Reportagem carroças 2008 2

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Jóquei

virou carroceiro

Os cavalos sempre acompanharam Teófilo Rodrigues Motta Júnior – mas em velocidades diferentes. Antes de ganhar a vida montado nas vagarosas carroças que cruzam ruas e avenidas da Capital, na juventude Teófilo zunia por pistas de corrida como jóquei. Embora tenha disputado algumas provas no prado, sua especialidade era a cancha reta. O que parecia ser uma atividade promissora, porém, se transformaria em frustração. Ainda no final da adolescência, como continuava a crescer e a ganhar peso, foi obrigado a apear dos cavalos de corrida e a subir nos carros de carga.

– Para ser jóquei tem de ser baixinho e magrinho, ter 1m60cm, por aí, para não pesar muito. Eu cresci demais – explica.

Hoje, calcula ter “pelo menos 1m70cm”. Depois de deixar o galope para trás, sustenta a mulher e os quatro filhos fazendo viagens diárias entre sua casa de madeira na Ilha Grande dos Marinheiros e o centro urbano da Capital. Sua rotina é subir na carroça às 8h, conduzir o veículo até uma pizzaria localizada na Avenida Cristóvão Colombo, no bairro Floresta, e retornar carregado de materiais para reciclagem, como embalagens plásticas e de papelão.

Coleta pode render R$ 800 por mês

No quintal, separa o fruto da coleta e vende o produto por cerca de R$ 700 a R$ 800 mensais. É o suficiente para o ex-jóquei que cresceu além do esperado se manter fiel à profissão.

– No galpão, o pessoal tira em torno de uns R$ 400 – afirma.

Em vez da proibição das carroças, o ilhéu sugere a padronização dos veículos para aumentar a segurança do trânsito. Também pede a criação de programas voltados aos filhos dos carroceiros para que eles aprendam outras profissões, e as famílias abandonem aos poucos a atividade. Ele reconhece que muitos colegas comprometem a imagem da categoria.

Dia-a-dia

de sofrimento para os animais que garantem a renda

Nos acidentes envolvendo carroças e carros, a principal vítima costuma ser o cavalo. Em alguns casos, os ferimentos são irrecuperáveis e obrigam o sacrifício do animal.

Para a presidente do Movimento Gaúcho de Defesa Animal, Maria Luiza Nunes, a jornada de trabalho exaustiva a que os cavalos são submetidos pelos carroceiros produz danos à saúde dos eqüinos. Cavalos que morrem ou caem no asfalto por falta de força para puxar as carroças são conseqüências do problema.

– Os carroceiros não podem ser chamados de cidadãos porque não têm obrigações, não precisam respeitar leis e não têm direitos. Quem lucra com o trabalho deles é o atravessador e quem tem cavalos para alugar a eles – opina Maria Luiza.

Na Câmara de Vereadores, um projeto de lei do vereador Sebastião Melo (PMDB) prevê a redução gradativa do número das carroças em circulação no prazo de oito anos. Em tramitação desde fevereiro de 2005, o projeto foi aprovado pela maioria das comissões – apenas uma o rejeitou – e deve ir a votação no Plenário no mês que vem.

Proposta alternativa prevê absorção de trabalhadores

A idéia é extinguir as carroças à medida que as pessoas envolvidas na atividade sejam transferidas para outras fontes de renda. Um grupo de trabalho composto por representantes da prefeitura e de associações de catadores seria responsável por buscar alternativas viáveis. Uma pro-

posta em discussão é a construção de novos galpões de triagem de resíduos espalhados pela cidade para absorver os trabalhadores.

Pela idéia, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) passaria a ser o único autorizado a coletar o lixo nas ruas. Os atuais carroceiros atuariam nas centrais de triagem. Outra possibilidade é a instalação de contêineres para a coleta seletiva do lixo.

Se aprovado pelos vereadores, o projeto pode ter seu prazo de aplicação reduzido para quatro anos, conforme emenda apresentada pelo vereador Adeli Sell (PT). Para a ambientalista Maria Luiza, a proposta é positiva por contemplar alternativas que podem oferecer uma nova forma de renda para os carroceiros que hoje vivem da coleta.

Circulação fica prejudicada

8h56min de ontem. Um carroceiro cruza a Rua Cairu em trecho proibido: entre a Rua Pereira Franco e a Avenida Benjamin Constant, junto ao viaduto José Eduardo Utzig, na Capital. Minutos antes, uma carroça congestiona a Avenida Farrapos.

As situações acima, acompanhadas por Zero Hora, compõem um retrato dos reflexos que a circulação de carroças provoca no trânsito de uma cidade com frota superior a meio milhão de veículos. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), a frota de tração animal cadastrada é de 4.340 veículos, sendo 3.708 carroças, 628 charretes e quatro carretas. Segundo a própria empresa: entre 3 mil e 4 mil carroças andam irregularmente sem cadastro e placa, elevando o total para 8 mil veículos puxados por animais.

Entre 3 mil e 4 mil carroças andam irregularmente sem cadastro e placa, elevando o total para

8 mil veículos puxados por animais

Além de congestionar o trânsito, muitas carroças não têm adesivos refletores, o que reduz a visibilidade à noite. No ano passado, foram registrados em Porto Alegre 58 acidentes com veículos de tração animal.

Onde é proibido

> Na Avenida Castelo Branco, ú nica via expressa da Capital, a circulação de carroças é proibida em qualquer horário. No Centro, a circulação no quadrilátero formado pelas vias Mauá, João Goulart, Loureiro da Silva e Conceição é vetada das 6h às 20h.

> Em avenidas como Osvaldo Aranha, Ipiranga, Prot á sio Alves, Assis Brasil, Sert ó rio e Bento Gon ç alves, o tr â nsito deve ser evitado nos hor á rios de maior fluxo: das 6h30min às 9h e das 17h30min às 19h30min.

Sertório

Na descida da ponte para a Sertório, os automóveis evitam o lado direito da pista em razão da baixa velocidade da carroça, que segue por ali, dando preferência ao lado esquerdo da via. Como o fluxo é fraco no momento, porém, não chega a haver lentidão no trânsito.

Pres. Roosevelt

Na esquina com a Cairu, um automóvel em velocidade elevada faz uma manobra um pouco mais brusca para ultrapassar a carroça e seguir adiante. Pouco depois, dos veículos reduzem a velocidade enquanto aguardam chance de passar à frente do veículo de tração animal.

Almirante Tamandaré

Pernambuco

Viena

Pará

Olinda

Benjamin Constant

Ao chegar a uma via de maior movimento, a velocidade média baixa e a carroça acompanha o fluxo dos demais veículos. Graças a isso, um motorista consegue reconhecer Paulo Sant'Ana e acena. – E aí, Sant'Ana – grita, algo surpreso.

Término – 8h46min

Cristóvão Colombo (pouco antes da esquina com Dr. Timóteo)

A exemplo da descida da ponte do Guaíba em direção à Sertório, na Cristóvão os veículos evitam a pista da direita assim que avistam a carroça, a dezenas de metros de distância. Quem circula mais distraído aproveita a primeira brecha para sair de trás do veículo, contribuindo para diminuir um pouco a velocidade média no trecho.

Editoria de Arte
ZERO HORA > TERÇA | 13 | MAIO | 2008 Geral > | 29 |
Diariamente, cerca de 8 mil veículos de tração animal dividem espaço urbano com automóveis, ônibus e caminhões
DUARTE
RICARDO

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