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Bianca Anjos

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ITAMAR SANTANA

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Itamar, 27, é biólogo, nativo de Praia do Forte. O jovem cresceu entre duas comunidades: pulava entre Praia do Forte e Barra do Pojuca, a sete quilômetros dali. Tendo mais quatro irmãos, tinhacomo exemplo o mais velho, Mazinho, que também foi Tamarzinho na fase juvenil, tendo se tornado o primeiro biólogo de Praia do Forte. Travesso, Itamar vivia na cola dele e, por isso, sempre estava na base do projeto. Com os pais separados, aproveitava sempre as chances que tinha para estar com o irmão. Iam almoçar na casa da tia e o menino insistia para Mazinho contar sobre a rotina e as descobertas do trabalho.Durante dois anos acabou perdendo as inscrições que dariam a chance de participar do Tamarzinho. Aos 13 teve a última chance para realizar o sonho. Itamar pediu para que o irmão pegasse uma ficha de inscrição e respondeu à pergunta chave: “por que você quer participar do Tamarzinhos?” e a resposta agradou o pessoal. “Eu respondi que queria pra poder comer os doces, risos. Mas o motivo principal era porque queria ficar perto dos bichos e que um dia eu seria biólogo porque os biólogos de lá eram tudo massa!!!”, disse. O menino achava incrível o trabalho do irmão e queria sempre estar perto dos bichos. “Foi muito natural, muito orgânico. Eu achava massa o que ele fazia e queria fazer também”. Esperto e com alguns conhecimentos prévios sobre tartarugas, o garoto acabou se destacando entre as crianças. Bagunceiro, “mãe Mariuchia”, como as crianças chamavam a coordenadora, teve que ficar de olho nele. A aula preferida de Itamar durante o curso dos Tamarzinhos

era a de teatro. As crianças produziam os fantoches e depois se apresentavam para a população. As vezes iam se apresentar em hotéis chiques de Praia do Forte e era nessa hora que Itamar andava de carro. Por ser uma vila pequena, o pessoal andava muito a pé e era rara as vezes que andavam de carro. “Eu andava de carro umas três vezes por ano só. Quando íamos nos apresentar nos hotéis, aproveitava a chance”. Após a conclusão do ano letivo, Mariuchia Ferreira foi ter seu bebê e, consequentemente, não estaria sempre presente na base. Foi quando surgiu a vaga de jovem aprendiz, de carteira assinada e com salário. Itamar agarrou a oportunidade de continuar onde tanto amava. Para começar essa nova fase, precisava da aprovação de Mariuchia e foi falar com ela. Após a permissão, começou. “Ela diz até hoje que ele não falou nada, que não se lembra disso”, brinca sorrindo. Itamar ficou cerca de três meses na parte de atendimento ao público. Gostava, mas o que queria realmente era estar em contato com os bichos. Nesse período o Tamar iria começar um projeto diferente, o submarino amarelo, que nada mais é que mostrar aos visitantes animais marinhos inusitados em um grande aquário amarelo. A responsável pelo projeto convidou Itamar para ser o ajudante e ele logo aceitou. Sua função era trocar água do aquário, alimentar os bichos, ajudar nas pesquisas. “Foi um dos períodos mais encantadores. Como eram bichos abissais1, vinha todo o tipo e muitos eram s estranhos, risos. E eu ia ter contato

1 O ser abissal, criatura abissal ou animal abissal são termos para os seres vivos aquáticos que vivem abaixo da zona eufótica do oceano, conhecida como zonas abissais, parte mais profunda dos oceanos que geralmente possui mais de dois mil metros de profundidade, com temperaturas muito baixas e sem luz.

direto com pesquisador, mesmo sendo moleque. Eu favala o tempo todo”. O contato direto com os animais o motivou a seguir o sonho de ser biólogo. Ficou um ano nessa função de ajudante da pesquisadora. Depois do término da experiência, Itamar passou a trabalhar como tratador. Alimentava tartarugas, tubarões e peixes. O contrato de jovem aprendiz tinha dois anos de validade. Um dia após o término Itamar já estava assinando os documentos que o tornariam um funcionário oficial do Tamar. Ajudou a médica veterinária da base e acompanhou vários tipos de processos clínicos. Paralelo a isso, o jovem finalizava o último ano do ensino médio, aos 18 anos. A primeira opção da faculdade era veterinária, porém, os horários não batiam. A faculdade era diurna e Itamar precisava trabalhar para se sustentar. Logo foi para o curso de biologia, que era noturno. Assim poderia trabalhar e estudar. Em 2012, aos 19 anos,começou a faculdade de biologia em Salvador. Durante quatro exaustivos anos sofreu com a rotina. Trabalhava oito horas por dia, batia o ponto correndo e já saia para esperar o ônibus. Chegava de madrugada da faculdade e precisava acordar cedo para o trabalho. “Esse pessoal que fala que faculdade é só farra... Foi um período horrível, tanto profissional quanto pessoal. Eu não tinha tempo nem para a minha namorada (atual esposa) ”. Itamar recebia o apoio de todos os colegas de trabalho, mas só ele sabia o quanto precisou se dedicar durante a faculdade. O Tamar o auxiliava financeiramente com uma porcentagem.Depois de todo esse sufoco de acordar cedo, dormir tarde, estudar, trabalhar, tudo ao mesmo tempo,

o biólogo conquistou o diploma em 2016 e, de imediato, começou a exercer a função no projeto. Começou na área de manejo. ‘Assim que formei eu vim com todo o gás, cheio de energia. Queria retribuir todo o incentivo que os meus colegas tinham me dado durante a faculdade”. Atualmente atua com educação ambiental. Existem programas direcionados ao público como o: biólogo por um dia; tartarugas bynight; visita com biólogo. Essas atividades possibilitam uma maior vivência e entendimento do trabalho que os biólogos realizam diariamente dentro do Tamar. A recepção das crianças que visitam a base foi muito positiva. Itamar sempre se deu bem com a molecada. “Eu queria ser legal com as crianças igual foram comigo na minha época. É meu brother, sabe? Por ser um local pequeno todo mundo se conhece. A criança vai na base, depois você vê ela na rua e depois no mercado. São primos, filhos de conhecidos”. Elas saem de lá felizes e motivadas com a experiência e Itamar se orgulha de poder fazer parte disso. “A criança chega na escola falando que tocou em tubarão, que é biólogo do Tamar. Eles ganham certificado pela participação, né”. A realidade de jovens entre 14 e 16 anos pode ser muito distinta. Enquanto alguns têm uma vida confortável, outros podem se perder nas drogas. Itamar é feliz por ter vivido todo esse período de juventude dentro do projeto. “Agradeço muito ao Tamar, porque em todo esse período de adolescência, de rebeldia, aprendi o que é certo e oo que é errado. Esse período todo eu sempre estive dentro do Tamar e todo mundo era legal. Você pedia um copo de água para um, era capaz de receber dois”.

Com a chegada da Covid-19 a rotina do biólogo mudou drasticamente. Além de perder muitos colegas de trabalho que precisaram ser afastados, a base ficou sem visitantes, o que era triste. “Tinha dia que eu ia ver um funcionário depois de quatro horas de trabalho. De 100 funcionários estamos em 15 agora. Foi muito triste; foi duro. A pior parte foi ficar sem gente”. Itamar trabalhou durante os meses de isolamento, visto que a função dele era muito importante para o bem-estar dos animais. Aos poucos os centros de visitantes de todo o Brasil estão reabrindo, inclusive o de Praia do Forte, o que possibilita um conforto nesses tempos difíceis.

Foto: Arquivo pessoal