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Interdisciplinar

O ESPÍRITO ZEN E A EPISTEMOLOGIA Por Lincoln Mansur Coelho e Adílio Jorge Marques

RESUMO: O presente trabalho surgiu como uma observação da proximidade de muitos conceitos epistemológicos com a filosofia do Zen budismo. Embora a comunidade zen tenha se iniciado muito anteriormente nos EUA, somente a partir da década de 50 que há o interesse pela sua filosofia, ampliando as publicações e pesquisas universitárias. Esse interesse, em parte foi devido ao impacto da publicação do livro do Professor Suzuki, em 1949, ensaios do Zen budismo. A partir dessa publicação, o interesse pela filosofia zen deixou os campos acadêmicos e passou a interessar a cada vez mais pessoas. Objetivamos discutir no presente trabalho alguns aspectos dos fundamentos e características que determinam o que é a filosofia zen e o seu espírito1 perante a epistemologia. Palavras Chaves: Epistemologia; Zen; Filosofia Espírito no sentido fenomenológico, advindo do termo alemão geist que pode ser entendido como uma autoconsciência que se revela a si mesma nas produções como a arte, a religião e a filosofia. 1

Introdução

O

interesse do ocidente pela filosofia oriental, em especial o pensamento japonês, se iniciou após a segunda grande guerra. Antes, haviam poucos livros publicados, destacando o “Religion of the samurai”, de Kaiten Nukariya, que traça as bases do desenvolvimento da filosofia1 zen e

Optamos por utilizar o termo filosofia zen, embora essa escolha possa gerar certo desconforto entre os estudantes de filosofia e em filósofos mais ortodoxos. Se a disciplina Filosofia pretende explicar a realidade por meio do pensamento racional, o zen o faz dentro de sua própria racionalidade. Até a racionalidade que os filósofos clássicos defendiam são atualmente discordantes frente as descobertas científicas. Isso nos parece fazer entender que somente considerar a filosofia grega como paradigma seria nada mais do que 1

sua chegada até o Japão, publicado em 1913, e o livro “O crisântemo e a espada”, fruto de uma pesquisa antropológica. Basicamente o intuito da autora era investigar a cultura que permeava o pensamento dos japoneses que negavam se render no pós-guerra, sendo que foi escrito em 1946. Quais são os fundamentos e características que determinam o que é essa filosofia zen? O Zen budismo é uma corrente que busca transcender a realidade objetiva. De acordo com o Budismo, o mundo material é uma ilusão. A realidade está além da materialidade das coisas. O que seria responsável pela construção uma questão de pré-conceito com outros povos e outras origens.

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dessa realidade aparente e ilusória é a falsa crença do individualismo humano. O estado de iluminação, ou o Satori, ocorre quando o ser humano transcende a realidade objetiva e se vê não mais como indivíduo, mas sua consciência se funde com a realidade definitiva do universo. Esse estado de iluminação é muito difícil de ser descrito, pois descrevê-lo é criar uma ilusão sobre essa realidade. O zen é uma atitude mental de constante busca pela iluminação. Muitos monges zen budistas teriam alcançado a iluminação enquanto entregues nas práticas mundanas, como por exemplo, lavando banheiros. Watts (2008) diz que enquanto muitos seguidores de Buda procuraram a iluminação no dedo de Buda que aponta o caminho da iluminação, o Zen busca percorrer o caminho, indo em direção ao silêncio. Somente com esse breve relato já poderíamos fazer alguns paralelos da Filosofia Zen com a Filosofia clássica.2 A crença em um munPara efeitos didáticos, foram selecionados autores e textos que foram mais debatidos dentro das aulas de

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do ideal, perfeito, real, constante, onde reina a verdade absoluta e de onde se originam as ideias, ou seja, o mundo inteligível; e outro mundo ilusório, das realidades aparentes, de sofrimento, ou seja, o mundo sensível, constituem a base do pensamento platônico e são observadas também no zen. Enquanto para Platão o mundo sensível é responsável por aprisionar os homens nessa realidade aparente, para o zen, é a falsa percepção de individualismo que aprisiona o homem nesse mundo de ilusões. O que permitiria o homem escapar dessa realidade aparente? Para Platão, a filosofia, para o zen, a experimentação desse estado de união, que só é possível atingi-la por meio da meditação. Essa meditação exige um estado de profundo autoconhecimento. Essa Epistemologia, no curso de mestrado em Ensino, no Instituto Federal de Ensino Superior – Universidade Federal Fluminense, Campus Santo Antônio de Pádua, base da discussão deste artigo. Por isso, optamos por não incluir alguns autores que, com certeza, teriam muito a contribuir ao debate, como alguns filósofos Pré-Socráticos, bem como Schopenhauer e Nietzsche, dentre outros.

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GNARUS - 182 meditação é transcender a realidade aparente, é alcançar uma realidade metafísica. Watts (2008, p.14) resume a finalidade do zen é “focalizar a atenção na própria realidade, em vez de dirigi-la para as reações intelectuais e emocionais à realidade”. Essa realidade, ainda segundo este autor, seria dinâmica, vive em mudança, e, portanto, é impossível de ser encaixada em um rígido sistema de classificação e ideia. As teorias epistemológicas buscam formas de alcançar a verdade. Oliva (2011) afirma a dificuldade de se alcançar a verdade a partir da metafísica: É difícil reivindicar conhecimento de um objeto se pairar dúvida quanto ao que nossas representações conseguem dele captar: se seus traços distintivos ou apenas suas propriedades aparentes. Não tem como considerar o conhecimento possível aquele que endossa a visão metafísica de que nossas representações nunca são fidedignas, nunca apreendem os objetos em sua realidade própria. Sustentar que todas as aparências são sempre enganosas torna imperioso tentar passar para outro plano ontológico – o das essências – ou reconhecer que o conhecimento não é possível. Se as aparências nos enganam em alguns casos e circunstâncias, é inevitável a suspeita de que podem estar, na falta de um critério confiável de discernimento, nos enganando mesmo quando não estão. E depois que nos percebemos vítimas de uma ilusão, não há como afastar a possibilidade de outras ocorrerem sem ser notadas. Se não se conta com um eficiente dispositivo epistêmico capaz de identificar como, quando e onde as aparências podem enganar, há sempre o risco de se tomar por realidade (a conhecer) o que não é. Se nossos sentidos ficam presos às aparências, se há um hiato entre o registro perceptual e o ser das coisas, por que meios chegar à realidade? E como afastar a desconfiança de que o novo meio pode estar apenas trocando uma aparência por outra? Se as aparências não são guias seguros de acesso à realidade, com base em que acreditar que a razão que as renega é? Não pode ela se envolver com outros tipos de ilusão representacional?

E para alcançar a verdade é preciso entender como se forma o conhecimento. Moser (2008) considera a crença como condição necessária para o conhecimento. Logo, en-

tender a crença é entender o conhecimento. A crença é vista como relativa, e essa relatividade é apoiada pela forma como essa crença representa o mundo: se o bem representa, a crença é considerada verdadeira, se mal, é considerada falsa. Dessa forma, a realidade da crença é posta em xeque. Como podemos considerar algo verdadeiro se não podemos afirmar que essa representação é totalmente correta? A crença é assim uma representação mental da realidade, que pode ser justificada ou não. Esse estado representacional é, conforme visto no início do presente texto, observado na filosofia zen. Moser (2008, p.50) ainda afirma que “as crenças são intrinsecamente propositivas, pois exigem um objeto propositivo”. Ainda afirma que “são estados de representação psicológicos que podem ou não se manifestar no comportamento”. O caminho para o satori, parte da crença de que se focarmos nossa atenção no aqui e no agora, sem nos preocuparmos com o amanhã, ou com o ontem, alcançaríamos esse estado de iluminação. Para isso, é necessário moldar nossas ações a partir dessa crença, procurando eliminar tudo o que for desnecessário. É uma premissa minimalista das ações. Um outro ponto que Moser (2008, p.54) afirma sobre a crença, faz referência ao autoconhecimento, considerando-o como um dos pontos importantes da epistemologia. Ele afirma que “quando as crenças que atribuímos a nós mesmos têm o caráter de conhecimento, é porque são (aproximadamente) verdadeiras e justificadas”. Ainda cita que muitos filósofos propuseram que nossos estados mentais, ou seja, nossas crenças, podem ser acessadas pela introspecção, ou seja, pela interiorização de nossa atenção. É essa interiorização da atenção que fundamenta a base

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GNARUS - 183 da meditação no zen. Watts (2008, p.18) coloca como “objetivo da Escola Zen do budismo é ir além das palavras e ideias a fim de que a introspecção original do Buda possa ser trazida de volta à vida”. Moser (2008, p.55), contudo, enumera algumas críticas a essa possibilidade de introspecção. A primeira crítica é a possibilidade de termos estados mentais inconscientes. Esses estados mentais seriam responsáveis por algumas atitudes nossas, de forma inconsciente. Se eu não gosto de determinada pessoa, eu me colocaria de forma fechada às ideias dela, porém, o Zen busca trazer a luz exatamente esses pontos de nosso inconsciente. Buscar entender nossas ações, se concentrando no agora. É ter uma atitude questionadora constante sobre nossas ações, pois somente assim teríamos consciência de todas as nossas ações. Por isso a prática Zen exige uma atitude mental constante, uma análise constante de nossas ações. Essa valorização do aqui e do agora, do tempo presente, em detrimento do passado e futuro, é a base do chamado “sociologia das ausências” de Boaventura de Souza Santos (2002). Em seu texto, esse pensador procura na valorização do tempo presente como uma forma de valorizar as experiências do aqui e do agora, diferente da chamada “razão indolente”, em especial a “razão metonímica”, que afirma ser a única forma de racionalidade, desfazendo de outras formas de racionalidade, e que encara o tempo presente como o instante fugaz entre o que já não é e o que ainda está por vir. O Zen critica essa racionalidade exagerada do mundo ocidental. Essa “razão indolente” que Santos nos fala é ponto de crítica e buscase afastá-la dela. Um exemplo prático são os Koan Zen, uma espécie de charada que busca afastar a razão e focar no aqui e agora. A

resposta é sempre dada de forma irracional (FRANCO JUNIOR, p. 61, 2010). Como exemplos podemos citar: “Qual é o som do silêncio?”; ou “Não siga o passado; não se perca no futuro. O passado não existe mais; o futuro ainda não chegou. Observando profundamente a vida como ela é, aqui e agora, é que permanecemos equilibrados e livres”. Esse último podemos verificar a valorização do tempo presente como sendo o único possível onde se realizam as experiências. Um outro Koan que nos coloca no tempo presente e demonstra a importância das atividades mundanas é o seguinte: “Terminaste a refeição? Então, vai lavar tuas tigelas!”. Essa valorização do aqui e do agora é a forma que Santos verificou como alternativa à razão metonímica. Mas como essa razão se tornou hegemônica no ocidente? Boaventura de Souza Santos (2002) nos afirma que essa racionalidade é fruto da sociedade pós-industrial, e que procurou valorizar as ciências naturais em detrimento das sociais. O pensamento ocidental passou a excluir outras formas de pensamento – a multiplicidade do pensamento oriental e fundadora do pensamento ocidental – as considerando marginais, só mantendo o que favorece a expansão do pensamento ocidental. Essa multiplicidade é reduzida em tempo e espaço: pela secularização e laicização, a multiplicidade de mundos – ou vivências – passa a ser reduzida somente ao mundo terreno; e a multiplicidade de tempos é reduzida ao tempo linear, e, assim, instaura-se um conceito de progresso. Nessa transição aparece o ceticismo filosófico, resultante da transição da modernidade para a contemporaneidade, fruto de uma sociedade industrializada que valoriza os sa-

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GNARUS - 184 beres exatos, em detrimento aos sociais e filosóficos. A filosofia entra em uma recessão perante as disciplinas da razão e as ciências naturais passaram a justificar epistemologicamente as teorias da razão. Boaventura de Souza Santos (2002, p.243), com a crítica da razão indolente, vem exatamente apontar essa questão: “A razão metonímica é, juntamente com a razão proléptica, a resposta do Ocidente, apostado na transformação capitalista do mundo, à sua marginalidade cultural e filosófica em relação ao Oriente”. Santos (2002, p. 240) encara que a razão indolente desperdiça experiências, ao instalar dicotomias de saberes. “A razão indolente subjaz, nas suas várias formas, ao conhecimento hegemônico, tanto filosófico como científico, produzido no Ocidente nos últimos duzentos anos”. Alberto Oliva (2009), em sua “Crítica da Arrogância pura” também tece críticas a essa razão indolente, embora ele não a nomeie assim. Edmund Husserl (2000) entende que a compreensão naturalista aliena a humanidade em função de aspectos que retiram do homem a condição própria da cultura racional, que é a reflexão.

Se levarmos em conta que o pensamento Zen busca a essência do presente, do aqui e do agora, e encara o mundo como sendo um reflexo de nossa mente, de nossa consciência, podemos também estabelecer alguns paralelos com a fenomenologia de Husserl. A fenomenologia é uma teoria filosófica que busca a essência das experiências. Ele ainda busca transcender a fenomenologia, formando uma fenomenologia da consciência, dirigindo para a consciência enquanto consciência, indo para os fenômenos em um duplo sentido: da aparência onde a objetividade aparece, e no sentido de objetividade só considerada pelas aparências, na desconexão de todas as posições empíricas (HUSSERL, 2000, p.14). Nesse ponto, podemos observar uma análise da realidade próxima ao que o zen prega: a realidade aparente e a realidade propriamente dita, só acessada pela interiorização da consciência. Ele ainda nos mostra que as possibilidades de conhecimento não se dão somente na senda da ciência objetiva, a partir da crítica da cogitatio cartesiana. Sobre a questão da realidade, Husserl (2000, p.32-33) afirma:

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GNARUS - 185 (…) não tem sentido algum falar de coisas que simplesmente existem e apenas precisam de ser vistas; mas que esse “meramente existir” são certas vivências da estrutura específica e mutável; que existem a percepção, a fantasia, a recordação, a predicação, etc., e que as coisas não estão nelas como num invólucro ou num recipiente, mas se constituem nelas as coisas, as quais não podem de modo algum encontrar-se como ingredientes naquelas vivências. O “estar dado das coisas” é exibir-se (ser representadas) de tal e tal modo em tais fenômenos. E aí que as coisas não existem para si mesmas e “enviam para dentro da consciência” os seus representantes.

Ou seja, quando por exemplo eu vejo um objeto, não o vejo isolado, mas sim carregando as minhas memórias, fantasias, percepções, etc. Dificilmente é possível tomar o objeto por si só, mas sempre carregado de nossas experiências. Na perspectiva Zen, a realidade objetiva apresenta-se como representações mentais de uma realidade maior, dita verdadeira. O nosso self, ou ego, ou ainda o nosso eu individual, é responsável pela nossa interpretação da realidade, segundo Husserl. A fenomenologia encara como essa representação o fenômeno, e a interpretação da realidade fica a cargo da consciência. Portanto, a nossa consciência interioriza os aspectos do mundo externo, sem necessariamente ser a realidade. Essa realidade metafísica do Zen não interessa à fenomenologia, mas somente como as representações do fenômeno se dão em nossa consciência. Para tal, entende-se que a verdade aceita nas ciências nada mais é do que uma construção social, que pode ser alterada, ou até mesmo substituída, por outra que seja mais conveniente. Watts (2008, p. 14) assim define a finalidade do zen: Em resumo, a finalidade do Zen é focalizar a atenção na própria realidade, em vez de dirigi-la para as reações intelectuais e emocionais à realidade – essa realidade é aquilo que está sempre mudando, que está sempre crescendo, algo indefinível chamado “vida”, que não cessará por um momento que seja para nós, a fim de que a encaixemos satisfatoria-

mente num rígido sistema de classificação e de ideia.

A fenomenologia surge como uma alternativa do mundo contemporâneo ao modelo até então demasiado racional das ciências naturais. Como vimos, esse modelo foi o único aceito no período pós industrialização. A sociedade passou a encarar a racionalidade como única alternativa possível para alcançar a verdade. As ciências humanas foram relegadas para segundo plano, principalmente pelo seu caráter mais subjetivo de análise do mundo. Esse pensamento ainda é muito visto nos dias de hoje. Em maio de 2011, em uma palestra para o Google Zeitgeist, em Hertfordshire, na Inglaterra, o renomado físico Stephen Hawking declarou que a filosofia estaria morta, que os principais dilemas filosóficos só poderiam ser respondidos, com o auxílio da física e da tecnologia: Muitos de nós não nos preocupamos mais com essas perguntas, entretanto, questões como ‘de onde viemos?’ ou ‘para onde vamos’, que eram tradicionalmente questões filosóficas, hoje são recorrentes exclusivamente para a ciência. Os filósofos atuais não têm estudado de acordo com as descobertas mais recentes da física, e por isso, a filosofia está morta hoje.

Essa visão racional de mundo é costumeira no ocidente, especialmente em períodos da contemporaneidade, porém, o Zen critica essa posição demasiada racional de analisar o mundo. Watts (2008, p.14) afirma que o “método do Zen é o de desconcertar, excitar, confundir e exaurir o intelecto” sobrando somente que a compreensão é pensar sobre algo, fará o mesmo com as emoções, até que sobre somente o entendimento de que emoções são sentimentos de algo. Mas esse algo não é a realidade, é somente a interpretação do seu Eu inferior (ou consciência), acerca da realidade. De acordo com Silva e Homenko,

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GNARUS - 186 No Budismo, a mente perceptiva é apenas um órgão dos sentidos, ao qual acrescentamse os outros cinco (visão, audição, olfato, paladar e tato) que poluem a nossa noção da verdade, conceito bem expresso por Gautama Buda no Surangama Sutra*11 (consciência), quando comparou a mente perceptiva (consciência) a um lenço de seda com seis nós. O empenho do Budismo consiste em eliminar essa mente perceptiva contaminada e condicionada, com todo o seu acervo de recordações, sensações, e conquistar a plena Liberdade. As citações, resumidas, possibilitam uma compreensão mais clara do idealismo budista e por conseguinte, da doutrina budista exposta pelo Zen.

A meditação, ou Zazen, é a forma de acesso da realidade, e a partir dessa realidade, a consciência muda, transcende: deixa de ser individual e passamos a encarar o mundo com novos olhos, entendendo que todos somos parte de um todo, e nesse sentido, não há individualidade. A individualidade é como gotas de chuva, que enquanto caem acreditam que são partes independentes. Porém, quando cai no lago, e esse cair no lago é tomar a consciência búdica, ela se vê como parte de um algo muito maior, e não se vê mais separado do todo (CARINI, 2009). O interesse pela meditação está alcançando também a academia: há estudos que comprovam não só os benefícios da meditação, mas também a alteração na fisiologia e anatomia cerebral (KOZASA et al, 2012). E ganha também o ambiente escolar, onde a prática tem sido inserida com sucesso em várias escolas do Brasil. Porém, para efeito de ilustração, utilizamos o estudo desenvolvido por Gomes (2015) por se tratar de um estudo mais próximo de nossa realidade escolar. Ele inseriu a meditação “laica” na escola Pedro II na cidade de Petrópolis, em uma turma de ensino noturno de Educação de Jovens e adultos. Os resultados encontrados foram uma maior percepção de bem-estar, e principalmente ajudou na percepção da relação entre corpo e mente.

Simas (2015), em um estudo com crianças do 6º e 7º ano do ensino fundamental de uma escola de São Gonçalo, observou, inicialmente, mesmo sem ter concluído o estudo, que um dos benefícios da meditação foi o estabelecimento de afetividades entre os alunos e entre aluno x professor. Ao observar os resultados desses e de outros trabalhos, podemos verificar que os alunos têm, em sua maioria, uma percepção da meditação como sendo algo que relaxa, promove a paz e a tranquilidade. E essas experiências aguçaram a curiosidade dos alunos, o que poderia ser uma sugestão de trabalhos futuros abordando esta temática. Em tempos de total inversão de valores, falta de respeito com o próximo, bem como com os professores, quem sabe esta prática não seria uma alternativa para ao menos melhorar um pouco mais o ambiente escolar?

Conclusão O pensamento ocidental nunca está no momento presente, o agora se torna um pequeno lapso entre o que já foi e não mais o é e o que está porvir. Estamos a todo momento ou concentrado no futuro, pensando nas possibilidades futuras, numa idealização de um tempo que não existe ainda, e que poderá nunca existir; ou no passado, nos arrependimentos das ações que tomamos ou das medidas que deveriam ser tomadas e que nunca foram feitas. A base do pensamento Zen é concentrar-se no agora: a única realidade que existe é esse momento. Portanto viver no passado, ou no futuro é desperdício de experiência, desperdício de vida, desperdício de existência. O único momento em que eu sou dono do meu destino é o agora. Porém esse agora não é querer trazer o futuro para agora, mas sim concentrar na existência, na vivência

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GNARUS - 187 imediata. Procuramos traçar um paralelo entre algumas linhas de pensamento que procuram dar sentido para a vivência do homem, cada uma dentro de sua racionalidade e com suas peculiaridades. Longe de esgotar o tema, pelo contrário, há um todo acadêmico grandioso para ser explorado, e uma semente de estudos talvez possa florescer ainda mais a partir desta análise.

KOZASA, Elisa Harumi et al. Pesquisas em cérebro e Práticas Contemplativas. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, v. 7, n. 1, p. 17, 2012. MOSER, Paul K. A Teoria do Conhecimento: uma introdução temática. São Paulo: Martins Fontes, 2008. OLIVA, Alberto. Crítica da arrogância pura: a filosofia mais perto da pura retórica que da ciência dura. Prometeus Filosofia, v. 2, n. 3, 2013. OLIVA, Alberto. Teoria do conhecimento. Zahar, 2011.

Lincoln Mansur Coelho é professor de História e Filosofia, mestre em Ensino pela Universidade Federal Fluminense, docente no Ensino Médio em escolas Públicas e Particulares no Estado do Rio de Janeiro.

PARREIRA, Walter Andrade. Fenomenologia e espiritualidade: consciência e meditação. Memorandum: Memória e História em Psicologia, v. 27, p. 61-72, 2014.

Adílio Jorge Marques é Prof. Adjunto do INFES/Universidade Federal Fluminense. Possui doutorado em História e Epistemologia das Ciências e Pós-Doutorado na mesma área.

SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista crítica de ciências sociais, v. 63, p. 237-280, 2002. _____________________. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. Epistemologias do Sul. Portugal, Coimbra: Almedina, p.71-94, 2009. SILVA, Georges da; HOMENKO, Rita. Budismo: psicologia do autoconhecimento. São Paulo: Pensamento, 1998.

Referências CARINI, Catón Eduardo. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, n. 29, v.1, p. 62-94, 2009. FRANCO JUNIOR, Arnaldo. Da literatura como espaço fotográfico-pictórico em textos reescritos de Dalton Trevisan. In: MOTTA, SV., and BUSATO, S., (orgs). Figurações contemporâneas do espaço na literatura [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. SciELO Books <http://books. scielo.org>. Acesso em 26 Abr 2018. GOMES, Tiago Cerqueira Rodrigues. Educação Física e Corporeidades – Meditação Laica Educacional. Meditação Laica Educacional, n. 1, 2015.

SIMAS, Debora Cristina Vieira de. A Meditação Laica Educacional e a afetividade nas relações escolares. Meditação Laica Educacional, n. 1, 2015. SUZUKI, Shunryu. Mente Zen, mente de principiante (Zen Mind, Beginner’s Mind): Charlas informales sobre la Meditaci¢ ny la Practica del Zen. Shambhala Publications, 2015. WATTS, Alan Wilson. O Zen E a Experiência Mística. São Paulo: Cultrix, 1960. WATTS, Alan. O espírito do Zen. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008.

HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Tradução Artur Morão. Lisboa: Ed. 70, 2000.

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