Flash Vip #98

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GUIA CULTURAL/LITERATURA

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professor na UFFS. Seus interesses estão relacionados à Teoria da História e à História da Arte. Atualmente é curador da Livraria Humana em Chapecó.

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iante da dificuldade de classificação, Os Cantos de Maldoror é, antes de tudo, um livro fascinante. Dirigindo-se diretamente ao leitor, a narrativa acompanha o misterioso Maldoror, em diferentes vozes, expressando as múltiplas metamorfoses do personagem. Divididos em seis cantos, carrega elementos sinistros, levando o leitor ao vislumbre de cenas brutais que se desenrolam em meio a um bestiário de aranhas, caranguejos, sapos e cães que nos tocam com suas garras, presas e ventosas. Um livro estranho e extraordinário. Acrescenta-se a esse O Enigma de Isidore Ducasse. O fotógrafo Man Ray reconstruiu este múltiplo no ano fascínio a própria história de 1920. Uma máquina de costura, coberta do autor, ou melhor, a aupor feltro que nos remete a frase do sência de informações sopoeta Lautréamont, que inspirou muitos surrealistas. “Belo como o encontro de bre o poeta, cuja origem, uma máquina de costura e um guardadurante muito tempo, foi chuva numa mesa de autópsias.” completamente ignorada. Hoje sabemos que Conde de Lautréamont foi o pseudônimo utilizado pelo uruguaio Isidore Ducasse na edição completa de Os Cantos de Maldoror, feita pelo impressor belga Albert Lacroix, em 1869. Essa primeira edição não chegou ao público leitor, pois o editor, temendo processos, impediu a circulação. Só em 1890, pelas mãos de Leon Genonceaux, editor parisiense, que o livro ganhou nova edição e começou a circular, encantando gerações de artistas e transformando-se em verdadeiro objeto de culto entre os surrealistas, como, por exemplo, André Breton e Louis Aragon. Isidore Ducasse nasceu em 1846 , filho de François Ducasse, funcionário do consulado francês em Montevidéu e de Célestine Jacquette Davezac, “uma cortadora de vestidos” que faleceria poucos meses depois de Isido-

re nascer, sob suspeita de suicídio. Em 1859, aos 13 anos, foi enviado para França na região dos Pirineus, de onde vinham seus pais, na condição de estudante de colégio interno. Depois de um breve retorno a Montevidéu, em 1867, se encontra em Paris, onde, além de Os Cantos, publica em 1870, Poesias I e II, desta vez assinando com seu nome próprio. Poucos meses depois, falece no seu quarto, em circunstâncias ainda não completamente esclarecidas. Somado a essas parcas informações há outros poucos vestígios que foram sendo encontrados por obsessivos pesquisadores no último século, mas que não acrescentaram muito além disso. A grande pergunta que acompanha os estudos da obra é exatamente a respeito de como um tão jovem escritor foi capaz de escrever um livro com tamanha intensidade e desespero. Um texto que para ser lido, como recomenda Cláudio Willer, o leitor precisa estar preparado para uma narrativa que só obedece à lógica do delírio e da negação. Trata-se de uma poesia que leva ao impossível. De modo que, mais do que uma reflexão sobre a literatura, os cantos de Maldoror são uma forma de rebelião extrema contra a sociedade e o mundo. RICARDO MACHADO é Doutor em História pela UFSC e

O final do século XIX verá seu poeta. Ele nasceu em litorais americanos, na embocadura do Prata, ali onde dois povos, outrora rivais, agora se esforçam para ultrapassar-se no progresso material e moral. Buenos Aires, a rainha do Sul, e Montevidéu, a elegante, estendem-se as mãos amigas através das águas prateadas do grande estuário. Canto Primeiro.

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Os Cantos de Maldoror – Lautréamont – Ducasse


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