A Revolução que deu origem ao Haiti

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Texto de Laurent Dubois Ilustrações de Rocky Cotard


Eu vinguei a América.

—Jean-Jacques Dessalines, 1804

Ilustrado por Rocky Cotard Rocky Cotard desafia a representação limitada do Haiti na mídia promovendo o orgulho da experiência haitiana. Ele é professor na Universidade Lesley, exibiu seu trabalho em galerias de arte e participou da coletânea Migranting Colors: Haitian Art in New England, organizada pela Haitian Artists Assembly of Massachusetts (HAAM). Você pode encontrá-lo no Instagram como @rockycotard e também no site: rockycotard.com.

Escrito por Laurent Dubois Laurent Dubois é professor de Estudos Latinos e História na Universidade Duke e diretor do Forum for Scholars and Publics da mesma universidade. Autor dos livros Avengers of the New World: The Story of the Haitian Revolution e Haiti: The Aftershocks of History, ele está no Twitter como @soccerpolitics.

Traduzido para o português por Bethânia Pereira (Universidade Estadual de Campinas), Felipe Cittolin Abal (Universidade de Passo Fundo) e Rodrigo C. Bulamah (Universidade Federal de São Paulo).

Copyright © 2020 by Laurent Dubois. Illustration copyright © 2020 by Rocky Cotard. Todos os direitos reservados. Partes desse livro foram publicadas em 2018 com o título “The Slave Revolution That Gave Birth to Haiti” no site TheNib.com. Edição revisada por Laurent Dubois e Rocky Cotard. Produzida pelo Forum for Scholars and Publics, Universidade Duke, Durham, Carolina do Norte, EUA. fsp.duke.edu


“Sou lanmè m ap navige”

Há uma canção do vodu no Haiti que relembra o tráfico atlântico.

Agosto de 1791

“No porão do navio negreiro, somos todos um.”

A Revolução do Haiti foi concebida e colocada em prática por homens e mulheres escravizados, a maioria de origem africana e que sobreviveram à travessia atlântica.

Janeiro de 1804

Mesmo indo contra todas as circunstâncias, como conseguiram tal façanha?

Eles conseguiram se libertar e criar um novo país inspirados pela verdade inquestionável de que ninguém deveria ser escravizado.


No final do século XVIII, a parte francesa da ilha de São Domingos era a colônia mais lucrativa do mundo.

O trabalho escravizado produzia açúcar e café para os mercados da Europa.

Alguns escravizados fugiram para formar comunidades quilombolas enquanto outros fizeram o possível para criar espaços de refúgio dentro da plantação.

O elevado lucro dos fazendeiros e comerciantes dependia da violência diária e do terror infligidos à maioria escravizada para evitar que se rebelassem. Entre livres e libertos de origem africana, alguns conseguiram adquirir plantações ou propriedades nas cidades, embora enfrentassem discriminação social e jurídica.


A Revolução Francesa de 1789 mudou a ordem das coisas. O conflito político enfraqueceu o poder colonial e, na colônia, chegavam notícias de Paris sobre a declaração dos direitos humanos universais. Afrodescendentes livres exigiam direitos iguais, mas enfrentaram forte resistência de muitos colonos brancos.

Vincent Ogé

Eles se reuniram na cerimônia religiosa do Bois Caïman para criar estratégias e se fortalecer

Enquanto isso, os escravizados assistiam, ouviam e começavam a se planejar.

E então, em um ataque coordenado, eles se rebelaram no norte de São Domingos, queimando as plantações e os campos de cana-de-açúcar,

destruindo os engenhos e matando seus senhores.

para a luta que enfrentariam.


Os insurgentes de São Domingos transformaram-se em um exército e fizeram exigências cada vez mais corajosas,

Em 1793, eles conquistaram sua liberdade através de uma aliança com oficiais republicanos franceses, que se uniram aos insurgentes para proteger a colônia contra invasões de impérios rivais.

incluindo a abolição completa da escravidão.

Fevereiro de 1794 Sonthonax

Pierrot

Jean Baptiste Belley

Uma delegação viajou a Paris e explicou como os insurgentes estavam protegendo a colônia para a França, enquanto fazendeiros brancos se voltavam para a Inglaterra em uma tentativa de manter a escravidão. A Convenção Nacional declarou a abolição da escravidão em todo o Império Francês. Esta foi a primeira vez na história que uma nação aboliu a escravidão.

Em muitas plantações, as mulheres assumiram um lugar de liderança, insistindo que tinham mais tempo para si fora dos campos. Os líderes revolucionários, porém, incluindo Toussaint Louverture, acreditavam que São Domingos ainda precisava de plantações e que ex-escravizados deveriam se tornar assalariados.

Mas o que é liberdade? Para os ex-escravizados, significava ter terra própria para cultivar para suas famílias e comunidades.


Eles argumentavam que a colônia precisava de açúcar café para trocar por outros produtos, inclusive as armas de que necessitavam para defender a liberdade.

Pois eles sabiam que a emancipação tinha muitos inimigos.

A Revolução Haitiana foi frequentemente representada à época — e desde então – como algo bárbaro, tendo as vítimas brancas como mártires. Muitos zombaram da ideia de que negros poderiam se autogovernar ou sequer entender o que era liberdade.

Ele enviou uma enorme missão militar a São Domingos para se livrar de Toussaint Louverture e dos demais líderes negros.

Quando Napoleão Bonaparte chegou ao poder na França, ele deu ouvidos àqueles que alegavam que a emancipação havia sido um desastre.

Apesar de terem servido lealmente à França por muitos anos, Napoleão não confiava neles. Ele sabia que, para reinstaurar a escravidão, precisava tirá-los do caminho.


Mas ele a

subestimou gravemente determinação dos habitantes da colônia a permanecerem livres.

Uma nova sociedade havia nascido em São Domingos e a população não voltaria atrás. A chegada das tropas francesas deu início a uma guerra brutal que durou um ano,

Foi a única revolução de escravizados que teve sucesso na história.

mas os defensores da liberdade triunfaram no final de 1803.

Com a derrota dos franceses, nasceu o Haiti.


Leia mais sobre a Revolução Haitiana! Para saber mais, leia Os Jacobinos Negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos (Boitempo, 2000), de C. L. R. James, e Silenciando o passado: poder e produção da história (Huya, 2016), de Michel-Rolph Trouillot, ou assista ao documentário da PBS Igualdade para todos — Toussaint Louverture e a Revolução Haitiana, disponível no YouTube. Em inglês, veja também Avengers of the New World: The Story of the Haitian Revolution (Harvard University Press, 2004), de Laurent Dubois, e Slave Revolution in the Caribbean, 1789 - 1804: A Brief History With Documents (Bedford Press, 2006), de Laurent Dubois e John Garrigus.



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