos livres e aparelhos A manutenção é princípio quando atingido o resultado do programa de treinamento, o aluno juntamente ao professor, devem aplicar o princípio da manutenção, ao qual garante a redução de dias de treino, execução, series; e a reversibilidade: a diminuição da intensidade ou do 158


Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

volume de treinamento, abaixo do nível mínimo, gera a regressão de resultados obtidos. Durante a idade média, cavaleiros aumentavam sua força levantando rochas e correndo e nadando enquanto vestiam camisas feitas com ferro pesado. Na Escócia, homens treinavam também jogando e levantando rochas pesadas (FAHEY, 2014). No decorrer dos tempos o doutor Gustav Zander, da Suécia, desenvolveu aproximadamente 70 equipamentos de exercício que foram utilizados em instalações médicas no final do século XIX. Muitos desses equipamentos são similares aos usados hoje, [...] sendo assim, o treinamento de força passou por uma extraordinária evolução nos últimos 50 anos. Executado anteriormente por um pequeno segmento da sociedade, hoje tornou-se popular entre uma grande camada da população, em razão dos muitos benefícios que propicia à estética e à saúde. Nas décadas de 1930 e 1940, o treinamento de força era realizado quase exclusivamente por um pequeno número de atletas, em especial os levantadores de pesos olímpicos e culturistas. (FLECK; SIMÃO, 2008, p. 15).

Como visto, o treinamento de força ganhou novos rumos e hoje está presente em diversos locais, sendo praticado por diversos grupos de pessoas chegando a ser recomendado por médicos e demais profissionais com a fim de propiciar saúde. O treinamento de força passou por grandes resistências para ser aceito na sociedade, muitos mitos e paradigmas foram enfrentados, e ainda hoje estão presentes. Muitas pessoas acreditavam que a utilização do mesmo iria afetar a saúde geral do corpo (FLECK; SIMÃO, 2008). De 1930 a 1940 o treinamento de força (TF) era realizado apenas por atletas, em especial os levantadores de peso que necessitam aprimorar suas técnicas de execução em seus devidos esportes. O TF era visto como vilão para a saúde já que se propagava lesões envolvendo atletas e pessoas que não obtinham instrução adequada. As pessoas tinham medo pois, acreditava-se que não se existiam benefícios aos músculos esqueléticos.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Entre 1950 e 1960 muitas ideias negativas envolvendo o TF deixam de ser seguidas e, com isto, uma nova gama de pessoas iniciam a sua prática. Os mitos de que o TF poderia causar encurtamento de tendões e baixa velocidade deixaram de ser propagados e com isto, médicos e equipes utilizam o TF para melhor performance em competições, atletas adotaram o TF ao qual se tornaria base de muitos esportes internacionais (FLECK; SIMÃO, 2008, p. 15). Ainda sobre recomendações, jogadores de basquetebol, tênis e futebol podem utilizar o TF ou treinamento resistido como preparo físico para seus desportos e competições específicas. Ou seja, o treinamento resistido pode ser praticado como base de diversos esportes que necessitam a utilização do trabalho de força envolvido em diversos momentos durante o jogo (FLECK; KRAEMER, 2009, p. 40). Para Santarém (2013) o treinamento com pesos se adapta às mais diversas situações de acordo com as finalidades que podem ser estéticas, terapêuticas,

profilática,

preparação

física

competitivas

e

especiais,

entretanto “[...] não deve consistir apenas em levantamento de peso, sem uma finalidade ou plano específico” (BOMPA, 2001, p. 4). Seja qual for o objetivo, a sala de musculação compreende um espaço

educativo

nos

diferentes

níveis

de

preparação

(iniciante,

intermediário e avançado). Em cada um desses, o professor deve dispor de uma abordagem diferente para que se possa obter resultados significativos e que garantam a qualidade de vida e objetivos pessoais dos sujeitos. Observou-se a necessidade em analisar a origem do treinamento com o intuito de obter mecanismos para se interferir positivamente e de maneira integral no processo, seja qual for a aplicação. As ações voltadas para práticas relacionadas à saúde devem ser alvo de discussões e reflexão durante o processo de treino, visto que a prática do treinamento de força pode não ser suficiente se não estiver atrelada a hábitos que conduzem a um estilo de vida saudável que serão abordados na próxima seção.

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Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

2. A SALA DE MUSCULAÇÃO COMO ESPAÇO EDUCATIVO PARA A SAÚDE O condicionamento físico pode ser visto como aspecto preponderante para a manutenção e restabelecimento da saúde60. A capacidade do professor em estabelecer relações educativas na sala de musculação interfere diretamente na sistematização desse fator no cotidiano dos alunos. A visão do senso comum estabeleceu o exercício físico como sinônimo de saúde. Sabe-se que o condicionamento físico é apenas uma das condições de saúde, sendo influenciada por diversos fatores. Infelizmente muitas vezes é realizada uma relação de causalidade entre estética e saúde, negando aspectos que podem influenciar a melhoria da saúde visto que existe uma “multiplicidade de segmentos que influenciam a saúde do ser humano como condições salariais, existência de saneamento básico adequado, dentre outros” (KANEKO, 2018, p. 56). A consideração, por parte do professor, de vivências prévias e expectativas quando combinadas a intencionalidade do aluno em vivenciar saúde em uma visão ampla é de grande relevância para a obtenção dos objetivos desejados. O professor deve, portanto, orientar as pessoas para que elas possam praticar o exercício físico de maneira correta e consciente de seus objetivos. Além disso, elas devem ter consciência de que não é somente com a prática de exercícios que se vai adquirir ou manter o seu status de saúde (DEVIDE, 1996). O treinamento físico aliado a um estilo de vida saudável proporciona disposição para desempenhar atividades rotineiras como puxar, empurrar, com dominância do tronco e que utilizem a região inferior do corpo. Além do que, a capacidade de realizar esforços físicos e a prevenção de lesões estão intimamente relacionadas, daí surge a relevância em planejar o limite de esforço do aluno desde o início.

60 Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) o conceito saúde é definido como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afeções e enfermidades”.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O motivo da prática de atividades físicas sistematizadas, mais precisamente do treinamento resistido, deve ser alvo de debates, visto que se observa que a realização na maioria das vezes, de forma funcionalista e descontextualizada, sem a reflexão da necessidade de hábitos saudáveis aliados a prática e não levando em consideração os interesses dos alunos. Um dos benefícios da prática de exercício físico é a sensação de bem-estar, mas, questiona-se até que ponto esse real benefício vem sendo levado em consideração durante o planejamento. Havendo ainda uma diferenciação da imagem estética, o aluno deve praticar sistematicamente o treinamento resistido porque gosta do seu corpo, e não o contrário. O estilo de vida fitness acaba por vender o conceito de “saúde”, todavia, esse discurso não passa de discurso para vendas. Volumes excessivos, ausência de monitoramento e supervisão inadequada são fatores completamente opostos ao que é proposto. A saúde, portanto, não é uma condição estática, existente somente devido à ausência de doenças, mas sim um processo de aprendizagem, tomada de decisão e ação para otimização do bem-estar próprio (HARRIS, 1989, p. 129-138). Há necessidade de propiciar ao aluno o gosto pelo treinamento com pesos, bem como, a subdivisão entre metas a curto e a longo prazo, que emerge da relevância em manter o condicionamento físico, fator para um estilo de vida ativo. Havendo dessa maneira, a oportunidade de desenvolver um projeto que de fato impactará na vida do aluno, acabando com a ideia do “projeto verão”. A análise da carga interna e externa, correção técnica, monitoramento da dose/resposta dos exercícios e a explicação da importância de metas traçadas fazem parte da construção de uma prática educativa eficiente em uma sala de musculação. De acordo com as respostas do aluno, o professor deve modificar o plano de treinamento periodicamente, o que se refere ao monitoramento dos exercícios. Em tal caso, uma boa coerência entre o professor e o aluno, propicia a confiança necessária para a obtenção de um grau de excelência satisfatório no que se refere a aplicação de cargas externas (volume e

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Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

intensidade do treino) e carga interna (estresse psicológico e fisiológico prescrito ao organismo do aluno). Alguns

alunos

apresentam

vivências

obtidas

com

o

treinamento resistido ou informações obtidas na mídia, entretanto, muitas vezes, esse conhecimento não é o suficiente para a execução correta do movimento e para isto o professor deve ter uma abordagem que não possa contrariar o aluno ou deixar o mesmo desestimulado. Outro aspecto que pode ser levado em consideração trata da seleção prévia dos exercícios, as tarefas que o aluno apresentar dificuldade de execução podem ser prescritas inicialmente sem peso e aliada a exercícios de execução mais simples, para que assim não haja descontentamento e frustração. Durante o estudo foi verificado que práticas educativas para a saúde são fatores preponderantes para a manutenção da saúde em salas de musculação. Não é difícil verificar sujeitos que ainda acreditam que somente com a prática de exercícios físicos irão obter resultados satisfatórios, e é papel dos professores envolvidos no processo de treino em salas de musculação, a orientação sobre os diversos fatores relacionados a saúde envolvidos no processo. As avaliações e o controle do processo de treino estão diretamente ligados a organização didática, e assim, o professor obtém parâmetros que se referem a efetividade de sua metodologia para que possa realizar possíveis modificações. Na próxima seção, será detalhada a forma com a qual o professor possa em sua prática, identificar propostas voltadas a cada sujeito, de acordo com seus anseios e necessidades. Estão ainda inseridas as observações e a entrevista ao professor participante da pesquisa sobre sua organização didática no treinamento resistido.

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3 PLANEJAMENTO: ELEMENTOS TÉCNICO-DIDÁTICOS PARA AVALIAÇÃO E CONTROLE EM TREINAMENTO RESISTIDO

Na atual conjuntura, a prática de atividade física é difundida em diversos meios como livros que envolvem o treinamento resistido, mídias sociais e em programas de TV. Entretanto, pouco se fala da avaliação física como base de um programa de treinamento de forma enfática. Avaliação física é um processo que nos permite, de forma objetiva ou subjetiva, comparar critérios e determinar a evolução de uma pessoa ou um grupo numa linha de tempo seus avanços e retrocesso (RASH, 1971 apud ROCHA; GUEDES JUNIOR, 2013, p. 20).

O que realmente ainda não está claro para muitos praticantes é de que forma a avaliação física pode redimensionar o planejamento da atividade física, mesmo que o início de quaisquer planos de exercícios físicos sem a avaliação possa ocasionar em uma série de erros. Para aplicação do treinamento resistido, o registro de treino deve conter: 1º nome do exercício; 2º uma sequência adequada; 3º o número de séries e o intervalo, ao qual correspondem o intervalo de descanso e a intensidade utilizada a cada exercício (FLECK; KRAEMER, 2009). Com isto, os registros de treino se respaldam, na avaliação física e no planejamento traçado para determinado período. Para Rocha e Guedes Junior (2013, p. 20) a avaliação física deve ter como função e objetivo: a) avaliar o estado do aluno antes, durante e após o treinamento; b) motiva o indivíduo para superar novos desafios; c) acompanhar o progresso do indivíduo durante o programa de treinamento, d) detectar falhas no planejamento; e) sugerir ao praticante a renovação do treinamento; f) levar o praticante para a conscientização sobre saúde e qualidade de vida; g) demonstrar os resultados por dados reais (números). Ainda sobre aplicação dentro do planejamento, é necessário que seja levado em consideração de que forma o aluno vai se adaptar melhor ao exercício, se o mesmo deve primeiramente realizar exercícios livres ou exercícios em aparelhos. 164


Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

O planejamento e a prescrição de qualquer exercício físico devem ser iniciados e sustentados de acordo com necessidades do aluno que deve ter confiança desde o primeiro momento em que estiver com o professor de educação física, pois é por meio do diálogo que possíveis problemas podem ser prevenidos. De acordo com Prestes et al. (2016) é necessário sempre avaliar o início de qualquer atividade física para que esta seja planejada, sistematizada sendo motivacional e individual a cada aluno, sendo sempre positivo, com os resultados divertido e bem-humorado nada em excesso, acreditar no aluno e solicitar ideias e sugestões. Atualmente, existe um grande número de espaços direcionados a prática do treinamento resistido pelo Brasil, algumas destas utilizam imagem de homens e mulheres em corpos esculpidos como atrativo para obter suas vendas, entretanto, as imagens e propagandas não retratam os cuidados tão necessários para com os praticantes. A avaliação física, em muitos locais, não é exigida, levando os alunos apenas a se matricular e começar os programas de exercícios sem respeitar necessidades de maneira individual. A prática do exercício físico é propagada como meio de saúde, entretanto, o início de um novo processo de treino requer que o praticante obtenha parâmetros no início até final de seu último ciclo do treinamento, uma parte de praticantes do treinamento resistido negligenciam o uso da avaliação física devido não obterem informações concretas sobre aplicação da mesma. De forma similar, Guimarães Neto (2017, p. 75) orienta que: A análise de um programa de treinamento deve ser o mais completo possível. Por isso, em uma avaliação física prévia (que não deve ser somente física), sugerimos que ao menos um tipo geral de personalidade possa ser diagnosticado para que possamos ter uma visão do que pode estar por vir.

Diante do exposto, a avaliação física ganha importância dentro do processo didático em exercícios físicos, visto que é por meio desta, que os anseios e necessidades podem ser mensurados, afim de que se possa

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

organizar um plano de exercícios efetivo, sendo necessária uma prescrição efetiva para que se evite lesões, platô e frustrações de resultados. O uso da avaliação física não deve ser visto como apenas um papel de anotações sem finalidade, mas, como um respaldo para maior segurança, já que é possível diagnosticar diversas alterações morfológicas ou problemas de ordem da saúde em geral. Para os autores Foementin, Marques e Abech (2013), tão importante quanto avaliar é reavaliar. A reavaliação fornece a evolução do aluno, além de, ajudar a equacionar e elaborar melhor o processo de treinamento. Fatores como experiências anteriores com o treinamento resistido, motivo de possível desistência e atividades desenvolvidas, garantem a eficácia do processo de treino, sendo que, metas a curto e longo prazo devem se relacionar aos interesses e necessidades dos alunos que devem ser reavaliados posteriormente. 3.1 AVALIAÇÃO FÍSICA: TESTES, PROTOCOLOS E RESULTADOS Pode-se considerar que a avaliação física é um conjunto de ações sistemáticas com a intenção de organizar o início, meio e fim em um programa de treinamento, entretanto, o uso da avaliação física, muitas vezes, não é feito de forma consciente, alguns espaços não exigem que o praticamente a faça. Outro ponto recorrente, é a falta de conhecimentos de alguns profissionais da área, que pouco se interessam em realizar cursos de atualização a respeito, ou a formação continuada necessária. Na avaliação física se pode identificar desequilíbrios posturais, metabólicos e funcionais, é por meio da avaliação física que se norteia e se estrutura o treinamento. Efetivamente constatamos que no laboratório a intervenção se dá em função de laudos médicos, PAR-Q 61 e anamnese62, posteriormente, são realizados testes de capacidades físicas, nomeadamente: força direta através do aparelho dinamômetro; flexibilidade por meio do 61

Trata-se de um Questionário que deve ser aplicado, antes do início de um programa de atividade física regular, buscando identificar possíveis problemas ou restrições de saúde. 62 Configura-se como um diagnóstico complementar ao exame físico.

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Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

banco de wells, e a resistência avaliada por testes de marcha estacionária e sentar e levantar, bem como peso e altura dos sujeitos. Conforme Monteiro (2004) existem pelo menos cinco grandes objetivos que norteiam avaliação física a) obter parâmetros sobre o estado de saúde do avaliado; b) diagnosticar potencialidades e deficiências referentes às valências físicas a serem trabalhadas; c) orientar o trabalho individualizado; d) servir como feedback durante todo o processo de treinamento; e) integrar o processo educacional pelo qual o avaliado aprende a compreender melhor suas necessidades, levando-o a uma maior aplicação nos treinamentos e obtenção de melhores resultados. (MONTEIRO, 2004, p. 23-24).

A condução de testes e a avaliação para coleta dos dados geram informações objetivas sobre os pontos fortes e fracos das capacidades fisiológicas e funcionais do aluno. Quando realizados de maneira correta, esse processo possibilita que o profissional do exercício desenvolva o programa de treinamento mais eficaz e apropriado ao atleta. No entanto, o processo envolve muito mais do que a simples coleta de dados (MILLER, 2015. p. 13). Os resultados do treinamento de força aparecem assim, após testes, protocolos e dentro da avaliação física aonde se investiga e prioriza os princípios do treinamento. A coleta de dados vai para além de um processo numérico, perpassa por anamnese inicial e, os testes de capacidades físicas e avaliação funcional, que asseguram a confiabilidade para que o resultado do objetivo inicial seja concretizado. Além disso, estabelecer uma relação de confiança para que o aluno se comunique com menos resistência no processo de comunicação é uma ferramenta com a qual o professor de educação física pode contar para obter parâmetros de quantificação da carga de treinamento. 3.2 A AVALIAÇÃO MULTIDISCIPLINAR O processo de avaliação física pode não deve ser acompanhado apenas por professores de Educação Física. Partindo disto, em qualquer processo que envolva exercício físico, intensidade, volume, repetições e carga 167


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

que se deva obter informações acerca do estado físico do aluno de forma bem minuciosa, este tipo de avaliação só pode ser realizado com uma equipe multiprofissional. Quando encaminhar para uma avaliação multidisciplinar? Quando, por algum motivo, seja fisiológico ou físico (detectado na anamnese), o indivíduo não puder ser submetido a uma avaliação sem auxílio de uma equipe multidisciplinar (médicos, professores etc.) em local específico; Quando o indivíduo tiver 50 anos de idade ou mais e possuir um ou mais fatores de risco (sedentarismo, fumo, colesterol e pressão arterial elevados, percentual de gordura fora dos níveis normais e histórico familiar) associados à coronariopatias; Quando indivíduos, independentemente da idade, possuírem um ou mais fatores de risco. Nesses casos, seria interessante que a pessoa procurasse um médico e realizasse uma avaliação médica (FOEMENTIN; MARQUES; ABECH, 2013, p. 22).

A avaliação física não deve se restringir apenas em medidas corporais, e sim, em informações clínicas onde o avaliador possa obter laudos exatos sobre a saúde do praticante, o check-up geral por meio de exames como, por exemplo, cardíacos, exames ortopédicos e exames laboratoriais. No caso específico do lócus de pesquisa, observou-se que, como parte do processo de matrícula do aluno, se tem a obrigatoriedade da apresentação de laudos comprobatórios relacionados à prática do exercício físico emitidos por médicos. O espaço de observação conta com diversos profissionais, entre os quais, um professor bioquímico e outro com formação em fisioterapia, o que mostra a importância de uma equipe multiprofissional no atendimento dos alunos. 3.3 DA PRESCRIÇÃO À PRÁTICA No que concerne a prescrição, a observação extensiva dos treinos, permitiu constatar que os resultados das avaliações de capacidades físicas realizadas no início do trabalho são usados para estudos e os projetos de pesquisa. As qualidades físicas do rendimento, nesse espaço, são trabalhadas

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Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

simultaneamente às investigações realizadas o que configura pesquisa e extensão com finalidades únicas. A investigação tem demonstrado que, capacidades físicas devem ser geradas em um mesmo grau de importância. Ou seja, uma capacidade física não deve ser prioritária em relação a outra, somente em casos especiais. O planejar e a intervenção também devem ser em função do condicionamento físico do aluno, a musculação desenvolve todas as qualidades de aptidão, embora nem todas em graus máximos (SANTARÉM, 2012, p. 40). No caso particular do laboratório, a tensão muscular é orientada a ser próxima a falha concêntrica, a duração é sempre inversamente proporcional a intensidade (que é sempre submáximo difícil) e a velocidade deve estar em harmonia com o movimento, o aluno não deve estar em apneia. O protocolo de treinamento proposto é realizado em duas vezes na semana, predominantemente de hipertrofia/força máxima e durante um período de seis meses. A respeito de fatores para que se possa (ou não) aumentar a carga de treinamento de forma gradativa são dependentes do projeto de pesquisa escolhido, são utilizadas, por exemplo, a percepção subjetiva de esforço, escala subjetiva de dor e em alguns casos, a aferição da pressão arterial antes e após a seção de treinamento. O pressuposto da intervenção em intensidade submáxima difícil requer uma atenção especial para a recuperação, sendo que a fadiga e a alimentação estão diretamente relacionadas a esse fator. Alguns alunos procuram

“burlar”,

não

comunicando

aos

professores

informações

necessárias aos professores. No espaço investigado, a sistematização do planejamento em um documento escrito é realizada em uma apresentação com banner. É entregue como um dado adquirido ao final do período de trabalho dos professores e estagiários, não sendo verificada a elaboração e utilização de um planejamento com dados em contínua construção. Diante dos achados, muitos profissionais da educação física sofrem com diversas questões, desde espaços até protocolos adequados para os diferentes grupos. A falta de avaliações funcionais, verificação se o sujeito já praticou alguma atividade física anteriormente e os possíveis motivos de 169


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desistência; se teve lesões ocasionadas pela atividade, ou até mesmo informações básicas relativas ao monitoramento dos exercícios, afetam diretamente o trabalho do professor, ao propor uma metodologia que leve em consideração as particularidades de cada indivíduo. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao responder à pergunta sobre como o professor lida com o conhecimento prévio dos alunos, o professor participante da pesquisa de campo respondeu que ”Sempre uma boa argumentação cientifica ajuda, quando a pessoa traz um artigo a gente conversa, ou a gente diz calma aí, o que você trouxe não é tão cientifico assim, a gente conversa com a pessoa e mostra”. Diante do que foi relatado pelo professor do laboratório por meio de exemplos citados, identificou-se como apontam Fleck e Simão (2004) que algumas pessoas, incluindo atletas acreditam que o treinamento de força pode reduzir o nível de flexibilidade corporal, entretanto, isto não tem comprovação cientifica. Na concepção dos autores, os praticantes de treinamento de força, continuam com sua flexibilidade intacta, e até mesmo aumentam a flexibilidade próximo as articulações ao executar o treinamento de força diversas etapas devem ser respeitadas dentre elas, todo e qualquer trabalho de força deve ser aliado e trabalhado em agonista e antagonista, trabalhando todas os lados, e todas articulações, por consequência ocorrera o aumento da flexibilidade e por efeito menores índices de lesões no treinamento de força. Acredita-se que não houve coerência em sua resposta, visto que, o aluno pode também trazer informações de execução para o treino baseadas em evidências científicas. Porém, se ressalta que a condução do professor é saber ouvir, pois o aluno também pode trazer conhecimento. Ao

ser

consultado

sobre

quais

considerações

quanto

a

importância de padrões fundamentais do movimento na planificação dos exercícios, obtivemos a resposta de que Alguns doutores que falam que todo treinamento é funcional, o nosso laboratório aqui é funcional, aqui a gente trabalha agachamento, o agachamento é para a pessoa andar, sentar, 170


Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

correr, se locomover, aqui se trabalha, musculo, tendões, tudo vai fortalecer e melhorar. Exemplo tem pessoas aqui que em seu dia a dia, que não conseguem andar por mais tempo, não conseguem carregar crianças. Aqui a gente faz o exercício, seguindo os padrões anatômicos, o mais natural possível. (PROFESSOR, 2019).

Para Fleck e Simão (2004) o benefício mais visível no treinamento de força é o aumento da própria força muscular, esses benefícios podem ser evidenciados em atletas e pessoas que não são atletas, um exemplo prático é subir as escadas. Se entende o posicionamento do professor participante, e acredita-se que os benefícios estão bem evidentes na literatura. Reforçamos sua afirmação "o agachamento é para a pessoa andar, sentar, correr, se locomover, aqui se trabalha, musculo, tendões, tudo vai fortalecer e melhorar’’ visto que muitos profissionais replicam fichas de treino, sem entender quais os interesses do aluno, perante suas patologias e necessidades. Ao relatar a forma que monitora o exercício descreve do seguinte modo: Vai depender da pesquisa que está sendo feita, exemplo pressão arterial antes, durante o exercício e depois, já sabemos que o exercício aqui não eleva tanto, tem pessoas que aqui fizeram trabalho de glicemia, a gente comparou antes, durante e depois, vai depender da pesquisa mesmo, aqui a preocupação é sempre se a pessoa está bem, se está alimentada, se dormiu bem, mas sempre tem alguns que tentam burlar, aí falam para o estagiário e o estagiário nos comunica. (PROFESSOR, 2019).

O ciclo de supercompensação deve ser entendido como a base para a elevação funcional da eficiência do desempenho atlético (BOMPA, 2002). Este autor esclarece que este ciclo não se verifica quando: 1) o período entre dois estímulos é muito longo; ou 2) se trabalha cumulativamente em fadiga, por não se perspectivar com atenção necessária a recuperação. Dado o exposto acima, pode-se concluir que a relação entre as componentes da “carga” direciona-se para a gestão do esforço e potenciação da recuperação dos alunos.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

A preocupação com fatores relacionados a educação em saúde se torna evidente quando é afirmado pelo professor que ”A preocupação é sempre se a pessoa está bem, está alimentada, se dormiu bem, mas, sempre tem alguns que tentam burlar, aí falam para o estagiário e o estagiário nos comunica”. Verificou-se durante as observações que as respostas para tais perguntas eram sempre afirmativas aos professores, enquanto que os alunos respondiam com sinceridade para os monitores do projeto. De acordo com os princípios do treinamento, a sobrecarga, foi uma das quais primeiro apareceu no treinamento de força, o professor informa como trabalha no laboratório que Através da progressão de cargas, como aqui o tempo é pouco, o máximo e quarenta há, uma hora, aqui a gente trabalha com aumento de carga, peso, amplitude. A gente trabalha evitando com que a pessoa, não trabalhe em apneia. Aqui, a gente ver os gestos motores, se a pessoa está fazendo muito rápido, e se a pessoa está em harmonia com o movimento. Se a gente ver q a pessoa está fazendo o agachamento errado a gente vai lá e conversa. (PROFESSOR, 2019).

Considera-se que demasiados estímulos de intensidade máxima podem levar à exaustão e a um decréscimo no desempenho, tornando-se necessário que dias de treino com estímulos de alta intensidade alternem com dias de baixa intensidade, potenciando a recuperação (BOMPA, 2002). Foi perguntado ainda de que maneira acontece a intervenção no laboratório no que se refere ao princípio da sobrecarga, um dos aspectos técnicos da prescrição, e a resposta foi: ”Aqui a gente vê os gestos motores, se a pessoa está fazendo muito rápido”, com isso é constatada a importância do contato diário dos professores com o aluno para a efetividade do processo de treino. CONCLUSÃO O trabalho do professor de Educação Física em espaços direcionados ao treinamento resistido vai muito além de uma ficha de treino preenchida de forma aleatória, o mesmo deve ter critérios e métodos de trabalhos conscientes que norteiam seu trabalho didático. 172


Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

Avaliar para prescrever e planejar para obter resultados, nesta perspectiva, os professores devem estruturar suas atividades em eixos, dentre eles educação em saúde, educação postural e do movimento. Portanto, a elaboração do planejamento deve beneficiar ao aluno não somente ao lado funcionalista, mas sim de forma global. Os trabalhos desenvolvidos pelos professores devem ser esclarecidos e conduzidos com responsabilidade, podendo assim, assegurar que os princípios do treinamento juntamente aos pedagógicos possam gerar resultados e concretização dos objetivos. É evidente que muitos professores não têm uma linha concreta de objetivos traçados e que muitos não prescrevem de forma didática, e sim, replicam treinos prontos, sem levar em considerações os princípios do treinamento e objetivos do aluno. Os resultados obtidos pela pesquisa refletem a necessidade de se obter conhecimentos de diversas áreas desde as disciplinas de humanas as disciplinas biológicas, para que desta forma, ao prescrever, o professor possa ter elementos didáticos para trabalhar. Ressalta-se a importância de disciplinas essenciais que norteiem o trabalho do professor de educação física, dentre elas, as disciplinas de formação docente. O treinamento resistido não pode se restringir unicamente para a pratica pela prática, mas sim, em uma série de investigações. Verificou-se que, o contato diário com os alunos está diretamente relacionado a atuação do professor nesses espaços, a organização didática deve ser pautada em uma prática reflexiva, aonde os sujeitos devem tomar consciência de suas ações bem como de outros fatores que influenciam em sua saúde como saneamento, moradia dentre outros, que constituem o conceito amplo de saúde. A transmissão de conteúdos de forma tecnicista não foi observada, houve a preocupação em se observar parâmetros subjetivos e, os conteúdos obtidos pelos alunos eram verificados e debatidos com os professores, algo que se considera relevante para a manutenção do processo de treino de forma crítica e consciente.

173


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Percebe-se

que

o

treinamento

resistido

sofreu

diversas

consequências com o tempo, desde sua origem, aplicação até sua função como promovedora de conhecimento corporal e saúde, entretanto pouco se reflete em salas de musculação sobre o TR. Deste modo, o planejamento é uma ação essencial em programas de exercícios, junto a orientação do professor de Educação Física no qual deve expor os benefícios da avaliação física e os resultados. O presente estudo se presta como encorajamento para outros trabalhos que discutam o TR e o planejamento didático em salas de musculação. Diante dos expostos, sugere-se a leitura em diversas áreas, desde a pedagógica até ao treinamento físico, o que evita o reducionismo no trato pedagógico com a orientação do treinamento resistido.

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Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

Critical issues to consider in the teaching organization of Physical Exercises in Endured Training Abstract: The didactic processes necessary to safeguard the health and prolong the benefits of training was not always the focus of the application of strength training. The organization of teaching work in this environment is directly related to the effectiveness of training, as stated by Bompa (2001) and Santarém (2012). This article carries out field research that uses bibliographic study and strives for the qualitative approach with content analysis of the collected data. The study was developed for two weeks with the observation of the didactics of the training application. It concludes that there is a need to obtain pedagogical and biological knowledge so that when prescribing the training, the teacher has didactic elements for effective intervention with a training plan built together with the student to guarantee their health condition. Keywords: Resistance Training. Didactic Planning. Reflective Practice.

REFERÊNCIAS BOMPA, Tudor O. A periodização no treinamento desportivo. Barueri: Manole, 2001. DEVIDE, Fabiano. Educação Física e saúde: em busca de uma reorientação para a sua práxis. Movimento, v. 3, n. 5, p. 44-55, 2º semestre 1996. FAHEY, Thomas D. et al. Bases do

treinamento de força para homens e mulheres. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. FARINATTI, Paulo. Educação Física Escolar e Aptidão Física: Um ensaio sob o Prisma da Promoção da Saúde.

Revista Brasileira de Ciência do Esporte, Santa Maria, v. 16, n. 1, p. 4248, 1994. FLECK, Steven. J.; KRAEMER, W. J. Otimizando o treinamento de força: programas de periodização não-linear. Barueri: Manole, 2008. FLECK, Steven; SIMÃO, Roberto. Força: Princípios metodológicos para o

Treinamento. São Paulo: Phorte, 2008. FOEMENTIN; Andreia. MARQUES, Charles; ABECH, Everson. A. Guia prático de avaliação física: uma abordagem didática, abrangente e atualizada. 2. ed. São Paulo: Phorte, 2013. GUIMARÃES NETO, Waldemar. Mantenha o foco: treinamento autoconsciente. Minas Gerias: [s. n.], 2017. HARRIS, J. Heath Focusin Physical Education. In: ALMOND, L. (ed.). The place of Physical Educationin schools. London: Koogan Page, 1989. KANEKO, Glaucia L. Formação inicial e

prática pedagógica do professor de educação física para o campo da saúde. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, 2018. MONTEIRO, Walace D. Personal training: manual para avaliação e

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

prescrição de condicionamento físico. 4. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2004. OLIVEIRA, Vitor. M. de. O que é Educação Física. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998. PRESTES, Jonato et al. Prescrição e

periodização do treinamento de força em academias. 2. ed. Barueri: Manole, 2016. ROCHA, Alexandre C.; GUEDES JÚNIOR, D. P. Avaliação Física: para treinamento personalizado, academias e esportes: uma abordagem didática, prática e atual. Bela Vista: Phorte, 2013. SANTARÉM, José M. Musculação em todas as idades. Barueri: Manole, 2012. SANTARÉM, José M. Texto Básico. 2013. Disponível em: http://treinamentoresistido.com.br/text o-basico/. Acesso em: 20 jan. 2019. THOMAS, J. R.; NELSON, J. K. Métodos de pesquisa em atividade física. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Educação Especial na teoria Educação de Corpo Inteiro:

possibilidades e ressignificações Inara Maria Rolim Tavares (UEPA) * Suzelli Helena Borges Raiol (UEPA) ** Higson Rodrigues Coelho (UEPA) *** Resumo: Este estudo compreende a teoria pedagógica Educação de Corpo Inteiro nas suas possibilidades e ressignificações para a educação especial. Esta proposta surgiu a partir das vivências investigativas propostas pelo Programa de Residência Pedagógica vinculado ao Curso de Licenciatura em Educação Física, Campus de Tucuruí da Universidade do Estado do Pará, no subprojeto Práticas Pedagógicas da Educação Física: para além da pedagogia do toma a bola. Objetiva verificar as contribuições da Teoria Educação de Corpo Inteiro na Educação Física brasileira para a Educação Especial. Este objetivo maior se desdobrou nos seguintes objetivos específicos: a) (re) conhecer o percurso da Educação Especial; b) identificar possibilidades pedagógicas para a Educação Especial por meio da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro. O estudo utilizou-se da pesquisa de cunho bibliográfico exploratório, pelo fato de ter como principal finalidade desenvolver, esclarecer e tentar relacionar conceitos e ideias para a formulação de temas ressignificados na apropriação de atividades lúdico pedagógicas como tecnologias educativas para a educação especial sob os parâmetros da Educação de Corpo Inteiro. A partir dos dados analisados ao longo do estudo, foi possível evidenciar as contribuições da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro para a Educação Especial, fundamentadas nos princípios desta teoria, tais como: alfabetização corporal, cognição, motricidade, socialização e afetividade. A partir dos quais foi possível estabelecer uma relação pedagógica entre a educação especial e a ressignificação de temáticas e dos conteúdos propostos na teoria Educação de Corpo Inteiro. Palavras-chave: Educação Especial. Educação de Corpo Inteiro. Ressignificações. * Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: inararolim08@gmail.com ** Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: suzelliraiol28@gmail.com *** Doutor em Educação (UFF). Professor no Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará. E-mail: higson.coelho@uepa.br

INTRODUÇÃO

estudo em tela compreende as possibilidades educacionais da 178


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

teoria pedagógica Educação de Corpo Inteiro voltada para a Educação Especial. Esta proposta surgiu a partir das vivências investigativas propostas pelo Programa de Residência Pedagógica vinculado ao Curso de Licenciatura em Educação Física, Campus de Tucuruí, da Universidade do Estado do Pará, no subprojeto “Práticas Pedagógicas da Educação Física: para além da pedagogia do toma a bola”. Para

tanto,

justifica-se

a

partir

da

necessidade

no

aprofundamento do tema em questão por reconhecer sua relevância para a atuação do profissional de Educação Física no âmbito escolar. Nesse sentido, a explanação do estudo nos possibilitou problematizar: como a Educação de Corpo Inteiro abarca a Educação Especial e qual o papel da Educação Física na Educação Especial, segundo esta teoria pedagógica? Esta pesquisa tem como objetivo identificar as contribuições da Teoria Educação de Corpo Inteiro na Educação Física brasileira para a Educação Especial. Este objetivo maior se desdobrará nos seguintes objetivos específicos: a) (re) conhecer o percurso da Educação Especial; b) identificar possibilidades pedagógicas para a Educação Especial por meio da Teoria Educação de Corpo Inteiro. Face aos apontamentos e/ou questionamentos iniciaremos este elaborado discorrendo sobre a Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro. Por teoria pedagógica entende-se como, […] a construção humana para explicar metodicamente a área de conhecimento chamada de aprendizagem, uma maneira particular de ver as coisas, de esclarecer o ponto de vista de um autor ou de um pesquisador sobre como interpretar um tema de aprendizagem, sobre quais são as variáveis independentes, dependentes e intervenientes e explicar o que é aprendizagem e como funciona. (COSTA; FONSECA, 2016, p. 23).

A busca pela explicação e funcionamento da teoria pedagógica Educação de Corpo Inteiro é o propósito deste estudo. Esta Teoria conhecida no senso comum de construtivista63 e/ou sócio construtivista fez com que 63 Na Teoria Construtivista, Piaget enfatiza o desenvolvimento cognitivo, que imbrica na interação entre o sujeito e o objeto resultando no conhecimento em uma relação permanente. O Construtivismo se opõe às concepções inatistas e comportamentalistas sobre os processos de

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

seu idealizador fosse reconhecido como representante do construtivismo no âmbito da Educação Física. Entretanto, tal caracterização é negada constantemente por Freire, por tal motivo, denominamos a Teoria Pedagógica, conforme a sua produção teórica, quais sejam: Educação de Corpo Inteiro; Educação como Prática Corporal ou mais recentemente, de Oficinas do Jogo. A Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro, surgiu a partir de 1980, como uma proposta de ensino divergente da pedagogia tradicional entendida por Freire como uma Educação voltada para a aptidão física e o tecnicismo. Em contra partida, seus pressupostos firmam-se no sentido da não restrição dos movimentos, de priorizar a relação cultural, social e pedagógica estruturada em defesa dos direitos de todos, com a finalidade de promover a participação dos alunos de forma crítica, valorizando o sentido de igualdade e reafirmando a necessidade do comprometimento da escola com os mesmos. Para Freire (1989), a criança quando matriculada em uma escola deve ser compreendida como um indivíduo em sua totalidade, de corpo e mente, elementos que integram o mesmo organismo. O ambiente escolar deve tornar oportuna a liberdade de movimentos, a não padronização destes, no intuito de formar cidadãos emancipados, solidários e promotores da justiça social, além de se beneficiarem das atividades lúdicas para o processo de aprendizagem. A aula deve ser um espaço que possibilite à criança vivenciar o lúdico por meio do jogo em suas relações individuais e interpessoais. O jogo relacionado às atividades livres contribui para o divertimento e a espontaneidade, mas não deve ser visto apenas como brincadeira, pois favorece o desenvolvimento dos aspectos físicos, cognitivo, social, afetivo e moral (FREIRE, 2005). Por meio do Jogo, Freire acredita que é possível superar paradigmas sociais com atos pedagógicos. O jogo seja este, simbólico, de

aquisição do conhecimento à medida que pressupõe que a aprendizagem só tem significação por meio das combinações entre a hereditariedade e as experiências adquiridas através das circunstâncias oferecidas pelo meio (SANCHIS, 2007).

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Tavares, Raiol e Coelho (2020)

construção, de regra, cooperativo ou jogo pré-desportivo, pode ser uma importante ferramenta nas aulas de Educação Física no auxílio da prática pedagógica dos professores, principalmente quando se tem na escola turmas em processo de inclusão, podendo o professor tomar este conteúdo como um significativo auxílio em seus momentos áulicos. Sobre o jogo, Canavarolo e Alencar (2016), afirmam ser este um recurso integrador de fundamental apoio à aprendizagem para o qual é possível desenvolver e disponibilizar na Educação Especial, jogos adaptados no sentido concreto de minimizar as barreiras impostas pela deficiência e possibilitar à inserção de pessoas com deficiência em ambientes ricos à aprendizagem. Na Educação Especial, o ambiente de aprendizagem deve respeitar identidade, diferença e diversidade, pois, simbolizam benefícios sociais que auxiliam o surgimento e o estabelecimento de relações de solidariedade e colaboração na inclusão escolar, auxiliando o processo de ensino e aprendizagem. Assim, características próprias são reconhecidas e valorizadas (CAMARGO, 2017). Neste sentido, as turmas regulares em processo de inclusão aglutinam diversificados déficits educacionais, para além da inclusão de alunos com deficiências. Portanto, o respeito aos direitos e as relações sociais educativas de todos, sem exceção, têm o sentido de valorizar sujeitos ativos e transformadores no processo de inclusão escolar. É a partir destes pressupostos que aprofundaremos os elementos sobre a educação especial na educação brasileira e, especificamente, as contribuições da teoria Educação de Corpo Inteiro para esta modalidade de ensino. Para a realização deste estudo utilizou-se a pesquisa de cunho bibliográfico e exploratório, pelo fato de ter como principal finalidade desenvolver, esclarecer e tentar relacionar conceitos e ideias, para a formulação de abordagens mais condizentes com o desenvolvimento de estudos posteriores. Por esta razão, a pesquisa exploratória constitui a primeira etapa do processo, pois visa tornar familiar tanto o assunto quanto o tema a ser investigado (GIL, 2002).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO E ASPECTOS LEGAIS Sob fortes influências dos desdobramentos educacionais na Europa e Estados Unidos, a Educação Especial no Brasil se encaminhou desde o século XIX, quando alguns brasileiros organizaram serviços de atendimentos para cegos, surdos, deficientes mentais e deficientes físicos. A partir de 1900, após as publicações de importantes trabalhos sobre a educação de deficientes mentais, deram início as pesquisas científicas e ao atendimento de pessoas com deficiência. Entretanto, na política educacional a Educação Especial começou a ser desenvolvida a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, já no século XX (STRAPASSON; CARNIEL, 2007). Os autores afirmam que em 1950, já existiam quarenta instituições de ensino que prestavam atendimento educacional especial a doentes mentais, dentre as quais se destacaram, o Colégio dos Santos Anjos, a Escola Especial Ulisses Pernambuco, o Instituto Pestolazzi, o Grupo Escolar Paula Soares, a Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz e o Grupo Escolar Visconde de Itaúna. Mendonça (2015) afirma que o advento da Educação Especial no Brasil decorre de um processo de transformações no cenário da Educação, fruto de mudanças significativas abarcando desde a Educação Infantil até as Universidades. Inclusive alterações da legislação que avançaram no sentido de incluir pessoas com deficiências no âmbito das políticas públicas. No Brasil, estas transformações se encaminharam principalmente no âmbito da escola especial e inclusiva para o atendimento de alunos com deficiências. Este atendimento é assegurado em diversas legislações brasileiras que norteiam sobremaneira os aspectos pedagógicos envolvidos. Neste contexto, compreende-se a Educação Especial como, [...] uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibilizando recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. (BRASIL, 2008, p. 7).

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Tavares, Raiol e Coelho (2020)

Participam dessa modalidade de ensino regular os estudantes público-alvo da educação especial, ou seja, com deficiência (visual, auditiva, física e intelectual) com transtorno global de desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2015). A Educação Especial realiza um atendimento educacional que provê meios técnicos e humanos de forma a compensar as deficiências de que sofrem os alunos. Assim, permite aos estudantes contemplar e participar do processo de aprendizagem num ambiente que prioriza o ritmo que vai ao encontro das suas capacidades (MENDONÇA, 2015). Esta modalidade de Ensino divide-se em dois momentos, quais sejam: “o primeiro caracterizou-se por iniciativas governamentais isoladas ou particulares e compreendeu os anos de 1854 a 1956; e o segundo caracterizou-se por iniciativas de âmbito nacional que se desenvolveram a partir de 1957 e se mantiveram até os dias atuais” (DOMINGUES; DOMINGUES, 2009, p. 5). As iniciativas de atendimento para pessoas com deficiência a nível nacional foram propostas durante os anos de 1950 e 1960, promovidas pelas Campanhas Nacionais, como a Campanha para a Educação do Surdo brasileiro, a de Educação e Reabilitação de Deficientes da visão, a de Educação

e

Reabilitação

de

deficientes

mentais

(DOMINGUES;

DOMINGUES, 2009). Nas décadas posteriores, outras iniciativas reafirmaram a importância e o direito à educação especial, culminando com promulgação da Constituição de 1988, que assegurou a obrigatoriedade da Educação Especial e posteriormente regulamentada pelo capítulo V, nos artigos nos artigos 58, 59 e 60, da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Coadunando com os pressupostos contidos nas Declarações mundiais de Jomtien (1990) e de Salamanca (1994). E no âmbito da operacionalização da educação especial foi ratificada por meio do Plano Nacional de Educação. (CARVALHO; BARRIENTOS; TENÓRIO DE JUNIOR, 2017; DUARTE et al., 2014). Quanto ao seu caráter inclusivo, a educação especial, é um paradigma aplicado tanto aos espaços físicos quanto os simbólicos. Os grupos 183


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de

pessoas,

nos

contextos

inclusivos,

têm

suas

características

idiossincráticas, ou seja, características próprias reconhecidas e valorizadas (CAMARGO, 2017). Percebe-se que a materialidade da educação especial e inclusiva se pauta na efetivação dos direitos conquistados ao longo dos anos, assim como, pela atuação estratégica e sensível de educadores que priorizam e otimizam a participação de alunos com deficiência nas aulas. EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO E EDUCAÇÃO ESPECIAL: JOÃO BATISTA FREIRE EM FACE A VIDA Inicia-se trazendo a perspectiva de educação e de vida de João Batista Freire, que se autodeclara um trabalhador, acreditando que a vida deve ser equilibrada em dois polos. O primeiro: aprender a usufruir da vida, uma vez que nascemos para isso e temos o compromisso ético de viver; o segundo, é de repor aquilo que consumimos da vida, pelo trabalho (FREIRE, 2011). Freire acredita que o equilíbrio de estar bem com a vida, gozar a vida, usufruir da vida e trabalhar para tornar ao mundo sustentável é o que procura fazer de sua vida, caracterizando-a agindo desta maneira, se intitulando um trabalhador e gozador da vida (FREIRE, 2011). João Batista Freire formou-se em Licenciatura em Educação Física pela Faculdade de Educação Física de Santo André e concluiu o seu doutoramento em 1991, pela Universidade de São Paulo com o título: O

sensível e o inteligível: novos olhares sobre o corpo. A partir da sua tese foi lançado o livro “Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da Educação Física”, pela editora Scipione, em 1989, com fortes influências da teoria construtivista de Jean Piaget. Freire é reconhecido nacionalmente pelas suas contribuições teóricas para a Educação Física, sendo o principal autor da teoria pedagógica Educação de Corpo Inteiro. Esta teoria teve seus constructos iniciais ao longo da década de 1980, que divergiu diametralmente da pedagogia tradicional, em que Freire se propõe a priorizar a relação cultural, social e pedagógica. A teoria de Freire está estruturada na defesa dos direitos de todos

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Tavares, Raiol e Coelho (2020)

os alunos, com a finalidade de promover a participação, igualdade e a necessidade do comprometimento do corpo escolar. Para tanto, este estudo se vale das obras 64 que consideramos essenciais para a consecução e consolidação da Educação de Corpo Inteiro enquanto teoria pedagógica da Educação Física, conforme visualizamos no quadro abaixo: Quadro 1 – Produções em livros de J. B. Freire Título Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da Educação Física De Corpo e Alma: o Discurso da Motricidade

Pedagogia do Futebol

O Jogo: entre o riso e o choro Educação como Prática Corporal

Pedagogia do futebol

Síntese Proposta da Teoria e Prática da Educação Física, tratando da atividade corporal como o elemento de ligação entre as representações mentais e o mundo concreto, real, com o qual o sujeito se relaciona. Propõe a ideia do corpo como um todo integrado em que a matéria e o espírito, o sensível e o inteligente devem ser pensados como parte de um mesmo processo. Aborda o fenômeno do futebol na sociedade brasileira, caracterizado na sua possibilidade de ensino–aprendizagem, ou seja, na sua pedagogia. Priorizando o mundo da bola, em busca de trazer cultura futebolística do brasileiro para dentro da escola. Elenca o jogo como ferramenta pedagógica capaz de compensar carências do ser humano. Apresenta uma sugestão de planejamento curricular organizado por temas, subtemas e atividades, distribuídos por series ou ciclos, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental Aborda o fenômeno do futebol na sociedade brasileira, caracterizado na sua possibilidade de ensino–aprendizagem, ou seja, na sua pedagogia. Priorizando o mundo da bola, em busca de trazer cultura futebolística do brasileiro para dentro da escola.

Ano

1989

1991

1998

2002

2003

2003

Fonte: Autoria própria.

Freire iniciou seus estudos, analisando a dicotomia da relação 64 Obras de João B. Freire não encontradas: Caderno de Educação Física: a primeira infância (1985). De cuerpo y alma (1997). O Jogo dentro e fora da Escola (2005). Iniciação Esportiva; esporte escolar (2005). De Dedos Cruzados (2014).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

corpo e mente presente na escola, sobre a qual expôs sua insatisfação diante do sistema de ensino tradicional. Freire afirma que "corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o corpo) para transportar, mas ambos para emanciparem-se" (FREIRE, 1989, p. 13). A partir de sua insatisfação perante o sistema educacional, o autor fez críticas à imobilidade corporal nas escolas, no que diz respeito às aulas serem ministradas em um determinado espaço que mantenha os alunos por horas em apenas uma posição; a escola não deve trabalhar apenas a mente como fator de aprendizagem, mas também utilizar como instrumento o corpo. Freire contrapõe os pressupostos de educação tradicional com uma proposta educacional emancipatória que possibilite indagações, troca de ideias, ação, criatividade e ludicidade, favorecendo os educandos quanto aos aspectos relacionados ao respeito, justiça, solidariedade, motricidade, confiança e cooperação nas aulas de Educação Física. Nesse sentido, a escola deve ser um espaço construído em torno da compreensão do mundo, dos objetos, da criação, do senso comum, do ensino e da aprendizagem (FREIRE, 2009), numa relação dialógica entre o saber formal e informal, conforme anuncia a seguir, [...] uma das exigências da escola é que a criança aprenda os conteúdos escolares, ou seja, o saber formal, cientificizado. Sabemos também que a criança vem de um ambiente lúdico e informal (quando ela tem oportunidade de criar seu ambiente de criança). Porém, na maioria das vezes, a escola não oferece a possibilidade de intermediação entre o conhecimento informal adquirido no universo cultural da criança e o conhecimento formal da escola. (FREIRE, 2009, p. 128).

Freire priorizou metodologias pedagógicas que superem o vínculo com a educação tradicional ou formal, valorizando o universo da cultura infantil. Considerando os sujeitos como parte do meio educacional, envolvendo alunos, professores, pais, administração e o ambiente na rotina dos escolares. 186


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

Para o referido autor, a criança necessita preferencialmente, encontrar na escola um espaço para agir com liberdade, sendo capaz de viver corporalmente todas as suas interações e relações com outros corpos e objetos, entendendo-se, por isso, a Educação de Corpo Inteiro. Freire, em suas premissas, discorre sobre a relação de interações com objetos, observando as fases do desenvolvimento infantil baseado nas concepções de Piaget. Ressalta que a criança a datar do surgimento da linguagem, faz uso dos símbolos e representações mentais. Devendo a escola propiciar o fazer juntamente com o compreender. Nessa perspectiva, relacionar a dimensão simbólica e representativa na atividade corporal. Haja visto que, a criança transforma em símbolos as vivências que são experimentadas corporalmente: [...] o corpo, sem dúvida alguma, tem uma infindável capacidade de educar-se. Não se pode e nem se deve negar, sob pena de continuarmos a prejudicar a educação das crianças, a inteligência corporal, componente fundamental no processo de adaptação dos seres humanos ao seu meio ambiente. (FREIRE, 1989, p. 83).

Para Freire, a educação corporal da criança implica em sua interação com o meio ambiente através da ação corporal, do jogo e da atividade física. Por conseguinte, o autor elege a Educação Física como a disciplina do currículo escolar que traz um debate sobre variadas propostas, tais como: favorecer um ambiente lúdico, estimular a criatividade, a moralidade e a sociabilidade através da proposta do jogo. Contudo, a Educação Física cuida da consciência corporal, elencando questões coletivas com o intuito de incentivar a ousadia, a emancipação e a autonomia inerentes aos desafios de qualquer cidadão. A proposta do autor sugere que a educação seja uma prática corporal, dirigida tanto ao indivíduo quanto a sociedade, para formar cidadãos acessíveis uns aos outros e disponibilizar seu repertório de conhecimentos (FREIRE, 2009). PERSPECTIVA DE JOÃO BATISTA FREIRE PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA A Educação Física atua como qualquer outra disciplina da escola,

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

garantindo aos alunos se estruturarem diante do processo de ensino e aprendizagem, através de possibilidades educacionais, promovendo uma pedagogia integrada por meio da utilização de recursos motores e intelectuais (FREIRE; SCAGLIA, 2003). Levando em consideração a educação corporal interligada ao processo de ensino, o papel da Educação Física versa sobre uma educação que envolve a educação de corpo inteiro, permitindo o movimento intencional ou o não se movimentar também como maneira de educar o corpo integral. Assim, não se trata de uma disciplina que engesse ou restrinja o movimento corporal do aluno, mas sim uma educação que envolve o corpo inteiro. Entendendo-se como uma relação de um corpo com outros corpos, objetos e espaços, por meio do qual transcenda conceitos de alfabetização corporal, cognição, motricidade, socialização e afetividade (FREIRE, 1997). O desenvolvimento cognitivo da criança exige um esforço do professor, no intuito de garantir um espaço no qual seja possível agir com autonomia e de forma inteligente, priorizando a inteligência corporal. Assim, a formação do pensamento lógico garante a adequação de ações práticas, fornecendo bases que evidenciem fundamentos para motricidade, como também para o intelecto (FREIRE, 1997). Quanto ao desenvolvimento do aspecto motor para os alunos da educação especial, Almeida (1995), enfatiza ser necessário que o profissional de Educação Física elabore estratégias de aprendizagem, no intuito de favorecer o desenvolvimento integral da criança independente de sua deficiência, atentando para distintas dificuldades motoras e apontando para a relação entre aluno e meio como facilitador no desenvolvimento da motricidade. A complexidade do conceito de motricidade, diz respeito ao movimento que é construído no instante que se apresenta uma necessidade de agir, de adaptar-se ao meio ao qual está inserido, como uma maneira de conseguir construir transformações capazes de orientar o ser humano para a vida. O movimento/ação corporal e intelectual são produções corporais relacionadas às interações do indivíduo com o meio (FREIRE; SCAGLIA, 188


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

2003). As interações quanto aos aspectos socializadores, devem proporcionar à criança, convívios sociais visando os desejos e interesses da maioria. Consequentemente, essa ação transige ou diminui a vontade própria, para que se estabeleça um grau de socialização conciliável com o mundo. As relações sociais devem ser levadas em conta como uma análise qualitativa observada pelo educador nas verbalizações entre as crianças e o educador (FREIRE, 1997). O educador tem sua afetividade colocada em evidência durante a realização da atividade de Educação Física. A afetividade diz respeito ao espaço de sentimentos, das emoções, por onde é possível transitar medo, sofrimento, interesse e alegria. Assim, Freire (1997), propõe que “é preciso mais que um conhecimento metódico de técnicas de dar aula para formar um educador, seja em sala de aula, seja no pátio de Educação Física. Uma relação educativa pressupõe o conhecimento de sentimentos próprios e alheios” (FREIRE, 1997, p. 171). Esse conhecimento a mais que Freire nos fala, é potencializado quando tratamos com a Educação Física na Educação Especial. Para Magalhães et al. (2016) as atividades nas aulas de Educação Física, proporcionam aos alunos com deficiência, ganhos significativos de autoconfiança e autoestima, contribuindo para autonomia e independência, visando a melhoria do desenvolvimento social, afetivo, cognitivo e motor, além de estabelecer uma relação educativa que estimula a interação com o meio. A relação educativa que respeita o sentimento próprio e alheio é uma das características a serem consideradas no processo da educação não excludente, na qual seja possível a inclusão de crianças com deficiência respeitando as diferenças e priorizando a participação ativa nas aulas de Educação Física. A Educação Física, neste contexto, encarrega-se de estabelecer bases para a efetivação da inclusão e sua prática observando políticas estabelecidas, diante a superação de um passado excludente. A área inclusiva abarca diferentes dimensões e características dos escolares, garantindo o 189


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

acesso à educação de forma contínua. Orienta assim, as relações de acolhimento, a aceitação das diferenças, o esforço coletivo e permite a equiparação de oportunidades para um desenvolvimento com qualidade (CARVALHO et al., 2017). Duarte et al. (2015) destaca que os elementos que norteiam a Educação Física no processo inclusivo consideram aspectos como: restrições funcionais e fisiológicas do aluno com deficiência, de modo a oportunizar movimentos

mais

favoráveis

e

possibilitar

a

superação

de

suas

potencialidades. Para tanto, é necessário que o/a professor/a de Educação Física assuma seu papel de facilitador/a do processo de aprendizagem, com a finalidade de proporcionar oportunidades e vivências motoras. O/a professor/a de Educação Física como facilitador/a visa a melhoria na independência e autonomia dos alunos com deficiência, estimulando a socialização e priorizando atitudes de respeito, solidariedade e aceitação. A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO PARA EDUCAÇÃO ESPECIAL A Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro contribui para diversos ramos educacionais, e tem influência sobre o campo da pedagogia. Haja visto, que suas obras se encaminham para tratar de novas possibilidades de ensino, valorizando elementos da cultura infantil, excepcionalmente o jogo, evidenciando a contribuição deste para o desenvolvimento da aprendizagem e na conformação de cidadãos. Para Freire, a educação tem por finalidade construir cidadãos colaboradores, afetivos, carinhosos e com senso de justiça. No entanto, reprova o modelo da Educação Tradicional, defendendo que é imprescindível ultrapassar obstáculos entre os prédios escolares e os fatos ocorridos no mundo, conciliando a construção do cidadão e suas relações com a sociedade. Apesar de identificar contradições existentes no âmbito social, o autor acredita que é possível superar esse paradigma social com atos pedagógicos. Indicando capacidades que norteiam a libertação dos cidadãos através das práticas lúdicas de jogo. Enfatiza-se que as práticas lúdicas além 190


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

de proporcionar alegria e prazer daqueles que as praticam. Contribui ainda no processo de desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social do indivíduo (SOARES, 2010). As

atividades

lúdicas

são

práticas

importantes

para

o

desenvolvimento do sujeito, independentemente de suas limitações. Uma vez que, durante a realização das atividades lúdicas não há por parte de quem as pratica, um olhar para o diferente, especificamente relacionando para o aluno com deficiência (SOARES, 2010). Portanto, quaisquer atividades lúdicas, sejam estas, brincadeiras, jogos ou brinquedos cantados, contribuem para o processo de ensino e aprendizagem na educação especial, pois durante a brincadeira ocorre o processo de integração entre as crianças, troca de ideias, estímulos ao compartilhamento, cooperação umas com as outras e o respeito dos limites impostos por elas mesmas. Para tanto, Freire e Scaglia (2003), em sua obra Educação como

Prática Corporal, elaboram sugestões curriculares como forma de auxílio aos professores frente ao processo de aprendizagem e integração. Nesta obra, foram dispostos 22 temas selecionados (ver quadro 2), flexíveis e de fácil compreensão para os quais é possível a adequação da escola de acordo com os objetivos da aprendizagem. Quadro 2 – Sistematização dos Temas Curriculares TEMAS 1. Sensibilização Corporal 2. Jogos Simbólico 3. Jogos de Construção 4. Jogos de Regras 5. Rodas Cantadas 6. Brincadeiras Populares 7. Ginástica Geral 8. Dança Folclórica 9. Lutas Simples 10. Jogos Pré-Desportivos 11. Atividades de Fundamentação do Esporte Fonte: Freire e Scaglia (2003).

12. Atividades de Percepção Corporal 13. Relaxamentos 14. Alongamentos 15. Lutas 16. Ginásticas 17. Danças 18. Atividades Alternativas 19. Esportes Individuais 20. Esportes com Raquetes 21. Esportes sobre Rodas 22. Esportes com Bolas

191


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

As

temáticas

apresentadas

auxiliam

na

ampliação

do

conhecimento do/a professor/a acerca do processo educativo. Perante a educação especializada, as temáticas promovem um fazer pedagógico que possibilita a participação, o respeito e o desenvolvimento das habilidades motoras, intelectuais e sociais do educando, refletindo intrinsecamente sobre as adaptações curriculares, objetivando o seu desenvolvimento integral (CARNEIRO, 2012). Silva (2014) afirma que as adaptações curriculares e a flexibilização em harmonia com a escola, resultam em diferentes recursos pedagógicos e avaliações acordantes ao desenvolvimento dos alunos da educação especial, tornando-o adequado para atender as especificidades de todos os alunos que estão no processo de ensino. Para adequar o currículo que atenda a todos, é necessário que o projeto pedagógico da escola e o planejamento de ensino considerem objetivos educacionais e estratégias didático-pedagógicas que viabilizem esta acessibilidade na rede escolar. Freire e Scaglia (2003) validam este aspecto, afirmando que os conteúdos pedagógicos devem visar: o conhecimento do próprio corpo, conhecimento do meio ambiente e a cultura da Educação Física como bases fundamentais de ensino. A RESSIGNIFICAÇÃO TEORIA EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL Em busca de favorecer o processo de ensino e aprendizagem na Educação Especial, fundamentamos nossos estudos na Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro, mais especificamente nos aspectos priorizados pela teoria, como, motricidade, cognição, afetividade e socialização. Temos o intuito de propor incentivo à valorização do ensino aprendizagem na Educação

Especial

no

Ensino

Fundamental,

por

meio

de

temas

ressignificados dos estudos de Freire. Entretanto daremos início a esta seção ancorados nas proposições da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segundo a BNCC, para integrar e enriquecer as capacidades e habilidades

192

das

crianças

devem

ser

assegurados

seus

direitos

de


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

aprendizagem e desenvolvimento como: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Condicionando assim, o aprendizado em situações nas quais as crianças tenham um papel ativo em espaços que evidenciem desafios e incitem soluções. Com base nos objetivos da aprendizagem e desenvolvimento que compreendem a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, foram organizados três ciclos de aprendizado, considerando-se em cada transição de ciclo, a diferenciação entre os ritmos de aprendizagem e do desenvolvimento durante a prática pedagógica. A transição que ocorre da Educação Infantil para o Ensino Fundamental requer um equilíbrio que assegure a integração educacional, respeitando suas especificidades. Nesse período, mudanças são vivenciadas repercutindo na ampliação da construção do conhecimento. A construção do conhecimento por meio do jogo na educação infantil fortalece os aspectos cognitivo, motor, social e afetivo da criança como enfatiza Freire (2003). Pois busca atingir os objetivos propostos pela prática pedagógica integrando de forma construtiva, métodos para enriquecer as capacidades e habilidades de cada indivíduo. A BNCC ressalta que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a prática pedagógica e os métodos têm o enfoque na alfabetização visando à consolidação das aprendizagens anteriores e nos anos finais há uma maior complexidade quanto à organização dos conhecimentos de cada área a ser estudada. Partindo dos pressupostos de Freire para o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo explorados pela prática pedagógica, sugerimos uma proposta educativa para a prática pedagógica integradora. Tal proposta metodológica foi subsidiada pelos parâmetros da Teoria Educação de Corpo Inteiro, com um olhar para a Educação Especial. A proposta se distribuirá em unidades temáticas contemplando cada ciclo dos anos presentes no Ensino Fundamental e atividades ressignificadas como auxílio às possibilidades de aprendizado e desenvolvimento da Educação Especial, como ilustrado no Quadro 3 abaixo:

193


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Quadro 3 – Sistematização de Temas Ressignificados DISTRIBUIÇÃO PELAS SÉRIES DE TEMAS RESSIGNIFICADOS Conteúdos

Atividades

(S) (JS) (JC) (JR) (RC) (BP) (LS) (JP) (FE) (LT) (GT) (DN) (PA)

Desenhar o próprio corpo Faz de conta Armarinho da memória Xadrez Cantigas de rodas Seu rei mandou dizer Cabo de guerra Voleibol com lençol Basquetebol adaptado Judô Ginástica Rítmica Dança de salão Skate

(EB) Goalball Fonte: Autoria própria.

1º X X X X X X

1º CICLO 2º 3º X X

X X X

4º X

X

X

X X X

X X X X

2º CICLO 5º 6º

X X X X X X X X X

3º CICLO 8º 9º

X

X

X

X

X X X X X X X

X X X X X X

X X X X X X

X X X X X X

Os conteúdos apresentados seguiram um sistema de siglas, atuando como facilitador para o planejamento das atividades sugeridas. A sigla (S) faz referência ao conteúdo Sensibilização Corporal; (JS) a Jogos Simbólicos; (JC) Jogos de Construção; (JR) Jogos de Regras; (RC) Rodas Cantadas; (BP) Brincadeiras Populares; (LS) Lutas Simples; (JP) Jogos Prédesportivos; (FE) Atividades de Fundamentação do Esporte; (AP) Atividades de Percepção Corporal; (LT) Lutas; (GT) Ginástica; (DN) Danças; (PA) Práticas Corporais de Aventura; (EB) Esporte com Bolas. O quadro ilustra sugestões de atividades para a Educação Especial características de cada conteúdo enfatizado por Freire e Scaglia (2003) na percepção da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro, referenciando os conceitos da cognição, motricidade, socialização e afetividade, idealizado por João Batista Freire, em 1989. A primeira atividade trata-se de “reconhecer o próprio corpo” fazendo parte do conteúdo (S) voltado para a noção corporal, segundo Furlan, Moreira e Rodrigues (2008) esta atividade apresenta meios para que o 194


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

aluno com deficiência conquiste um equilíbrio físico e emocional, no qual os estímulos proporcionados pelo meio os ajudem a compreender a habilidade que existe para lidar com situações adversas, como as emoções no ambiente que estão inseridos. A segunda atividade corresponde ao “faz de conta” inserida no conteúdo (JS) exprime um sistema significante para o desenvolvimento da criança, tendo em vista a apropriação da cultura correlacionada com o aspecto construtivo do intelecto. A importância desta atividade faz jus ao processo participativo de todos os alunos, permitindo a socialização, a interação e a aprendizagem destes (FIGUEIRÊDO et al., 2013). A terceira atividade que denominamos do “armário da memória”, incluída no conteúdo (JC), estimula o pensamento, a memória espacial, atenção e observação correlacionados aos aspectos da socialização, afetividade e cognição. Este jogo proporciona aos alunos com deficiência maior autonomia e oportuniza o desenvolvimento de suas potencialidades considerando a especificidade de sua deficiência (MAFRA, 2008). A quarta atividade corresponde ao “xadrez” que se situa no conteúdo (JR). Esta atividade faz referência a uma prática pedagógica que favorece a estimulação da cognição, beneficiando aspectos como a concentração, paciência, tomada de consciência, bem como uma melhora na criatividade. Conforme Carvalho et al., (2017) este jogo pode ser essencial para estimular o indivíduo com deficiência para a aprendizagem. Na quinta atividade trata-se da “cantiga de roda” inserida no conteúdo (RC) nota-se um recurso pedagógico que contribui para o desenvolvimento da criança de forma integral, corroborando com a aquisição do processo de ensino-aprendizagem, favorecendo o processo de socialização, tratando de uma variedade de temas e conhecimentos que podem ser trabalhados enquanto brincam, como a vida social e o meio ambiente (PIMENTEL, 2011). Partindo do princípio da valorização da ferramenta pedagógica jogo como principal mediador para o desenvolvimento do indivíduo, devem ser levados em consideração os benefícios para auxiliar o processo de socialização, afetividade e ensino/aprendizagem. Na sexta atividade “seu rei 195


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

mandou dizer” presente no conteúdo (BP), dá-se uma prática alternativa para a inclusão de crianças com deficiência, uma vez que favorece a promoção da autoconfiança e a integração destas no processo de ensino (MEIRA et al., 2016). A sétima atividade corresponde ao “cabo de guerra” incluído no conteúdo (LT) propõe uma relação harmônica entre os participantes, privilegiando o aspecto da socialização com ênfase em criar ideias de conflitos que incitem a soluções de problemas corroborando para que haja respeito a tudo e a todos (VARGAS et al., 2015). A oitava atividade “voleibol com lençol” no conteúdo (JP) é enfatizada como um elemento pedagógico que busca fortalecer o aspecto da socialização, do cumprimento das regras, da cooperação mútua, ser generoso e solidário, saber interagir em grupo, valorizar o companheiro nas diversas situações, ter tomada de consciência, favorecendo então o desenvolvimento da autoestima, autonomia, criatividade e formação do caráter (MIRANDA, 2013). A nona primeira atividade “basquetebol adaptado” incluído no conteúdo (FE) propõe modificações quanto ao tamanho da bola e a cesta para a qual será arremessada. Melo (2013) ressalta a importância de se trabalhar esse esporte com aspectos da ludicidade, de forma que o aprendizado seja compreendido de maneira prazerosa e atraente, beneficiando a participação efetiva de todos os alunos. A décima atividade “judô”, incluído no conteúdo (LT) possibilita uma nova maneira de implementação pedagógica colaborando para a participação de pessoas com deficiência, potencializando a sua corporeidade e interação com o meio ao qual está inserido, acrescentando a aplicabilidade, princípios norteados por essa arte marcial e a especificidades de cada praticante (ANTUNES et al., 2017). A décima primeira atividade é a “ginástica rítmica” incluída no conteúdo (GT) corrobora para o aprimoramento das capacidades motoras, que envolvem a locomoção, manipulação e estabilização. Rodrigues (2008) ressalta que a somatória desses aspectos para a educação especial possibilita o processo de integração e aprendizado, de certa forma está prática facilita o 196


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

desenvolvimento por meio da cooperatividade, aparelhos ou até mesmo por meio de instrumentos pedagógicos como bexigas e lenços. A décima segunda atividade corresponde a “dança de salão” incluída no conteúdo (DN) ressalta a manifestação da mente e a movimentação do corpo como a expressão através do corpo em movimento ressignificando as representações corporais para cada praticante de acordo com suas características motoras e cognitiva. Quadros (2013) corrobora enfatizando os benefícios que essa atividade traz para o praticante, tais como uma melhora da autoestima, para o desenvolvimento dos aspectos cognitivo, motor, afetivo e socializador. A décima terceira atividade é o “skate adaptado” incluída no conteúdo (PA) implica em um processo de lazer e divertimento, devido ao fator específico das deficiências de cada praticante que os impede de vivenciar certos instrumentos. Essa proposta visa uma iniciativa para a compreensão de oportunizar momentos que os alunos da educação especial, na maioria das vezes, não têm participação efetiva e nem mesmo o conhecimento vivido por tal experiência (GIRARDI, 2017). A próxima atividade corresponde ao “goalball” incluída no conteúdo (EB) é um esporte originado para pessoas com deficiência visual com a utilização de uma bola específica para a atividade, consistindo em momentos de arremessar a bola e defende-la. Visando o desenvolvimento motor, intelectual, social e afetivo dos alunos sejam eles deficientes ou não. (NEVES; BRANDÃO; ARAGÃO, 2012) As atividades propostas até aqui visam a ressignificação de temáticas com um olhar para a Educação Especial, que por isso, deve considerar todos os aspectos da formação humana desejada pela a Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro, proposta por Freire (1989). Esta formação

humana

almejada

por

Freire

visa

combater

atitudes

preconceituosas e discriminação em relação às diferenças. Portanto, Freire em sua teoria pedagógica, convida-nos a um novo olhar com ênfase nos valores como solidariedade, afetividade, coletividade, integralidade, senso de justiça e alfabetização corporal.

197


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos dados analisados ao longo do estudo, foi possível evidenciar as contribuições da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro para a Educação Especial, fundamentadas nos princípios desta teoria, tais como:

alfabetização

corporal,

cognição,

motricidade,

socialização

e

afetividade. Em que se estabeleceu uma relação pedagógica entre a educação especial e a ressignificação de temáticas e dos conteúdos propostos na teoria Educação de Corpo Inteiro. A Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro suplantou a área da Educação Física, alcançando outras áreas do conhecimento como a pedagogia e a psicologia educacional, principalmente através de sua obra que se tornou clássico da Educação Física, Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da Educação Física. É neste aspecto que foi possível compor atividades direcionadas à Educação Especial e relacionar aos aspectos próprios da teoria idealizada por João Batista Freire tais como: a alfabetização corporal, motricidade, socialização e afetividade por meio de brincadeiras e jogos, conteúdos privilegiados no universo da cultura infantil. Entretanto, esta pesquisa aponta para uma carência de produções que tratem Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro voltada para a Educação Especial. Neste sentido, propomos elaborações de mais estudos que subsidiem a prática pedagógica, além de relatos de experiências que possam subsidiar a intervenção dos/as professores/as em consonância com os pressupostos teóricos de João Batista Freire.

198


Tavares, Raiol e Coelho (2020)

Special Education in the theory of Whole-Body Education: possibilities and ressignifications Abstract: This study comprises the possibilities and resignifications of the Pedagogical Theory of Whole-Body Education for Special Education. This proposal arose from the investigative experiences proposed by the Pedagogical Residency Program linked to the Physical Education Course of the State University of Pará Tucuruí, in the sub-project Pedagogical Practices of Physical Education: beyond the pedagogy of taking the ball. It aims to verify the contributions of the Theory of Whole-Body Education in Brazilian Physical Education to Special Education. It has the following specific objectives: a) recognize the path of Special Education; b) identify pedagogical possibilities for Special Education through the Pedagogical Theory of Whole-Body Education. The study used exploratory bibliographic research since its primary purpose was to develop, clarify and try to relate concepts and ideas for the formulation of re-signified themes in the appropriation of playful pedagogical activities as educational technologies for special education under the parameters of Whole-Body Education. It was possible to highlight the contributions of the Pedagogical Theory of Whole-Body Education for Special Education, based on the principles of this theory, such as body literacy, cognition, motor skills, socialization and affectivity. Through which it was possible to establish a pedagogical relationship between special education and the reframing of themes and contents proposed in the Theory of Whole-Body Education. Keywords: Special Education. Whole-Body Education. Resignifications.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

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202



Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O estágio e as práticas pedagógicas no processo de formação docente para atuação na Educação Física Escolar Inclusiva Anita Franco Vilardaga (EEFE-USP) * Sergio Roberto Silveira (EEFE-USP) ** Resumo: A Educação Física Escolar Inclusiva é um tema de estudo recente na área da Educação, estando em constante discussão. Encontra-se também, ainda, muita dificuldade por parte dos professores atuantes de reconhecê-la e aplicá-la no cotidiano escolar, com questionamentos a respeito do preparo fornecido pelos cursos de formação inicial. O presente estudo pretendeu avaliar se a formação dos profissionais licenciados em Educação Física permite suas atuações dentro da perspectiva da inclusão escolar, focando na forma pela qual, nos cursos de graduação, se distribuem as ênfases teóricopráticas em seus conteúdos e aferindo se há articulação entre elas. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa e coleta de dados: a) fontes que tratem sobre Educação Inclusiva, estágios e práticas pedagógicas aliadas à formação de professores; b) aplicação de questionário online com questões abertas e fechadas. Os participantes corresponderam a egressos da licenciatura (a partir de 2012) e/ou futuros professores que cursaram disciplinas que tratam das temáticas envolvidas sob o campo da Educação Física Inclusiva. Após análise dos resultados obtidos, foi observada a extrema importância conferida, na visão dos participantes, às estratégias de aproximação entre teoria e prática dentro do processo de formação profissional, bem como às dificuldades que são encontradas nessa aplicação. Palavras-chave: Educação Física Escolar. Inclusão. Formação docente. Estágio. Prática pedagógica. * Licenciada em Educação Física (EEFE-USP). E-mail: anitavilardaga@gmail.com ** Doutor em Biodinâmica do Movimento Humano (EEFE-USP). Professor no Departamento de Pedagogia do Movimento Humano, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. E-mail: ssilveira@usp.br

INTRODUÇÃO

inda que regida por algumas normas e bases comuns, a escola é um ambiente complexo que, formado por sujeitos e suas individualidades, proporcionam dinâmicas completamente singulares. Educar em um contexto

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Vilardaga e Silveira (2020)

como este é um desafio constante e que exige muito dos profissionais nele envolvidos. A educação formal e a escola são historicamente consideradas como privilégios de determinados grupos sociais, aos quais poucas pessoas tinham acesso. O recente processo de democratização da educação e o desenvolvimento do conceito da Educação Inclusiva como uma educação que inclua a todos (desde o surgimento da chamada Educação Especial, em meados do século XIX, até sua evolução para os dias atuais) ampliam, entretanto, este acesso à educação básica para grande parte da população. Se por um lado a abertura das escolas a todos os públicos é um grande e importante passo em direção ao ideal da Educação Inclusiva, por outro nos deparamos com um cenário escolar ainda mais complexo e pluricultural e com relatos de forte despreparo profissional, de uma teoria que não foi capaz de se relacionar com a prática – ou uma prática incapaz de refletir sobre suas repercussões dentro desse contexto vivo e heterogêneo que se tornou a escola. O questionamento a respeito de como melhor conduzir, então, os processos de formação de professores, de modo a fornecer uma estrutura mínima que os prepare para lidar com a realidade escolar dentro dessa nova perspectiva inclusiva, é uma pergunta que move diversos pesquisadores da área da Educação. Uma possibilidade estudada é a de maior integração entre teoria e prática dentro do processo de formação docente. Este pensamento que se fortaleceu principalmente a partir da década de 1980, quando educadores inconformados com o distanciamento entre estes dois polos aprofundaram pesquisas no sentido de reformular os cursos de formação, focando que “no fazer pedagógico o ‘o que ensinar’ e o ‘como ensinar’ deve ser articulado ao ‘para que’ e ‘para quem’ e em ‘quais circunstâncias’, expressando a unidade entre conteúdos teóricos e instrumentos do currículo” (PIMENTA, 1995, p. 60). Quais estratégias os cursos de preparação profissional têm utilizado para melhor integrar a teoria e a prática no processo de formação docente? Como os alunos dos cursos de graduação avaliam a própria 205


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

experiência dentro desta perspectiva para a atuação na Educação Física Escolar Inclusiva? Investigar se a articulação entre teoria e prática em disciplinas que recorrem ao uso do estágio supervisionado e de práticas pedagógicas (duas estratégias específicas voltadas para este fim), dentro do processo de formação inicial dos professores e futuros professores em Educação Física Escolar, permite suas atuações dentro da perspectiva da inclusão escolar é o principal foco dessa pesquisa. EDUCAÇÃO INCLUSIVA A ideia de Educação Inclusiva como uma educação para todos e como sendo aquela que abraça também, além das pessoas com deficiências, todas aquelas de alguma maneira desfavorecidas pela sociedade e pelo processo educacional, é muito recente. Pode-se dizer que a década de 1990 é a que traz discussões mais profundas e maiores mudanças para o cenário: com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Conferência Mundial de Educação para Todos, ambos em 1990, e a Conferência Mundial de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade e a Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais, em 1994, discute-se amplamente as realidades de fracasso e exclusão escolar, focando na desigualdade social como causa principal. Propõe-se assim que as escolas devam: acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicos ou culturais e crianças de outros grupos e zonas desfavorecidos ou marginalizados. (BRASIL, 1997, p. 1718).

Como nos esclarece Freire (2001, p. 23), a Educação Inclusiva seria ainda a

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Vilardaga e Silveira (2020)

busca de uma educação séria, rigorosa, democrática, em nada discriminadora nem dos renegados nem dos favorecidos. Isso, porém, não significa uma prática neutra, mas desveladora das verdades, desocultadora, iluminadora das tramas sociais e históricas. Uma prática fundamentalmente justa e ética contra a exploração dos homens e das mulheres e em favor de sua vocação de ser mais.

Se a educação representou e representa um papel fundamental na criação e manutenção de privilégios, a Educação Inclusiva aparece então como uma potencial quebra a tais moldes sociais já historicamente estabelecidos, podendo trazer para o sistema pessoas que antes se encontravam à sua margem ou for a dele. Neste contexto, é importante também considerar que “no momento em que a escola se impõe como um instrumento privilegiado de estratificação social, os professores também passam a ser investidos de ilimitado poder: podem promover a ascensão (integração/inserção/inclusão) do aluno diferente ou a sua estagnação (exclusão)” (DENARI, 2008, p. 36). Torna-se extremamente necessário, portanto, termos um olhar atencioso para o processo de formação de profissional. Um ponto debatido relativo a essa questão é o equilíbrio entre a teoria e a prática dentro das disciplinas e da grade curricular – assim que, dentro deste tópico, analisaremos

especificamente

a

utilização

dos

recursos

do

estágio

supervisionado e das práticas pedagógicas. ESTÁGIOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Refletindo especificamente sobre a área da Educação Física, tradicionalmente encaixada na área da Biologia – por tratar do corpo humano como seu principal foco –, muitas vezes os cursos de graduação concentramse exclusivamente na parte Física, deixando a Educação em segundo plano. Essa realidade, entretanto, não surgiu ao acaso: historicamente a sociedade enxerga o educador físico muito mais como um executor do que como um pensador (LAWSON, 1984; RARICK, 1967), o que faz com que as expectativas criadas pelos ingressantes nos cursos de preparação profissional

207


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

sejam de atividades práticas. Seria isso um problema? De acordo com Tani (2011), o excesso de atividades práticas com o fim nelas mesmas perde o sentido e não acrescenta na formação profissional. Isso porque essa formação parte da ideia de que é necessário saber praticar para ensinar (baseando-se no modelo de demonstração), quando a docência exige também saberes que vão além desses. Por outro lado, entretanto, Felício e Oliveira (2008, p. 221) afirmam que apesar da importância da parte teórica oferecida em sala de aula “só ela não é suficiente para formar e preparar os alunos para o pleno exercício de sua profissão. Faz-se necessária a inserção na realidade do cotidiano escolar para aprender com a prática dos profissionais da docência”. No processo de formação inicial de formação de professores, como nos aponta Marcon (2007, p. 13), espera-se então que seja oferecida aos estudantes dos cursos de Licenciatura em Educação Física a possibilidade de intervenção didáticopedagógica e a vivência de experiências docentes diversificadas que favoreçam a construção de suas competências pedagógicas e o encantamento com a profissão docente.

Como duas importantes estratégias para tornar realidade essas vivências práticas na formação dos futuros professores surgem: 1. os estágios

supervisionados e; 2. as práticas pedagógicas. Pimenta e Lima (2004, p. 153) nos apresentam o estágio como o “eixo central na formação de professores, pois é através dele que o profissional conhece os aspectos indispensáveis para a formação da construção da identidade e dos saberes do dia-a-dia. Ele deve se vincular a todas as disciplinas e ser o articulador entre diferentes níveis de ensino, entre ensino, pesquisa e extensão, e as diferentes disciplinas do curso (TAFFAREL, 1993, p. 8). O que se torna marcante sobre o estágio, obrigatório por lei nos cursos de graduação, é a possibilidade que ele pode fornecer aos alunos para que complementem a própria formação, principalmente de maneira a alinharem o que é visto dentro das aulas da faculdade, um ambiente normalmente controlado e marcado pelo discurso teórico, com o cotidiano e 208


Vilardaga e Silveira (2020)

a realidade escolar, composta por diversos imprevistos e desafios. A segunda estratégia de ensino-aprendizagem que analisaremos serão as chamadas práticas pedagógicas, que são aqui consideradas como atividades atreladas ao programa das disciplinas, dentro do horário curricular,

resultando

acompanhamento

do(s)

em

intervenções

professor(es).

no

campo

Diferencia-se

escolar do

sob

estágio

principalmente por não se constituir de caráter obrigatório e pressupõe o envolvimento direto do docente responsável como prerrogativa básica. Seu conceito parte, porém, quase do mesmo princípio: um importante instrumento em busca da formação das práxis. Como nos orienta Veiga (2008, p. 16), a prática pedagógica pode ser definida por: [...] uma prática social orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. A prática pedagógica é uma dimensão da prática social que pressupõe a relação teoria-prática, e é essencialmente nosso dever, como educadores, a buscar de condições necessárias à sua realização.

Basicamente, se trata de uma prática pensada e estruturada, mas aberta a mudanças à medida que as reflexões sobre o cenário e as experiências vividas as justifiquem. Nesse contexto, “faz-se necessário estar presente nas propostas de formação possibilidades em que eles possam narrar e refletir sobre os próprios saberes e fazeres” (VERDUM, 2013, p. 104). Torna-se clara então a importância da proximidade do professor com os alunos durante todo o processo, a fim de participar ativamente dessa mediação de discussão e de poder orientar os estudantes no reconhecimento, identificação e expressão das dificuldades encontradas, ajudando-os a encontrarem as possíveis soluções e alternativas. Assim que, se tanto discute-se sobre a importância e efetividade da unidade entre teoria e prática no processo de formação profissional, nos parece lógico que estas duas estratégias sejam muito valorizadas e bem aproveitadas pelas instituições de ensino superior, tanto por parte dos professores quanto dos alunos. Tozetto e Gomes (2009, p. 182) mostram, entretanto, que mesmo

209


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

que os cursos de formação inicial afirmem “unanimemente que a construção da relação teoria e prática é objetivo a ser atingido ao longo do curso, percebe-se uma tendência real de enfatizar a teoria em detrimento da prática”. Além disso, apenas as suas presenças dentro dos currículos universitários

não

garantem

uma

aplicação

eficiente

e

o

devido

aproveitamento pelos estudantes. Verificou-se, a respeito dos programas de estágio de diversos cursos, que Não há especificação clara sobre como são realizados, supervisionados e acompanhados. Sobre a validade ou validação desses estágios também não se encontrou nenhuma referência. Não estão claros os objetivos, as exigências, formas de validação e documentação, acompanhamento, convênios com escolas das redes, etc. Essa ausência nos projetos e ementas pode sinalizar que, ou são considerados totalmente à parte do currículo, o que é um problema, na medida em que devem integrar-se com as disciplinas formativas e com aspectos da educação e da docência, ou, sua realização é considerada como aspecto meramente formal. (GATTI; NUNES, 2009, p. 21).

Aparentemente, afinal, tanto o recurso do estágio supervisionado quanto o da prática pedagógica parecem apresentar benefícios importantes para a formação dos futuros professores para atuação profissional, principalmente por se mostrarem eficientes no delicado – mas necessário – processo de integração entre teoria e prática, a fim de preparar esses estudantes para os desafios presentes no cotidiano escolar: desafios esses que se tornam ainda mais complexos quando consideramos o vasto contexto da Educação Inclusiva, ainda tão pouco explorado. MÉTODO A amostra do estudo foi composta por dezenove participantes, sendo seis professores formados e 13 graduandos em licenciatura em Educação Física. Como critérios de seleção e inclusão foram utilizados: (a) para professores já formados, graduação depois de 2012, ano de publicação do último relatório mundial sobre deficiência – WHO –, com sérias 210


Vilardaga e Silveira (2020)

implicações para a formação docente e; (b) para licenciandos, terem cursado disciplinas de Educação Física Escolar Adaptada ou Educação Física Inclusiva. Destaca-se que o questionário aplicado e os dados analisados foram coletados mediante concordância dos participantes, com permissão concedida por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), sob o protocolo CAAE 94202418.1.0000.5391. O

questionário

online,

aplicado

através

da

plataforma

GoogleForms, foi composto por questões fechadas requerendo respostas específicas dos participantes, com frequência em forma de escalas – especificamente a escala de Likert; e por questões abertas, permitindo aos participantes liberdade para explicar determinadas questões fechadas, referentes às temáticas envolvidas nas fontes. Para o acesso ao questionário foi utilizado um link específico, que foi distribuído de forma aleatória aos potenciais alvos da pesquisa após prévia contextualização dos objetivos do estudo. Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, utilizou-se, para estudo das questões discursivas, o método de análise de conteúdo, com base no referencial de Bardin (1977) e Franco (1986), com ordenação, quantificação e interpretação das informações organizadas em torno das seguintes unidades de análise: educação inclusiva, estágio programado e prática pedagógica. Os dados coletados através do questionário foram tratados utilizando-se da estatística descritiva, definida como o “conjunto de métodos destinados à organização e descrição dos dados através de indicadores sintéticos ou sumários” (SILVESTRE, 2007, p. 5), e que permite a visualização prática e objetiva dos resultados encontrados. Para análise dos dados em Escala de Likert, adotou-se o método de análise apresentado por Malhotra (2001), que se utiliza do cálculo da Média Ponderada para estabelecimento do Ranking Médio (RM). As médias representam como parâmetro os valores entre 0 e 5, considerando 0 o valor mínimo (negativo) e 5 o valor máximo (positivo), equivalente ao aplicado aos 211


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

participantes no questionário. RESULTADOS E DISCUSSÃO A tabela 1 apresenta a caracterização da amostra, relacionando algumas variáveis sociodemográficas dos participantes, referentes a gênero, idade e formação de ensino básico e superior. Tabela 1 – Variáveis sociodemográficas Variáveis Gênero

%

Feminino Masculino

14 5

73,7 26,3

Faixa etária 19-24 9 47,4 25-30 7 36,8 31 + 3 15,8 Formação Ens. Fundamental II Municipal 2 9,5 Estadual 5 23,8 Particular 14 66,7 Formação Ens. Médio Municipal 0 0 Estadual 6 30 Particular 14 70 Formação Ens. Superior Pública 16 84,2 Particular 3 15,8 Ano de Formação 2015 1 5,3 2017 5 26,3 2018 4 21,0 2019 7 36,9 2020 2 10,5 * Nota: nas questões referentes à Formação, era disponibilizada ao participante a opção de marcar mais de uma alternativa, podendo totalizar, assim, um n maior que 19.

A tabela 2 nos apresenta dados a respeito da percepção, por parte dos próprios participantes, do curso de graduação realizado, principalmente

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Vilardaga e Silveira (2020)

no que se refere à aplicação de disciplinas com o tema de Educação Física Inclusiva (ou Adaptada), com relação ao ranking médio, representado pela média ponderada das respostas fornecidas. Tabela 2 – Formação Profissional e Educação Inclusiva Questão Ranking Médio 1. Satisfação com o curso 3,5 2. Satisfação com a disciplina (Educação Inclusiva/Adaptada) 2,7 3. Importância de uma disciplina específica para o tema de 4,7 Educação Inclusiva 4. Favorável à diluição do conteúdo de Educação Inclusiva em 2,8 outras disciplinas

Os dezenove participantes declararam ter cursado ao menos uma disciplina relacionada a este tema, dentre as quais treze se intitulavam Educação Física Escolar Adaptada, cinco Educação Física Adaptada e uma intitulada Educação Física Inclusiva. Quanto aos conteúdos e temas tratados nas

respectivas

disciplinas

foi

possível

levantar

seis

índices

que

apresentaram-se com mais frequência: “deficiências” (presente em 12 respostas, ou seja, 63,2% do total), “asma” (21,1%), “adaptações” (21,1%), “contexto/ ambiente escolar” (15,8%), “doenças respiratórias” (15,8%) e “práticas pedagógicas” (10,5%). Quando questionados quanto ao entendimento sobre Educação Inclusiva, os índices mais recorrentes foram os relacionados a “uma educação para todos” (presente em 16 de um total de 19 respostas, totalizando 84% do total) e “deficiência” (com 6 respostas, 31% do total). A tabela 3 nos aponta os Rankings Médios das questões relacionadas às práticas de estágio supervisionado, práticas pedagógicas e atuação na área de Licenciatura em Educação Física. Um total de 17 participantes (89,5%) declara ter tido um estágio específico para essa disciplina ou área de Educação Inclusiva, considerando que nenhum contou com intervenções pedagógicas, e 63,2% dos participantes relataram ter contado com práticas pedagógicas.

213


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Tabela 3 – Estágio supervisionado, práticas pedagógicas e atuação profissional Questão Estágio Estágio foi discutido em aula e articulado com a disciplina Contribuição do estágio para a própria formação profissional Impacto positivo da aplicação do estágio na formação profissional Prática Pedagógica Estruturada de acordo com a disciplina Importância da prática pedagógica com vistas à formação profissional Atuação na área de Educação Física Escolar Motivação para atuar

Ranking Médio 1,6 2,4 4,5 3,6 4,6 4,1

Dos 19 participantes, 14 (73,7%) atuam ou já atuaram na área da Licenciatura, dentre os quais 8 exclusivamente como estagiários/assistentes e outros 6 também como professores. O total de participantes da pesquisa compõem um n baixo para que sejam tiradas conclusões determinantes. Para além disso, eles pertencem a um grupo relativamente homogêneo, principalmente no que se refere às suas formações: a grande maioria passou pela Educação Básica (Ensino Fundamental II e Médio) no ensino particular e no Ensino Superior na universidade pública, em especial na Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo, ambiente no qual estamos diretamente inseridos. Tal constatação pode, por um lado, gerar resultados e discussões de caráter enviesado ou limitado, não necessariamente aplicáveis a outros contextos. Para tal, portanto, seria interessante a ampliação do público analisado, tanto em número quanto em diversidade, em pesquisas futuras. Muito do que foi aqui observado, entretanto, gera discussões interessantes e pertinentes ao objetivo do presente estudo, ainda mais considerando o quão próximo este público está do processo de formação (95% dos participantes são recém graduados – a partir de 2017 – ou estão ainda dentro da universidade). Com o objetivo de avaliar a formação inicial dos professores e futuros professores em Educação Física Escolar, foi interessante identificar a 214


Vilardaga e Silveira (2020)

satisfação desses alunos com o próprio curso. O ranking médio encontrado – de 3,5 –, demonstra que os alunos possuem uma satisfação razoável com a graduação (considerando-se que de três para cima o valor pode ser considerado mais próximo ao positivo). Como aprofundamento do objetivo, é essencial também investigar o entendimento desses estudantes sobre o significado de Educação Inclusiva e, assim, buscar compreender algumas questões importantes sobre as disciplinas voltadas especificamente para o assunto. Como descrito anteriormente, para a definição de Educação Inclusiva, observou-se a grande representatividade da palavra “todos/as”, no sentido de uma “educação à todxs 65 de forma integral em que todxs tenham as mesmas condições de ensino-aprendizagem.” (B.G., 28 anos) 66 e uma “educação para todos, sem exclusão, e que dê espaço para as expressões individuais” (L.L., 25 anos). Por outro lado, percebendo também a distância a que nos encontramos de uma Educação Inclusiva como a idealizada através das respostas, questiona-se, a respeito da sua atual aplicação, a capacidade das escolas e professores de atender educandos que fujam do padrão normativo estabelecido pelos projetos de ensino (rede pública ou privada). A disciplina ainda é aquela onde os garotos com biotipo dado como ideal com afinidade/bom desempenho relativo em atividades com bolas participam e crianças deficientes (por qualquer aspecto), gordas, com menor aporte de habilidades de coordenação fina ficam fazendo qualquer outra coisa que não a proposta da aula. Ou são coagidas e expostas a realizar as atividades sem qualquer chance de se enquadrar. (N.C., 22 anos).

Sob essa perspectiva, nota-se também o reconhecimento da amplitude e importância de uma discussão consistente sobre o tema da inclusão no processo de formação profissional. A questão que nos surge então é a respeito de como deve ser feita essa abordagem na visão dos 65 A expressão “todxs”, como escrita pela participante, foi mantida a fim de preservar a ideia de indistinção entre os gêneros que pressupõe a sua utilização. 66 A fim de preservar a identidade dos participantes, as citações das respostas dadas por eles serão identificadas através da abreviação do nome e idade.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

participantes: uma disciplina específica ou distribuição dos conteúdos em demais matérias? Observando os resultados, chegamos a uma grande maioria que acredita na importância de uma disciplina específica para abordar a Educação Física Inclusiva – considerando que, de 19 participantes, 16 colocaram a máxima 5 para tal questionamento. Como nos aponta uma das participantes, “a inclusão abrange muitos temas, desde deficiência até questões indisciplina, gênero, e etc. [A disciplina] é importante porque ajuda a trabalhar com determinado tema, independe da série” (F.P., 23 anos). Deparamo-nos, então, com uma questão: os participantes demonstraram acreditar fortemente na importância das disciplinas sobre o tema, mas, por outro lado, a satisfação com o que é ofertado por elas está relativamente baixa. O que será que acontece nesse processo? Um dos possíveis motivos para tal situação é a diferença entre a expectativa para a disciplina e a realidade encontrada no que se refere ao conteúdo: de acordo com os resultados obtidos, o principal tópico abordado por elas foi relativo às deficiências como um todo (aparecendo num total de 63,2% do total de respostas), se limitando a uma abordagem teórica e expositiva sobre o assunto, quando o esperado estaria mais próximo da preparação profissional para atuação com uma inclusão, como citado anteriormente, para todos. Como definem alguns participantes: acho importante o estudo da diversidade existente em nossa sociedade, buscando possibilitar a participação e oportunizar o aprendizado a todas as pessoas. Infelizmente não foi dessa forma que a disciplina me foi apresentada na graduação. A mesma foi tratada de forma restrita, com um olhar voltado para deficiência. (C.B., 38 anos). A disciplina abordou em termos gerais muito mais nas dificuldades que os alunos podem apresentar do que de que maneira a incluí-los nas aulas. E mesmo nisso que ela se propôs foi algo bem abaixo do que eu esperava, chegando a ter discussões sobre biomecânica do pé, deixando uma lacuna bem grande na minha formação. (L.L., 25 anos).

Dessa maneira, confirmamos que essa diferença entre a opinião e

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Vilardaga e Silveira (2020)

expectativa dos alunos e a abordagem que a disciplina traz pode representar um primeiro motivo de insatisfação com a disciplina. Por outro lado, na perspectiva dos participantes sobre o que seria a Educação Inclusiva, encontramos também a presença do termo “deficiência” com certa frequência, o que nos leva a um outro questionamento: se há também, em parte, concordância com o conteúdo oferecido nessas disciplinas, é possível que haja outros motivos para esse aparente descontentamento. Acreditando no papel fundamental das estratégias que aliam a teoria à prática para formação profissional, como também apresentado na revisão da literatura sobre o tema, mas com ciência de que este é um equilíbrio raramente encontrado nos cursos de graduação, investigamos também a percepção dos professores e futuros professores sobre suas experiências nesse quesito. Analisando, supervisionados,

em

um

primeiro

momento,

observa-se

um

resultado

interessante:

os

estágios 89%

dos

participantes tiveram, em sua graduação, um programa de estágio específico para o tema de Educação Física Inclusiva/Adaptada e, dentre estes, o ranking médio para o impacto positivo dessa prática sobre a formação profissional ficou em torno de 4,5, ou seja, muito próximo ao máximo – o que reforça sua importância na perspectiva dos profissionais. Quando avaliada, entretanto, a contribuição que o estágio forneceu para a própria formação, o RM ficou em 2,4, valor considerado como negativo. Quais seriam as possíveis causas para essa situação? Olharemos então para as principais expectativas a respeito do estágio, através de algumas explicações dos próprios participantes: poder aplicar o que aprendemos na teoria, e depois discutir o que vemos na prática durante as aulas teóricas. (C.O., 24 anos). Repensar e se preparar verdadeiramente para ser professora. (V.C., 22 anos). [...] como todo assunto, a vivência prática nos traz reflexões sobre o tema, mostrando as dificuldades e possibilidades dentro da temática. (L.L., 25 anos).

217


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Vivenciar a diversidade só poderia trazer benefícios para uma futura atuação profissional. (C.B., 38 anos).

As respostas apresentadas corroboram com a percepção positiva sobre o impacto que um programa de estágio pode fornecer: há um consenso a respeito dessa vivência prática como um importante aliado da preparação para atuação profissional. Revisitando Cyrino (2012), que ressalta a necessidade da aproximação entre os professores e estudantes nesse processo, avalia-se o próximo tópico, que considerou a articulação entre a prática do estágio e o conteúdo visto na disciplina, de maneira a gerar discussões e reflexões posteriores (momento esse em que se mostra de extrema importância a presença de um professor mediador) e assim um constante ciclo de aprendizado. Para esta questão, o RM apresentado, entre os participantes, foi significativamente baixo (de 1,6), o que nos indica uma rasa integração entre as vivências práticas e as disciplinas envolvidas. Confirmando o papel essencial da aproximação entre a teoria e a prática, incluindo nesse processo a participação do professor, encontramos nas respostas discursivas algumas ponderações um pouco mais elaboradas sobre a aplicação do estágio e as suas dificuldades: A importância de conviver com as crianças e jovens, com os profissionais e com as famílias é indiscutível. Porém senti falta de apoio dos profissionais. Então, acabei me sentindo desorientada muitas vezes [...]. (A.G., 28 anos). Pouco ou nada do estágio foi discutido em aula e os estágios que fiz nem foram feitos na escola ou com pessoas na idade escolar, foi mais um estágio sobre reabilitação do que sobre inclusão. (L.D., 25 anos). O estágio ofereceu a oportunidade de primeiros contatos com alunos com deficiência dentro do contexto inclusivo da Educação, ajudando a visualizar de forma prática a realidade deste cenário, sendo, neste aspecto, bastante positivo. Entretanto, não houve significativo debate em aulas, aprofundamento de situações problemas, o que diminui as possibilidades de aprendizagem e preparação pra atuação profissional. (J.C., 28 anos).

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Vilardaga e Silveira (2020)

A carga horária exigida é bem pequena, o que nos faz ter contato com alguns casos e perceber algumas dinâmicas, mas, ainda assim, é insuficiente para nos aprofundarmos. (J.S., 22 anos).

Observando os relatos aqui apresentados, podemos então compreender a diferença tão marcante – na perspectiva dos sujeitos da pesquisa –, entre o potencial impacto de um programa de estágio (extremamente alto) e a real contribuição fornecida por ele durante a graduação, com vistas à preparação para atuação. Esses dados corroboram para a confirmação das teorias apresentadas até o momento de que, apesar da prática de estágio supervisionado ser muito positiva para o processo de formação docente, grande parte dos participantes sente que a realidade vivenciada mais uma vez não corresponde à expectativa. Em relação às práticas pedagógicas, a consideração a respeito de sua importância se assemelhou em alguns aspectos ao estágio: o RM de 4,6 (considerado como bem elevado), e frases como “experiência para prática profissional” (F.P., 23 anos) e “observar e eventualmente intervir o que o professor nos apresenta na teoria, e [...] discutir o que vimos na prática nas aulas teóricas” (C.O., 24 anos) representam a ideia apresentada pela maioria dos participantes, que demonstram acreditar nesse processo como uma ferramenta importante no contexto da preparação profissional para atuação escolar em Educação Física Inclusiva. Por outro lado, foram notadas também algumas diferenças: o RM que representa a articulação com a disciplina se mostrou consideravelmente maior, sendo 3,6 para as práticas pedagógicas e 1,6 para os estágios. A proporção de estudantes que tiveram práticas pedagógicas em suas disciplinas é, entretanto, relativamente menor se comparada aos estágios (36,8% x 89,5%), fenômeno que ocorre, possivelmente, por elas não serem de caráter obrigatório e por pressuporem maior envolvimento com a disciplina – e consequentemente maior participação e mais trabalho para o professor supervisor. Observou-se, para além disso, algumas ressalvas a respeito de sua aplicação, expressadas através das questões discursivas e que apontaram para “pouca reflexão e alguns momentos práticos muito curtos e desconexos”

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

(V.C.,

26

anos)

e

a

presença

de

conteúdos

“completamente

descontextualizados dentro da proposta do programa.” (J.C., 28 anos). Nesse sentido cabe pontuar, portanto, a necessidade do desenvolvimento, em ambas as estratégias, de um projeto com planejamento para interação com o ambiente e intervenção profissional adequada aos conteúdos da disciplina. Essencialmente, é notável que em ambas as estratégias de aproximação entre teoria e prática há uma grande expectativa por parte dos alunos, por acreditarem serem essas maneiras efetivas de aprendizagem, como na descrição a seguir: Acredito que um programa que possibilite ações práticas no processo seja muito mais significativo, apresente muito mais possibilidades de aprendizado, coloque o estudante de Educação Física em uma situação muito mais próxima a real (mesmo que em um ambiente minimamente controlado, com a presença de um orientador/professor) e possibilite mais vivência que serão fundamentais para a futura ação profissional. (J.C., 28 anos).

É evidente, porém, a falta que os sujeitos da pesquisa sentem da aplicação desses programas de vivências práticas de maneira bem estruturada e com apoio aos discentes, o que acaba não favorecendo tanto quanto poderia e reduzindo o aproveitamento. Ainda assim, é importante ressaltar que, quando questionados sobre o que mais contribuiu para o processo de preparação para atuação profissional com Educação Física Escolar Inclusiva, a maioria das respostas dos participantes se referiu ou às disciplinas cursadas, ou às vivências práticas (incluindo, nisso, as práticas pedagógicas e estágios supervisionados – este último aparecendo em 10 respostas de um total de 16), como pode ser exemplificado em seguida: O estágio porque possibilita a visualização, na prática, do que vemos em sala, que é normalmente muito diferente, e as discussões para poder levantar novas ideias a partir das relações que vemos entre universidade x ambiente de trabalho. (M.L., 23 anos). As vivências, pois além de fazer refletir sobre o tema, proporcionava algumas ideias de atividades para serem usadas em

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Vilardaga e Silveira (2020)

sala de aula. (L.D., 25 anos). Todas as aulas somos provocadas a ler, pensar, discutir, projetar... sobre como deu-se a história da EI, nomenclatura, atualidades, especificidades, numa forma consistente e dinâmica. (A.G., 28 anos). [sobre a disciplina] refleti que educação inclusiva que um trabalho inclusivo ultrapassa o estereótipo de trabalhar com deficiências, mas sim de trabalhar com seres humanos e suas diferenças. (V.C., 26 anos). O conteúdo na disciplina específica é mais aprofundado, e o estágio contribui para aprender um pouco na prática o que é inclusão da educação física. (C.O., 24 anos).

Estes relatos nos conduzem, mais uma vez, à confirmação da importância que se atribui, por parte dos atuais e futuros licenciados em Educação Física, ao papel dos cursos de formação profissional na preparação para atuação em Educação Inclusiva. Percebe-se ainda uma dificuldade de entendimento e abordagem sobre o tema – o que é justificável visto a sua recente discussão – e também, com isso, a sensação de despreparo para lidar com ele. Sensação essa que, possivelmente, se intensifica na medida em que há uma clara consciência do poder de atuação – tanto para ascensão quanto para estagnação dos alunos, como nos aponta Denari (2008) – e da consequente responsabilidade do professor dentro da escola, combinado com a insegurança que traz o pouco conhecimento sobre o assunto. Como uma importante estratégia para auxiliar nesse processo de preparação profissional com um tema ainda não tão palpável, confirma-se também o que nos apresentam Pimenta e Lima (2006), quando defendem o estágio como um eixo central para a formação docente. Ainda que com diversas críticas ao modo como é aplicado nas faculdades, ele aparece, para os participantes da pesquisa, como o principal instrumento para a construção dos saberes necessários para a nossa profissão no contexto da inclusão. Quanto ao papel das práticas pedagógicas, as considerações dos profissionais questionados vão de encontro à ideia proposta por OliveiraFormosinho (2001), quando esta reforça a sua articulação ao programa curricular. Esta estratégia apresentou grande aceitação por parte dos alunos, 221


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

mas menor aderência nas disciplinas. Desta maneira, diante do que foi apresentado até o momento, podemos avaliar que os professores e futuros professores que passam por disciplinas com práticas pedagógicas e estágios supervisionados dirigidos e desenvolvidos no campo escolar em suas formações iniciais apresentam uma possibilidade de formação profissional mais efetiva para a atuação com o contexto da educação inclusiva, o que confirma a hipótese do estudo. Cabe aqui, todavia, uma reflexão: se, mesmo com todas as dificuldades já mencionadas, relatadas pelos participantes do estudo, para a aplicação efetiva dessas estratégias de ensino elas permanecem sendo o fator mais contribuinte para a preparação profissional, é motivador imaginar o quanto mais estes profissionais poderiam aproveitar de um programa bem estruturado de associação entre teoria e prática na integração das disciplinas com o estágio e as práticas pedagógicas. CONCLUSÃO A discussão sobre preparação profissional no contexto da Educação Inclusiva é muito intensa. Ao longo do trabalho pudemos perceber que seu próprio conceito não é, ainda, unânime entre os estudiosos e que ele vem, também, se modificando aos poucos. De qualquer maneira, dentro do que temos definido, sabemos ainda estar distantes de atingirmos um ideal de Educação Física Escolar Inclusiva. Com isso em mente, podemos perceber também quão complicado se torna estabelecer um padrão unanimemente correto sobre como preparar os profissionais para atuar com ela, até porque talvez isso nem seja uma realidade. Afinal, seria ideal dispormos de disciplinas específicas para abordar a inclusão, ou determinar um público e tratá-lo como diferente já não é uma exclusão por si só? Estas são questões que permearam todo o trajeto do trabalho, e que Skliar (2006, p. 31) exemplifica de maneira muito precisa: Afirma-se que a escola e os professores não estão preparados para receber os “estranhos”, os “anormais”, nas aulas. Não é verdade. 222


Vilardaga e Silveira (2020)

Parece-me que ainda não existe nenhum consenso sobre o que signifique “estar preparado” e, muito menos, acerca de como deveria se pensar a formação quanto às políticas de inclusão propostas em todo o mundo.

Como apontado por um dos participantes, talvez o objetivo final seja que, um dia, as discussões nos cursos de formação profissional sejam sobre a Educação como um todo, sem se preocupar com o termo “inclusão”. Ele já não será mais necessário, visto que será um conceito naturalizado: dizer “Educação Inclusiva” será considerado uma redundância. Mas ainda temos um caminho longo a percorrer até lá e, por ora, talvez uma possível solução seja de fato prestarmos atenção a esse propósito e refletir sobre ele de maneira coerente e embasada. E que maneira seria mais coerente que o alinhamento entre a observação e interação com a realidade e o embasamento teórico? Como nos afirma Pimenta (2002, p. 63), ao defender a unidade entre teoria e prática, “a atividade teórica é que possibilita de modo indissociável o conhecimento da realidade e o estabelecimento de finalidades para sua transformação. Mas para produzir tal transformação não é suficiente a atividade teórica; é preciso atuar praticamente”. Nesse sentido, fica nítida a impossível dissociação entre esses dois polos. Este trabalho buscou entender como essa relação se apresenta, então, nos cursos de licenciatura em Educação Física e chegou à conclusão que, tal como o ideal de Educação Inclusiva, essa ideia de unidade teórico-

prática ainda se mostra, também, distante da realidade, por mais que já creditada pela literatura sobre o assunto e pela opinião dos futuros professores e dos professores formados e atuantes. Se por outro lado, se evidencia a distância entre essa ideal integração e o que acontece nos cursos, espera-se que o presente estudo tenha, também, despertado possíveis caminhos para como melhor aproveitar essa possibilidade tão importante.

223


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Internship and pedagogical practices in the teaching training process for action in Inclusive School Physical Education Abstract: Inclusive School Physical Education is a current topic of study in the field of Education, and it is in constant discussion. Also, there is a lot of difficulty on the part of the active teachers to recognize it and apply it in the school routine, with questions about the preparation provided by the initial training courses. The study aimed to evaluate whether the training of licensed professionals in Physical Education allows their actions within the perspective of school inclusion, focusing on how undergraduate courses the theoretical-practical emphases are distributed in their content and assessing whether there is an articulation between them. The instruments used for research and data collection were: a) sources dealing with Inclusive Education, internships and pedagogical practices combined with teacher training; b) application of an online questionnaire with open and closed questions. The participants were student graduated on Physical Education (from 2012) and future teachers who took courses that deal with the themes involved under the field of Inclusive Physical Education. It observed the importance given to the strategies of approximation between theory and practice in the professional training process, as well as the difficulties encountered in this application. Keywords: School Physical Education. Inclusion. Teacher training. Internship. Pedagogical practice.

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224

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225


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Desafios e possibilidades para o ensino da Educação Física no processo de inclusão educacional de alunos com Transtorno do Espectro Autista Glenda dos Santos Pinheiro (UEPA) * Vanessa Rodrigues Cuns (UEPA) ** Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito (UEPA) *** Anibal Correia Brito Neto (UEPA) **** Resumo: O cenário de promulgação de um conjunto de ordenamentos legais em prol de um sistema educacional inclusivo tem impulsionado a formulação de respostas ao quadro dissonante entre os preceitos jurídicos e a realidade dos diferentes ambientes escolares. O objetivo geral deste estudo se configurou em analisar os limites e as possibilidades da prática pedagógica de professores de Educação Física escolar envolvidos em processos de inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista. Para tanto, realizamos pesquisa bibliográfica, na modalidade revisão sistemática, da produção científica veiculada no Portal de Periódicos da Capes, no SciELO, no BVS/BIREME e no Google Acadêmico. Os resultados indicaram que as principais dificuldades de uma prática pedagógica inclusiva estão relacionadas a uma inconsistente base teórica dos sujeitos envolvidos no processo de inclusão escolar, tanto em relação ao sentido atribuído ao processo de inclusão quanto à especificidade e implicações do Transtorno do Espectro Autista para o processo de ensino e aprendizagem. Tal fragilidade teórico-conceitual foi relacionado a múltiplos fatores, entre os quais: insuficiência na qualificação profissional, ausência de planejamento, falta de experiência prévia e dúvidas e insegurança por parte do professor em relação ao autismo, o que tem implicado em profundas dificuldades apontadas pelos professores da área para lidar com as características típicas da deficiência. Diante desse quadro, tem prevalecido o entendimento de que o princípio da individualidade deve prevalecer, de modo que o aluno, com suas características e limitações, sirva como parâmetro para organização da intervenção pedagógica, gerando, assim, um modelo adaptado e pautado nas potencialidades e interesses destes, com vistas à diminuição dos seus déficits e limitações, a fim de constituir as aulas de Educação Física como espaços onde aconteçam experiências relevantes e significativas para o processo de inclusão educacional. Palavras-chave: Educação Física. Prática Profissional. Inclusão Educacional. Autismo. * Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: glendapinheiiro@gmail.com ** Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: vanessarodriguescuns@gmail.com *** Doutora em Educação (UFSC). Professora na Universidade do Estado do Pará. E-mail: eliane_aguiar@yahoo.com.br

**** Doutor em Educação (UFSC). Professor na Universidade do Estado do Pará. E-mail: anibal.neto@uepa.br

226


Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

INTRODUÇÃO

egundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019), estima-se que 1 em cada 160 crianças tenham o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Tal avaliação é, contudo, reconhecida pela própria instituição como um valor médio, visto que tal prevalência tende a variar substancialmente entre os estudos. A entidade pondera, ainda, que uma maior conscientização, somado a ampliação de critérios e melhores ferramentas para o diagnóstico e construção dos relatórios parecem estar elevando substancialmente esses números em âmbito global (OMS, 2019). Em concordância com este prognóstico, os dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência de proteção à saúde norteamericana, em acompanhamento realizado em 11 locais que integram a Rede de Monitoramento do Autismo e Desenvolvimento (ADDM) dos Estados Unidos, registrou que o TEA alcançou a prevalência de 1 para cada 59 crianças com 8 anos de idade (BAIO et al., 2018). No Brasil, a alegação de que a inexistência de dados oficiais sobre este segmento da população seria o principal obstáculo à adoção de políticas públicas por parte do Estado e dos seus gestores, em especial naquilo que se refere à Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista” (BRASIL, 2012), repercutiu na mudança legislativa trazida pela Lei nº 13.861, de 18 de julho de 2019, a qual incluiu as especificidades inerentes ao TEA nos censos demográficos (BRASIL, 2019). No que diz respeito à política educacional, a instituição da referida Política Nacional voltada ao TEA, já havia assegurado alguns direitos, dentre os quais destaca-se o acesso à educação e ao ensino profissionalizante, bem como a ratificação da inclusão da pessoa com TEA nas classes comuns de ensino regular. Somado a isso, estabeleceu-se o pagamento de multa e posterior perda do cargo para aquele gestor ou autoridade competente que recusar-se a matricular aluno com TEA (BRASIL,

227


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

2012). Contudo, apesar da promulgação de ordenamentos legais em prol de um sistema educacional inclusivo, as experiências vividas ao longo do currículo formativo, em especial no âmbito dos estágios curriculares obrigatórios, revelaram indicadores didático-pedagógicos indiferentes ao tema da inclusão. No que se refere ao acompanhamento das aulas de Educação Física escolar, tanto a prática pedagógica realizada em sala de aula quanto

aquela

desenvolvida

em

espaços

abertos

não

sinalizavam

ressignificações ou mesmo ajustes pontuais por parte dos professores que exerciam a atividade docente. Nesse cenário, os alunos com TEA ficavam restritos ao acompanhamento especializado, de modo completamente alheio ao conjunto dos alunos e às vivências com os elementos da cultura corporal proposta pelo professor. Portanto, devido à contradição entre o universo da prática pedagógica e os princípios veiculados na legislação educacional brasileira, com destaque para a recente publicação da Base Nacional Comum Curricular, que reiteram o necessário “compromisso com os alunos com deficiência, reconhecendo a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular” (BRASIL, 2018, p. 16), passamos a problematizar os desafios para a materialização de processos inclusivos de alunos com TEA nas aulas de Educação Física escolar. Dessa forma, o objetivo geral do estudo se configurou em analisar os limites e as possibilidades da prática pedagógica de professores de Educação Física escolar envolvidos em processos de inclusão de alunos com TEA. Para tanto, os objetivos específicos se desdobraram em: caracterizar o TEA e as decorrências das peculiaridades deste transtorno para os processos de inclusão escolar; discutir as principais dificuldades enfrentadas por professores de Educação Física na inclusão deste grupo específico; e descrever as principais estratégias metodológicas utilizadas pelos professores de Educação Física neste processo pedagógico inclusivo.

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Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

MATERIAL E MÉTODOS Com base em Marconi e Lakatos (2009), devido à fonte de obtenção de dados predominante no estudo, essa se caracteriza por uma pesquisa do tipo bibliográfica. Trata-se, porém, de uma revisão sistemática, a qual busca disponibilizar “um resumo das evidências relacionadas a uma estratégia de intervenção específica, mediante a aplicação de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação selecionada” (SAMPAIO; MANCINI, 2007, p. 84). As fontes de informações eletrônicas utilizadas foram a Scientific

Electronic Library Online (SciELO), o Portal de Periódicos da Capes, o Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS/BIREME) e o Google Acadêmico. As palavras-chave empregadas na busca da produção científica sobre o tema foram as combinações dos seguintes termos: Autismo, Educação Física e Inclusão Escolar. Como critérios de inclusão dos textos, adotamos que estes precisariam ser artigos publicados em periódicos científicos, escritos em língua portuguesa, que denotassem pesquisa de campo envolvendo professores de educação física no exercício da prática pedagógica com alunos autistas em ambiente escolar e que fossem produções publicadas a partir do ano de 2008 até o ano de 2018. O Quadro 1 revela o número de artigos selecionados em relação ao total de produções levantadas por banco de dados. Quadro 1 – Número de artigos pelo total de arquivos levantados nos bancos de dados Bancos de Dados

Arquivos em Geral

Scientific Electronic 03 Library Online (SciELO) Portal de Periódicos da 29 Capes Portal Regional da Biblioteca Virtual em 10 Saúde (BVS/BIREME) Google acadêmico 450 Total 492 Fonte: Bancos de dados utilizados na pesquisa.

Artigos Selecionados 01 01 00 04 06

229


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Por meio da avaliação dos títulos e resumos e, em alguns casos, a leitura do artigo na íntegra, foi possível selecionar seis artigos que atendiam aos critérios de inclusão, conforme revela o Quadro 2. Quadro 2 – Artigos selecionados por periódicos e ano de publicação n.º

Autores

Título do Artigo

Periódico

Ano

01

VAZ, R. C. S.; SANTOS, C. S.

Inclusão e educação física escolar; realidade e possibilidades para alunos com autismo na escola comum

Olhares e Trilhas

2009

02

BASTOS, Y. C; CARDOSO, M. A. R. B.

A inclusão de crianças autistas na educação física escolar

Dificuldades e Sucessos de Professores de Educação Física em Relação à Inclusão Escolar Contribuições da educação física escolar na inclusão de alunos com transtorno do PEZZUOL, M. 04 espectro autista (TEA) no L. M. ensino público regular do estado de São Paulo – um estudo de caso Reflexão sobre a prática SILVA, P. B. inclusiva do profissional de 05 M.; VALA, T. educação física com alunos M. autistas em escolas municipais de Sorriso/MT SILVA, B. L. Contribuição da educação física 06 A.; OLIVEIRA, escolar para crianças com M. F. L. espectro autista Fonte: Banco de dados utilizado na pesquisa. 03

FIORINI, M. L. S.; MANZINI, E. J.

Cadernos de Pesquisa e Extensão Desafios Críticos Revista Brasileira de Educação Especial

2016

2016

Qualif – Revista Acadêmica

2017

Revista Científica Cultural

2017

Diálogos Interdisciplinares

2018

Posteriormente à seleção dos textos nos bancos de dados, avançamos para a verificação minuciosa do conteúdo dos artigos, tendo por base as reflexões de Minayo (2007, p. 406) de que “a análise de conteúdo se inicia em fase de pré-análise, para posteriormente haver uma exploração do referencial e em seguida um tratamento e reflexão dos resultados obtidos”.

230


Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E OS PROCESSOS DE INCLUSÃO ESCOLAR De acordo com a Associação Americana de Psicologia (2014), por meio da publicação do seu Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais (DSM-5), o Transtorno do Espectro Autista caracteriza-se como um Transtorno do Neurodesenvolvimento que

apresenta

como critérios

fundamentais para o seu diagnóstico os déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, somado aos padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Para os CDC estadunidenses, os níveis de comprometimento que tal Transtorno pode gerar no âmbito social, comunicativo e comportamental, implicam em diversos graus de prejuízos no exercício das atividades cotidianas das pessoas acometidas. Essa diversificação nos sinais e sintomas da deficiência geram diferentes formas de aprender, prestar atenção ou reagir aos estímulos (CDC, 2018). Portanto, a agência de proteção à saúde norte-americana, alerta que devido o difícil diagnóstico pautado na análise comportamental e do desenvolvimento da criança por um profissional experiente, geralmente até os dois anos de idade, muitas crianças têm recebido o diagnóstico de maneira tardia, o que tem atrasado os serviços de intervenção precoce, responsáveis pelo desenvolvimento de habilidades fundamentais, tais como o auxílio para que a criança possa conversar, caminhar e interagir com outras pessoas (CDC, 2018). Embora não existam medicamentos que possam curar o TEA ou tratar os seus sintomas centrais, os CDC (2015) classificam os diferentes tipos de tratamento desta deficiência em quatro categorias: 1) abordagens do comportamento e comunicação, que são aqueles que fornecem estrutura, direção e organização para a criança. Incluem-se nesta categoria os diferentes tipos de Análise Comportamental Aplicada (ABA), a Abordagem Baseada no Desenvolvimento, nas Diferenças Individuais e na Relação (DIR), o Tratamento e Educação de Autistas e Crianças com Limitações Relacionadas à Comunicação (TEACCH), a Terapia Ocupacional, a Terapia de Integração Sensorial, a Terapia da Fala, e o Sistema de Comunicação por Figuras (PECS); 231


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

2) abordagens dietéticas, as quais baseiam-se na ideia de que alergias alimentares ou falta de vitaminas e minerais causam sintomas de TEA; 3) medicação, a qual pode ajudar a administrar altos níveis de energia, incapacidade de concentração, depressão ou convulsões; e 4) medicina complementar e alternativa, que podem incluir dietas especiais, terapia por quelação (um tratamento para remover metais pesados como o chumbo do corpo), biológicos (por exemplo, secretina) ou sistemas baseados no corpo (como o uso de pressão profunda). Nos Estados Unidos, uma campanha dos CDC denominada “Aprenda os Sinais. Aja Cedo”, tem se estruturado como um Programa que visa melhorar a identificação precoce de crianças com autismo e outras deficiências de desenvolvimento, com o fim de assegurar às crianças e familiares os serviços e apoio de que necessitam. Estruturada a partir de três componentes fundamentais – campanha de educação em saúde, iniciativa agir cedo, e pesquisa e avaliação – os resultados deste Programa têm indicado que mais pais tem atentado aos marcos de desenvolvimento infantil, que mais pediatras têm conversado de maneira confiante com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos, conhecem os recursos e podem educar os pais, que a colaboração entre programas de educação infantil em estados e territórios tem sido promovido com a finalidade da sua melhoria e, por fim, que projetos de pesquisas e avaliações têm avançado no entendimento de como melhorar a identificação precoce de crianças com autismo e outras deficiências de desenvolvimento, especialmente entre grupos populacionais com disparidades no acesso à saúde (CDC, 2017). Entre os materiais produzidos pelo Programa, destaca-se o kit voltado aos professores de educação infantil, nomeado de “Saia e Jogue!”. Com foco no monitoramento do desenvolvimento infantil durante a promoção de atividades lúdicas, o kit oferece ao educador exemplos de atividades para crianças de 3 a 5 anos de idade, informações sobre o monitoramento de marcos de desenvolvimento infantil, sugestões para tornar o dia de atividade bem-sucedido e divertido, dicas sobre como abordar os pais em caso de suspeita de que uma criança esteja com atraso no desenvolvimento e um encarte especial com atividades para que os pais 232


Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

possam brincar em casa (CDC, 2009). No Brasil, o ano de 2012 demarcou a instituição da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, por meio da Lei nº 12.764/2012, a qual desdobrou-se em orientações aos Sistemas de Ensino para a implementação deste ordenamento legal descrita na Nota Técnica nº 24, de 21 de março de 2013, proveniente da Diretora de Políticas de Educação Especial, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do Ministério da Educação (BRASIL, 2013). A partir deste dispositivo oficial, reforçou-se que os Sistemas de Ensino devem efetuar a matrícula dos estudantes com TEA nas classes comuns de ensino regular, de modo que seja garantido o acesso ao processo de escolarização, bem como a oferta aos serviços de educação especial, dentre os quais: o atendimento educacional especializado complementar e o profissional de apoio (BRASIL, 2013). Somado a isso, a Nota Técnica enfatiza a necessidade e importância da intersetorialidade para a consecução da inclusão escolar, promovendo a interface entre diferentes áreas na gestão das políticas públicas. A participação da comunidade na formulação, implantação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, bem como a formação dos profissionais da educação voltado à construção de conhecimento para práticas educacionais que propiciem o desenvolvimento sócio cognitivo dos estudantes com TEA também foram indicadas como Diretrizes que visam assegurar às pessoas com deficiências o acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis (BRASIL, 2013). Portanto, na perspectiva de analisarmos a efetividade da construção do suposto sistema educacional inclusivo, passaremos para a análise dos registros disponibilizados na literatura científica na forma de artigos veiculados em periódicos. O foco, contudo, recairá sobre a especificidade dos processos inclusivos constituídos no interior do componente curricular Educação Física na lide com crianças acometidas de TEA.

233


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

RESULTADOS E DISCUSSÃO A busca por evidências que favoreçam práticas pedagógicas inclusivas por meio do componente curricular Educação Física é o propósito maior desta seção. Para tanto, discutiremos a partir dos limites e possibilidades registrados na literatura científica as principais dificuldades enfrentadas por professores de Educação Física na inclusão de estudantes com TEA, bem como as principais estratégias metodológicas viabilizadas para superar as barreiras encontradas. Nesse sentido, o Quadro 3 indica de forma sinóptica os elementos fundamentais que estruturam os trabalhos analisados neste estudo, os quais passaremos a examinar de modo detido. Quadro 3 – Características essenciais dos estudos selecionados (continua)

Estudo Vaz e Santos (2009)

Bastos e Cardoso (2016)

Fiorini e Manzini (2016)

234

Objetivos

Procedimentos

Analisar as ações pedagógicas realizadas pela escola e a prática pedagógica do professor de Educação Física para atender às necessidades educativas da aluna com autismo. Abordar a importância da Educação Física Inclusiva para as crianças com Transtorno do Espectro do Autismo, analisando as dificuldades dos alunos em interagir com os demais e o nível de aceitação da síndrome em relação aos pais e professores de educação física. Identificar as situações de dificuldade e as situações de sucesso de dois professores de Educação Física, em turmas regulares em que há alunos com de ciência e alunos com autismo matriculados, para subsidiar o planejamento de uma formação continuada.

Pesquisa de Campo em que foram realizadas entrevistas semiestruturadas com a diretora, coordenadora pedagógica e o professor de educação física de uma escola de Catalão/GO. Entrevista com três professores de Educação Física de uma Instituição de Ensino Privado e dez responsáveis pelos menores vulneráveis, no município de Aracaju/SE.

Filmagens de aulas de dois professores de Educação Física que atuavam em Escola Municipal de Ensino Fundamental, do 1° ao 5° ano, de uma cidade da região Centro-Oeste do Estado de São Paulo.


Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

(conclusão)

Estudo

Pezzuol (2017)

Objetivos

Procedimentos

Apresentar atividades pedagógicas curriculares desenvolvidas nas aulas de educação física dentro de uma escola pública regular do Estado de São Paulo que favoreçam o processo de aprendizagem e inclusão de alunos com TEA.

Estudo de Caso com o registro audiovisual e do depoimento das mães dos alunos com TEA acerca da integração destes no desenvolvimento das aulas de educação física do ensino fundamental II, em uma escola pública do estado de São Paulo. Pesquisa de campo com aplicação de questionário à seis professores de Educação Física que atuam na Educação Infantil e Ensino Fundamental I e que possuem alunos autistas. Estudo de caso realizado a partir de dez aulas com a participação de um aluno de sete anos de idade com diagnóstico do espectro autista, em uma escola pública da rede estadual no alto Tietê/SP. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a observação e aplicação da Escala de Avaliação do Autismo na Infância.

Destacar a práxis de inclusão de indivíduos acometidos pelo Silva e Transtorno do Espectro Autista – Vala TEA nas aulas de educação física de (2017) cinco escolas municipais de Sorriso/MT. Analisar se as práticas corporais aplicadas nas aulas de Educação Física escolar auxiliam na interação Silva e do aluno com espectro autista; Oliveira investigar os efeitos das aulas no (2018) comportamento do aluno; e observar como as brincadeiras podem auxiliar no seu desenvolvimento sócio afetivo. Fonte: Artigos utilizados na pesquisa.

O primeiro aspecto a ser ressaltado como dificuldade em relação aos processos de inclusão escolar de pessoas com TEA é a inconsistente base teórica dos sujeitos que compõem a comunidade escolar acerca de temas fundamentais para a materialização de processos inclusivos. Enquanto Vaz e Santos (2009) identificaram falta de clareza sobre a perspectiva teóricoconceitual de inclusão escolar defendida pelos agentes educacionais entrevistados, Bastos e Cardoso (2016) e o próprio estudo de Vaz e Santos (2009) apontaram significativa carência de conhecimento sobre o Autismo e suas características no discurso dos educadores que participaram de ambas as investigações. Tal fragilidade teórica pode estar relacionada com a falta de preparo/qualificação dos profissionais que atuam na escola (VAZ; SANTOS, 2009) ou à carência de um plano de trabalho e um projeto pedagógico que 235


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

amparem e orientem as mudanças necessárias na prática pedagógica, conforme indicou pesquisa de Vaz e Santos (2009) e Fiorini e Manzini (2016), ou ainda com a falta de experiência prévia na organização do trabalho pedagógico direcionado às pessoas com necessidades especiais indicada por Bastos e Cardoso (2016) e dúvidas e insegurança por parte do professor em relação ao autismo (FIORINI; MANZINI, 2016). A partir da aplicação de questionário com questões abertas envolvendo seis professores de Educação Física, Silva e Vala (2017) assinalam que 100% dos profissionais entrevistados possuíam conhecimento inadequado sobre o TEA, 83,3% não possuíam nenhuma formação específica para trabalhar com crianças acometidas de TEA e 66,7% apresentavam curto tempo de experiência em relação ao trabalho pedagógico com crianças com TEA. Diante desse perfil indicativo dos profissionais envolvidos com os processos inclusivos, Silva e Vala (2017) assinalam que as principais dificuldades apontadas pelos professores da área foram de lidar com as próprias características da deficiência, a falta de estrutura escolar e a baixa integração dos pais ao contexto escolar. Em concordância com o primeiro aspecto levantado por Silva e Vala (2017), a pesquisa de Silva e Oliveira (2018) também apresentou como principal dificuldade da intervenção pedagógica dos professores as limitações para superar os problemas decorrentes das manifestações típicas do TEA, de forma que os déficits quanto à interação social e comunicação verbal geraram prejuízos e limitações em relação à experiência pedagógica proposta, afetando desde a interação com as outras crianças à participação e o compartilhamento das atividades coletivas. Fiorini e Manzini (2016) demonstraram que qualquer desatenção às características do TEA por parte do professor pode gerar ações que vão na contramão dos processos inclusivos. Como exemplo, apontam um professor que apresentou a mesma instrução e de modo exclusivamente verbal para uma turma que havia um aluno com autismo, tornando a atividade pouco acessível para este aluno. Por outro lado, quanto aos aspectos metodológicos favoráveis 236


Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

envolvidos nos processos de inclusão escolar de alunos com TEA, foi recorrente o entendimento de que o princípio da individualidade deve prevalecer. Segundo Vaz e Santos (2009) não existe fórmula ou receita, ou como nos dizeres de Pezzuol (2017), uma prescrição ou um modelo de intervenção determinado, mas sim a adoção do “aluno como parâmetro de si mesmo [...] é necessário considerar que o que funciona para um aluno ou para muitos, não funciona para todos” (VAZ; SANTOS, 2009, p. 57), ou seja, como reafirma Pezzuol (2017), o importante seria construir, em colaboração com a criança autista e sua família, um modelo adaptado de intervenção pedagógica que esteja de acordo com suas características e limitações, “pautadas na realização pelo prazer, pela afetividade, por estímulos no aprendizado para que o aluno tenha vontade de participar e sentir-se acolhido” (PEZZUOL, 2017, p. 4). Tal entendimento é acompanhado por Silva e Vala (2017), as quais defendem que a inclusão de alunos com TEA, seja qual for o panorama pedagógico, deve basear-se em uma metodologia centrada neste, de maneira que se desperte as potencialidades e interesses destes, com vistas à diminuição dos seus déficits e limitações. Silva e Vala (2017) também apontam que a adaptação das aulas seria o princípio adequado para os processos de inclusão escolar. Segundo as autoras, a operacionalização deste princípio é realizada com a introdução de bastante

movimentos,

aulas

individualizadas

e

estímulos

para

desenvolvimento da coordenação motora. Conforme os resultados da pesquisa, a maioria dos profissionais envolvidos indicam a importância do incentivo e apoio, por meio do esclarecimento para a turma sobre as dificuldades do colega, de modo que as atividades em duplas busquem a socialização e a interação, além de priorizar a retenção da atenção através do movimento. Para os entrevistados, não há planejamento diferenciado para os alunos com TEA, existindo apenas adaptações para que o aluno com TEA participe das aulas. Para estas autoras: [...] os profissionais devem ter uma boa desenvoltura de estratégias para que possa intervir levando em consideração possíveis e necessárias adaptações durante uma aula previamente

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

planejada. Sendo além de profissional, um companheiro apto a ajudar a criança a superar suas dificuldades. (SILVA; VALA, 2017, p. 149).

Já para Vaz e Santos (2009) e Pezzuol (2017) a possibilidade de adaptação do conteúdo da proposta curricular de Educação Física com vistas ao desenvolvimento, integração e socialização dos alunos com TEA estaria na importância de se respeitar os diferentes graus e intensidades de comprometimento e comportamento manifestados pela deficiência em questão. Nesse sentido, Vaz e Santos (2009) ressaltam a necessidade de diferenciação da aula inclusiva, não no sentido de mudança do conteúdo, mas na perspectiva da maior atenção concedida ao aluno autista e nas adaptações empreendidas com base em regras mais maleáveis e em respeito às limitações percebidas. Corroborando com tal procedimento, Silva e Oliveira (2018) apresentaram que durante as atividades grupais aplicadas, diante da pouca ou nenhuma interação do aluno autista com as demais crianças, foi necessário a constante orientação do professor para que o aluno pudesse participar da atividade, além de adaptações e demonstrações específicas para que execuções fossem realizadas, mesmo que permeada por bastante dificuldades. Fiorini e Manzini (2016) também ressaltaram como elemento positivo de práticas pedagógicas inclusivas as adaptações das regras e o reforço das explicações, seja coletivamente no início das atividades ou individualmente quando necessário. Além disso, os autores enfatizaram a relevância de uma conduta que busque manter a atenção dos alunos com TEA e o convite permanente para que estes voltem às atividades, bem como a manutenção de rotinas de exercícios e alongamentos, de modo que os alunos os reconheçam e possam executá-los. Outro ponto relevante indicado pelo estudo de Vaz e Santos (2009) e FIorini e Manzini (2016) acerca do fomento aos processos inclusivos de crianças com TEA nas aulas de Educação Física foi a menção à necessidade de apoio escolar, de modo que para Vaz e Santos (2009) torna-se fundamental o fornecimento de condições materiais e arquiteturas

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Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

adequadas, bem como a contratação de professor de apoio. CONCLUSÃO Entre as importantes funções da realização de revisões sistemáticas está a organização de evidências que possibilitem a identificação e o debate entre os profissionais de determinada área do conhecimento sobre os procedimentos recorrentemente adotados em situações e intervenções específicas. No estudo em questão, com foco na prática pedagógica da Educação Física em cenários inclusivos, a pretensão inicial se materializou em analisar os limites e as possibilidades expressas nas dificuldades e decisões metodológicas adotadas no interior deste componente curricular da Educação Básica acerca da inclusão de alunos com TEA. Diante do cotejamento de diferentes estudos que indicaram o insuficiente respaldo teórico-científico na constituição de processos educacionais inclusivos, em especial, no âmbito das práticas pedagógicas da Educação Física envolvendo alunos com TEA, torna-se imperiosa a urgência da inclusão educacional ser assumida como um compromisso primordial de todos os envolvidos no processo de escolarização. A ideia de que o princípio da individualidade deve balizar as decisões pedagógicas e de que não deva existir um modelo de intervenção determinado previamente não pode se confundir com a defesa do empirismo pedagógico. A noção do que seja inclusão e o entendimento sobre as especificidades e características das diversas deficiências devem ser objeto de estudo rigoroso daqueles que compõe a comunidade escolar. Somado a isso, os espaços de formação inicial e continuada devem colocar à prova os métodos de intervenção elaborados e validados pelo conhecimento científico, do mesmo modo que as produções mais atuais sobre as diferentes deficiências devem ser acessadas pelos professores em formação e também divulgados entre pais e responsáveis deste segmento educacional. Contudo, é importante frisar que processos inclusivos não se engendram apenas por meio da promulgação de dispositivos legais. Para 239


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

tanto, é fundamental que condições estruturais sejam viabilizadas, a fim de possibilitar que tanto o ambiente escolar quanto as aulas de Educação Física se materializem como espaços onde aconteçam experiências relevantes e significativas para o processo de inclusão educacional.

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Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

Challenges and possibilities for teaching Physical Education in the process of educational inclusion of students with Autistic Spectrum Disorders Abstract: The scenario of the promulgation of a set of legal orders in favor of an inclusive educational system has driven the formulation of responses to the dissonant picture between the legal precepts and the reality of different school environments. The general objective of this study was to analyze the limits and possibilities of pedagogical practice of school Physical Education teachers involved in processes of inclusion of students with Autistic Spectrum Disorders. For this purpose, we carried out bibliographic research, in the systematic review modality, of the scientific production published in the Capes Journal Portal, SciELO, VHL/BIREME and Google Scholar. The results indicated that the main difficulties of an inclusive pedagogical practice are related to an inconsistent theoretical basis of the subjects involved in the school inclusion process, both concerning the meaning attributed to the inclusion process and the specificity and implications of Autistic Spectrum Disorders for the teaching and learning process. Such theoreticalconceptual weakness was related to multiple factors, among which: insufficient professional qualification, lack of planning, lack of previous experience and doubts and insecurity on the part of the teacher about autism, which has resulted in profound difficulties pointed out by area teachers to deal with the typical characteristics of the disability. It has prevailed the understanding that the principle of individuality is crucial, which means that the student, with its characteristics and limitations, serves as a parameter for organizing the pedagogical intervention. Thus generating a model adapted and based on their potential and their interests, intending to reduce their deficits and limitations, to constitute Physical Education classes as environments where relevant and significant experiences for the educational inclusion process happen. Keywords: Physical Education. Professional Practice. Educational Inclusion. Autism.

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241


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O ensino da Educação Física na educação infantil:

reflexões a partir da interculturalidade Laíne Rocha Moreira (UEPA) * Larici Keli Rocha Moreira (IFPA) ** Resumo: Trata-se de uma revisão de bibliografia, exploratória, e de abordagem qualitativa que objetiva problematizar o ensino da educação física na educação infantil sob um olhar a partir da interculturalidade. O estudo aborda a centralidade da cultura nos debates educacionais, com ênfase em uma perspectiva de educação crítica baseado nas análises da educação intercultural e seus reflexos na educação física nos primeiros anos da educação básica. Por fim, aponta achados que contribuem para o desenvolvimento de atividades de ensino que abarcam elementos condizentes com uma proposta de educação que respeite as diversas culturas das crianças inseridas na educação infantil, por meio do estabelecimento de um diálogo e da interação entre elas no espaço escolar. Palavras-chave: Educação Infantil. Educação Física. Interculturalidade. Cultura. * Mestra em Educação (UEPA). Professora na Universidade do Estado do Pará. E-mail: laine.rocha@uepa.br.

** Especialista em Políticas Educacionais e Saberes Docentes (IFPA). E-mail: larici.rocha@ifpa.edu.br.

INTRODUÇÃO

perspectiva intercultural emerge no contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão social, ao reconhecer o sentido e a identidade cultural de cada grupo social, mas ao mesmo tempo, valoriza o potencial educativo dos conflitos enquanto se busca desenvolver a interação e a reciprocidade entre grupos diferentes, como fator de crescimento e enriquecimento cultural (FLEURI, 2002).

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Moreira e Moreira (2020)

A vertente intercultural vai além do multiculturalismo67, pois não apenas reconhece que em um mesmo território existem diferentes culturas, “é uma maneira de intervenção diante dessa realidade, que tende a colocar a ênfase na relação entre culturas” (FLEURI, 2003, p. 27). Dessa forma, o interculturalismo enfatiza a possibilidade de convivência, diálogo e intercâmbio de diversas culturas numa mesma sociedade. Apoiadas numa perspectiva crítica de educação, visualiza-se a necessidade de realização de pesquisas com foco na interculturalidade, pois tal debate contribui para o desenvolvimento de reflexões acerca da importância do diálogo entre culturas diversas, visto que suas ponderações podem disseminar práticas educativas acolhedoras e respeitosas em todas as etapas da educação básica. O ensino da Educação Física na educação infantil da rede básica de ensino, a partir do reconhecimento quanto à sua importância para o desenvolvimento plural da criança, trouxe experiências positivas quanto ao acolhimento de alunos de culturas diversas nas aulas, particularmente nas práticas corporais. Com o objetivo de problematizar o ensino da Educação Física na educação infantil sob a perspectiva da interculturalidade, surgiu a seguinte questão norteadora da pesquisa: Quais as contribuições da perspectiva intercultural para o ensino da educação física na educação infantil? Dessa forma, será realizada uma revisão de bibliografia, de cunho exploratório e abordagem qualitativa. Para coleta de dados serão utilizadas fontes secundárias, advindas de artigos científicos dos principais periódicos da área. METODOLOGIA Foi realizada uma revisão bibliografia, do tipo exploratória e qualitativa. Marconi e Lakatos (2014, p. 43-44) consideram que a pesquisa 67 Corrente teórica, cujos principais escritos surgiram com as pesquisas de McLaren (2000) – autor reconhecido internacionalmente como principal representante da pedagogia crítica e da educação pós-moderna.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

bibliográfica “trata-se de levantamento de toda a bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita”. As autoras acrescentam ainda, “que sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto [...]”. A pesquisa exploratória, tem a finalidade de proporcionar maior familiaridade com o problema e descrever as características ou as relações entre as variáveis de uma determinada população ou fenômeno (GIL, 2010). Além disso, o estudo assume abordagem qualitativa, uma vez que para Lakatos e Marconi (2011) a metodologia qualitativa remete ao embasamento teórico, que deve ser construída para compreender, explorar e aprofundar-se no contexto do objeto pesquisado. Desta forma, a pesquisa qualitativa remete a uma análise do discurso obtido, no qual deve-se explicar com fundamentação teórica, o assunto evidenciado (LAKATOS; MARCONI, 2011). Deste modo, o método qualitativo permite melhor análise do fenômeno, sem necessidade de quantificação dos dados. Assim, foi realizada uma revisão de bibliografia por meio de buscas sistematizadas em artigos científicos advindos de principais periódicos on-line da área e trabalhos publicados em anais de eventos. As buscas foram efetuadas em bases de dados como: a Scientific Electronic

Library Online (SciELO) e Portal de Periódicos da Capes, entre outros. Os trabalhos foram identificados a partir de buscas realizadas nas bases de dados acima mencionadas que constam os seguintes descritores em seus títulos

ou

palavras-chave:

“educação

infantil;

educação

física;

interculturalismo; interculturalidade; educação intercultural. A partir da leitura nos títulos, resumos e palavras-chave das pesquisas, foram selecionados apenas trabalhos que se propuseram tecer reflexões acerca das perspectivas da interculturalidade na educação infantil, com foco na Educação Física. A CULTURA COMO ELEMENTO NORTEADOR DO DEBATE INTERCULTURAL Os escritos em relação as perspectivas voltadas para a corrente 246


Moreira e Moreira (2020)

teórica do interculturalismo são norteadas a partir das reflexões em torno da cultura. Por isso, para iniciar o debate, cabe conceituá-la. Para Geertz (1989) o conceito de cultura, é essencialmente semiótico por fundamentar-se no compartilhamento de ideias, formada por uma teia de significados. Para o autor, essa teia de significados é construída historicamente e expressa simbolicamente por meio das relações sociais, por meio das delas os indivíduos dialogam, constroem e desenvolvem seus costumes e atividades da vida diária. Por isso, segundo Knechtel (2005, p. 34) cultura é tudo o que os homens fazem e adquirem em sociedade, enquanto membros da sociedade. É o complexo total que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridas pelo homem e pela mulher como membros da sociedade.

Isso significa dizer, conforme a ideia da autora, que cultura integra todas as manifestações e hábitos sociais, os modos de vida de uma comunidade. Talvez por isso, que a cultura tem assumido a centralidade nos principais debates educativos na pós-modernidade. Daólio (2004) considera que a cultura é o principal conceito para a Educação Física, pois todas as manifestações corporais humanas expressas por meio dos jogos, ginásticas, danças e esportes serem geradas numa dada cultura. Na concepção do autor: O profissional de educação física não atua sobre o corpo ou com o movimento em si, não trabalha com o esporte em si, não lida com a ginástica em si. Ele trata do ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento humanos, historicamente definidas como jogo, esporte, dança, luta e ginástica. (DAÓLIO, 2004, p. 9).

Além do conceito expresso por Daólio (2004), considera-se relevante apresentar Candau (2010, p. 13), a qual afirma que “existe uma relação intrínseca entre educação e cultura”. Para ela “não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa”, por isso “não é possível conceber uma experiência pedagógica ‘desculturalizada’,

247


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

isto é, desvinculada totalmente das questões culturais da sociedade”. Por isso, a importância de desenvolver estudos e pesquisas que tracem uma relação entre a cultura e a prática educativa, principalmente na educação infantil, primeira etapa da educação básica. Na visão da autora, tal relação torna-se expressamente favorável, devido a necessidade de compreensão da própria formação histórica, já que para Candau (2010) a América Latina, e precisamente o Brasil, é um continente construído com uma base multicultural muito forte, na qual as relações interétnicas foram constantes, principalmente no que diz respeito aos grupos indígenas e afrodescendentes. Notoriamente, tal formação histórica foi marcada por intensos processos de discriminação, pela “eliminação física do outro ou por sua escravidão, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade” (CANDAU, 2010, p. 17). É por tal motivo que as reflexões em torno da cultura são valorizados e devem permear as discussões educacionais, desde a formação de educadores às suas práticas pedagógicas. UMA PERSPECTIVA DE EDUCAÇÃO CRÍTICA: A INTERCULTURALIDADE EM DEBATE

A perspectiva intercultural surgiu a partir dos movimentos multiculturais que evidenciam a noção de reconhecimento das diferentes culturas dentro de um mesmo território e recebe destaque nos debates educacionais (FLEURI, 2002). Desta forma, em termos gerais, o interculturalismo focaliza especificamente a possibilidade de respeitar as diferenças culturais e de integrá-las em uma unidade que não as anule (MOREIRA, 2017). Assim, para Fleuri (2003, p. 73): A educação intercultural propõe uma relação que se dá, não abstratamente, mas entre pessoas concretas. Entre sujeitos que decidem construir contextos e processos de aproximação, de conhecimento recíproco e de interação. Relações estas que produzem mudanças em cada indivíduo, favorecendo a consciência de si e reforçando a própria identidade. Sobretudo, promovem mudanças estruturais nas relações entre grupos. 248


Moreira e Moreira (2020)

Para o mesmo autor, trata-se de uma proposta de educação baseada no respeito à diferença, no reconhecimento das diferentes manifestações culturais que de certa forma, contribuem para a superação de atitudes de medo e de intolerância perante o outro, inúmeras vezes considerado como “diferente”. Candau (2010, p. 23) considera que a perspectiva intercultural busca promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas.

A partir da concepção da autora, pode-se dizer que a perspectiva educacional

do

interculturalismo

está

relacionada

ao

processo

de

comunicação entre culturas distintas, sinônimo de encontro e de diálogo capazes de produzir transformações nas pessoas, a partir da desconstrução de hierarquias de poder, onde os humanos possam se interagir sem preconceitos e discriminações, resguardadas suas “diferenças”. A educação intercultural estabelece reflexões que permitem a conscientização acerca dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais e não desvincula as questões da diferença e da desigualdade presentes na sociedade contemporânea (CANDAU, 2010 apud SANTOS; SILVA, 2015). Pode-se afirmar, no entanto, que tal perspectiva intercultural, apresenta-se como uma proposta educativa interdisciplinar que põe ênfase na interação entre indivíduos de culturas diversas, pois, não desconsidera a pluralidade e tende para o respeito quanto as particularidades de cada indivíduo. AS PRÁTICAS CORPORAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Pesquisadores e professores que desenvolvem suas atividades 249


Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

profissionais no âmbito da Educação Infantil vivenciam processos de inquietação e estão em busca de novos paradigmas que possam corresponder às exigências do contexto educacional, pois compreensões “[...] de criança como ‘tábula rasa’ e ‘adulto em miniatura’ e de educação propedêutica, antecipatória ou assistencialista não atendem mais às expectativas das crianças, das famílias e da sociedade, de maneira geral” (LIMA; AVANÇO, 2011, p. 7753). Neste viés, estudiosos procuram problematizar as questões que abrangem a verdadeira finalidade do ensino na educação infantil, como parte integrante da educação básica, respeitando as particularidades de cada criança, com base em aportes teóricos que possam subsidiar práticas educativas plurais. Por isso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento legal que norteia os currículos e as propostas pedagógicas das escolas públicas e particulares do pais, determina que na educação infantil deve-se “potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a prática do diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição de Educação Infantil e a família”, visto que, “a instituição precisa conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade cultural das famílias e da comunidade” (BRASIL, 2018, p. 36-37). Além da BNCC, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009), em seu Artigo 4º, definem: a criança como sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009, p. 1).

A DCNEI ainda cita que “a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos

de

apropriação

[...]

e

articulação

de

conhecimentos

e

aprendizagens de diferentes linguagens” (BRASIL, 2009, p. 2). Adiante, preconiza no Art. 9 que “as práticas pedagógicas que compõem a proposta

250


Moreira e Moreira (2020)

curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira” (BRASIL, 2009, p. 4). A partir desses eixos a BNCC (BRASIL, 2018) define seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil: conviver, brincar, participar, explorar, expressar, conhecer-se, os quais asseguram condições para que as crianças aprendam. Esses eixos admitem a organização de propostas educativas pelo educador, que permitam às crianças conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender as relações com a natureza, com a cultura e com a produção científica, que se traduzem nas práticas de cuidados pessoais, nas brincadeiras, nas experimentações com materiais variados, na aproximação com a literatura e no encontro com as pessoas. (BRASIL, 2018, p. 39).

Desta forma, “a organização curricular da Educação Infantil proposta pela BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito

dos

quais

são

definidos

os

objetivos

de

aprendizagem

e

desenvolvimento” (BRASIL, 2018, p. 40), são eles: 1) O eu, o outro e o nós; 2) Corpo, gestos e movimentos; 3) Traços, sons, cores e formas; 4) Escuta, fala, pensamento e imaginação; 5) Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Esses “[...] campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe [...] as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural” (BRASIL, 2018, p. 40). Sobre o eixo que trata sobre o corpo, gestos e movimentos, a BNCC expõe: Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam no

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites [...]. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.). (BRASIL, 2018, p. 39-40, grifo nosso).

Considerando o exposto e o fato de perceber, a partir da leitura minuciosa da BNCC (BRASIL 2018) que na educação infantil, as disciplinas não estão grifadas de forma separada, pode-se afirmar que o ensino da Educação Física está relacionada ao eixo que trata sobre o corpo, gestos e movimentos, por meio das práticas corporais. Torna-se relevante que os profissionais que desenvolvem suas atividades pedagógicas na educação infantil possam perceber a necessidade de aplicar um trabalho voltado para as práticas corporais, visto que, para Azevedo (2006, p. 23), “as práticas corporais são fundamentais para as crianças e deveriam ser analisadas com muito cuidado pelos profissionais envolvidos com a formação desses indivíduos”. A autora adverte que é importante evitar a

aplicação de atividades

“vazias

de propósito,

desconectadas do mundo e da cultura” (ibid., p. 23) da criança. “Entende-se a cultura corporal de movimento como uma área do saber que discute as práticas corporais construídas historicamente, bem como sua transposição didática, em especial, para o contexto escolar” (MOURA, 2010, p. 13). Afirma ainda que, “embora esta área de ensino tenha sido estudada de forma mais sistematizada pela educação física, o pedagogo pode e deve apropriar-se [...] deste estudo, visando compreender a dimensão corporal, motora e afetiva de seus alunos” (MOURA, 2010, p. 13). 252


Moreira e Moreira (2020)

Para que isso se torne realidade, “faz-se necessário superar a dicotomia corpo e mente, e a cultura corporal de movimento pode ser um caminho para práticas educativas que busquem a compreensão integral dos indivíduos” (MOURA, 2010, p. 13). É neste sentido, que as práticas corporais desenvolvidas por meio da dança, do jogo e da brincadeira devem se fazer presentes nas atividades educativas da educação infantil, sejam elas desenvolvidas pelo professor de educação física, sejam pelos professores pedagogos. Essas práticas corporais devem ser aplicadas de maneira lúdica, para que os alunos possam vivenciar sua corporalidade de forma expressiva, estabelecendo uma relação respeitosa entre os colegas. Para que isso ocorra, Moura (2010, p. 14) adverte que “logo, pressupõe-se a ajuda de profissionais especializados, dentre eles destaca-se o professor de educação física e o pedagogo, para estabelecer essas práticas no cotidiano escolar e beneficiar os alunos integralmente”. O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM OLHAR A PARTIR DA INTERCULTURALIDADE

A partir do levantamento bibliográfico já realizado constatou elementos capazes de estabelecer debates acerca das perspectivas da educação intercultural nas práticas educativas da Educação Física na educação infantil. Percebeu-se que a questão da diferença é tratada nos estudos mapeados (SANTOS; SILVA, 2015). O termo vem ganhando visibilidade nos estudos por conta do debate que abarca as questões éticas, de gênero, de orientação sexual, classe social e ainda nas questões sobre religiosidade e modos de expressão e saberes de grupos considerados desprestigiados culturalmente. Candau (2016) ressalta também em seu estudo que a temática das diferenças culturais está mais visível na sociedade, mas, no que se refere à educação escolar o sentimento é de impotência, pois parece não saber lidar positivamente com tais questões relativas a ela. Por isso, a autora propõe a

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

incorporação da perspectiva intercultural no cotidiano escolar, por considerar que tal aspecto pode permitir superar uma maneira estereotipada de lidar com o tema apenas por meio da incorporação de expressões culturais em momentos específicos em datas previstas no calendário escolar. Um aspecto fundamental para o desenvolvimento de uma educação intercultural é a necessidade de trabalhar o próprio “olhar” do professor para as questões suscitadas pelas diferenças culturais, como as encara, questionar seus próprios limites e preconceitos e provocar uma mudança de suas próprias posturas, pois somente assim ele será capaz de desenvolver também outro “olhar” para o cotidiano escolar (CANDAU, 2016). A pesquisa de Santos e Silva (2015) ressalta a necessidade de intervenções pedagógicas no âmbito da Educação Física escolar sensíveis a questão da diferença, visto a importância de trabalhar nas aulas as questões de gênero, considerando a separação das turmas em meninos e meninas e ainda pelos estereótipos estabelecidos em práticas que justificam a superioridade da força masculina sobre a feminina. Enfatizam que mesmo havendo resistência por parte dos alunos, é fundamental que eles apresentem a consciência sobre o respeito às diferenças e à diversidade, e neste contexto, a intervenção do professor torna-se essencial, pois se o educador não intervir nos momentos de conflito haverá a perpetuação do preconceito e da divisão por gênero, já que estas coisas já estão enraizadas na sociedade e nas aulas da disciplina. Por isso, os estudos tecem relação profunda com a cultura, visto que para Candau (2010, p. 13): [...] não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto que se situa. Neste sentido, não é possível conceber uma experiência pedagógica ‘desculturizada’, isto é, desvinculada totalmente das questões culturais da sociedade.

A Educação Física como campo de conhecimento recebe destaque no estudo de campo realizado por Santos e Silva (2015, p. 2), pois consideram que a disciplina:

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Moreira e Moreira (2020)

apesar de possibilitar aos indivíduos interagir entre si, relacionando-se através da expressão do movimento, também pode ser responsável por reproduzir visões hegemônicas de conteúdos que privilegiam modelos homogeneizados de corpos, atitudes e comportamentos que colaboram para silenciar as vozes de grupos discriminados historicamente.

Além disso, afirmam que a Educação Física, como integrante da educação de forma geral, desde a educação infantil até o ensino médio, tem características distintas dos outros campos do conhecimento, pois em suas aulas, os alunos apresentam estar mais livres das limitações impostas pelas carteiras, cadeiras, mesas e salas escolares (SANTOS; SILVA, 2015). Por isso, acredita-se que a disciplina tem um potencial transformador, capaz de produzir conhecimentos por meio da disseminação de práticas corporais inclusivas, dialógicas e plurais, que considere o ser humano como ator cultural e social. Acerca

da

prática

pedagógica

da

disciplina,

estudos

problematizam ações competitivas e excludentes propagadas em suas práticas,

as

quais

não

questionam

preconceitos

e

discriminações

estabelecidas em seu contexto escolar (SANTOS; SILVA, 2015), visto que, a Educação Física, vem sendo estruturada historicamente por meio de uma visão elitista, deixando-se embeber de perspectivas hegemônicas que privilegiam modelos estandardizados de corpo perfeito individualizado. Estudos, como de Santos e Silva (2015), enfatizam a importância de relacionar a perspectiva intercultural ao ensino de Educação Física, visto que tal perspectiva educacional possibilita refletir sobre as desigualdades presentes no espaço escolar, além disso permite construir propostas de intervenção que viabilizem a superação de preconceitos e discriminações por meio do reconhecimento, problematização e enfrentamento de desigualdades e estereótipos presentes de forma naturalizada no espaço escolar e, especificadamente, nas aulas de Educação Física. Desta forma, “uma prática intercultural da Educação Física caminha em direção a um ensino que considera o universo cultural dos estudantes, abrindo espaço para a diversidade de gênero, etnia, classe social e raça presentes na sociedade contemporânea” (SANTOS; SILVA, 2015, p. 11).

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Os estudos apontam para a necessidade de ultrapassar a ideia engessada voltada apenas para o ensino do gesto motor nas aulas de Educação Física, pois cabe ao professor da disciplina problematizar, interpretar, relacionar e compreender com seus alunos as amplas manifestações da cultura corporal, de tal forma que os alunos compreendam os sentidos e significados presentes nas práticas corporais (DARIDO, 2001

apud FERREIRA; PIMENTEL, 2013). As aulas de Educação Física devem desenvolver práticas para além de apenas observar os cuidados com a saúde, devem ser oportunizadas formas de reconhecimento acerca da especificidade de cada cultura, seus sentidos e significados (FERREIRA; PIMENTEL, 2013). Por isso, ao reconhecer a sua importância pedagógica, consideram que a construção do currículo da Educação Física deve romper com os modelos tradicionais que disseminam práticas elitistas, excludentes, classificatórias e monoculturais (SANTOS; SILVA, 2015). Quanto a disciplina como componente curricular, Santos e Silva (2015) ainda citam Neira (2007), no qual enfatiza que a disciplina deve superar a construção do saber vivido para além dos muros da escola, já que ela pode contribuir, por meio de uma abordagem cultural para proporcionar aos sujeitos da educação, oportunidades de conhecer mais profundamente seu repertório cultural corporal. Além disso, ela deve sinalizar oportunidades educacionais diversas por meio de uma variedade de formas de manifestações corporais que descentralizam mecanismos de poder que permeiam as relações culturais. Foram observados registros que enfatizam acerca da possibilidade de enfrentar as desigualdades de oportunidades, preconceitos e estereótipos ainda diluídos no âmbito escolar, dado pela perspectiva da educação intercultural que aponta para outro tipo de relação social no seio da escola, embasada no compartilhar democrático, pautado no diálogo mútuo, sobretudo entre diferentes perspectivas culturais (SANTOS; SILVA, 2015). Pesquisas como de Santos e Silva (2015) defendem a educação intercultural como a perspectiva que pode oferecer pistas e respostas para a concretização de um processo educativo que considere todos os alunos, 256


Moreira e Moreira (2020)

respeitando suas identidades, dando possibilidades para um diálogo verdadeiramente igualitário, democrático e inclusivo, permitindo assim que a escola possa ser construída como um espaço de cruzamento de culturas e não como mantenedora de desigualdades e silenciadora de identidades. Candau (2016) traz reflexões capazes de pensar estratégias participativas por meio da perspectiva intercultural, assumindo-se como princípio comum o reconhecimento e valorização das diferenças culturais. Compreende-se que os aspectos da educação intercultural surgem como uma proposta de educação que permite ampliar o entendimento acerca da diversidade cultural na educação infantil, além de considerar a importância do estabelecimento de práticas educativas dialógicas, tolerantes e não autoritárias com os alunos inseridos neste nível de ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS A

pesquisa

aponta

achados

que

contribuem

para

o

desenvolvimento de atividades de ensino que abarcam elementos condizentes com uma proposta de educação que respeite as diversas culturas das crianças inseridas na educação infantil, por meio do estabelecimento de um diálogo e da interação entre elas no espaço escolar. Finaliza afirmando a importância de estudos futuros que possam problematizar acerca da formação inicial e continuada de professores de Educação Física sob a perspectiva da interculturalidade, considerando a necessidade, em tempos atuais, da construção de práticas educativas sensíveis às questões da diversidade cultural relativas a classe, gênero, etnia e classe social, em toda etapa da educação básica, particularmente na educação infantil.

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Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Teaching Physical Education in childhood education: reflections from interculturality Abstract: It is a bibliographic review with an exploratory, and qualitative approach. It aims to observe the teaching of Physical Education in early childhood education from an intercultural perspective. It addresses the centrality of culture in educational debates, with an emphasis on a critical education perspective based on the analysis of intercultural education and its reflexes on Physical Education in the first years of elementary education. Finally, it points out findings that contribute to the development of teaching activities that encompass elements consistent with an education proposal that respects the different cultures of children inserted in early childhood education, through the establishment of a dialogue and interaction between them in the school environment. Keywords: Early Childhood Education. Physical Education. Interculturality. Culture.

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