Facta #4

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dade de Engenharia e de uma graduação e pós em Ciências Econômicas me predispuseram a suspeitar e rejeitar gambiarras e seus praticantes. A esta formação se juntou uma certa penchant stalinista que marcou minha geração (Ah! Os promissores Grandes Relatos... ver Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna) e a prática das ditas “ciências exatas”, entre as quais alguns pensadores inserem a economia. Mas, cá entre nós, é como dar murro em ponta de faca. Porque a gambiarra, razoo, foi uma necessidade imposta pelo processo de colonização de Pindorama. Devia haver carência de tudo, daí a necessidade do improviso, do famoso jeitinho familiar a todos. Querem um exemO vernáculo que temos à frente é o termo plo? É fácil, escolham o melhor altar barroco das nossas igrejas e peçam gambiarra. O Aurélio (EdiDevia haver carência de para vê-lo por trás: verão, tora Positivo, 4ª. edição, tudo, daí a necessidade assombrados, um palimp2009) não é de valia, pois do improviso, do famoso sesto de ripa sobre ripa, reo define como uma lâmpajeitinho familiar a todos. mendo sobre remendo. Ou da colocada na extremidade então consultem os quatro de um longo fio que permite seu emprego em uma área relativamente volumes da História da Vida Privada no Bragrande, como um conjunto de lâmpadas para sil (Cia. das Letras, 1997) ou os relatos dos uso naval ou no teatro. Se a memória não me celebrados viajantes europeus que nos visitatrai, meu conhecimento de sua existência foi ram há séculos atrás. O Brasil colonial nos nos anos setenta, quando pronunciado por legou a prática da gambiarra. Quem não tem Chico Jacob, que assim se referiu a um pe- cachorro caça com gato, ora pois. queno improviso que estava a fazer em seu apartamento. Então supus que ele o empre- A gambiarra é estrutural, embora em alguns gara substituindo o termo bricoleur, que de- setores da atividade humana nos quais o comsigna pequenos trabalhos sem importância, o putador (a exatidão) penetrou pra valer, como biscate. Depois ponderei que alguém deve ter nas oficinas mecânicas, tenha sido relevada associado a experiência do biscate com o im- aos grotões. Vivemos hoje uma dicotomia enproviso e, daí, com a gambiarra elétrica dos tre o científico e o “gambiárrico” encarnado cenários teatrais tal como definida no Auré- como marca, estigma, como um diferencial cultural. Proponho duas formas pretensalio. Um improviso. mente científicas para gerar uma abordagem Mas também imprecisão. Minha educação, intrincada ao termo melhorando seu status, curso científico, um preâmbulo na Facul- um upgrade. Primeiro, podemos encaixá-lo VERNÁCULO, aqui entendido como a língua viva das ruas, é uma tremenda fonte de vivacidade, sabedoria e riqueza cultural. Empregado com frequência como um escudo contra o poder, como uma proteção contra estranhos ao ninho (jargões, gírias e até mesmo a língua do “P” das crianças que Gal Costa cantou), ele reflete inteligência prática e direta, na veia, ou universaliza algo como um adjetivo irrecorrível, incontestável – tal como roscofe, um ordinário relógio suíço de má qualidade, ou legal, termo da lei de que o submundo se apropriou para fins de denominar os pequenos nirvanas aos quais é permitido, mesmo que na marra.

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* SOLUCIONÁTICA BRASILEIRA *


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