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Zé Mero

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Zé MERO

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José Pereira dos Santos mais popularmente conhecido como “Zé Mero” é pescador, nativo de Praia do Forte, na Bahia. Aos 58 anos, recorda que recebeu esse apelido logo na mocidade. “Aqui na região e até em Salvador só me conhecem assim. Se falar José Pereira ninguém vai saber quem é”, brinca. Zé precisou parar de estudar na terceira série, aos nove anos, já que tinha que trabalhar para ajudar em casa. Foi com os tios que aprendeu a arte de pescar e não parou desde então. “Eu fiz até a terceira série arrastado, na tora”, brinca. “Eu não tinha tempo para estudar; precisava pescar para me virar”. Zé fazia parte do grupo de pessoas que caçavam e matavam tartarugas lá na década de 1982. Quando o casal Guy e Neca Marcovaldi chegaram à Praia do Forte, precisaram conquistar a população e ensinar sobre a importância da conservação. Os co-fundadores do Tamar alegaram que se o projeto desse certo, todos dali seriam prestigiados: pescadores, filhos de pescadores, conhecidos... todos seriam empregados. Parte crucial nesse processo foi conquistar a confiança dos pescadores. No começo houve uma certa desconfiança entre os dois lados, afinal, os pescadores não confiavam nos pesquisadores e o casal não sabia como seria a recepção da população. Muitas conversas e trabalhos precisaram ser feitos para os pescadores entenderam a importância da preservação. “Antes de trabalhar no Tamar eu não era um conservador de tartaruga, eu era um predador”, conta. As atividades de conscientização eram rodas de conversas, palestras,

tudo o que facilitava o entendimento sobre a importância preservação. No começo houve uma certa relutância dos pescadores. Alguns inclusive até hoje não aceitam a presença do projeto. “Alguns ficaram de bronca com o Tamar, acharam que eles só vieram para pegar dinheiro”. Comer carne de tartaruga não era necessidade, era apenas lazer. Qualquer oportunidade seu Zé e os conhecidos aproveitavam para isso. Aniversários, encontros entre amigos.“Pra gente era diversão, farra”. Depois que entendeu sobre preservação ambiental, quis passar aos colegas, que tiveram certa resistência. “Eu brigava com meus amigos pescadores que as matavam. Com muito trabalho a gente conseguiu mostrar que a tartaruga viva era muito mais valiosa que morta”. Antes mesmo de ser contrato oficialmente como funcionário, o pescador fez trabalhos voluntários na base. Ele havia entendido toda a importância da preservação. “Eu achava bonito o trabalho que eles faziam com as tartarugas e com o turismo”. Praia do Forte foi por muito tempo um lugarzinho esquecido no mapa e, após a chegada da equipe Tamar, todo um trabalho foi realizado para incentivar além da preservação, o turismo. Hoje ambos caminham lado a lado, pois no final, a base é hoje um dos pontos turísticos mais visitados da vila. “O pessoal não ia vir pra Praia do Forte ver pescador. O pessoal começou a conhecer Praia do Forte através do projeto Tamar”. Seu Zé tem orgulho da história que construiu em conjunto com o Tamar. Foi por meio dessa união que conseguiu

construir a casa em que mora e ajudar na criação dos filhos. Pai de seis e tendo 12 netos, são eles que acompanham a rotina do avô e pescam de vez em quando juntos, já que os próprios filhos tomaram outros rumos. “Meus filhos mesmo não gostam de pescar; alguns netos que as vezes vão comigo”. Viveu muitas aventuras durante todos esses anos de Tamar. Inclusive diz ter um problema nas costas, devido ao galão de ar que usava quando mergulhava com Guy Marcolvadi nas tarefas de rotina. O pescador foi professor das turminhas do Tamarzinho. Ensinava as crianças a pescarem, indo até mesmo em alto mar. A relação que criavam era sempre muito boa e divertida. O sentimento que descreve isso é gratidão. “É gratificante ensinar o pouco que aprendi com os mais velhos para essa molecada. É gratificante quando a gente aprende uma coisa e passa pra eles”. Seu Zé ensina desde técnicas para utilizar uma tarrafa1 , como dar nó em anzóis, sobre os peixes que a criançada pode levar para casa e até mesmo as espécies que estão em extinção. A relação que ele tem com o Tamar é de amor. É o lugar que mais gosta. ‘É a coisa que eu mais sei fazer, a coisa que eu mais gosto”. Como o curso dos Tamarzinhos é anual, sempre chegam novas crianças e outras vão embora. Para os que ficam, como seu Zé, é triste ver a partida. “No período de despedida todo mundo chora, fica emocionado. É muito boa a nossa relação”. Quando a pandemia da Covid-19 chegou, seu Zé precisou ser afastado do emprego e, claro, o pescador sentiu muito. “Foi triste, né, ficar sem ver eles”.

1 Rede de pesca circular, de malha fina, com pesos na periferia e um cabo fino no centro, pelo qual é puxada.

Atualmente tem vivido da restituição. Como pescar depende muito do clima, as vezes fica meses sem ir para alto mar e, consequentemente, não tem uma renda fixa. “Estou vivendo dos dinheiros dos tempos, né. Quando acabar só Deus sabe o que vai ser”.

Zé Mero na rotina de pescador

Foto: Arquivo Pessoal

Zé Mero ensinando a Tamarzinha Amanda como usar uma tarrafa

FOTO: Banco de Imagens TAMAR