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Mariuchia Ferreira

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MARIUCHIA FERREIRA

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GUiA MiRiM – TAMARziNhOS

Criado em 1995 com o objetivo de educador ambientalmente os jovens da Praia do Forte, o antigo Guia Mirim (Programa de Treinamento para Formação de Guias Ecológicos Mirins) era mantido pelo FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente). Com 25 anos, hoje o programa se mantém por meio do auxílio da Fundação Pró-Tamar e trocou o nome para Tamarzinhos. Um dos objetivos é conscientizar as crianças da região sobre a importância de preservar e cuidar do meio ambiente. É um trabalho de educação ambiental e social. O programa acontece anualmente e conta com a participação de toda a população regional. As crianças residentes da Vila da Praia do Forte e proximidades são convidadas a participar da seleção, que determina quem poderá integrar o projeto.

MARiUChiA FERREiRA

Mariuchia faz parte dessa história. A pedagoga de 40 anos é responsável atualmente pelo projeto Tamarzinho. Filha de marisqueira e faxineira, Mariuchia desde pequena demonstrava ser diferente das demais crianças. Como a mãe, dona Benta trabalhava para Paulo Sapienza (que fazia parte da administração do Tamar na época) Mariuchia andava por todas salas do local, pois ficava sempre grudada na asa da mãe. Quando dona Benta ia arrumar as salas e recolher o lixo, Mariuchia pegava para si os papéis jogados fora e guardava para levá-los embora. Dona Benta sempre brigava com a

pequena pois achava aquilo perda de tempo, visto ela que ainda não sabia ler. Teimosa, foi aprender a ler para não dar motivos para a mãe brigar. Assim, começou a ler tudo o que encontrava, de textos teóricos, dados, informações referentes as tartarugas e meio ambiente, frases complexas demais para uma criança. Mariuchia era tão levada que até pulava a cerca para pegar quiabo na horta que tinha na base. Na época, quem tomava conta do local era seu Cecílio. Ele sempre dizia o quanto Mariuchia era danada. Em 1995, ela e mais 30 crianças começaram a integrar o projeto piloto Guia Mirim. Crianças de toda a Praia do Forte iam até o Tamar fazer um curso introdutório sobre conservação ambiental. Das 30 que começaram, apenas nove foram até o final. Por ser um curso novo, as próprias crianças iam perdendo o interesse e desistindo. Os professores eram os próprios veterinários e biólogos do projeto. Ensinavam desde ciclo reprodutório, alimentação, características básicas de cada espécie até limpar os cascos das tartarugas. As crianças iam para o projeto em horário aposto ao da escola. Iam fazendo rodízio para todos participarem das atividades, inclusive aos fins de semana. Quando os visitantes chegavam no centro para ver os tanques com as tartarugas, ficavam boquiabertos ao ver as crianças tão pequenas, mas já tão espertas, sabendo tanto sobre o assunto. Mariuchia recorda da expressão de espanto e felicidade das pessoas ao verem os guias mirins dando um “aulão” sobre tartarugas. Quando não sabiam, iam pedir ajuda para os monitores, mas nunca deixavam alguém sem resposta.

Pessoas do Brasil e do mundo visitavam a base e as crianças mais desinibidas aproveitavam a chance para ganhar a atenção. Mariuchia estava entre as que mais se destacavam. Sempre muito querida por todos os funcionários, por ter o respaldo da inteligência e também do carisma, começou a dar palestras para as novas turmas do guia mirim, além de ficar responsável pelas salas e organização dos materiais. “Eu sempre fui muito organizada, não podia ver bagunça”, comentou rindo. Como passava muito tempo na base, as novas turmas do guia mirim começaram a olhá-la de forma diferente, com mais respeito e admiração, já que sabia tanto. As crianças a chamavam de ‘sabitudo’. “Eu dizia assim: eu não sei tudo, sei só um pouquinho assim. Aquilo que eu não sabia ia pesquisar”, conta. Passados os anos havia chegado o momento de prestar vestibular. Mariuchia e Bianca Anjos (uma amiga) - que também frequentava o Tamar - queriam fazer biologia. Começaram a estudar em um cursinho pré-vestibular em Lauro de Freitas, a 60 km de Mata de São João. As meninas pegavam o ônibus as cinco da manhã e só retornavam após a 13h. O Tamar ajudava a custear o curso e o transporte. Assim que chegavam, iam direto para a base. O Tamar auxiliava as crianças participantes do guia mirim com uma bolsa de R$ 30,00 o que na época era muito dinheiro. Mariuchia brinca “na época era muita coisa; dava para comprar material de escola, mandar fazer bolo e comprar refrigerante no aniversário dos meus irmãos mais novos e ainda dividir com minha mãe”. Por estarem na década de 1990 uma novidade estava

chegando na vida de muitos brasileiros: o computador. Muito recente, a internet ainda era discada, ou seja, caso precisasse utilizar o telefone fixo não conseguiria, pois, a internet vinha por lá. Mariuchia via aquela máquina e se frustrava por não saber o que era e como mexer. Assim começou um curso de informática que durou cerca de dois anos em Camaçari, cidade a 23 km dali. Ela relembra as dificuldades que enfrentou. “As vezes eu não tinha dinheiro para o lanche, mas só de ter o da passagem estava bom”. Quando estava no Tamar e o computador estava livre, os funcionários a deixavam navegar na internet e praticar o que estava aprendendo no curso. Após o cursinho pré-vestibular acabar, as meninas foram prestar prova na faculdade. Ambas, acostumadas com pouca gente, se assustaram ao ver a quantidade de pessoas no dia do teste. Após um ano de esforço foram aprovadas. Porém, era preciso ter um fiador e apenas Bia começou a cursar biologia, mas também acabou precisando parar. Mariuchia, que vinha de família muito humilde, decidiu aguardar um momento mais propício para conseguir fazer o curso superior. Assim, começou a fazer outros cursos menores. Como se dava bem em trabalhos manuais iniciou um curso de confecção e manuseio de fantoches. “Eu fui buscar aquilo que me dava prazer. Se no momento eu não podia estudar em uma instituição superior, fui buscar as coisinhas que estavam ao meu alcance”, lembra. Quando chegou o momento da faculdade, Mariuchia recebeu novamente o apoio do Tamar, tanto emocional quanto financeiro. “Eu escolhi a pedagogia porque tinha tudo a ver com aquilo que eu acreditava; tinha muito sentimento. Precisa de muito envolvimento humano, né.

Como pedagoga eu poderia contribuir muito mais do que se fosse bióloga”. No começo, ficou um pouco temerosa, afinal como poderia ajudar o Tamar como pedagoga? Depois de muita reflexão e conversas, percebeu que a pedagogia possibilitava um novo caminho e que poderia passar tudo o que havia aprendido em questões sociais e emocionais. “A notícia no Tamar foi bem recebida. Todo mundo me incentivou, pois era algo que eu gostava”. O Tamar não era uma instituição formal como uma escola, mas havia a necessidade de ter alguém capacitado para administrar as aulas e, claro, os alunos do projeto Tamarzinho. Ninguém se adequaria mais a esse cargo do que uma própria guia mirim, que já possuía bagagem de conhecimentos específicos sobre tartarugas e, agora, iria participar da rotina dos alunos como pedagoga. Antes mesmo de conquistar o diploma, Mariuchia já desenvolvia atividades com as turminhas e, consequentemente, possuía uma certa experiência em lidar com crianças. “As minhas apresentações nos seminários eram sempre as melhores; todo mundo queria fazer parte do meu grupo na faculdade. Eu já tinha a vivência e outros não. Estavam vendo primeiro a teoria para depois a pratica”. Mariuchia lembra das várias personalidades diferentes das crianças e como o projeto auxiliou na formação moral delas. “Eu lembro que sempre quando as aulas terminavam, íamos limpar a sala para o dia seguinte e as crianças deixavam chiclete em baixo da mesa, lixo jogado no chão e aquilo foi me incomodando”. Assim, começou a pensar em como poderia reverter a situação. “Tive a ideia de pegar

o lixo, garrafa pet, jornal e joguei pela sala toda antes do horário da aula. Quando as crianças entraram levaram um choque. Começaram a perguntar o que tinha acontecido e eles mesmos se uniram para catar os lixos e reorganizar o ambiente”. Um dos obstáculos que precisou enfrentar para conseguir o tão sonhado diploma, era se locomover até Salvador, a 80 km de Mata de São João. Depois de uma carga de oito horas de trabalho no Tamar, precisava pegar o ônibus e ir a aula. Chegava em casa depois das 1h da madrugada, para acordar cedo no dia seguinte. “Para mim essa era a parte mais difícil; precisava ter muita força de vontade. A gente tem que fazer de toda dificuldade uma oportunidade e assim foi feito”. Ao todo foram 24 anos fazendo parte da história do Tamar. Mariuchia é mãe de duas crianças: Enzo, de 11 anos, e Alice de dois. Enzo cresceu ouvindo as histórias sobre o Tamar e aprendendo sobre tartarugas e, assim que teve a oportunidade, também ingressou no Tamarzinho. O menino contou das diversas experiências e amigos legais que o projeto trouxe para a vida dele. Em março de 2020 o Brasil começou a enfrentar uma pandemia que já estava espalhada pelo mundo todo. Escolas, faculdades, teatros, shoppings, cinemas. Todos os locais que eram de aglomeração foram fechados temporariamente. O Tamar se incluiu nessa lista. Mariuchia precisou dispensar os alunos do Tamarzinho por tempo indeterminado. Atualmente, é diretora de uma escola municipal de Praia do Forte.

Foto: (Banco de Imagens TAMAR)

Foto: Arquivo pessoal

A pedagoga comemorando a conquista do sonhado diploma