Fluxo Revista de Criação Literária - 1ª edição

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fluxo Revista de Criação Literária

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Ivo Machado Poeta




Revista de Criação Literária


fluxo EDITORES

Angelita Santos da Silva Eduardo Tavares Julio Dominguez

REDATORES

Angelita Santos da Silva Julio Dominguez

DESIGNER

Eduardo Tavares

REVISÃO

de

TEXTO

Angelita Santos da Silva

COLABORADORES Hanibal Antônio Draga Heriberto Aguilar M. G. Azevedo Daisy Morínigo Mary Help

EXPEDIENTE #1 ANO 1 FEVEREIRO ‘14


EDITORIAL

A Fluxo, revista de edição trimestral, surge a partir do interesse de três amigos em proporcionar um espaço de criação literária tanto ao novo e inédito quanto ao já consolidado. Nosso objetivo está no ficcional e poético, visto que já existe espaço para teoria e análise acerca da criação literária. A possibilidade de se recriar e se reinventar por meio das palavras torna a realidade mais colorida e suportável. Isso não exime sofrimentos e contrariedades, mas pode proporcionar algum conforto à medida que podemos nos espelhar no Outro e, desta forma, reinventarmos a nós mesmos como leitores de realidades possíveis, ainda que fantasiosas. Sem pretender se deter apenas a um gênero em específico, a Fluxo publicará poemas, contos, roteiros e textos dramáticos com o objetivo de divulgar e incentivar pessoas criativas que têm a inquietude das palavras a lhes pipocar. Bons ventos!

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ÍNDICE


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Nesta seção, apresentaremos poemas inéditos de poetas de almas inquietas que buscam sentido por meio de palavras e de imagens que elas constroem. Álvaro de Campos diz, em seu poema Tabacaria, que

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. E, neste sentido, a Fluxo segue o desejo de desconstruir, reconstruir, revelar, partilhar, provocar.


Ant么nio Draga

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Ant么nio Draga Rio Grande


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Pobres tolos que zombam de mim Nada veem, nada sentem Além do que lhes é permitido Pobres tontos e sonolentos Que não buscam Apenas acatam Adoradores de imagens Ignorantes de sentidos Seres doutrinados Que vivem na morbidez das sombras Pobres tolos que zombam de ti Nada querem, nada pedem Além do que lhes é concedido

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Antônio Draga

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Envolto em tantas circunstâncias Que o tempo lhe escorre entre os dedos Um homem tão ocupado não consegue fazer algo bem Um homem tão ocupado não consegue simplesmente viver E por mais que te admires e te apliques Para plantar o que há de ficar de ti Não permitas que te roubem o tempo Aprenda a viver por toda a vida E por mais que te contemples Por toda a vida aprenda a morrer E se te dedicares a ti igualmente Não importará o quanto ainda tenhas a viver.


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A noite é minha eterna companheira Invade silenciosamente meu ser E acorda sonolentas palavras do meu saber Saltitantes, pipocam entre si Em busca da união ideal Dançam, pulam, gritam Enquanto outras vão surgindo Brotando de minha escuridão Algumas se acomodam Outras brigam e vão embora O dia, aos poucos, chega E as palavras assustadas, inibidas Voltam a adormecer.


Antônio Draga

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Manhã. Cama, olhos, teto, nada, vazio. Banheiro, vaso, pia, banho, espelho, nada, vazio. Cozinha, café, jornal, mesa, nada, vazio. Respiração, silêncio, porta, rua, sol, multidão, ... e esta eterna presença de uma ausência que insiste em me acompanhar. Tarde. Passeio, palavra, vento, chuva, coração, riso, paisagem, entardecer. Noite. Lua, rua, porta, silêncio, respiração, cozinha, água, banheiro, espelho, quarto, cama, olhos, teto, escuridão, nada, vazio, ... e esta eterna presença de uma ausência que persiste em me acompanhar.


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M. G. Azevedo Pelotas


M. G. Azevedo

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Te olho Tento entender Não me importam lábios cerrados Busco palavras nos teus verdes Me percebes procurando E desvias antes que eu entre Continuo a buscar Tua distância me isola Quando impedes minha aproximação Impedes meu conhecer Me busco em ti Tua distância me isola de mim Preciso que teus olhos encontrem os meus Só assim poderei me descobrir Estenda a mão para o abraço Não para a despedida Busca meu olhar Que abrirei a porta de teu jardim É necessário juntar as pedras: O rio está logo ali! Então, sentaremos na grama Sentiremos a brisa nos roçar Jogaremos as pedras no rio Deitarei minha cabeça em teu colo E contarás tua história Que já está em mim Só preciso que nos ajudes a desvendá-la


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Me chamas Vou ao teu encontro Queres me mostrar teu mundo Eu conheço, Já estou aí! Está ainda em mim, lembras? Já se uniram E não se desprendem mais Estamos um no outro Mas não estamos sós Outros nascem Querem entrar Isso também me assusta Estou aqui: Podes me abraçar! Não seca teu rio Deixa que escorra sobre mim Essa água leva tuas dores E um pouco das minhas também Aceita teus verdes agora brilharem E sorrirem para mim

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M. G. Azevedo

Quieta em mim Constrangida Fujo do desconforto Destes verdes solitários Confusos, resignados Aceitam minha retirada Apressada e inútil Despertar tardio me faz retornar Repousam em meu colo Lábios que esboçam sorriso E verdes agora cerrados Acarinho tua pele fria Numa autonomia consternada Ainda não sei o que vestes de mim Ou o que carrego de ti Busco então noutros verdes Aquilo que vi nos teus Que permanecem Me acompanham A tentar desvendar nossa história

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Mary Help Taquara


Mary Help

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Palavras não são essências Tudo se faz pequeno Não há endereço Nem vocabulário suficiente Quando se quer interioridade Uma angústia desmedida Um sofrer por maior idade Um fundo dolorosamente profundo Abismo noturno, ansiedade. Nada e ninguém, um semidesistir. Cargas da existência Presentes não pretendidos Vidas em zigue-zague, clarividência Futurismo, masoquismo, determinismo Apenas sufixos Ou prefixos Cruz Pensamento, sentimento Metalinguagem Vacilidade, debilidade, fragilidade Experiência do frágil Egoísmo, altruísmo, simbolismo Vivência do forte Estupidez, insensatez


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Preliminar da morte

Se pra insatisfação do meu ser Devo orbitar em sistema ignorante Se condenam-me a um trânsito errante Onde o existir é convexo A vida perplexaE eu Eu que faço parte de tudo E disso Vejo o que não faz a diferença Ouço o que não vale a audição Mergulho minh'alma em confusão Livro-me de toda crença Padeço por não ter fé Lanço-me na vaguidão O tudo expectado Converte-se em nada Fato consumado


Mary Help

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Sou misteriosa, mentirosa Sou melindrosa e megera Sou seda pura Sou prata de lei Sou iguaria pra um rei

Sou essência de mulher Sou corpo obediente Sou cérebro de inteligente Sou coração e sangue quente

Sou braços, sou pernas. Sou tronco feminino Sou boca agressiva Sou olhar de felino Sou morte, sou forte. Sou tua sorte

Sim, sou mulher


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Almas femininas Flores libertinas Garimpam o amor de um Homem um, Talvez nenhum Se enfastiam com a unidade Seres da pluralidade Não são Evas, nem Marias São corpos quentes Com almas frias São vidas inteligentes Mães de aluguel Mimosas na cama Messalinas de bordel Malfeitores, traficantes, terroristas Meliantes, estudantes, senadores Maltrapilhos, jornalistas, empresários e até comunistas Matam ou morrem por suas mulheres

MULHERES, quem são?


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Ivo Machado Poeta por

Angelita Santos da Silva


Ivo Machado

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Ivo Machado (Biscoitos, 28 de outubro de 1958) é um português, açoriano da ilha Terceira, que representa seu espaço insular a partir de um novo olhar que surge sobre sua ilha e que considera sua relação como poeta e seu espaço açoriano – espaço como lugar de representação, no sentido de imagem que representa um fato, um objeto, uma ideia ou uma pessoa. Seus poemas vão desde a captura de um instante apenas a descrições poéticas de espaços definidos. Seus versos expressam sua raiz açoriana que fogem a qualquer limite temático limitador. Há um amplo espaço a ser estudado, pois tudo o que ele cria está não só inserido em seu universo interior como também na cultura da qual ele faz parte. Escolhemos Ivo Machado porque trabalha com características de poemas que partem de particularidades, mas alcançam o universal. Sua poesia se compõe do poeta e de seu mundo, cuja simbiose poeta-natureza nos permite escavar um sentido que está em cada verso, em cada imagem, em cada representação que o poeta cria. Seu mundo nos é revelado a partir das referências que institui. A natureza insular em Ivo Machado é uma realidade cuja representação a torna inesgotável. A literatura açoriana, e o poeta em questão Ivo Machado, erige de um espaço delimitado, estático, cercado e sufocante mas chega a uma ambiência encantatória, de uma vastidão oceânica sem fronteiras, de libertação e esperança. Não é só nostalgia, é afirmativa de fraternidade, apelo à transformação. Alguns componentes tradicionais da literatura açoriana como a sensação de se estar


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numa prisão, o desejo de evadir-se, a estreiteza do ambiente insular que permanecia na poesia dos primeiros poetas, transformam-se em poemas que cantam a ausência da ilha, pois o que antes os cercava agora é presença constante em sua memória. O poeta é o criador de seu universo e representa seu mundo subjetiva e individualmente. O apego à terra, mesmo estando longe dela fisicamente, manifesta-se nas imagens que cria, na linguagem que utiliza, nas referências que remontam a seu passado. Qualquer ligação com uma linguagem regional que represente seu espaço específico açoriano é válido, desde que sua escrita não perca o valor e a significação literários, desde que mantenha sua função poética. A obra literária é a representação de um universo dentro de determinada perspectiva, da qual resulta um efeito de sentido.

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A lírica de Ivo Machado A partir do Romantismo, a versificação silábica é interrompida, proporcionando o surgimento de uma poesia de expressão mais livre e imaginativa. Embora o Parnasianismo tenha tentado combater o excesso de sentimentalismo presente na poesia romântica, privilegiando a impessoalidade numa linguagem mais correta e pura, o Simbolismo retoma uma subjetividade na medida em que busca refúgio do crescente avanço social causado pelo capitalismo, por meio de versos ritualísticos recheados de sonhos e imaginação que privilegiam uma unidade do ser.

Composta por uma linguagem que se atualiza de acordo com o mundo vigente, a poesia O poeta percorre seu olhar pelo mundo e atual pode carregar em si tanto o racionalismo deixa-se transformar pelo que vê. De seus poemas nascem imagens transformadas que reconstroem esse mundo. No desejo de manifestar sua representação do verdadeiro, recria sua realidade. É um fundador de seu clássico e a subjetividade romântica quanto a universo e tem por objeto todas as ideias de sua exteriorização do eu lírico projetada no mundo individualidade. Seus poemas são a representação moderno. Independentemente de haver uma interior de uma realidade que é trabalhada, diferença, ou não, entre os universos do poeta e modelada e revelada artisticamente, e que do eu lírico, a obra liga texto e autor de modo corresponde a atos e a emoções que pertencem muito estreito. a seus espírito e coração. O poeta faz uma leitura particular do mundo que o cerca e cria versos que transgridem uma linguagem lógica, fazendo surgir uma nova realidade. A partir de uma linguagem coloquial, cria uma poesia que brota de sua terra natal;

"... um eterno viajante de seu lugar de origem."


Ivo Machado

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No prefácio de Tamujal (Ed. Exodus, 2009), e isso é constatado pelo uso frequente de um vocabulário cuidadosamente seleto cujas palavras Lêdo Ivo escreve que "as viagens o têm levado estão ligadas à sua ilha de nascimento, quais para os mais variegados lugares do mundo, induzindo-o a cantar paisagens, instantes, seres e sejam, mar, pedra, árvore, azul etc. costumes que atestam a diversidade do universo", A criação literária de cada região, de cada mas nunca sem agregar a isso referências a seu cultura, de cada época acaba contendo elementos lugar de nascimento. que podem ser apreendidos e reconhecidos em O conceito de memória discursiva vai ao outros tempos, mas cada criação em particular, mesmo que recheada de elementos regionais, sai encontro das referências e/ou reminiscências de de uma condição restrita e forma um mundo em origem passional, prosaico ou figurativa visíveis si. Complementamos essa realidade criada com ou não nos poemas analisados. Isso consiste na nosso conhecimento singular e íntimo de mundo. direta experiência do poeta com situações que se manifestam nas diversas formas semânticas. A poética de Ivo Machado vem O poeta diz "vou em viagem; vou de viagem" num crescendo, numa gradação. Sai das particularidades de seu espaço açoriano, chega à (Quilómetro zero, Ed. Êxodo, 2007) porque seus ilha, sua pátria de nascença, alcançando o poeta poemas representam as viagens pelo interior de si mesmo: andarilho, o viajante viagens à sua que carrega infância, à sua sua insularidade adolescência, à incrustada em si, e sua memória, que transformado à sua história; pelo que vê, cria uma e viagens poética da viagem também pelo (ou do viajante). mundo, que fizeram brotar Nos poemas de Ivo Machado, as figuras se inter-relacionam, poemas que homenageiam o espaço visitado formam imagens em que uma delas prevalece, imbricado em seu passado açoriano, como em mas que acabam convergindo para um lugar "Bósforo", "Guerra", "Chá em Fes", dentre tantos perseguido pelo poeta, seu espaço açoriano. outros. Para o poeta "as viagens são essenciais Esse espaço, no entanto, não está estagnado em para quem escreve". Seu Quilómetro zero, por descrições de um espaço real. Está, sim, incrustado exemplo, constitui-se como uma "consequência" em seu espírito, em suas história e memória de dessas viagens. maneira transformada por seu olhar de poeta. Em seus poemas, Ivo Machado descobre Tornando-se, dessa maneira, um eterno viajante o sentido mais íntimo de acontecimentos que de seu lugar de origem. marcaram sua história e busca em sua memória traços do homem insular, de caráter vigoroso,

“Acredita que a poesia é a única possibilidade do Homem reestabelecer a ordem, .. que semeie tolerância e convívio às diversidades.”


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que vive em dois mundos, ou seja, a convivência simultânea com ambas as realidades – terra e mar. Há necessidade, então, de unir a história à memória para manter vivo um passado que não se quer retornado, mas se quer gravado no poema, visto que ela poderá penetrar seu leitor com a pretensão de possibilitar sua transformação, mesmo que não a perceba conscientemente. Suas palavras têm sangue que percorrem um corpo recheado de esperança pela vida. Ainda que qualquer passado tenha tentado manchar o espírito, a confiança do poeta no futuro, no comprometimento de cada um, permanece.

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um indivíduo, acaba por representar. E isso tudo, inevitavelmente, ou provoca transformações ou confirma o statu quo. As entidades no campo imaginário dos versos de Ivo Machado se cruzam de maneira quase dependente, haja vista o léxico seletivo do poeta, podendo denotar que o espaço a ser representado contém uma variedade de referências cujas figuras são compostas de forma harmonizada para a construção de um espaço simbólico.

Por outro lado, seu olhar inquieto e buscador, ao encontrar outros olhares, recria Viagens interiores e exteriores, que por um espaço açoriano enraizado em si de forma vezes se imbricam, se convertem em poemas. particularíssima, pois dialoga com outros espaços, Viajar, para ele, é ler uma realidade que possa ser outros poetas, outros viajantes. Mostra uma transformada, transmutada numa visão poética, num discurso literário. Dialoga com o leitor, conta suas viagens, suas emoções, suas recordações. Suas memórias recompõem, lembram o passado. Suas recordações revivem e presentificam o sentimento antes vivido realidade subjetiva ligada a um passado regional que enraíza sua história e alimenta o imaginário. que repercute no leitor por sua realidade universal, independentemente de sua condição espacial. A literatura é uma das vias que melhor O isolamento geográfico, político e cultural abrange questões de identidade, de significação, de situação. Por seu alcance, proporciona reflexão e pode insuflar uma autonomia que busca reforçar questionamentos, transformações provocadoras a cultura de uma região, que busca dinamizar de sentido que acabam por incidir no futuro, visto uma identidade em construção. O regional de Ivo que revisa o passado e movimenta o presente. Machado, diferentemente de um regionalismo A literatura pode não ter uma função além de si, limitador, não se apega a detalhes ideológicos que mas tem grandes finalidades porque contém a apartam o açoriano do português continental essencialidade humana; pode mostrar as situações ou do resto da Europa. Seu regional está em sociais vigentes por percorrer um passado compartilhar com o leitor suas raízes que para chegar à condição que o poeta, retrato ou definitivamente fazem parte de seu ser, que caricatura de um período, de uma sociedade ou de habitam sua memória para recontar sua história.

“Lê realidades circundantes e as transforma em versos cujas imagens exteriorizam sua visão de mundo.”


Ivo Machado

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Poeta de um tempo freneticamente fragmentado, Ivo Machado busca construir imagens que valorizem as relações humanas. Para isso, recorre às imagens que remontam ao afeto da mãe, "a diferença reside/ na distância das tuas mãos ocupadas a cuidar da ilha", (Os limos do verbo, Ed, Ausência, 2005), e aos cuidados do pai, "sim, os teus frutos são palavras habitando uma terra única,/ onde só é possível, só resta, a poesia/ para matar a sede de tanto inverno sem abrigo" (Os limos do verbo). Isso lhe dá força para acreditar num futuro possível de ser compartilhado. Acredita que a poesia é a única possibilidade do Homem reestabelecer a ordem, mas não uma ordem que subjuga, senão uma que semeie tolerância e convívio às diversidades.

viajo com fome", como também precisa da ilha para saciar sua sede, "vou beber água às folhas antes da aurora". Lê realidades circundantes e as transforma em versos cujas imagens exteriorizam sua visão de mundo. Em miscelânea de culturas e cruzamento de espaços, esse inquieto observador cria imagens ou narra pequenas histórias de maneira despretensiosa, pois utiliza-se de uma linguagem simples, cujas representações únicas e originais dão cor e tom a seus poemas. A escolha da palavra certa faz cada uma ser essencial ao verso. Sua capacidade de observar o mundano e transformálo em poético o torna um criador singular que não permite jamais que o leitor se amofine ou caia na monotonia. Isso se deve ao seu modo particular de lavrar as palavras certas e a uma delicadeza humanitária que lhe é inerente.

“É um fundador de seu universo e tem por objeto todas as ideias de sua individualidade.”

Falar na poesia de Ivo Machado é falar na ilha. Falar na ilha é falar em viagens, em estar e não querer partir, em partir e temer Convidamos o leitor a ler alguns poemas que voltar. Sua ilha alimenta a memória do menino que ainda se encontra em si a ponto de jurar ficar; disponibilizamos, a seguir, para embarcar conosco pois as árvores que lhe dão o fruto, as pedras que nesta viagem ao universo do poeta Ivo Machado. conservam seus segredos, o mar que conforta Momento de zarpar. seu ser, o vento que reaviva sua memória, o azul infinito que o abraça como a uma mãe, ele só os encontra na ilha. Por isso é tão difícil apartar-se de seu lugar de nascimento, por isso o desejo de ficar. Esse universo insular lhe devolve o reconforto do lar que é reavivado sempre que volta à ilha. Suas viagens, entretanto, confirmam sua importância. Os caminhos que percorre mostram o mundo que ainda tem a conhecer. Eterno observador do Outro, precisa das viagens para alimentar-se, "não passo dum ignorante que

Angelita Santos da Silva é graduada em Letras e mestre em Teoria da Literatura, ambos pela PUCRS, com a dissertação Ivo Machado: um poeta e sua ilha.


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Literastur edição bilingue português/espanhol de 1998


Ivo Machado

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tanta luz nos olhos

tanta luz en los ojos

pela tarde em Lanjaron

por la tarde en Lanjar贸n

incenso sobre o vale

incenso sobre el valle

urzes

brezos

pedras

piedras

ribeiros

regatos

e mirando uma figueira

y mirando uma higuera

deu-se o milagre:

se hizo el milagro:

"yo veo

"yo veo

yo veo solamente tu coraz贸n".

yo veo solamente tu coraz贸n".


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Edições Salamandra, 2001


Ivo Machado

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o poeta, a cidade

a Pedro da Silveira

1. um verso corre a cidade pois do grito a mocidade faz poemas quase. 2. a proximidade do silĂŞncio inquieta a alma discreta do poeta. 3. prĂłximo de uma roseira que o cĂŠu protege respira a cidade ainda sem nome faz-lhe falta o poeta.


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Editora AusĂŞncia, 2005


Ivo Machado

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Instante apenas

Para que a noite não assuste Comprei um rouxinol

deixei de escutar o silêncio [só o canto do pássaro]

agora, a noite, é um instante apenas.


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Editora Exodus, 2008


Ivo Machado

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Quilómetro zero para George Whitman SEMPRE que regresso juro solenemente não voltar a viajar. Até mim virá o mundo nas palavras dos livros e das cartas. As insónias vêm depois, acordo a meio da madrugada – proscrito dos sortilégios que trazem felicidade aos vizinhos – passando o tempo que resta do que foi a noite estudando os astros atrasados, desejoso de reencontrar a estrela que minha mãe dizia ser meu Anjo da Guarda. Quando não a encontro faço como George – Vou beber água às folhas antes da aurora. Essa prata de orvalho fecundando os seres, mantém inofensiva a humanidade. Quando a minha estrela está dentro da madrugada admito a eternidade, não que tenha nascido exclusivamente para mim esse anjo (terá velado reis e anónimos, ou poetas e viajantes que me antecederam e sucederão nos séculos que hão-de vir) mas exaltando-a, subsistirei


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Sempre que regresso escuto as canções dos que passam a vida musicando poemas, com isso sobrevivendo, ou iludindo a morte. Interiorizo que as palavras não pertencem a ninguém, que não passo dum ignorante que viaja com fome por Buenos Aires, New York, Paris, Rio, Istambul. O que regressa com mais fome ainda, com mais sede, carimbada a loucura no passaporte a caminho do termo de validade diante dum gato adormecido entre os livros no 37 Rue de la Bûcherie – O quilómetro zero de Paris – quando a quinta-essência do crepúsculo descera sobre a rosácea de Notre Dame e, num cais próximo, um mendigo orgulhoso da sua ruína retirava do Sena um rato morto, desafiando George à sua ajuda cortando o cabelo numa vela acesa.


Ivo Machado

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Sempre que regresso juro solenemente pelas quatro estações não voltar a viajar. Jura inútil, sem consequência. Estou sempre a caminho quanto mais não seja à causa dum livro que não trouxe.

[como daquela vez a poesia de Boris Pasternak em russo (língua que não domino) só pela carta de amor em francês, escrita em papel vulgar e esquecida entre as páginas de um livro de €20, de capa dura e azul]

Se voltasse para trazer os poemas russos, George convidar-me-ia para um prato de sopa na sua casa – O quilómetro zero de Paris, essa outra Humanidade.

Sempre retorno, sempre retornarei. Só em casa reencontro a estrela que minha mãe dizia ser meu Anjo da Guarda, onde é mais pura e doce a água da aurora nas folhas das árvores familiares, consciente de que as palavras não são de ninguém. Com menos fome, talvez. Mas ainda o ignorante que não gosta de dizer adeus


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Editora Exodus, 2009


Ivo Machado

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X

ESTE é o lugar. Aqui me demoro por assombro e em interpelações. Lugar de vegetal prodígio que alimenta os cavalos em eternos azuis; onde o espírito desassossega a cada regresso – Meu, ou das chuvas. Relicário ou pátria é intransmissível. Este é o lugar onde intervéns na intimidade das nuvens; nos segredos do barro; se alcança a escrita na verdade do sol – Os ventos são os donos da terra. Este é o lugar sem cemitérios porque pátria de nascença com navios ao fundo. Aqui nada se amotina, tudo é plural. Se puderes, retém este lugar – TAMUJAL.


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Editora Exodus, 2011


Ivo Machado

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Exercicio do Aprendiz

Quero-me inteiro como as palavras inteiras, servo de nada e ninguém, dos rios apenas

dos rios onde se purificam os mendigos ou das pedras que pisam, os medíocres, quando perante o rei ofereceram suas misérias

Quero-me inteiro como as figueiras inteiras, servo de nada e ninguém, do fogo apenas

do fogo que apura o dialecto dos simples ou dos aprendizes na construção dos lagares onde cozem as metáforas imperfeitas

Quero-me inteiro como as palavras inteiras, ou dentro do vento como as poeiras.


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Imagem Argus, o c達o fiel. Fonte: livros-digitais.com


Ivo Machado

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O Cão de Ulisses (glosa ou quase) a Lêdo Ivo, In Memoriam

Como pode um Poeta ser cego (perguntava Lêdo Ivo) se a Poesia é a arte de ver? Ele soube-o dormindo e acordado e transpondo as pontes em Sevilha. Árgus, o cão de Ulisses, confirmá-lo-ia como fez com seu dono. Lêdo sabia-o ou qualquer um de seus vinte e dois cachorros cuja privacidade respeitou.

Como pode um Poeta ser cego (perguntava Lêdo Ivo) e Homero existido? Lêdo sabia-o como Borges sempre soube, porém não há notícia se o portenho alguma vez teve cão. Por essa razão, Lêdo escutou os latidos de todos os cachorros, não fosse o caso de um (entre eles) ser o mito — O cão de Ulisses, o verdadeiro.

Poema inédito, 2013


Gruta Algar do Carvão. Está situada na zona c de 550 metros acima do nível do mar, inte


central da ilha Terceira, a uma altitude de cerca egrada numa Reserva Geol贸gica Natural. fonte: panoramio.com


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O que nos leva até a arte? Sejamos mais específicos: o que nos leva a reunir estes contos? Encontramos a resposta na palavra anseio. Personagens de profundidade insondável, com impressionantes particularidades e cheios de uma paixão avassaladora que nos transporta até as experiências mais criativas que possamos vivenciar. Mais uma vez a palavra anseio é a que sobrevoa estes contos e faz o leitor mergulhar de cabeça em cada um deles.


Angelita Santos da Silva

Angelita Santos da Silva Porto Alegre

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Era uma noite fria como tantas outras. Ele sentava no banco da praça a inspirar o ar gelado. Parecia congelar o cérebro, então enrolava lentamente a palha no tabaco, preparando seu inseparável e acolhedor companheiro. Absorvia e enchia o pulmão. Recostava sua nuca no encosto gelado e olhava o céu escuro sem lua. Não era tão tarde assim, mas o frio esvaziava as ruas. E sentia que era mais uma noite a se repetir. Depois de certo tempo, que ele nem sabia quanto, levantou-se e seguiu para sua pequena casa. Entrou, acendeu a luz da sala, foi à cozinha, preparou um café, e manteve sua rotina de todas as noites. Toda a semana se deu da mesma maneira, exceto por um ou outro chamado. As noites seguiam como o habitual, dirigia-se à praça, sentava-se no banco de sempre, enrolava o tabaco de sempre, recostava-se e olhava o céu de sempre... Numa noite de lua cheia, uma pomba fez um voo rasante e deixou cair algo esverdeado bem no meio da testa no momento em que ele avistava uma única estrela a brilhar. Balançou a cabeça e levou a mão à testa para limpar. Que nojo! pensou ele. Um suave riso não muito longe dali o fez ficar


Angelita Santos da Silva

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ereto. Ele procurou com o olhar e avistou uma mulher sentada próxima a uma acolhedora figueira. Um tanto constrangido, ele olhou para os lados, mas não viu mais ninguém. Ela continuou a sorrir, levantou e saiu noutra direção; caminhou e olhou para trás ainda a sorrir. Ele ficou um tanto inquieto com o sorriso dela, levantou e seguiu para sua pequena casa, como de costume. Durante a noite, na cama, ele tentou dormir, mas não conseguiu se aquietar. O som suave do riso ecoava em sua memória. Levantou e foi assistir a um filme na tv da sala. A noite passava e as pálpebras começaram a pesar. Finalmente adormeceu ali mesmo no sofá. A manhã chegou assim como sua rotina, e o dia teve seu curso normal. Na noite seguinte, lá estava ele a procurar a estrela, e desta vez apareceram duas. Receoso, ele ficou atento a algum pombo atrevido. Recostado com sua nuca no banco da praça, observou as estrelas sem descuidar de algum pássaro que por ali passasse. Parecia espectador de um jogo de tênis, olhos atentos de um lado ao outro. Ouviu um riso e parou, ficou sem movimentos, paralisado por instantes, somente a fingir olhar as duas estrelas que despontavam no gélido céu. Quando decidiu se mover e olhar de onde vinha o riso, nada encontrou, a não ser um balançar da copa da árvore. Olhou ao redor e não encontrou viva alma. Esperou um tempo que nem ele sabia e voltou para sua habitual pequena casa. Na cama, depois de algo beber, adormeceu com um livro nas mãos, mas certo riso o faz despertar, um riso que ainda ecoava em sua memória. E assim permaneceu até o dia chegar com sua habitual rotina. Naquela noite, ele decidiu não ir à praça e ficou em casa a ver filme na tv. E assim foi por vários dias. Depois de um tempo, que nem ele sabia o quanto, decidiu ir à praça com seu palheiro à mão. Sentou-se no banco de sempre, fez o cigarro de sempre e aspirou o prazer de sempre, que já não mais o satisfazia tanto. Sentiu que a noite já não era tão fria, e que mais estrelas despontavam ao longe. Não recostou sua nuca, preferiu fitar a figueira à frente. Ela estava ali, quieta, silenciosa; nada dizia, apenas parecia observá-lo. Ele aceitava e ali permanecia. Mas o silêncio tornou-se um tanto desconfortável, e inquieto, a olhar em todas as direções sem entender o que sentia, resolveu retornar para casa. E seus dias pareciam permanecer os mesmos, sua rotina era a mesma. Ainda assim, ele olhava ao redor como se lhe faltasse algo. Aparentemente estava tudo em ordem. Ele franzia o cenho, alisava o queixo, buscava com o olhar, e continuava com a sensação o cutucando. Certa noite, depois de um longo tempo, decidiu retornar à praça. Sentou-se no banco habitual com seu tabaco habitual e se pôs a fazer seu cigarro. Havia mais pessoas por ali, mais barulho, mais colorido das flores, e um vento fresco e agradável que soprava como se fosse alguém a assoviar.


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Recostou a nuca no banco e viu um céu estrelado de um azul que o fazia marejar. Uma pomba voava alto e, sem que ele tivesse tempo de desviar, soltou uma pasta esverdeada bem no meio de sua testa. Parado por instantes, lembrou-se de já ter sentido isso antes; ao mesmo tempo, ouviu um riso, não um riso qualquer como os que enchiam a praça, mas um que habitava sua memória. Um tanto zonzo, levantou lentamente sua cabeça e olhou para frente, em direção à figueira. E encontrou aquele riso suave de uma noite silenciosa e fria. Sem poder evitar, seus lábios retribuíram em um largo e acolhedor sorriso.

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Era madrugada alta. O calor deixava o ambiente mais pesado, difícil manter a respiração num ritmo compassado. Mesmo assim, em casa, todos dormiam; ou quase todos. Decidiu, então, a gata de pelos castanhos, sair. Em nada pensou. Simplesmente deixou-se ir, a caminhar em passos lentos pela noite silenciosa. Mas não estava só. Tinha a lua gorda e iluminada como companheira. E assim foi indo noite adentro. Não muito longe, o silêncio foi quebrado por barulho de lata de lixo a ser revirada por gatinhos arruaceiros – na verdade, eles estavam procurando comida. A gata parou por alguns instantes, um pouco assustada pelo barulho repentino, mas logo retornou às suas passadas.


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Ela não tinha sede ou fome, nem suas patinhas cansavam ou seu pelo fervia por causa do calor. Ela simplesmente seguia. Avistou, de repente, uma bela casa amarela de dois andares. Não que fosse muito bela, era até simples, mas tinha algo que chamava sua atenção. Ela parou, sentou-se no chão e ficou a observar. Havia luz que saía de uma janela do segundo andar. Mesmo sem qualquer movimento, ela não conseguia tirar os olhos daquela luz que se percebia por entre as frestas. E ficou ali a observar por um longo tempo. Sem que ela se desse conta, um gato de pelos dourados se aproximou. Lentamente ele sentouse a seu lado e começou a olhar o que supostamente ela estava olhando. Ao perceber que havia companhia, a gata de pelos castanhos olhou de soslaio, sem entender de onde havia surgido tal gato. Então, olhou para um lado, olhou para o outro, olhou para trás, para cima, para baixo e, finalmente, olhou para o gato de pelos dourados. Ele se virou e olhou a gata de pelos castanhos. Os olhares se encontraram pela primeira vez, mas não é o que parece. Eles sorriram como se fossem velhos conhecidos. Seus olhares foram ternos, seus sorrisos abraçaram. A saída sem destino adquiriu seu sentido. Simples assim. Como sol em céu aberto depois da cerração. Ela perguntou se ele gostava de subir em telhados. Ele respondeu que ainda não havia subido. A gata de pelos castanhos convidou o gato de pelos dourados para subir no telhado da casa amarela. Ele sorriu um sim. E esta foi somente a primeira noite.


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Heriberto Aguilar Caxias do Sul


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Bicha

Depois de dar aquela funda tragada, tirou o cigarro da boca e quebrou o tédio que batia com eles quase meia hora com a seguinte pergunta: – Não achas os baixinhos interessantes? – Despercebida, arrebatada da imaginação para o pátio real e iluminado de um dia de primavera, respondeu com outra pergunta: – O quê? – Os baixinhos, homes de pouca altura. Minúsculos mesmo. Não que seja "todo" minúsculo – com aqueles seus trejeitos escandalosos o denunciava –, tu me entendes. Não achas uma gracinha?

O cigarro mal durava com as tragadas profundas. Encurtava enquanto ardia.

– Olha esse ai – sinalizou com o queixo.

– Aquele ali?

– É.

Ela o viu com aquele olhar lânguido, ainda imerso no tédio e calor. Passou a metros deles. Guri atarracado na altura, de cabelos pretos, cacheados e crescidos por cima das orelhas, barba cerrada,


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nariz aquilino, uma pele morena do sangue e não do sol, sobrancelhas povoadas, um corpo quadrado, uma dura caixinha de fósforo. Boxeador de pouca altura? Perseguindo-o com os olhos, ela denunciou, no íntimo, um flerte com aquelas afirmativas do amigo do amigo. Frase maldita na realidade e na inverdade. Imaginou por um instante um esbarrão com aquele baixinho, e logo depois este a perseguindo. Persegue-a pelos corredores da faculdade, pelas salas sorteando as classes, derrubando-as, para depois de todo esse escarcéu ser agarrada com força provocada pela sede de saliva e amassada contra a parede. Apertando-lhe os seios, afundando os dedos nas coxas, entre as coxas; sentindo a boca ser sugada dentro de um vácuo de êxtase, e os olhos, nesse instante, que se encontram, no pátio, de repente. A face ruborizou, o olhar desceu fugindo desconcertado, envergonhado, dissimulando o desejo repentino ao arrumar a saia – como se isso fosse valer a pena. Ouviu então de novo a mesma pergunta: – Não achas os baixinhos interessantes?

– Cala a boca BICHA!

E a bicha largou a gargalhada.


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O mudo

Nada do que acontecesse ao longo daquele dia ela poderia saber. Se quisesse, teria que perguntar ao filho menor, aquele de seis anos. Mas o que ele poderia dizer? Que o irmão continuava mudo? A expressão fechada do guri não agradava o pai, "o que falta agora," perguntava. Que se tranque no quarto? É um mimado, isso sim. E botava a culpa na mãe.

A mesma coisa vai acontecer com o outro. Tenho certeza, dizia.

O guri ficava calado o dia inteiro. Se espirrasse seria o máximo de som mal articulado que sairia daquela boca. – O que é que essa porcaria de guri tem agora? – o pai gritou. Nunca levantara a mão para os filhos, corretivo físico não era seu forte. Mas para corrigir tamanha carência, ele desenvolveu outros métodos: os chamava de inúteis, os comparava com os primos – eles sempre serão os melhores –; xingava baixinho, bem perto do ouvido, era quase um sussurro: Não prestas para nada, sabias? Aquela mulher, sim, que aceitava tudo. Em silêncio arrumava a casa, cuidava dos filhos e engolia o marido do jeito que ele era. "Comigo tem que ser assim," ele sempre dizia, "do jeito que eu quero,


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ou..." Sempre batia as portas com raiva, deixava bem claro que um dia iria embora. Incauta de uma própria modorra, parecia-lhe repetir uma outra história. Para ela estava tudo bem. Uma manhã chuvosa, o pai não foi trabalhar. "Patrão me deve pelo fim de semana passado", hoje ele se cobrara daqueles dias. E nessa manhã quis ver todos de pé, cedo, sargento deste quartel. A mulher correra a acordar as crianças. Os relâmpagos clareavam a sala e o trovão logo chegava aos ouvidos. A chuva batia dura no telhado. Com cara de sono, as crianças apareceram na sala. – Papai hoje não vai trabalhar – disse. – E sabem por quê? Aquele desgraçado me deve – e ficou ali olhando para eles. O guri viu que a mãe tinha algo a dizer, mas ela, de uns tempos para cá, tragava-se as palavras – "será que ela ficou gaga?" – e foi ali que teve a vontade de ficar mudo para sempre. Mãe gaga, filho mudo, ele pensou. – Vocês... vocês são tão calados. Se entendem até no silêncio, não é? Pois daqui a pouco essa casa vai ser um silêncio só. – Voltou para o quarto com aquele jeito de sempre: batendo a porta.

Eu me lembro.

O guri viu a mãe pegar o irmão no colo ainda sonolento. Ele continuava com a expressão fechada. Deve ser pelo sono, pensava a mãe. Deve ter ficado muda, pensava o filho. Ainda trovoava muito lá fora e a chuva só parecia pesar mais no telhado. Eles ficaram se olhando.


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Daisy Morínigo Porto Alegre


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Calendário fractal

Hoje o céu está azul. Como qualquer outro dia, de uma semana qualquer, que começa com sol e calor. Igual ao da semana passada, até chover. Hoje o vento sopra com força na esplêndida manhã de novembro, e leva as nuvens de umidade para além do horizonte da cidade. Para trás dos prédios, muito além dos parques. E é esse mesmo vento que sibila igual cobra nas frestas de um basculante qualquer, de um banheiroqualquer... de uma família singular. Os rostos sonolentos são relutantes a dar continuidade a semana; refletidos no espelho manchado de umidade, eles determinam inconscientes como o dia será. Café da manhã, às pressas, servido na mesa. Mastigam em silêncio, devem pensar apenas em mastigar, depois engolir. Se o ponteiro dos minutos está adiantado, significa que a mochila vai parar nas costas – percebes o peso que carrego – e se confere, às pressas, que os documentos todos estão nos bolsos – de novo, percebes os pesos que carrego –. Juntos, pai e filhos ganham a rua, o vento sopra e despenteia a menina. Como a todos nessa manhã. As crianças vão para a escola e o homem vai ao trabalho. Num piscar de olhos já é o meio do dia, lá na fábrica. O homem almoça com os companheiros de


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trabalho, são todos uma sonolenta massa escondida apenas pelo murmúrio de palavras que buscam uma banal comunicabilidade (às vezes ele sente que nada faz sentido, oh deus, nada faz sentido, as crianças, o que elas devem estar comendo?). Em casa, a menina esquenta a comida no micro-ondas. O menino a observa iluminada pela luz do aparelho em funcionamento (às vezes eles sentem, mas ainda não compreendem a idade das palavras e seus sentidos ainda não chegou, oh deus, isso é terrível, sem palavras só há vazio). À tarde, no trabalho, a empilhadeira volta a funcionar e caixas são organizadas. A menina empilha números que estão ali para apresentar uma solução. O menino monta as letras, olha para a face tensa da irmã, ele percebe o espaço entre uma palavra e outra. A semana começa, de novo. Que dia é hoje, às vezes se perguntam e se esquecem de responder. É segunda? É segunda? Na segunda-feira, quinze para sete da manhã, o pai acorda a menina sussurrando-lhe ao ouvido o horário. Depois que abriu os olhos vem o Bom dia. Está na hora. Só mais dez minutinhos, de olhos fechados, num tom seco. Mas logo vai pro banheiro, escova os dentes, penteia os cabelos, e aquele homem está lá, refletido no espelho, vigiando-a. Passando a língua nos dentes, sentindo na boca o gosto do chocolate, ela desce a ladeira conduzindo o irmão, segurando-lhe a mão, firme; o pai vem logo atrás. Ela percebe que ele tenta caminhar ao lado, mas não consegue, então os adverte: Cuidado para não escorregar, estátudo muito úmido por aqui. A gente não vai cair, pai, ela diz meio seca, ainda. Alguns minutos depois chegaram à escola. Ela vê o irmão se prender ao pescoço do pai e ouve o beijo estalado sobre a barba, ela apenas vira o rosto. No último olhar da manhã, ela o vê por trás das grades do portão da escola, tão distante, tão proibido de lhe acompanhar, como se acompanha a uma criança no primeiro dia de aula numa escola nova. Será que ela não compreendia ainda o poder do abraço? Começaram com matemáticas, a professora passeando pelo quadro, usando giz e régua – antes os números fluíam livres naquela cabecinha, hoje, estes lhe são um tanto estranhos. No intervalo, as conversas de menina, a reafirmação da amizade adolescente, falam de meninos, de roupas e de outras meninas; os gestos essencialmente femininos, nas mãos, nos olhos, na forma de soletrar as palavras e de mover a boca, tudo ia amadurecendo em harmonia com o físico destas mulherzinhas, sutiãs, quadris e coxas. De volta para casa, ela esquenta o almoço e as duas crianças comem: a menina e seu irmão. O cheiro da comida toma de assalto a cozinha, uma espécie de cheiro quente que lhe dá uma vaga lembrança do que poderia ser o significado dado a algum lugar acolhedor. Mas ela sabe que isso é artificial, a comida foi só esquentada no micro-ondas. Quando o aparelho termina de funcionar, depois que a luz se apaga... O almoço é rápido e comem num silêncio que só é quebrado pelo avanço dos segundos no relógio, os talheres batendo nos pratos e a mastigação; quando tem, são os goles dados com algum refrigerante que interrompem o silêncio. Muito barulho para essa mesa singular. Em seguida limpam tudo, ela joga fora os restos, lava os pratos, e ele se põe a fazer o dever de casa, como sempre, cheio de curiosidade e dúvida, pergunta: O que está escrito aqui? Ela, de novo, seca. Quando vocês vão aprender a ler? Acrescenta: Acho que tua professora não está fazendo o trabalho direito. Com cinco para seis anos eu já sabia ler. Não ficava enchendo o saco de ninguém perguntando essas coisas. É fácil. É só unir as palavras. Vai C com A... (Uma pausa, um silêncio onde sente que lhe faltou respirar.) Está escrito calendário. Pelo menos imagino que as letras tu sabes, não é?


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E o menino responde cantando-lhe o alfabeto. A, B, C, D... (Mais tarde ela escreveriaem seu diário que o irmão estava demorando em aprender a ler e escrever, que talvez fosse preguiça dele, mas que achava que a professora não estava fazendo um bom trabalho. No fim da página escreveu: Que pena que não estás aqui, fazer o quê?) Depois de feito o dever, a tarde passara-se num segundo pela confortável situação de deixar o menino ocupado apenas com a tevê. À noite, o pai chega e prepara uma rápida janta onde questiona o atraso do filho. Quando tiver tempo, vou falar com a professora, diz enquanto leva uma garfada de comida à boca, depois completa: Semana que vem tenho folga. Pai, tem reunião sexta, acho que é a última reunião antes da avaliação. Não, nesse dia não posso, sabes bem; mas de repente tu poderias dar uma olhadinha na reunião pra mim. Não, de jeito nenhum, aquele sorriso arregalado do pai depois de ter falado aquilo ela não fez questão de interpretar; mas uma coisa tinha percebido: a tristeza acompanhava qualquer tipo de contração facial desse homem. Talvez fosse a barba sempre por fazer, os cabelos brancos que acabaram por aparecer... Sabia que no momento essa era uma condição de espírito daquele homem, mas logo todos se acostumariam. Calendário! Quase gritando o menino diz. Ó pai, aqui está escrito calendário. Uma rara distensão paira sobre a mesa, fugaz igual a brisa. Só sabes por que eu falei pra ti, diz a menina vendo no semblante do pai o esforço que ele volta a fazer para não parecer triste. Pouco depois foram para a cama. Seguido a menina sonhava com a mãe, mas agora numa espécie de constipação onírica ela tivera relegado os sonhos por culpa das aulas – pelo menos era nisso que acreditava. Mas não nesta noite. Deitada na cama, a olhar para o teto, ela a sente chegar até a porta. É um sonho, sim ela sabe, mas também sabe que está no umbral da realidade externa que se abre para dar lugar a sua realidade interna. Oh, sabes bem como mantenho firme meus olhos fechados, neste momento não há como abri-los, nem mesmo que desabe todo o prédio, nem mesmo que peçam por socorro e todo o prédio arda em chamas, não há maneira de que abra os olhos, pois eu sei que detrás da madeira laqueada da porta, com aorelha grudada na superfície, a mãe espia os meus sons, a minha respiração. E a imagina – apesar do tempo – com o rosto branco e sereno encostado à porta, depois de um sorriso, a imagem some. A ideia de que a mãe a espiava algumas noites a reconfortava; isso, até agora, a ajuda a dormir.

Tudo se repete nos seguintes dias. No momento nada mudaria suas novas obrigações. A sau-


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dade que sente parece estar coagulada na garganta, querendo derramar-se, mas nada sai. Seria assim, mais ou menos, com os outros? Mas ela acredita não compartilhar desse sentimento. É apenas dela. Isso a distrai. A deixa flutuando no tempo entre o fim do dia e o amanhecer. Seguido ela se pergunta: é segunda? Era segunda. Ele relutava a se levantar. O domingo sempre arrastava um pouco da modorra, por isso o pequeno atraso. Acordou os filhos. Vigiou a higiene, e estava começando a se acostumar com a frieza nos olhos da filha... Café da manhã na mesa e depois os levou à escola. Beijou o filho e sabia que a filha lhe escapava ao abraço, ela virou o rosto antes dele soltar o menino. Por trás das grades do portão, viu a alegria das crianças se encontrando e a filha que devagar lhe dava as costas. Subiu no ônibus atrasado, a porta lhe prensou o braço mas se safou, segundos depois estaria prensado com os outros passageiros; outros rostos, todos diferentes na expressão, na sensação; buscou neles, naquela multidão enlatada, alguém que lhe lembrasse alguma pessoa conhecida. As pessoas se roçavam, se pisavam e se desculpavam, algumas. Quarenta e cinco minutos depois chegava ao trabalho, extremamente atrasado. Passou o cartão na entrada, vestiu o uniforme e deu olá para os companheiros. Comentaram a rodada do domingo, daqueles gols marcados, dos perdidos, do companheiro que faltou e se perguntavam de por que no sábado ele não fora ao churrasco e levara as crianças para brincar. Montou na empilhadeira e se lembrou da dificuldade de arrancar, de pô-la a funcionar, nos primeiros dias de trabalho; trancara-se logo ao dar a primeira marcha. Era manha da máquina, dizia. Agora até de olhos fechados a dirigia, nunca tentou, claro, mas sabia das suas capacidades.Isso nos leva a uma característica interessante neste homem, a de extrema autossuficiência que fazia com que flertara com ideias de superioridade e imaginara como seria provar isso a todos; a sua fundamental presença, seu merecido aumento, a inutilidade de qualquer um dos companheiros diante dele... A empilhadeira emperrou. Mas logo a monotonia – pega, levanta, leva e empilha – voltou com o pequeno automóvel engatando na marcha outra vez. Ele até sonhava com essa rotina. Como se tivesse na cabeça um mapa com os caminhos sulcados e que deles não podia sair. Pior do que sonhar com correr e não sair nunca do


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lugar, comentou uma vez com o amigo.

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Ao meio dia, no refeitório, arroz e sobre ele o feijão, uma salada do lado. Algo parecido a um enorme ruído de estática, provocado por vozes misturadas aos ruídos de talheres batendo nos pratos (nenhuma entendível se estudada sobre todas as cabeças enfileiradas), retumbava até o teto e dava aquela aparência de colmeia que fervilha no lugar. Na mesa, com os colegas, a conversa não passava do futebol, do chefe, das novas estagiárias... Sabes aquela que está lá nos Recursos Humanos, a psicóloga? Sim, o que ela tem? Lá ó, articulou o companheiro, dando-lhe de cotoveladas nas costelas e apontando com o queixo de barba malfeita. Não tira o olho de ti. (Não tirara há meses, o homem sabia: talvez ela mal interpretara os meus olhares. Às vezes, eu só olho para as pessoas porque acredito que vi uma semelhança com alguém.) A solteirice é importante para um homem, o companheiro dizia piscando-lhe um olho, e quase cuspindo o feijão mastigado completou: Homem nenhum deve ficar só. Completou a piada: Por isso eu tenho duas. Abriu o sorriso cheio de comida e agradeceu fazendo o sinal da cruz. Obrigado, meu Deus. Obrigado, mamãe. Entre risos e piadas, o almoço terminou. A empilhadeira voltou a funcionar e com ela os pensamentos de suposta superioridade, e a tarde passou-se no ar morno e abafado daquele depósito. No final do expediente, o companheiro voltou a piscar-lhe o olho. Ó a psicóloga lá ó, articulou de novo. O homem só se aproximou, apertou-lhe a mão se despedindo e tentou extrair daquele aperto o calor da amizade que busca o conforto do outro através da compreensão. Do aperto de mão passaram para o abraço, que foi igual de agradecido e caloroso quesomente, da cumplicidade dessa amizade masculina, eles podiam compreender. Pegou o ônibus lotado de novo. Todos ali esmagados, agora mais do que de manhã, se pisando, roçando, com odores diferentes, do azedo ao doce; e os olhares que agora eram mais perdidos, como cansados de buscar no horizonte aquilo que lhes faça apenas sentir. Passou no supermercado antes de chegar em casa. Comprou guloseimas para as crianças e outras coisas para a semana. Em frente à prateleira dos produtos de limpeza, pensou no que poderia estar esquecendo e perdeu alguns minutos preciosos. Preciosos, pois depois achava que precisava voltar para casa correndo. Na hora de pagar sentiu no olhar da cobradora a síntese de uma harmonia com o sorriso – uns lábios carnudos – e acreditou que ela estivesse flertando; uma espécie de jogo entre sorrisos e troco favorecido, mas ele não tinha certeza. Ainda não ressurgira nele as regras do jogo da vida, há algum tempo abafadas, e que lhe indicassem, de novo, os caminhos a percorrer para chegar àquilo que se tornara um dia o seu desejo. Depois que a cobradora desistira de sorrir e de olhar, ele se deu conta de que há muito não escalava o monte de Vênus. Chegou a casa e abraçou os filhos; os beijou e só teve igual retribuição do menino. Preparou a janta e viu os bocejos de cansaço se multiplicarem a cada segundo. Olhou os deveres de casa e pouco depois os levou para as camas. Mais tarde, depois de ter lavado os pratos e preparado o almoço para o dia seguinte, encostou a orelha na porta e tentou ouvir a respiração dos filhos, mas ele não ouviu nada, nunca acreditou que chegasse a ouvir alguma coisa, apenas tinha a certeza de que as crianças estavam dormindo. Tomou banho com uma estranha sensação coçando-lhe o esterno, entre os pelos. Isso o reconfortou até a hora de deitar e dormir com a vontade de sonhar.

(Mais ou menos isso tudo ele se lembrou do seu dia pouco antes de dormir, entre o banho e o


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sonho, não exatamente nessa ordem, mas, sim, ele teve o sonho que desejava naquela noite, e na manhã de terça-feira acordou leve, com a sensação de ter aliviado o peito. Alegre, querendo passar essa alegria aos filhos.) É segunda, pensou o menino. E o dia da criança não foi muito diferente do que seria uma segunda-feira. Ele acordou com o pai sussurrando-lhe ao ouvido: Acorda, hoje tem aula, e ele acordou feliz. Esperou sábado e domingo, com uma paciência que beirava a frustração dos desejos inconquistados, para brincar. Se trata de uma criança. Meninos de apartamento, alguém disse uma vez. Lavou o rosto sonolento, escovou os dentes e sorriu com a boca cheia de espuma para o reflexo do pai no espelho – os seus olhos brilhavam como a ponta de uma flecha afiada cheia de amor e de fascínio por aquela figura masculina: a barba, as entradas que deixavam a testa mais funda, o nariz que em outras histórias seria dos antagonistas, a voz grosa. Colocou os tênis. Tomou o café da manhã e saíram juntos para a rua. Por esses dias havia chovido, e ao virar a esquina que desemboca numa ladeira um tanto pronunciada se segurou com as duas mãos na irmã – quase se pendurando. Em frente à escola, abraçou o pai com força, se prendeu no pescoço do homem e se despediram com um beijo. As crianças corriam por todos os lados numa festa de mochilas coloridas que deprimia e agonizava aos pais. A manhã começava a esquentar e a secar toda aquela umidade das ruas. Ele correu para junto dos colegas, sorrindo, falando alto, todo elétrico. Na sala de aula, com o sorriso frouxo, no meio do respeitoso silêncio imposto pela professora, ele falou baixinho para o coleguinha: Hoje é o melhor dia da minha vida. E continuou sorrindo o dia todo.


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Mary Help Taquara


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Gigi, a vampirinha

Lá vínhamos nós, descendo a lomba do Santa Terezinha. Chutávamos tudo que fosse bom de se dar pontapés, sem nos importarmos com os diferentes barulhos que cada objeto singularmente soava. Das recomendações de nossas mães, disso, esquecíamos sempre.

Era mais ou menos assim que elas, nossas mães, diziam:

– Zezinho, mais cuidado com os tênis novos, guri! Tá pensando que vou lavar toda essa porcaria que fica grudada na sola? Nem pensar! – Martínia, vê se não volta pra casa com essas sandálias arrebentadas de novo. Depois, "sua guriazinha duma figa", teu pai nem terminou de pagar a última prestação. Custa ter mais cuidado? – Norberto, meu filho, tu, um menino bem nascido, aluno do Instituto Adventista, por que andas para lá e para cá com esses garotos sem fé e sem família? Eles são tão assim...


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– Assim? Assim de que jeito mãezinha?

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– Pois te digo, assim, sem estirpe. Tenho orado tanto para que deixes de lado o convívio nefasto! Bons jovens frequentam nossa igreja então, saia com eles. Já a minha mãe nem falava nada, não dava tempo. Eu costumava chegar da escola quase "morto de fome", empurrava o portão enferrujado que falava comigo, falava, é claro. Todos os dias, quando eu punha minha mão no trinco para abri-lo, ele dizia: oiiiiiiii. Se bem que em alguns dias ele dizia: aiiiiiiii. Daí, quando eu empurrava ele para voltar a fechar, ele dizia de novo: oiiiiiiii ou aiiiiiiii. Então eu batia na porta de madeira que tinha uma forma de barra de chocolate, era até dividida em quadradinhos, igual uma barra de chocolate de verdade. Tinha uma cor gostosa de chocolate com leite . Uma vez eu bem que tentei dar uma mordidinha, claro, a Maria e o João, aqueles da historinha,encontraram uma casa que era de bruxa, mas, era uma delícia, feita de chocolate e balas diversas. Então, quem garantia que o Alfredo não pudesse morar numa casa com porta de chocolate ao leite? Foi só por isso que eu fiz a tentativa. Ah! Mas eu era pequeno, nem tava na pré escola. Agora é bem diferente, eu penso quase como um adulto, pois sou aluno do fundamental. Queria tanto saber, porque razão eles chamam de Ensino Fundamental. Outro dia eu até arrisquei uma pergunta mais inteligente na sala de aula. Perguntei em voz bem alta, bem na hora da correção do tema de casa: – Professora, dizem Ensino Fundamental por quê? Ela, a Ana (banana), respondeu: – É ensino fundamental e pronto. Depois vem o ensino médio, mas daí é só para os que não precisarem trabalhar cedo. O que não é o caso da maioria de vocês. Eu achei que ela não estava animando ninguém com aquele jeito esnobe de falar. Também ela sempre diz que não vê hora de conseguir um contrato para dar aula no Santa. Estica as sobrancelhas ao máximo e tasca tudo boca a fora:

– Lá, sim, a gente dá aula com todo gosto.

Tá sempre dizendo essas coisas, não acho legal. Bem, mas como eu tava dizendo, quando eu chegava em casa, depois de abrir o portão eu batia na porta da frente, mas não entrava por ela, queria incomodar um pouquinho minha mãe que estava sempre apurada com a cozinha. Enquanto ela ia atender o possível visitante eu corria em direção à porta dos fundos que ficava costumeiramente encostada. Pudera, quem ia teria coragem de entrar por ela sem ser convidado? Sempre tão bem guardada pelos três casais de ganso que minha mãe providencialmente criava. – Manhê, mãe, por que a senhora cria esses patos grandes e barulhentos, por que não bota cachorro pra cuidar da casa? Se fossem cachorros, eu até poderia ensinar a eles muitas coisas. Ensinaria como trazer meus sapatos, jogar bola, limpar os pratos. A bem da verdade, nem precisaria ensinar a limpar pratos, os cães sabem fazer isso naturalmente. – Alfredo, trata de cuidar bem dos nossos bichinhos que não são patos grandes; não, senhor. São gansos maravilhosos! São mais úteis que os cães, pois além de sinalizarem a entrada de pesso-


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as estranhas no pátio, também nos ajudam a economizar nos gastos da casa. Graças a eles, temos bastante ovos, travesseiros macios e acolchoados leves e muito quentinhos. Viu, guri? Eu ficava só pensando, "Bah! Conversa de mulheres!". Por outro lado, até que seria legal se para surpresa nossa, num belo dia qualquer, aparecesse nos ninhos das "patas grandonas" uma porção de ovos de ouro. Quem diria, heim! Aqui mesmo no sul desse "BRASILSÃO", aqui em Bambus, onde pessoas andam nas ciclovias, bicicletas circulam pelas rodovias e carros rodam pelas calçadas. Por certo deveríamos manter o segredo em família já que os espertos da redondeza logo iriam propor bom negócio, bom pra eles, certo que sim. Minha mãe sempre diz: – O pai do Juremir é tão ladino que vai ficar rico ligeirinho. Concordo com ela. Seu Chico gosta de dar conselhos pro filho, como todo pai faz. O Jura, quando não se junta aos grandalhões do centro de Bambus, muitas vezes vem para cá jogar pif paf com meus irmãos. Considero ele um semi-amigo porque, logo agora que eu me apaixonei pela Gigi do circo, o Ju não me empresta mais a bicicleta de aro alumínio de quatro marchas. A bonitona corre mais que qualquer outra da cidade inteira. Ele ganhou a belezura do padrinho que trabalha em Miami, na construção civil. A danada veio de navio até o Porto de Rio Grande e na carroceria de caminhão para Bambus. Num domingo desses que chove a ponto de lavar até as almas mais sujas da terra, ele, se vangloriando, falou pra gente aqui de casa: – Eu e meu pai sempre temos conversas de homem pra homem. Diz ele que um rapaz do ensino médio já deve saber muito bem o que a vida espera dele. Quarta-feira passada, por exemplo, terminando o jornal da noite, desviou o olhar da tv, virou a cabeça em minha direção e falou: – Juremir, tem lei de mais nesse país, o que importa mesmo é a gente usar só as que servem para nós, as outras a gente deixa pra lá. Sempre vai ter um fanático para cumprir todos os regulamentos direitinho. É assim mesmo. Uns nascem com vocação para ser pobre a vida inteira. Mas aqui na nossa família, só tem "avião". O pai dele é mesmo tri esperto, claro, não é à toa que faz triplicar o salário que recebe como funcionário do Departamento Estadual de Estradas eRodagem. Pois vende o diesel que sobra das máquinas por um preço mais em conta aos amigos e vizinhos. Bom homem, sem dúvida. Quanto à história dos ovos de ouro, se desse certo, meu pai seria o primeiro a cuidar da alimentação dos bichinhos e da coleta da produção diária. Não sou daqueles que acreditam em contos de fadas, mas vai que daqui a pouco alguém vê a situação difícil de minha família e resolve tomar uma boa providência? Na biblioteca da escola, li um conto que me deixou a imaginar muitas coisas. Falava de uma gansa que punha ovos de ouro. Daí eu pensei: história é história, mais vá que alguém lá em cima, assim tipo Deus, fada madrinha, diretores de Big Brother, troque as nossas gansas por três abençoadas, encantadas ou geneticamente modificadas? Até podia ser. Meu pai, ele, principalmente, ia gostar muito da ideia, e seria bem capaz de querer pagar as apostas perdidas nas rinhas de galo com os ovos das nossas gansas. Toda essa conversa preliminar é pra esclarecer que eu não sou um Alfredozinho como pensa minha mãe, eu e a galera já estamos quase no ensino médico, quero dezer, médio. Acho que falei "médico" porque são tantas as vezes que saímos dos intervalos das aulas direto para o posto de aten-


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dimento médico, que já estou desconfiado, quero dizer; condicionado.

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Noutro dia falávamos de coisas que podíamos fazer para melhorar nossa cidade, todos tínhamos muitas sugestões. Evidente, pois crianças têm caixinhas de sugestões sempre "bem cheinhas". A minha, então, está sempre por transbordar, sou um guri cheio de ideias, todos dizem isso. Mas adivinha só quem começou a palpitar? Só podia ser a única guria da turma, claro, ela mesma. Dona Martínia tomou a dianteira e com uma das mãos tirada da cintura chamou a atenção para ela dizendo: – Pessoal, pessoal! Aqui, todo mundo olhando e ouvindo. Eu, como sou uma garota que lê bastante, acho que já tenho boa insuficiência verbal e é por isso que posso vir a ser a primeira prefeita de Bambus. Vou comprar um desses carros lindos que tem por aí, carros deportados, cheios de reloginhos. O Norberto que era o mais entojado de todos nós, com voz adocicada e mãos na cintura, que nem açucareiro com duas alças, disse: – Veja bem, querida amiga, como vamos votar numa prefeita que confessa publicamente que além de possuir insuficiência verbal, vai transgredir a lei de forma miserável comprando para servir a prefeitura um carro deportado. Para fazer discursos ao povo de Bambus, para falar aos vereadores, para tratar com o funcionalismo, certamente que terás que fazer uso correto da palavra. Com insuficiência verbal é que não vai dar. Claro que eu posso te dar uma mãozinha, mas tens que admitir agorinha mesmo que trocaste equivocadamente as palavras insuficiência e deportado, pelas palavras fluência e importado, respectivamente. Mas não me venha perguntar o que é "respectivo". Vai, admite logo, sua dinossaura. Martínia, sem perder a pose, deixou caído verticalmente ao corpo o braço direito e com o esquerdo levantado fez um movimento circular, elevando a mão esquerda que posteriormente voltou seu dorso para baixo. Falou, então, com aquela voz de menina raivosa: – Eu, hein! Dinossaura, eu? Por quê? Sou por acaso uma grande mulher? – Ai, ai, ai! Nobre candidata, os dinossauros eram animais muito grandes de cérebros muito pequenos. Assim, já que tu és bem grande pra tua idade e diz coisas tão bobas, vejo uma relação. Destas discussões eu nem participava. Não era bem assim que deviam ser as coisas. Começando que lugar de menina não é junto dos guris, é porque elas, as gurias, têm que desde pequenas ser iniciadas nas atividades femininas. Ficar sempre perto da mãe, aprender como se lava a roupa, se faz um bom feijão, um arroz bem soltinho, um aproveitamento das sobras da comida, essas coisas úteis. Isso tudo é bem verdade, claro que sim, foi meu vô quem me disse todas essas coisas. Os avós sempre sabem o que dizem, pois é, já viveram muito nesse mundo, sabem de tudo um pouco. Meu vô Alfredão, que é o pai da minha mãe, sempre foi um "baita" gaúcho, até pilcha ele usava. Quando ele veio para Bambus fazer a vida, já era bem "taludo", foi ele quem falou. Eu "pensava com meus botões", que jeito estranho de falar! Nem por isso me atrevia a perguntar o que ele queria dizer com aquelas palavras sem sentido. Então deixava ele continuar o que vinhadizendo e daí era só emendar o sentido das frases para achar o significado de "taludo". Algumas possibilidades eu descartava de cara. Eu sabia que meu avô antes de ser gente não foi um vegetal, com talo e tudo ou mais. Sou um "jovenzinho bem esperto", concordo com seu João quando fala isso de mim. Não sou tonto, verdade. Tanto que daqui mais dois anos termino o ensino fundamental. Depois, seu João não


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é daqueles que botam elogio "porta afora". Também, ta acostumado a ver que antes dele terminar a soma das compras na calculadora elétrica, eu já fiz tudinho de cabeça. Pudera, batendo naquele teclado com tanta lerdeza. Quem acaba marcando o gol sou eu que tenho um cérebro novinho. Tenho um segredo bem guardado, só eu conheço. Depois quem é que não sabe que coisa secreta, tipo segredo, a gente não pode ir contando pros ventos. É pra não perder aquilo que os grandes chamam de "sigilo". O pai do meu pai, seu Farias, num almoço de domingo aqui em casa, trouxe uma notícia "de se falar baixinho". Com voz branda e olhando pros lados, preocupado de ser alcaguetado, falou quase ao pé do ouvido de meu pai: – Parece que andam investigando a vida do prefeito e de alguns vereadores. Sabe-se lá por que cargas d'água. Quando ele traz essas informações para nós, normalmente antes de continuar com o cochicho, ele dá uma tragada no cigarro, pigarreia umas duas vezes e esfregando a ponta do nariz adverte: – Isso ainda é coisa sigilosa, não sai daqui. Vô Alfredo, que gostava de estar bem informado das coisas da cidade, dos rumos da política como dizia ele, costumava largar essa: – Eta notícia fresquinha essa! Saída do forno da "repartição", coisa recente. Só sei que nessas horas, nas horas de criança tampar os ouvidos, eu faço de conta que to lendo o "cebolinha". Eles sempre dizem: – O moleque tá concentrado na revistinha. Quase sempre acontece isso comigo, isso de ficar sonhando acordado até que o "anjo do bom sono" vem fechar meus olhos espertos. Agora mesmo tô imaginando aquelas coisas que não conto pra ninguém. Até consigo ver a cor da roupa e da gravata que vou usar na minha posse de prefeito. Mas dentro desse sonho sério, lá entra sem ser convidada, a Gigi. Outra vez a guria comaquela carinha branca, boca de morango sem sementinhas e olhos de marear qualquer marujo. Faço um "xô, coisa do demo", continuo com a cerimônia oficial e ouço toda gente que me elegeu batendo palmas, gritando: Viva o mais jovem prefeito de Bambus! Viva o Dr. Alfredo. Um dos meus braços estendidos abanando pras pessoas que vão estar na praça, ali na frente da nossa prefeitura e o outro na cintura da primeira dama. Ela outra vez, a lindinha branca de caninos cruéis (Gigi). Os meus amigos de agora serão adultos como eu. Quase todos me saudando e pode ser que o Norberto, sem perder a elegância, venha me desejar sucesso na administração, mas não vai perder a vez de dizer que o discurso está cheio de erros. Bah! Já devia ter dormido faz um tempão, porque minha mãe vai me chamar às 6horas. A mesma coisa de sempre. Primeiro me chama para levantar. Depois vai até a cozinha onde meu pai já tá ouvindo as notícias do rádio e tomando chimarrão. Minha mãe entrega o chimarrão e diz: – Te serve que vou ver se o Alfredinho tá fazendo 'corpo mole". Pior de tudo é que ela não desiste, faz eu levantar até de arrasto. Puxa as cobertas e ameaça com o famoso banho de água fria. – Levanta, guri, que teu pai tá preparando a caneca de água fria pra te jogar nessa cara de tonto.

Vou tentar dormir sem vontade.

Tive outra ideia, essa sim! Vou fazer igual aos hipnotizadores, aqueles que aparecem na TV nos


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programas de domingo. Daí vou mandar meus olhos se fecharem devagarinho. Primeiro tenho que dizer pra mim mesmo que devo dormir quando chegar no número (X). Vou começar pelo número 1, depois digo 2, e vou indo assim até chegar ao 100, daí termino de contar e durmo. Os homens que vejo fazerem isso em shows de TV normalmente contam só até 10. Sei que pra mim tem que ser dose tripla. Ih! Errei, como será mesmo que se diz quando é 10 vezes mais? Doze 10 na décima potência, ou doze 10 x 10? Ou melhor perguntar pra quem tá acordado? O negócio é que o que muitas vezes dá certo para maioria, pra mim não dá. Ordem é coisa difícil de se obedecer, pelo menos sem perguntar o porquê. Sou de natureza teimosa. A vó Lélia sempre me diz com a cabeça a balançar: – Menino, tu é que nem teu vô Alfredo, "sem tirar nem botar". A família toda do "Fredo" é de raça teimosa. Então, não conto até dez para tentar me hipnotizar para dormir, conto logo até 100, assim tô garantido.

Já tava quase fechando as duas pestanas. Foi aí que ouvi o portão dizer:

– Alfredooo, geennteee. Sem nenhuma demora, os gansos policiais de minha mãe começaram a grasnar e a bater asas e a alardear para toda a vizinhança que tinha intruso no quintal.

– Já pra casa, gurizada, o Alfredinho tá na cama e de lá não sai .

Fiquei bem quieto porque lá fora tava chuviscando. Era um chuvisco que parecia com aquele véu branco bem fininho que minha mãe cismava em usar nos dias de missa. Minha mãe tinha umas teimosias! Até o padre dizia que a igreja tava mudando. Mas, continuando a contar sobre a chegada da turma, matutei com meus filamentos cerebrais: se a mãe ficar de guarda, não vai dar para sair e o meu vô sempre resmungava; "seguro morreu de velho". Daí que, para não arriscar nem riscar meu couro com a delgada vara de marmelo, puxei o lençol e o cobertor para cima da minha cabeça. Tentar dormir eu ia, mas antes tinha que me preparar. Na minha rua era tanta falação sobre os antigos moradores! Se a alma da viúva que antigamente morava na nossa casa vem passear por aqui depois das 10 horas da noite, eu é que não quero ser o primeiro da nossa família a ver essa aparição, eu não. Claro que eu tava mesmo querendo dormir, a garoa que acinzentava a rua quase mandava que a gente fosse dormir cedo. Também a minha hipnose tinha ajudado um "tantão". Eu ia mesmo dormir quando eles chegaram, minhas pestanas já estavam ficando pesadas, e nem tinha chegado ao 90. Acho que parei mesmo no 88, porque contei 85, daí ouvi o barulho na rua, continuei a contar 86, 87 e ouvi que os assovios que entravam pelas venezianas eram para mim. Fui pé por pé até o corredor que dava pra cozinha e vi que meu pai e minha mãe estavam bem entretidos com o noticiário. Minha mãe também via as notícias, mas aproveitava pra botar o feijão de molho na tigela de barro marrom. Meu pai com um lápis de tabuada fazia as contas numa caderneta de folhas quadriculadas e bicava uns golitos da pinga que o tio Ari trouxe pra ele, de Santo Antonio da Patrulha, purinha e azulzinha. Boa pinga! Eu mesmo já bebi um gole curto da danada, mas foi só pra aumentar a coragem. Eu tinha resolvido perguntar pra Gigi se ela queria ser minha namorada. Pois é, perguntei e ela também perguntou. Alfredo, se a gente namorar, você vaicontinuar me chamando de vampirinha? Bah! Lembro que ia responder pra Gigi quando o pai dela chegou e com cara de quem bate pra depois conversar gritou com minha jovem dama: – Vá pra junto de sua mãe arrumar as pipocas que eu vou ter uma conversa com este moleque. Nossa! Aquilo foi mesmo um ciclone tropical dentro do meu coração de homem bem intencionado. Sem falar que o pessoal foi


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todo junto comigo para fazer pensamento positivo. De sorte que também correram todos comigo na hora de fugir do leão rugidor.

Nossa! Já está na minha vez de ser atendido, boas recordações de um prefeito do interior.

A secretária do cardiologista pergunta se aceito ser atendido primeiramente pela médica residente que assessora o Dr. Norberto. Respondo que pode ser, ainda que preferisse ver o amigo de infância. Ela sorriu, como sorriem quase todas as recepcionistas, e me encaminhou para a sala em que a jovem médica esperava. Vi um rosto bom e branco, uma boca semissorridente e sem batom algum, uns olhos escuros que me fizeram adentrar no túnel de um tempo que foi nosso. O que aconteceu depois de rever minha doce paixão, ali comigo, em pessoa? Nada, não aconteceu nada que eu me lembre, pois, quando acordei, estava no hospital de Bambus. E comigo, minha gentil primeira dama, meus meninos e minha mãe. A Gigi voou de meus sonhos e foi beber sangue em outro coração. Talvez, seja a vontade dele...?

FIM



fonte: unsplash.com


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Quem disse que ler roteiros deve ser chato? Aquele texto cheio de espaço, indicação, itálico em excesso e diálogo! Pois fique sabendo que um bom roteiro é responsável pela emoção geral da plateia. Desde o maior dos sustos até aquela lágrima reprimida que se liberta bem na hora da cena final. Imagem impregnada de emoção que nos chega a todos, lá no escuro do cinema. Conectados através dessa emoção, o personagem e nós, os espectadores, nunca saberemos o que vai acontecer na próxima cena ou no virar de uma página. Aquele personagem e nós, por alguns instantes, tornamo-nos apenas um. Nesta seção, apresentaremos um roteiro para ser lido na mais confortável das posições e para ser imaginado com as mais belas imagens que possamos criar. Boa sessão!


Hanibal

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fonte: imdb.com


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Hanibal Assunção, Paraguai


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Hanibal

LA DANZA. GUIÓN CINEMATOGRÁFICO INT. SALÓN DE TEATRO. Oscuro. Un enorme salón oscuro – un salón de teatro. Las luces se encienden en tres movimientos en orden creciente. Primero: aparecen las butacas del fondo. Segundo: más butacas, las de en frente, hasta la primera fila. Tercero: las cortinas, que se abren y muestra el palco. Dos personajes esperan en el tablado. Hay un hombre sentado en una batería, es el BATERISTA. Hay OTRO HOMBRE CON UNA CÁMARA EN LA MANO. En la pared del escenario se enciende una pantalla gigante, como si fuera la del cine. Proyecta lo que el hombre con la cámara ensaya: el baterista, embebido en un ritmo mudo y sensual. Una mujer espera tras bambalinas. Ella es joven. Es una bailarina. Es TAJY, la bailarina. Extiende los músculos de las piernas, de la espalda, del cuello. OTRAS BAILARINAS hacen movimientos para mantener los músculos calientes. El DIRECTOR surge al otro extremo del palco. Hace gestos a los actores. Camina como un scottish terrier, nervioso, hasta Tajy. Todos la esperan. Ella suspira una, dos veces. El director se le acerca y le pone una mano al hombro. Ella se aploma e yergue el tronco.


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DIRECTOR

Tajy, mi hija… ¿te pasa algo? ¿Querés calentar un poco más? Podés hacer, pero mira que ya no tenemos más tiempo, estamos demasiado atrasados. TAJY No… No, todo tranquilo. Lo que pasa es que tengo un poco de malestar. Nada más. DIRECTOR (Yéndose

al

palco,

casi

gritando) ¡Nada de nervios de primeriza, por favor. Vamos a ser profesionales gente. A donde vamos a parar de esa manera. No, no, no. Quiero gente PRO-FE-SIO-NAL.

¿Escucharon?

Bueno. Luz. ¡Luz! ¡La luz, por favor! (La luz se enciende, casi lo ciega). Y

yo

reclamando

profesionalismo.

¡Ai

aquí mi

de dios,

como es difícil el arte por aquí! (Pausa. El director marca las posiciones de Tajy y del hombre


Hanibal

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con la cámara.) Ustedes están frente a frente. (A Tajy) Pero la cámara no te ve. (Al baterista) Dale. Dale. (E l

jazz

comineza.

improvisación cuerpo. dirige

al

La toma

Director

se

hombre

la

con

cámara) No la estas viendo. Pero estás conectado

a

ella.

No

hagas

movimientos bruscos hasta que sus movimientos sean bruscos. INT. TRAS BAMBALINAS – LAS BAILARINAS Murmurios y risos. BAILARINAS ¿Quien le pone de nombre Tajy a su hija? El hermano se ha de llamar Lapacho. INT. PALCO – DIRECTOR Director Tajy, mi amorcito, no le bailes a la cámara. La cámara sos vos, es lo que tenés por adentro. Ustedes están separados… pero al mismo tiempo… unidos.


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(Dirigiendose a Tajy y al hombre con una cámara en la mano) Quiero

ver

SIMBIOSIS.

Tajy, nada de exibirte. La cámara no existe, así como el público no existe. El público está en lo oscuro… no existe. ¿Vamos a comenzar? INT. PALCO – TAJY, LA BAILARINA Ella levanta la barbilla. Su mirada se agudiza. Comienza la coreografía y se fusiona con el jazz. No así la cámara. El director se esquiva de los pasos de Tajy, de su vestimenta que vuela y se prende a la cintura y al brazo del hombre con una cámara. El hombre con la cámara se aprende el ritmo. El director los observ a y el jazz fluye. Tajy se desenvuelve en la pantalla gigante, se hace dueña con la mirada. El ritmo de la batería gana vida. DIRECTOR (Aplaudiendo) Vamos, vamos, vamos, vamos, vamos. Corta. Funde a negro.

EXT. DÍA. FRENTE AL TEATRO. La fachada del teatro luce restaurada. Hubiera sido una casa colonial? Se abre la gran puerta de madera. Tajy sale casi que corriendo. Viste bien canchera: blue jeans y una camiseta masculina. Trae al hombro su cartera y el bolsón. Se detiene


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Hanibal

en la acera, saca un cigarrillo y busca el encendedor. Otras bailarinas salen, una de ellas se le acerca sonriendo. BAILARINA Fumar daña a la salud ¿Sabias? TAJY Si no fumo, la ansiedad no se me baja. Eso si daña la salud. Esto me ayuda a concentrarme. Otras personas salen del teatro. La bailarina estira del brazo al baterista. BAILARINA (De manera resuelta mirando la bragueta del baterista) Ai Tajy, no seas tan excéntrica, que eso ya no pega más. Yo se de otras cosas que te pueden ayudar a bajar la ansiedad. La bailarina se desprende del brazo del baterista. Les da la espalda y se junta a las demás. TAJY (Encendiendo el cigarrillo. como analizando al baterista) ¿Qué? ¿También me vas a decir que fumar daña a la salud?


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BATERISTA

No… No voy a decirte nada. ¿Qué vas hacer el fin de semana? TAJY (Dando una larga tragada) Voy a casa de mis padres. Ellos viven

en

el

interior.

Es

el

cumpleaños de mi hermana. Ella cumple veinte. EXT. DIA – EN LA ACERA Tajy suelta el humo y lo mira. Luego le da la espalda y e aleja del baterista caminando por la acera. Cruza la calle y a unos cuantos metros más se detiene. Tajy observa una vitrina, un enorme ventanal. Es de una casa de tejidos. Está arreglada de varios colores. A los lados cuelgan dos gigantes moños tricolores. En la parte inferior, varias cintas que cuelgan. En la parte superior, en letras mayúsculas y enormes está escrito TEJIDOS – LIENZOS – AO PO’I El reflejo de Tajy aparece en el vidrio. Como si estuviera dentro de una moldura. Se oyen algunos bocinazos. Los sonidos de una ciudad. En ese instante ella percibe el reflejo de una mujer en la vidriera. La mujer tiene una cierta semejanza con Tajy. Un hombre se le acerca por detrás. La agarra por la cintura. La besa el cuello. Ambos ríen. Parecen niños. Ella intenta evitar, pero parece gustarle. Antes de que se abracen, la mujer percibe que Tajy los observa. La mujer sonríe. En el reflejo Tajy sonríe. Funde a negro.


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INT. DÍA. ÓMNIBUS. SUEÑO DE TAJY. El paisaje campestre es muy bello. Desde la ventanilla se observa verde por doquier, pero Tajy no tiene como deleitarse con el paisaje porque duerme… y sueña. El barullo del motor comienza a dar lugar aquel jazz. Tajy danza al son frenético e improvisado del ritmo. Da dos, tres pasos de su coreografía en pleno palco. Ella se detiene. Ve al baterista golpear los platillos y los tambores. El baterista congela sus movimientos en medio del acto y la música continua, fluye sola, independiente, no necesita mas del baterista. Tajy está en el centro del palco. Se oyen aplausos. La platea está a oscuras (el público no existe). Se encienden las luces y los aplausos continúan, pero las butacas están vacías. No hay gente sentada en las butacas. Tajy mira hacia bambalinas y ve a varias personas observando, entre ellas surgen su madre, su hermana y su padre, que saca del bolsillo una cámara de mano. Tajy despierta con la frenada del ómnibus y con los gritos de “diario”, “chipa” y de bebidas que son ofrecidas por dos mujeres bien debajo su ventanilla. EXT. DIA – TERMINAL DE OMNIBUS Tajy camina por las afueras de la terminal. Conversa con un chofer de moto-taxi. EXT. DIA – PASSEIO DE MOTO Rápidos excerts de Tajy siendo llevada de moto. Pasan por el centro de la ciudad. Después por los límites de la ciudad. se termina el asfalto y aparecen las zonas verdes. El motorista la deja frente a una casa.


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EXT. DÍA. CASA DE TAJY Y SU FAMILIA.

Una casa simple. Pintada de verde. Madre y hermana de Tajy salen por la puerta. La reciben abrazándose fuertemente, se besan. Dos perros las rodean. Entran a la casa. INT. NOCHE. CUARTO. TAJY Y SU HERMANA. Tajy

y

su

hermana

están

acostadas

en

la

cama.

Se

miran

condescendientes. HERMANA No quiero que haya fiesta mañana. Quiero que sea solo un día común como cualquier otro día. Yo no me importo si se festeja o no mi cumpleaños…Cuando se termine la fiesta te vas a ir de vuelta. Las cosas no van a parecer mejores, otra vez. Tajy se incorpora y de su bolsa retira un paquete. Un regalo. Lo entrega a la hermana. La hermana se incorpora también. Abre el paquete. Es un frasco de perfume. La tapa es circular y transparente. ¿Para mí? ¿Y en donde se supone que voy a usar esto? TAJY (Agarrando el perfume) Para comenzar, ¿que te parece por todo el cuerpo?


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Ambas hermanas ríen y juegan por un instante con el perfume. Se detienen e inspiran hondo el aroma, sintiendo el perfume en el aire. Tajy observa la caja del perfume en cuanto la hermana analiza el frasco. La tapa de la caja está hecha de un círculo de plástico translúcido. Tajy se recuesta en su hermana y levanta el círculo a contra luz que proviene del corredor de la casa. A través del círculo translucido observan el fin del corredor, la cocina y la entrada de la sala. La madre está al fondo, cuidando de algunos detalles. Aparece el padre de Tajy dentro del círculo. Parece tambalear. Realiza algunos movimientos bruscos. Empuja a la mujer. Se escucha la voz de Tajy decir a la hermana. VOZ EN OFF DE TAJY Como deseo que veas las cosas de la forma en la que veo. Aún a través del círculo translúcido se observa al padre atravesar el corredor. Se oyen sus pasos casi tropezar. Se las acerca y les arrebata el círculo translucido. De un solo golpe. PADRE (Evidente estado de ebriedad. Se observa el forcejeo.) Mba’e la ejapo ape? He?! ¿Qué estás haciendo aquí? Yo no te quiero volver a ver. No sos mas mi hija. Mi hija no anda bailando por ahí.


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En cuanto la violencia verbal continua, la madre intenta interferir en el pleito. La hermana se aleja, por el mismo corredor por el cual el padre avanzó. Tambalea un poco, parece marearse. Al final del corredor, cae desmayada.

Funde a negro. EXT. DÍA. HOSPITAL. Imágenes de pacientes esperando en los pasillos del hospital. Hace calor. INT. CONSULTORIO. TAJY, SU HERMANA Y UN JOVEN MÉDICO. Tajy se ve ansiosa. Su hermana se encuentra pálida, pero no está lánguida. Tajy viste un vestido y una campera de jeans. Su hermana viste una camisa floreada y lleva una trenza amarrada en el extremo con una flor bien pequeña. EL JOVEN MÉDICO está en su sillón. Su mesa está llena de papeles, libros y revistas, bolígrafos y el estetoscopio. En la pared cuelga el diploma, algo inclinado. El se ve muy seguro. MÉDICO Tenés un poquito de fiebre, nada más. Vas a tomar lo que te voy a recetar. Esto te va a bajar la fiebre. Ya no te vas a desmayar más. Puede que sea una gripe... O una alergia. Parece un típico cuadro de gripe muy fuerte… pero muy

fuerte.

Puede

ser

dengue

también. En el peor de los casos,


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si sentís que se te pone rígida la nuca, con seguridad es meningitis. (El médico sonríe. Tajy y su hermana quedan mirando. Tajy sostiene una revuelta en su mirada. Ya su hermana, la mirada la tiene apaga.) TAJY ¿Quiere decir, que usted no está seguro de lo que tiene? MÉDICO (Médico se recuesta en su poltrona y arregla su guardapolvo.) No. No, no es eso. Tengo plena certeza de que algo tiene. Está en las manos de dios. (El médico sonríe.) EXT. DÍA. CENTRO DE LA CIUDAD. CONSTRUCCIÓN CIVIL AL FONDO. TAJY Y SU HERMANA EN LA PARADA DE ÓMNIBUS. La ciudad está creciendo. Al fondo una construcción se levanta. Se escucha una marcha militar. Mucha gente en la calle. Alumnos desfilan en el día de la independencia. HERMANA Hay que tener paciencia. Hay que tener paciencia. Para mañana ya se me va a pasar.


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TAJY (Seca)

¿Mañana? Mañana es feriado. Muy probablemente estos médicos van a estar en sus casas. Ni una despensa va a estar abierta. HERMANA Entonces pasado mañana. No sé cuando.

La

semana

que

viene

entonces. Ya estoy con hambre, quiero almorzar y todavía está la fiesta. TAJY (Perdiendo la calma) ¿Pasado mañana? ¿Semana que viene? No somos de cemento para durar toda la vida. HERMANA ¿Y te parece que yo no sé de eso? No va hacer ninguna diferencia si salgo corriendo hacia otro consultorio. Vamos a esperar. (Tajy

transfigura

impaciencia.) Vamos a esperar. (La hermana levanta la mirada.) Ahí llega el micro.


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EXT. DÍA. CASA Tajy y su hermana llegan a la casa. Su madre sale a recibirlas. Estancan frente a la puerta. El padre aparece en el umbral, y se parece a un muro imposible de atravesar. está vestido de estado y de poder. Se siente en el derecho de elegir a quien dejar entrar: la madre y a la hermana de Tajy. Tajy lo encara, pero se dirige a contornar la casa por el lado de afuera. PADRE (Apuntando con el dedo) De ella yo me encargo. Ella no es como vos y no a ser nunca, por suerte. Está si es mi hija! (Entra en la casa y cierra la puerta y pasa el seguro). EXT. DIA – TAJY CONTORNANDO LA CASA Tajy contorna la casa. A los lados, la casa tiene dos ventanales. En el primer ventanal el padre separa la madre de la hermana y la obliga a levantar el rostro. Tajy continúa caminando. Se escuchan voces. Gente que habla y ríe. En el segundo ventanal, el padre se arregla la ropa. la madre se aproxima y se coloca a su lado, se arregla el cabello. Ajusta la trenza de la hermana. EXT. DIA – PATIO TRASERO – FIESTA DE ANIVERSÁRIO Tajy llega al patio trasero. Muchas personas están conversando y colocando sobre las típicas comidas: chipá guazú, chipa, asado, sopa paraguaya. Sus padres y hermana salen de la casa por la puerta trasera. Se mezclan a las personas. En medio de la gran mesa hay una torta grande. Un anciano se acerca a la mesa (¿un


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abuelo?) E intenta sentarse en la cabecera de la mesa. El padre de Tajy lo impide. PADRE (Agarrando al anciano) Abuelo, por allá. Sentate por allá. El padre de Tajy se sienta en el centro. El abuelo se dirige hacia el extremo de una de las mesas. En su caminar, es interceptado por dos niños que fingen jugar a la guerra y ametrallan al abuelo, riendo. El abuelo se pega un susto. El padre de Tajy se levanta sublime de su lugar. PADRE (Sonriente.) Jajuntamina. Vamos a juntarnos más. Hay lugar para todos. EXT. DIA – PATIO TRASERO – MESA DE ANIVERSÁRIO Mujeres y hombres se mueven en la mesa regadas a comidas típicas. Una única y larga mesa. Todos se sientan juntos. Madre y hermana de Tajy sientan una a cada lado del padre. La madre está tiesa. Parece querer decir algo, pero el padre la hace esperar. La hermana está gris. VOZ EN OFF DE ALGUIEN ¿Cuantos años? PADRE Y cincuenta y siete años ya. (Con incerteza). ¿Mi hija? Veinte años.


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EXT. DIA – FIESTA DE ANIVERSÁRIO Tajy está parada. Se pone a exhalar más que a inhalar. Está nerviosa. Se seca el sudor de las manos en su vestido. Suena una galopera. La galopa va a empezar. Tajy comienza a bailar frente a la mesa. En la mesa todos quedan observando, mudos. El padre parece que va a estallar en rabia. Tajy sigue bailando. El padre se levanta golpeando la mesa. La hermana sonríe y agarra al padre del brazo. La música termina. Todos en la mesa, menos el padre, aplauden con efusión. Una enorme cortina verde oculta el público de la mesa. Aún se escuchan los aplausos por detrás de la gran cortina de color verde. INT. NOCHE DE ESPECTÁCULO. TAJY EN EL PALCO. Tajy acaba de terminar su espectáculo. Continua en la misma posición, arqueado los brazos, sujetando la punta da la pollera. Ella escucha los aplausos que continúan sin parar y se oyen cada vez mas intensos. La adrenalina aún corre por sus venas. Su respiración es profunda. El sudor baña su frente. Viste con tejidos sueltos. Hay algo de transparencia. Ella parece acabar de flotar. Procura sonreír, pero demora a descansar de la pose del último paso. El hombre con una cámara, el baterista y las otras bailarinas se juntan a ella como en un movimiento ensayado de aproximación. La sonrisa ahora se distiende. Todos sonríen. Ella desarma la pose que sostenía. BATERISTA (Efusivo) ¡Vino todo el mundo! ¡Se vino toda Asunción esta noche! Esto está increíble.


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INT. NOCHE – PALCO DEL TEATRO

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Las cortinas son de color verde. Se abren las cortinas. Se encienden las luces. La casa está llena. Todos aplauden de pie.

EXT. NOCHE. SALIDA DEL TEATRO. Tajy sale del teatro. Está sola. Se arropa mejor y se detiene por un instante. Busca algo en su cartera – ¿un cigarrillo? En la acera oscura arde una punta de cigarro, que luego cae al piso. Tajy parece esperar que alguien aparezca. Tajy ensaya una sonrisa. Se abre el plano. Tajy está sola frente al teatro.

FUNDE A NEGRO.


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fonte: esculpir o tempo - Andrei Tarkovski Ed. Martins Fontes, 2010


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Então, tens algum texto...? Pode ser conto, poema, roteiro cinematográfico ou até alguma peça de teatro guardados no fundo de uma gaveta, perdidos no meio das folhas da tua agenda. Ou... Sequer tem algum pronto? Apenas algumas imagens que pipocam na tua mente, prontas a se tornarem palavra escrita? Quem sabe o teu texto não pode ser o próximo a estar nas páginas da Fluxo Revista de Criação Literária! Então, prontos para zarpar? Animados em enviar algum texto? Sendo inédito, escrito em português, espanhol ou qualquer outro idioma (que domines, e que por favor esteja devidamente traduzido), participe da seleção enviando os textos para o seguinte email contato@fluxoeditora.com.br. Visite a nossa página web fluxoeditora.com.br e nossa página no Facebook /FluxoCriacao. A zarpar!

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