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Campanha da Fraternidade - Fome

(Ir. Eliane Aparecida Freire, ASCJ)

Inicio esta reflexão citando o lema da Campanha da Fraternidade de 2023 “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Neste trecho do Evangelho vemos os discípulos preocupados com a multidão que está com fome e cansada, e deste modo, desejam dispensá-la para que possam encontrar alimento antes que a noite chegue. No entanto, Jesus desafia seus discípulos a saírem de si mesmos e olharem ao redor para alimentar a multidão faminta, mostrando-lhe o valor da comunhão e da comunidade. Foi graças à generosidade de um menino que o milagre da multiplicação dos pães aconteceu. Aqui, Jesus nos ensina uma importante lição sobre a solidariedade humana, pois ela permite que estejamos conectados com outras pessoas ao sentir empatia por suas dificuldades, dores e alegrias.

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Quando os discípulos sugerem que a multidão seja dispensada para que possa encontrar comida, Jesus rejeita essa possibilidade e os convida a serem sensíveis para com aqueles que passam fome. Jesus os encoraja a compartilharem o pouco que têm e a serem solidários com os irmãos e irmãs em necessidade. Essa é uma mensagem poderosa que nos inspira a agir com compaixão e generosidade em nosso cotidiano. Ao pensar sobre a solidariedade, podemos refletir sobre a questão da fome, que é um tema global e está presente também em muitos lugares do Brasil, ela decorre da desigualdade de renda, que mantém muitos brasileiros em um estado de pobreza extrema, é uma condição em que a pessoa não tem acesso suficiente a alimentos nutritivos para suprir suas necessidades básicas de alimentação.

A fome, como bem sabemos, pode levar à desnutrição, que pode resultar em uma série de problemas de saúde e até mesmo levar à morte. Esse problema biofísico-antropo-social acompanha a humanidade desde os primórdios e afeta profundamente a vida dos mais necessitados. Ao refletirmos sobre essa temática, precisamos ter em mente que a fome é uma privação do alimento necessário para a sobrevivência humana, e é um processo angustiante para quem o vivencia. Contudo, devemos ir além e reconhecer que em nossa sociedade existem outras formas de fome que afetam nossos irmãos e irmãs. A fome pode ser física, mas também pode ser emocional, espiritual ou social, manifestando-se como uma necessidade não atendida de amor, de acolhimento, de dignidade ou de justiça. Precisamos ser sensíveis a essas diversas formas de fome e trabalhar juntos para erradicá-las.

Visto que a necessidade de alimentação vai além da fome física, podemos levar em conta a fome existencial que é uma necessidade fundamental do ser humano de se sentir conectado e pertencente a uma comunidade. Ela pode ser descrita como um sentimento de solidão, isolamento e falta de significado na vida. É um estado de vazio emocional e espiritual que pode levar a sentimentos de depressão, ansiedade e desesperança. A fome existencial pode ser causada por diversos fatores, como a falta de conexão social, a discriminação e a exclusão sociais, a perda de valores e crenças significativas, entre outros. Ela é uma realidade para muitas pessoas em todo o mundo, independentemente de sua condição socioeconômica.

Pensemos ainda em um outro tipo de fome, que é a fome do saber, esta é um desejo intenso e persistente de adquirir conhecimento e compreensão sobre um determinado assunto ou área de interesse, e por vezes, esse acesso é negado a muitas pessoas por diversas razões, tais como, falta de compromisso de alguns professores e alunos, políticas públicas inadequadas ou a falta de acesso a escolas em locais distantes. É um direito básico e essencial saciar-se da fome de conhecimento, e este, deve ser garantido a todos. Devemos trabalhar juntos para enfrentar esse tipo de fome e construir uma sociedade mais justa e igualitária para todos, pois, é de suma importância que as oportunidades de educação sejam acessíveis e oferecidas de forma equitativa, para que todos possam saciar sua fome de saber.

Se formos pessoas sensíveis e assimilarmos de que fome precisamos ser saciados, o mundo poderá sair dessa atmosfera cinzenta, e assim passaremos a existir de forma colorida e vibrante uns para com os outros. Nós temos a responsabilidade de alimentar as cinco mil pessoas que vivem ao nosso redor. Agora pergunte-se: você já sentou com essas pessoas para compartilhar suas experiências de vida? Já parou para ouvi-las e olhou nos olhos delas para perceber de que fome elas estão padecendo? Já entregou seus talentos e habilidades nas mãos do Senhor? Embora possa parecer pouco o que você tem, confie em Jesus e saiba que, o que você tem é suficiente para satisfazer a fome e a sede de milhares de pessoas. São Tiago em uma de suas cartas nos diz: “Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: ‘ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos’, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se não tiver obras, é morta em si mesma” (Tg 2,15-17)

Quando somos solidários com aqueles que estão passando por dificuldades, seja doando alimentos, dinheiro ou tempo, estamos contribuindo para aliviar o sofrimento de outras pessoas. Além disso, quando ajudamos, também recebemos algo em troca: a satisfação de fazer a diferença na vida de alguém, a sensação de que estamos fazendo o bem e a consciência tranquila de que estamos cumprindo o nosso papel de construir o Reino de Deus que se faz presente entre nós.

Amissão de evangelizar faz parte da vida de cada pessoa que, a partir do encontro com a Palavra, se sente impelida a sair de si e dar uma resposta qualificada e generosa ao convite de Jesus que diz: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo que vos prescrevi.” (Mt 28,19-20a). Logo após fazer aos discípulos esse apelo, Cristo oferece-lhes a certeza de que sua presença não lhes faltará quando afirma: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo.” (Mt 28,20b). Essa mesma certeza é que nos impulsiona nos tempos hodiernos a nos colocar no seguimento de Jesus e partilhar com Ele a missão de tornar o Reino de Deus presente nas diversas realidades que nos envolvem.

Com a presença de Jesus em nosso meio, estamos seguros de que é possível continuar semeando sua mensagem de salvação a tantos que sedentos de esperança necessitam ouvir a boa notícia de seu amor redentor. Boa notícia que deverá ser proclamada com a palavra, mas, sobretudo com o testemunho de vida. O Papa Francisco nos lembra que: “a evangelização é mais que uma simples transmissão doutrinal e moral. É antes de tudo, testemunho [...]. Testemunho do encontro pessoal com Cristo, o Verbo Encarnado no qual a salvação foi realizada.” Para que o testemunho se torne eficaz é necessário conhecer, fazer a experiência de estar com o Mestre e anunciá-lo, a exemplo das mulheres que, na manhã do dia da Páscoa, encontram-se com Cristo

Ressuscitado e saindo às pressas, com sentimentos de temor e de alegria, correm para dar aos dis cípulos a boa notícia de que Ele está vivo, tornando-se assim as primeiras mensageiras da boa notícia. (Mt 28,8). Quem faz a experiência de um encontro pessoal com Jesus, coloca-se com alegria no caminho e vai ao encontro dos irmãos para proclamar com ardor, que Ele é a vida e a esperança que deve animar nossos corações. Será como os discípulos de Emaús que após reconhecer a presença de Jesus ao partir o pão, levanta-se na mesma hora e voltam a Jerusalém proclamando: “O Senhor ressuscitou verdadeiramente.” (Lc 24,34). É o amor que não se fecha em si mesmo, mas sai ao encontro do outro, comunicando o que viu e ouviu.

“A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-lo cada vez mais.” (EG, n. 264).

Em nossa missão evangelizadora somos chamados a proclamar que Jesus é a encarnação viva do amor de Deus Pai que se fez presença humana para nos salvar. Podemos assim dizer que é através de Jesus que o horizonte da vida humana ganhou a dimensão da eternidade. Cristo é a nossa única e verdadeira esperança, a nossa salvação. Na vida de Jesus nossa vida encontra seu sentido e vocação maior. Através da pessoa de Jesus, a Igreja nos chama a viver em nós e entre nós a experiência viva do encontro pessoal com Deus Pai a quem Ele veio revelar. Nossa aspiração e busca de encontro com Deus tornam-se não apenas uma possibilidade, mas, uma promessa de salvação para todos que o amam e seguem seus passos. Da parte dele há sempre a possibilidade de um encontro pessoal. Sua ternura abraça toda criatura. Nele é possível a experiência do amor verdadeiro. São essas sementes que precisamos semear nos campos da vida por onde andamos.

Toda missão evangelizadora necessariamente brota de um coração zeloso que não se fecha em si mesmo, mas ocupa-se em proclamar as maravilhas de Deus em sua vida para que outros também possam chegar ao conhecimento das verdades reveladas por Jesus. Encontramos na vida e escritos da Bem-Aventurada Clélia Merloni o testemunho de um coração abrasado de amor por Jesus e animado do desejo que sempre mais um número crescente de pessoas cheguem ao conhecimento desse amor. “Quando o amor divino existe verdadeiramente no coração, suscita um grande desejo de ver Deus conhecido, amado e servido.” Clélia ainda nos convida a imitar o zelo dos Apóstolos André e João que, após o encontro com o Mestre, comunicam a Simão para que também ele participasse da mesma graça que haviam recebido.

No caminho da evangelização precisamos nos pautar no exemplo do próprio Jesus que, com seu modo de anunciar, cativava o coração de muitos que o ouviam, particularmente dos pobres, daqueles que o buscavam por sentirem que Jesus era um mestre diferente dos que até então conheciam. Em seu peito pulsava um coração capaz de acolher, amar, perdoar; um coração capaz de devolver ao ser humano a alegria do reencontro com a vida.

Jesus comparou a missão como uma colheita abundante, a qual consiste em que o povo tenha melhores condições de vida e que seja respeitado nos seus direitos e na sua dignidade pessoal. Interpela os seus seguidores a também voltarem o olhar para a necessidade do povo e a pedir ao Pai, que é o dono da messe, que envie mais operários para sua messe. A missão que Ele confia aos seus discípulos é a mesma missão que recebeu do Pai. “[...] como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós.” (Jo 20,21). É no próprio Jesus que os anunciadores da Palavra têm a fonte permanente do seu ardor, zelo e sabedoria profética para anunciar o Evangelho que conduz no caminho da vida.

O verdadeiro Reino de Deus se expressa nas relações fraternas, na justiça e na gratuidade de coração. Anunciar o Reino de Deus é inserir-se na dinâmica da gratuidade, do dom de Deus e muitas vezes, da doação da própria vida, para que assim se instaure um novo modo de relações conforme o projeto do Pai. Agindo dessa forma estaremos participando e vivenciando o projeto da missão do próprio Senhor, onde Ele nos envia.

A missão de Jesus era alimentada também por sua perfeita união com o Pai. Ele nos dá o exemplo de sua intimidade com o Pai quando antes de qualquer ação se retira ao monte e aí permanece em oração.

“Naqueles dias, Jesus retirou-se a uma montanha para rezar, e passou aí toda a noite orando a Deus. Ao amanhecer, chamou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles que chamou de apóstolos.” (Lc 6,12-13).

A exemplo de Jesus, também nós somos chamados a estes momentos de intimidade com o Pai para que nossa missão evangelizadora seja eficaz. Se nossa missão não for alimentada pela oração e pela Eucaristia, ela perde seu sentido e sua verdadeira identidade. Corremos assim o risco da projeção pessoal, e perdemos a possibilidade de fazer com que outros se tornem discípulos de Jesus, realizando o encontro pessoal e vivendo unidos a Ele. Que possamos todos iluminados pelo Espírito Santo e movidos pelo desejo de darmos continuidade ao projeto de Jesus de tornar o Reino de Deus conhecido, nos colocar em atitude de escuta humilde e com vontade decidida doarmos nossa vida a serviço do Reino pelo bem dos irmãos.

Fonte:

• Bíblia Sagrada. Editora Ave Maria – Edição 159.

• Lumen Gentium – Constituição Dogmática do Concílio Ecumênico Vaticano II.

• Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – Papa Francisco.

• Exortação Apostólica Verbum Domini – Santo Padre Bento XVI.

• Documento de Aparecida – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino – Americano e do Caribe.

• Palavras da Madre.