GNARUS - 20
Artigo
REGIME NARRATIVO, EPISTOLOGRAFIA E ATITUDE SATÍRICA NAS CARTAS CHILENAS DE TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA: UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO Por Rodrigo Elias
RESUMO: As Cartas Chilenas, um conjunto de sátiras produzidas em Minas Gerais no final do século XVIII e atualmente atribuídas, na maior parte, a Tomás Antônio Gonzaga, constituem um corpus documental bastante conhecido dos estudos sobre o passado colonial brasileiro. Por ter circulado originalmente entre personagens capitais da Conjuração Mineira (1788-89), tal conjunto tem sido pouco considerado na historiografia que trata de outros aspectos daquele contexto cultural. O que o presente artigo pretende, portanto, é chamar atenção para algumas dimensões, em geral, subvalorizadas naqueles escritos, a saber: o seu caráter satírico; o papel da atitude epistolográfica na sua composição; e o recurso a uma retórica dos nervos na conformação de um regime narrativo próprio de certas audiências letradas da Época Moderna tardia. Palavras Chaves: sátira; epistolografia; retórica; regime narrativo; Tomás Antônio Gonzaga
T
omás Antônio Gonzaga, português nascido no Porto em 1744 e morto em Moçambique em 1810, é um personagem já muito conhecido na historiografia política e na crítica poética e literária luso-brasileira – sua obra já está, de forma muito consolidada, associada a interpretações sobre a poesia árcade ou “pré-romântica”, ou, em termos históricos, ao contexto politicamente conflagrado das rebeliões do período pré-Independência. No caso específico das Cartas Chilenas, um conjunto satírico anônimo cuja autoria – na maior parte – acabou atribuída definitivamente a Gonzaga (que se escondia sob o pseudônimo de Critilo) por Manoel Rodri-
gues Lapa em 19581, o escrutínio foi ainda mais intenso, sobretudo por conta da própria questão da autoria. O conjunto conhecido atualmente é um poema satírico constituído de 4.268 versos decassílabos brancos, divididos em 14 unidades epistolares (treze cartas, sendo a última incompleta, e uma “Epístola a Critilo”, atribuída a Claudio Manuel da Costa), além de uma dedicatória e um prólogo.2 Como as cópias mais antigas que chegaram até nós, são manuscritos do século XIX, houve um grande esforço de inúmeros críticos, LAPA, Manuel Rodrigues. As “Cartas Chilenas”: um problema histórico e filológico. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958. 2 GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas Chilenas. Introdução de Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 1
Gnarus Revista de História - VOLUME X - Nº 10 - SETEMBRO - 2019