A Viagem
Lauren Maganete
Ficha Técnica: Fotografias: Lauren Maganete Curadoria: Vieira Duque, Conservador e Membro da Comissão Executiva Edição: Catarina Martins, Estagiária em Técnica de Multimédia, Instituto do Emprego e Formação Profissional de Águeda Design: Catarina Martins, Estagiária em Técnica de Multimédia, Instituto do Emprego e Formação Profissional de Águeda Secretariado: António Santos João Teixeira, Estagiário em Arte e Design, Escola Superior de Educação de Coimbra
Onde a Sombra de Ti Onde a sombra de ti, o meu perfil É linha de certeza. Aí são convergentes As vagas circulares, no seu limite O ponto rigoroso se propaga. Aí se reproduz a voz inicial, A palavra solar, o laço da raiz. Nasce de nós o tempo, e, criadores, Pela força do perfil coincidente, Amanhecemos deuses de mãos dadas. José Saramago, in Finalmente Alegria
A Viagem. Lauren Maganete. Fotografias de… “Lançamos o barco, sonhamos a viagem: Quem viaja é sempre o mar.” Mia Couto, in Mar me quer
Lauren Maganete fascina por cada instante que partilha com a objectiva que a acompanha em permanência, numa dádiva de construção de uma identidade e interioridade que comunica connosco, de forma impune e transversal em temperamento que não cessa de transgredir… amando. Nessa paixão que nos contagia, fala-nos de si e da sua permanente viagem… porque ela é de permanência… mas em contínuo movimento. Para onde? Talvez não consigamos respostas, porque nos esventra com advérbios de comparação feitos imagens. Momentos ou instantes que nos instigam a falar-lhe… a perguntar-lhe… a interrogar-nos. A sua fotografia é a simplicidade do todo, do conjunto, do percurso no quotidiano que não esgota. O compromisso com os passos que esbarram permanentemente com os seus flashes – clarão disparado ao mesmo tempo que é tirada uma fotografia, para iluminar o objecto fotografado (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) – cantando memórias que fecundam a alma no ventre da vida. Depois… A Chave? Deixo para as palavras de Susan Sontag: “Fear of what people will think - not the natural temperament - makes most women dependent on being desired before they can desire." (Susan Sontag, in Reborn). Na Viagem em Lauren Maganete, o cadeado está em cada olhar e o encadeado, num emaranhado de comoções cerebrais que nos atingem: Choro por quem não tenho. Grito por quem não ouve pelo barulho da partida que antecede a despedida. Aceno, pois, para a chegada, pela espera que devora os vagões da Memória nos trilhos do Tempo. Anamnese: Viagem não sentida! – Não memória… Flash desperdiçado. Jamais Arte.
Nesta colecção? Memórias, sim. Vulgos que traçam infortúnios a verdugos malditos que mitigam por flashes que não merecem e que jamais existem ou existirão, quando a Arte do Fotógrafo assim impera. Passos, sombras, vazios, objectos, metáforas por sobre pêndulos de vida que resistem a este vai e vem de um quotidiano de minutos, dias, meses ou anos… ou de tudo num instante! Parafraseando José Saramago: “Sobre a fotografia: As mãos levantam a câmara fotográfica à altura dos olhos e o mundo desaparece. Agora, por trás do visor, o olho fará reaparecer, não o mundo, mas um fragmento dele. Por isso talvez seja correto afirmar que o olho que vê a fotografia, justamente por ser fotografia o que vê, não é o mesmo, ainda que o mesmo seja, que olhou e viu uma parte do mundo para fotografá-la.” (José Saramago, in Lanzarote A Janela de Saramago). Assim, entendo este contexto expositivo, na viagem promovida pelo olho de Lauren, por um mundo que teima em reaparecer, transpondo-nos para framentos, dádivas de humanidade e materialidade que reinterpretam esta inconstância que nos move de mãos dadas a um destino comum. Mas choro quando olho esta gente que vejo, que me não vê; que afinal apenas vislumbro ou pressinto. _ Provavelmente o arrepio pelo frio de uma gare que me ignora, ou o corpo que corre e não me aquece. Ou o meu espelho encantado que me não esconde. Plataformas de partida ou de chegada; de choro molhado ou aberto. Cais de uma boca que rasga em desespero ou que desperta o ventre da alma: sempre Memória como em Santo Agostinho, Santiago ou em São Cristóvão, na práxis, rogando pelo viajante a um qualquer Deus que teme a água ou que anseia chapinhar numa lagoa da Vida… qual? Feita fotografia que fragmenta os instantes e nos permite rever-nos no alheio e no comum de quem suporta no ombro o demiurgo que teima em, noite feita ou manhã plena, passar as águas, curvando o viageiro sobre o cajado, como palmeira exuberante de um mundo que foi e se repete. Choro porque amo. Porque te amo e não alcanço na partida, na chagada… na derradeira espera… na permanente viagem! _ Em A Viagem, de Lauren Maganete, percorremos passados feitos presente pela objectiva que se transpõe numa sensualidade, mesmo no vazio, inerente à fotógrafa que aspira à divinização do olhar e da respectiva posse. Interiorização latente de um alheio que apropria e divide, comunicando. Sem Viagem não tenho Memória. _ Sem esta espoliação, tal Cristo no Calvário, tal Anjo no Paraíso Perdido, Eva e o seu jardim, Adão e a sua semente, Arcanjos mensageiros, Lúcifer belo e carismático, gente, gente, gente, espaços… belo e carismático, gente, gente, gente, espaços… espaços que cercam espaços que cercam inebriantes movimentos, evitando o estático, tal Nós na fotografia que é Arte, rejeitando o
verdugo do Tempo, repelindo a vergasta sobre o processo kafkiano do in vita, não existo, não existimos. Rembrandt, William Blake, Gustave Doré já o eram: contadores de instantes, narradores do momento que testemunhavam in loco ou cerebralmente, metafisicamente, sensitivamente, mas sempre visualmente como ausências que se relatam. Lauren Maganete viaja. Por isso viajamos pelo seu olhar, ou antes, olhares. Por isso sentimos ou pressentimos. Por isso choramos ou sorrimos. Sorrio porque chego após partir… olho-te(me) após te não ver… reencontro-te(me) na procissão intima, caminhada solene cujo luciferário é o Fotógrafo. A Viagem que leva o Ser do Inferno ao Purgatório e daí ao Paraíso de Dante Alighieri; ou a navegar com Vasco da gama na Aventura Lusíada deleitando-se na Ilha dos Amores, “tomando aquele prémio e doce glória. Do trabalho que faz clara a memória” (Camões, in Lusíadas); ou à loucura errante de Orlando Furioso que nos transporta a uma viagem mística e natural, Europa, África, num século VIII. “Astolfo visita o Inferno por um capricho de momento, e depois o Paraíso. Aqui encontra São João Evangelista, que o trata de igual para igual e que o acompanha até à Lua. (…) Entre uma imensa parafernália de coisas perdidas pelos homens ao longo dos séculos, Astolfo encontra a ampola que contém o siso do paladino; e, de passagem, cai-lhe sob o olhar uma ampola com o seu nome, que contém uma parte do seu juízo que ele nunca se percebera de ter perdido, mas que se apressa a inspirar.” (Ludovico Ariosto, in Orlando Furioso). Viagem como epopeia, a nossa. Cumplicidade estética, visual e memorial por sob fotografias. O narrar de fantásticas viagens, realização de gentes, gentes, gentes… “Esse misto de luzes e de sombras, Do céu, da terra, de quanto há formoso E horrendo e grande, cujas musas foram Ódio, vingança, amor, ciência, glória?” (José Ramos Rosa)
“Ia e vinha e a cada coisa perguntava que nome tinha.”
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
A Fotografia convida ao encontro. Por isso, Lauren Maganete ao escolher este tema, reivindica esta génese para o seu trabalho. Como observador, deambulo por coerências e incoerências, fruto da imaginação,
da introspecção que este trabalho provoca. Quem vê pode transpor fronteiras com os passos alheios que se vislumbram num qualquer pensamento abstracto e inquieto. Por estímulos produzidos mecanicamente pela máquina de fotografar poderemos livremente e aleatoriamente, viajar pelo íntimo do Eu e do Outro, numa até simbiose que acorre ao conhecimento. É necessário excitar a memória pela emoção e, desta forma, alcançar o sublime na práxis da vida, uma consistente leitura do passado, poética ou lírica, uma interpretação do presente, escutando uma melodia dos sentidos, e uma projecção do futuro, pautada por um discernimento ancestral e contado ao segundo. Desta ininterrupta mutação do tempo, das interrogações inerentes ao Mundo, do cruzar de experiências, e de uma busca permanente da Memória, o viajante desprende-se das fobias próprias do ser pensante e atravessa desmedidamente os limites do saber, de forma nada inocente, preparando-se para o tempo futuro, sendo este não a morte, mas a realidade imortal do conhecimento. Nada melhor para ilustrar esta viagem do que a epopeia de Gilgamesh, sendo o mais antigo texto literário escrito pelo homem, significando "o velho que rejuvenesce", rei da Suméria e fundador da cidade de Uruk, ano de 2700 a.C. Sendo 2/3 divino e 1/3 humano, filho da deusa Ninsun e do sacerdote Lugalbanda, germinou uma lenda que o tornou no protagonista da maior aventura pela imortalidade – Memória - e pelo conhecimento, "Quero ao país dar a conhecer aquele que tudo viu, que conheceu os mares, que soube todas as coisas, que analisou o conjunto de todos os mistérios, Gilgamesh, o sábio universal que conheceu todas as coisas: ele viu as coisas secretas, trouxe o que estava escondido, e transmitiu-nos o saber mais antigo que o Dilúvio" (Gilgamesh, 2003-2008). “Quando os deuses criaram o homem atribuíram-lhe a Morte; mas a Vida, essa ficou para eles” (Pedro Tamen, in Gilgamesh). O que buscamos nós? Gilgamesh, Aquele que descobriu a origem, Aquele que viu tudo, Gilgamesh confrontado com a angústia da morte, procurou Uta-Napishtim para conhecer o segredo da sua imortalidade por este ter sobrevivido ao dilúvio e recebido o dom da imortalidade pelos deuses. Com esse objectivo de viagem até ao conhecimento, encetou uma peregrinação pelo imaginário, por uma mesopotâmia que bem poderia ter sido um dos pergaminhos semiabertos de Kleio, Musa Proclamadora, levando-o por entre perigos e coragens, aventuras e receios, tal como numa qualquer viagem, até encontrar aquele a quem os deuses concederam o dom da imortalidade. Outro viajante nesta derradeira e épica viagem foi Enkidu, seu amigo, que ao beber a sabedoria pela cortesã, é desprovido da sua inocência e rejeitado pelos animais selvagens, tendo de ir para a cidade, onde trava combate com o rei e não havendo vitorioso, passam a comungar de uma amizade e de um leito.
Choro por quem não tenho. _ digo. A morte, como viagem e ausência, apresenta-se a Gilgamesh como sendo a origem para a grande caminhada até ao conhecimento supremo, aquele que vence o esquecimento… No encontro com Uta-Napishtim, este desafia-o a buscar a planta no fundo do oceano cujos espinhos devolvem a juventude, logo que a achou, perdeu-a para uma cobra! A Viagem e a cumplicidade com o barqueiro terminam! Assim, Gilgamesh voltou para a sua cidade, “Sobe à muralha de Uruk, inspecciona o terraço das fundações e examina bem os tijolos; vê como são tijolos cozidos; não terão sido os sete sábios que assentaram estas fundações? (…) Tudo isto era também obra de Gilgamesh, o rei, que conheceu os países do mundo. Ele era sábio, viu os mistérios e conheceu as coisas secretas; transmitiu-nos uma história dos dias antes do Dilúvio. Fez uma longa viagem, conheceu o cansaço, esgotou-se em trabalhos e, ao regressar, gravou numa pedra toda a história” (Pedro Tamen, in Gilgamesh). Lauren Maganete fascina pela simplicidade que capta e a complexidade de uma estética narrativa, gravada nas suas fotografias, tal epopeia que deleita e excita! J. M. Vieira Duque, 2016
A Viagem Exposição Temporária de 21 de Maio a 3 de Setembro de 2016
Em "A Viagem" encontramos um olhar sobre o movimento que foca e capta itinerários quotidianos. Um gesto, uma cumplicidade, um passo a que se apressa, ficam registados como memória a preto e branco da idiossincrasia de cada percurso. Retém o vai e vem diário... Lauren Maganete
Viagem 1, 2015 Fotografias com retoque e tratamento digital 1000x1500 Valor Comercial: â‚Ź990
Viagem 2, 2015 Fotografias com retoque e tratamento digital 1000x1500 Valor Comercial: â‚Ź990
Viagem 3, 2015 Fotografias com retoque e tratamento digital 1000x1500 Valor Comercial: â‚Ź990
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A Chave
Female sexuality: two types, the responder + the initiator. All sex is both active (having the dynamo inside oneself ) + passive (surrendering). Susan Sontag in Reborn Sexualidade feminina: dois tipos, a que reage + a que inicia. Todo o sexo ĂŠ ao mesmo tempo activo (tendo o dĂnamo dentro de si) + passivo (entregar-se). Susan Sontag, in Renascer
A Chave, 2015 Fotografias com retoque e tratamento digital 500x750 Valor Comercial: â‚Ź250
LAUREN MAGANETE nasceu em Bragança e estudou no Porto licenciando-se em Gestão e Administração de Empresas. Fotógrafa da Casa da Cultura de Vila Nova de Gaia desde 2009. Tem trabalhos publicados em diversas revistas e jornais nacionais e internacionais. Participa regularmente em exposições individuais e colectivas. Expôs em diversos locais nomeadamente em Madrid, Lisboa, Porto, Vila Nova de Gaia, Coimbra e Águeda. Trabalha como fotógrafa freelancer, tendo vindo a colaborar com diversas instituições e empresas. Sobre o trabalho artístico que desenvolve, Lauren Maganete refere: “As fotografias guardam o movimento único de cada qual, ampliam idiossincrasias, perpetuam a ligação que é feita entre o que somos e o chão, passando assim a ser sempre o palco”.
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