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Itamar Santana

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BIANCA ANJOS

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A gestora ambiental Bianca também participou do projeto Guia Mirim. Era o ano de 2006 quando Bianca teve a oportunidade de conhecer o Tamar e teve a vida completamente transformada. O pai dela, seu Ademario Filho, era motorista do Tamar e foi ele quem levou a ficha de inscrição para casa. No começo Bianca ficou receosa sobre a ideia, pois, por ser muito tímida não sabia qual decisão tomar. Com o incentivo dos pais decidiu arriscar e mandar a inscrição. A primeira fase já começava ali. As crianças deviam responder porque queriam participar do projeto. As melhores respostas eram as selecionadas. Eram mais de 100 inscritos disputando apenas 16 vagas. Além da melhor resposta, outros critérios como matrículas em instituições de ensino, faixa etária (10 a 13 anos) e localização são levados em consideração. Das 100, 40 foram pré-selecionadas para a segunda fase. Para surpresa de Bianca, a resposta que deu foi boa o suficiente para ser chamada. A partir de então os alunos começam um cursinho de duas semanas: “introdução a conservação marinha”. Os próprios biólogos e veterinários do Tamar é que dão as aulas e acompanham a criançada. As turmas são divididas entre horários. Oito entram as 8h30 e saem as 11h30, frequentando a escola no período da tarde. Já as oito restantes entram as 14h30 e saem as 17h30, frequentando a escola no período da manhã. Bianca acabou perdendo o primeiro dia de cursinho por ter confundido as datas e, quando chegou no segundo dia, entrou em choque. Havia muitas crianças as quais ela não conhecia. Ao ver a turma animada e respondendo

às perguntas que os monitores faziam, começou a ficar interessada no assunto. Logo que chegou em casa pegou o material que havia ganhado e começou a estudar. “Eu não queria perder tempo, queria ser tão boa quanto eles”. As duas semanas passaram bem depressa. Com o cronograma cheio, as crianças participavam de atividades dentro e fora da base. Como tudo o que é bom dura pouco, outro corte seria feito e apenas algumas continuariam no processo. O grande momento havia chegado e a lista com os nomes escolhidos tinha saído. O de Bianca estava lá. Foi uma choradeira só: lágrimas de felicidade para alguns e de tristeza para outros. A rotina começava cedo. Entrava as 8h30 no projeto Tamar e passava as manhãs realizando as atividades. Além de tarefas como alimentar as tartarugas, havia aula de culinária, fantoche, artesanato e pesca. Quem ministrava as atividades “extracurriculares” eram próprios nativos de Praia do Forte. Estudos sobre fauna e flora, palestras, oficina de histórias, resgate cultural local, questões sobre poluição e descarte de lixo também são tratadas com os pequenos. Quando questionada sobre o contato direto com os animais que correm risco de extinção, responde seriamente: “eu sabia que tinha privilégio por tocar em uma tartaruga. Muitos visitantes iam lá e falavam ‘eu quero passar a mão’ e não podiam. Tinha muito respeito também. Eram os dois sentimentos que eu tinha”. Bianca sempre foi muito tímida e ao ver os colegas de turma conversando e interagindo, foi tentando acompanhar. Uma das atividades era guiar os visitantes pela base e explicar sobre as tartarugas, ação que dependia de conhecimentos

prévios e até mesmo um pouco de jogo de cintura, já que vinham pessoas do Brasil e do mundo. “Eu ouvia das pessoas ‘nossa, você é tão pequenininha e sabe tanto’. Aquilo me motivava a continuar e me dedicar”. Na escola, quando a professora pedia para ler na frente, chegava a chorar de timidez. Foi durante o projeto que começou a desenvolver o lado social. O programa requeria disciplina, responsabilidade, atenção e muito esforço. Alunos que eram considerados bagunceiros ou até mesmo com mau comportamento também tinham chance de participar do programa. Depois de um tempo, mudavam totalmente o comportamento. A paixão pelo Tamar e pelo programa eram tão grandes que ninguém queria correr o risco de perder. A criançada ficava tão apaixonada que alguns diziam querer estudar biologia para voltar a trabalhar lá. A equipe do Tamar sempre deixou claro que poderiam retornar como funcionários, jovem aprendiz ou, até mesmo, como profissionais. Tudo dependia somente deles. Existia uma aliança de três lados: o Tamar, a escola e a família. Todos em conjunto monitoravam e acompanhavam a trajetória dos pequenos, sempre dando suporte quando necessário ou puxando a orelha. Essa aliança funcionava como elo para desenvolvimento social e intelectual. Não há como uma criança ser um bom biólogo caso não seja uma boa pessoa antes. Mesmo muito nova, Bianca entendia da responsabilidade que tinha com horários, comportamento e compromisso com as atividades propostas. “Eu gostava tanto de estar lá que já sentia que eu trabalhava lá” comentou em meio a sorrisos.

Foi no meio desse processo que Bianca foi se soltando e mudando o comportamento. Apaixonada pela dança, deixava de participar das apresentações do colégio por vergonha. Depois de entrar no programa decidiu enfrentar o medo e começou a integrar um grupo de dança. “Percebi que não podia deixar de fazer as coisas por medo. Se eu não enfrentasse aquilo, poderia perder muitas chances na vida”. Algumas ações aconteciam fora do Tamar. As crianças tinham aulas e faziam o “pré-teste” para saber o que conheciam sobre o assunto. Após a visita de campo faziam novamente um “pós-teste” para mostrarem o que haviam aprendido. A metodologia utilizada durante as avaliações dos testes é a PPP – Planejamento, Processo e Produto, levando em consideração as questões teóricas, as emoções e comportamento. A Praia do Forte é cercada pela Mata Atlântica, rica em biodiversidade e os passeios eram repletos de aventura e muito aprendizado. No começo o programa era para educar ambientalmente as crianças, mas com o passar do tempo a educação social também surgiu. O Tamar entendeu que precisava acolher e ensinar sobre convívio social e ajudar as crianças com mau comportamento. Inclusive os bagunceiros que faziam parte do programa começaram a enxergar a vida de uma outra forma. “As crianças precisavam ter um bom comportamento na escola, tirar notas boas para poder continuar no programa. Como algumas tinham medo de perder isso, acabaram mudando o jeito” relembrou Bianca. Na época de Bianca, as crianças ganhavam uma ajuda de custo de R$ 100,00 mais uma cesta básica. Porém, com o passar do tempo, o Tamar percebeu que muitas famílias

carentes acabavam inscrevendo os filhos pensando nessa ajuda mensal que receberiam. A partir de então, a fundação custeia somente o transporte, além dos passeios, testes, alimentação diária e materiais. Após o término do ano letivo do programa a turminha comemora com uma formatura, recebem certificado e um livro com todas as atividades realizadas durante o tempo que passaram lá. Os pais também participam desse dia, relatando as mudanças e fazendo uma devolutiva ao programa. Mais uma vez a base do Tamar era invadida por lágrimas. Chororô para cá, chororô para lá. Afinal, o grupo acaba se tornando uma equipe, passando horas juntos, aprendendo, tudo como uma grande família. Como forma de presenteá-las, o Tamar os leva para um passeio em Salvador, pelos pontos turísticos e recebendo mimos como lanchinhos de alguns parceiros do projeto. No fim do programa Bianca estava com 14 anos e iria começar o ensino médio, mas o coração continuava com as tartarugas. Depois de uns anos, em 2009 especificamente e perto de se formar, foi chamada para retornar ao Tamar, integrando a equipe de atendimento, sendo guia. Já com 16 anos abraçou a chance e continuou frequentando o lugar que tanto amava. No último ano de escola, fase em que os jovens ficam loucos se questionando o que escolher para a faculdade, ficou dividida entre a dança e as tartarugas. De família muito humilde e com os pais separados, a realidade não permitia que somente estudasse, como seria necessário caso quisesse tentar uma vaga na faculdade pública de dança que, na época, só existia em Salvador. “Eu não tinha essa opção: só

estudar. Precisava estudar e trabalhar e aí escolhi continuar no Tamar”. Por esses motivos optou por esperar uma melhor ocasião e continuou a trabalhar. A paixão pelas tartarugas e por ensinar sobre o meio ambiente vinham muito fortes na rotina, o que auxiliou na escolha da profissão quando teve a chance. Como era muito atenta e focada, a equipe pediu que integrasse o grupo de fotografia da unidade, porém, não se identificou muito. Gostava mesmo era do setor de atendimento onde se destacava, sendo até chefe. Retornou assim para o atendimento onde ficou até a faculdade. Em 2014, agora aos 21 anos, conseguiu realizar o sonho da faculdade, escolhendo o curso de gestão ambiental. Três longos anos se passaram até o esperado diploma. Em 2017 começa a integrar a equipe de monitores do Tamarzinho, lugar onde tudo começou. Durante todos esses anos o amor e admiração pelo projeto gerou bons frutos. Em 2020, com 27 anos, Bianca dava palestras, acompanhava a turminha nova e ensinava sobre o meio ambiente. A junção entre ensinar e conscientizar tornava prazerosa a rotina. Com a chegava da Covid-19 e o isolamento social, em março de 2020, vários funcionários foram desligados por tempo indeterminado. Bianca e amigos acabaram precisando sair, tendo todo o respaldo e tramites jurídicos assegurados.

Bianca na época do Guia Mirim em (2006)

Fotos: Arquivo pessoal

A gestora ambiental no espaço em que ministra aulas para os Tamarzinhos em (2020)