Fepiano 45

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Nesta edição China 4

A Bomba-relógio chinesa

Heterodoxias 6

Economistas, esquimós e a demanda pelo pluralismo em Economia

Instabilidade Política 8

Portugal, das três uma

10 Ninguém gosta do Orçamento do Estado

Economia 11 PRR - Oportunidades e Desafios

Entrevista 12 Entrevista a Carlos Costa

O papel estabilizador do Banco de Portugal

Criptoativos 18 Ensaio sobre uma Tecnologia Disruptiva

Foreign Exchange 20 Foreign Exchange

Espaço cultural 21 Crítica da peça “O Pecado de João Agonia” 22 Agenda cultural


Editorial • 3

FEPIANO Edição 45 Dezembro 2021 Com o apoio de Santander Universidades Fotografia da capa Faculdade de Economia da Universidade do Porto - fotografia do Dr. Carlos Costa, Manuel Menal Palácio de São Bento - Wikimedia Commons Coordenação Rui Pedro Graça Rute Costa Revisão Ângela Coelho Bernardo Marta Inês Moreira Inês Ribeiro João Tavares Sara Ârede Tiago Rodrigues Arranjo gráfico e paginação Célia César (Grupo Editorial Vida Económica, S. A.) Design João Tavares Capa João Tavares e Marina Teixeira Contracapa Camila Araújo

O que podemos esperar do futuro? Apresentamos a quadragésima quinta edição do Fepiano, a segunda do corrente ano letivo, e a última do ano de 2021. Os grandes temas desta edição prendem-se com o Plano de Recuperação e Resiliência, e a atual instabilidade política, assuntos que marcaram a nossa sociedade durante este ano, e que marcarão certamente o próximo. Como é hábito, uma das partes essenciais de todas as edições é a entrevista e, desta forma, gostaríamos de dar um grande destaque ao nosso mais recente entrevistado, o Dr. Carlos Costa, Ex-Governador do Banco de Portugal (20102020). Nesta entrevista são abordadas temáticas da área macroeconómica, mas também sobre outros temas abordados nos artigos que constituem esta edição, como o papel das criptomoedas. No entanto, existem vários artigos que permitem a esta edição ter um carácter mais diversificado, começando pelas questões associadas à transição demográfica chinesa, e passando pela análise da peça de teatro “O Pecado de João Agonia” exibida pelo Teatro Nacional São João, com o qual nos orgulhamos ter estabelecido uma parceria. Para além disso, gostaríamos de agradecer à Professora Catedrática da Faculdade de Economia do Porto, a Drª Aurora Teixeira, pelo seu contributo para a mais recente rubrica do Fepiano, Heterodoxias da Economia. Adicionalmente, apresentamos um artigo referente à análise dos mercados financeiros, constituído em parceria com o FEP Finance Club. Este conteúdo encontra-se escrito na língua inglesa, como uma forma de também servir os múltiplos alunos estrangeiros que presentemente estudam na FEP. Esta mais recente edição, como é tradição, faz-se acompanhar pela agenda cultural, que representa um conjunto de sugestões bastante vasto. Inclui um conjunto de músicas, séries, filmes, assim como o destaque para um livro, e uma exposição que se poderão revelar do interesse dos alunos. Várias destes destaques poderão certamente ser acompanhados a partir de casa, tal como nos obriga a situação pandémica com a qual ainda nos deparamos. Esta quadragésima quinta edição traduz a continuação de um longo caminho percorrido, que atravessou múltiplas coordenações, pela busca do aperfeiçoamento, assim como do conhecimento. Esta jornada só é possível com o contributo de todos. FINK. Pensamos juntos.

Contactos Facebook: /fepianojornal Instagram: /finkfep E-mail: fepiano@fep.up.pt Issuu: issuu.com/Fepiano Impressão: CCI – Centro de Cópias e Impressão

Rui Pedro Graça e Rute Costa


4 • China

A Bomba-Relógio Chinesa Opinião

de Miguel Coelho

“Deixai a China dormir. Pois quando a China acordar, o mundo tremerá”. É um célebre aviso atribuído à mais marcante personagem do séc. XIX, Napoleão Bonaparte. Atualmente, estando este Gigante já muito bem desperto, é difícil escapar à ideia de que a China irá (ou que até já conseguiu) dominar o mundo. Desde artigos nos mais prevalentes jornais até àquele tio que é estranhamente obcecado com teorias da conspiração, por vezes parece que um futuro em que todos falamos mandarim é simplesmente inevitável. No entanto, apesar de ser inegável que o país alcançou uma posição de relevância no palco internacional, possui ainda alguns entraves à sua conquista do mundo. Apresento aqui um dos mais pertinentes obstáculos para a hegemonia chinesa: a sua fragilidade demográfica.

Este “empréstimo populacional” tem de eventualmente ser pago Comecemos pelo imprescindível contexto histórico. O período entre 1839 e 1949 é conhecido na China como o “Século da Humilhação”. É uma época marcada por subjugação a potências estrangeiras, começando com a Primeira Guerra do Ópio, passando pela opressão do “Império do Sol” (especialmente durante a Segunda Guerra Mundial) e apenas terminando após a expulsão dos japoneses e estabelecimento da República Popular da China. Neste novo clima de relativa segurança, a taxa de fertilidade da nação, que já era elevada, subiu para mais de 6,1 nascimentos por mulher e quem fosse mãe de mais de 6 filhos era celebrada como heroína, pelo regime e pelo povo, por estar a contribuir para uma futura China mais poderosa e incapaz de sofrer as humilhações do passado. Contudo, certamente influenciados pela Grande Fome Chinesa, os líderes comunistas acabaram por considerar este crescimento populacional insustentável. Dá-se então início, nos anos 70, à implementação de políticas de controlo de fertilidade, sob o slogan “wan, xi, shao” (“later, longer, fewer”). O governo chinês incentivava a população a casar mais tarde, alargar o intervalo de tempo entre cada filho e a gerar menos descendência. Tudo culmina quando, perto do fim da década, é introduzida a notória Política de Filho

Fonte: timquijano | Flickr

Único, tornando-se assim ilegal um casal conceber mais do que 1 filho. Desta decisão controversa resultam duas alarmantes consequências. Por um lado, proliferou o aborto seletivo. Dada a realidade cultural da nação chinesa (como, por exemplo, serem os homens a carregar o nome e o legado de cada família), os casais chineses demonstravam uma esmagadora preferência por descendência masculina, preferência que ainda hoje se mantém. Assim, caso descobrissem que o seu futuro filho seria do sexo feminino, muitos optavam pelo aborto. Esta prática originou a situação atual de desequilíbrio entre sexos na natalidade do país, atingindo o seu pico em 2004, no qual nasciam 121 rapazes por cada 100 raparigas. Hoje, a pressão já se faz sentir nas gerações mais jovens, como prova o advento e aumento de popularidade de serviços de “aluguer de namoradas”. Isto, numa sociedade que dá uma profunda relevância à constituição de família, é receita para depressão, alienação e agitação social. Por outro lado, com a ajuda de uma esperança média de vida crescente, provocou um envelhecimento populacional sem precedentes. Passar de mais de 6 filhos por mulher para 1.6 filhos (isto se acreditarmos nos dados oficiais do governo chinês, dados que são frequentemente postos em causa por especialistas, que apontam para 1.1 filhos por mulher) em apenas 30 anos permitiu à China deter uma população ativa que representava uma enorme parte da população total. Isto é uma das principais razões para o estupendo crescimento económico do país: uma vasta e jovem força de trabalho, com poucos filhos para cuidar. Porém, como é evidente, este “empréstimo populacional” tem de eventualmente ser pago. É de esperar que, nos próximos 20 anos a China duplique o seu número de idosos (>64 anos). A Alemanha (um país bastante envelhecido) demorou 60 anos a fazê-lo. Prevê-se que, na China, em 2050, a população idosa represente quase 30% da população total (em vez


China • 5 dos atuais 12%). Em 2018, por cada reformado havia 2.8 trabalhadores. Em 2050, espera-se que este número desça para 1.3 trabalhadores. Para além de abrupto, este envelhecimento incide num país no qual, apesar do admirável crescimento económico, o PIB per capita continua a ser baixo. O suporte destes futuros reformados exigirá um esforço hercúleo da sociedade chinesa. A futura crise demográfica chinesa é inevitável: mesmo

Em 2018, por cada reformado, havia 2.8 trabalhadores. Em 2050, espera-se que este número desça para 1.3. que as tentativas do Partido para estabilizar a taxa de fertilidade (tal como a tardia permissão, a partir de 2013, de 2 filhos por casal) sejam bem-sucedidas, os bebés que nasçam nos próximos anos ainda demoram pelo menos 20 anos a entrar no mercado de trabalho, pelo que o choque demográfico sentir-se-á na mesma. Como consequência, a China encontra-se numa corrida contra o tempo. Caberá ao governo chinês utilizar os anos que lhe restam antes do choque para mitigar os seus efeitos. Este é um dos objetivos do programa

“Made in China 2025”, que visa ajudar a alterar estruturalmente a indústria produtiva chinesa, tornando-a menos dependente de grandes quantidades de mão-de-obra. Outro projeto impulsionado pelo Partido é a “Nova Rota da Seda”: uma ambiciosa iniciativa de expansão e estabelecimento de ligações comerciais diretas com países da Ásia Central e África, que possuem populações jovens mas relativamente pobres e que, por isso, são possíveis economias emergentes que podem acabar por reforçar os fundos da máquina estatal chinesa. Numa onda de pensamento menos otimista, do cada vez maior desespero do governo chinês pode surgir uma propensão para o conflito armado. Expansões territoriais para a Ásia Central ou até mesmo para a Sibéria são uma possibilidade, dada a esmagadora vantagem numérica que a China possui sobre os seus vizinhos. Em suma, o Gigante acordou, mas em larga medida graças a uma demografia insustentável no longo prazo. Depara-se, então, com um grande problema que, se não resolver eficazmente, pode originar uma multiplicidade de cenários prejudiciais tanto para os seus cidadãos como para o resto do mundo. Dado o avassalador tamanho e influência da China, a sua crise demográfica deverá ser atentamente acompanhada pela comunidade internacional, de modo a evitar possíveis crises humanitárias e/ou mesmo eventuais agressões bélicas.

Créditos: Miguel Coelho | United Nations World Population Prospects (2019)


6 • Heterodoxias

Economistas, esquimós e a demanda pelo pluralismo em Economia Aurora Teixeira Professora Catedrática, FEP

“Economists are said to disagree too much but in ways that are too much alike: If eight sleep in the same bed, you can be sure that, like Eskimos, when they turn over, they’ll all turn over together.” (Paul Samuelson, 1915-2009; MIT - Massachusetts Institute of Technology) Já diz o famoso provérbio popular, “A língua portuguesa é muito traiçoeira!”. De facto, é um terreno fértil não apenas para erros ortográficos, mas também para a ocorrência de inúmeras palavras, aparentemente iguais, com múltiplos significados. Tal é o caso da palavra ‘economia’. Escrita em maiúscula, ‘Economia’ (economics, em inglês), designa uma área/ disciplina científica, uma ciência social; escrita em minúscula, ‘economia’ (the economy, em inglês), representa o objeto de estudo da ciência social Economia. A economia está, como refere Tyler Cowen (Universidade George Mason, EUA), em todo lado, é complexa e política, incluindo inúmeras esferas (e.g., inovação, finanças, comércio internacional) e envolvendo decisões/ escolhas sociais e estratégicas de organizações várias, como empresas, governos e outras entidades coletivas. A compreensão da (crescente) complexidade da eco-

nomia exige uma abordagem plural e pensamento crítico. Tal como outras ciências sociais, a Economia é caracterizada pela inexistência de um núcleo teórico comum; por outras palavras, é caracterizada pela coexistência de múltiplas (e, frequentemente) contraditórias correntes teóricas e escolas de pensamento. No entanto, o ensino e a investigação em Economia têm, desde há várias décadas a esta parte, assentado numa visão estreita e monolítica, associada ao que atualmente é considerado o paradigma dominante (a mainstream), a Economia Neoclássica, que se baseia no pressuposto do egoísmo (self-interest) e na formalização abstrata como pré-requisito de cientificidade. O equívoco de que uma ciência só o é quando apresenta um núcleo central de conceitos tem originado uma tendência perigosa para esconder a pluralidade da Economia dos estudantes e da sociedade em geral. Os resultados do projeto (financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia) “Que ciência económica se faz em Portugal? Um estudo da investigação portuguesa recente em Economia (1980 à actualidade)”, publicados em livro (“A ciência económica em Portugal: uma história recente”, Edições Almedina) em 2019, refere que nos últimos 40 anos observou-se uma cristalização e homogeneização dos cursos de Economia em Portugal. Argumentam Gonçalo Marçal, Ana Costa e Manuel Branco (no Capítulo 4 do livro) que, seja por processos de imitação/emulação

Fonte: Inquérito direto, online, realizado por Aurora Teixeira, entre 7 e 9 de outubro de 2021, respondido por 218 estudantes do 1º, 2º e 3º ciclos da FEP.


Heterodoxias • 7 (tentativa de seguir as ‘melhores práticas’ ao nível de universidades estrangeiras, bem posicionadas nos rankings de publicações científicas), seja por processos de coerção (i.e., adoção forçada de um standard para evitar perda de estudantes e/ou cumprir os requisitos da acreditação e avaliação institucional), as principais faculdades de Economia em Portugal (incluindo a FEP) convergiram para cursos idênticos/ homogéneos, caracterizados pela ausência de pluralismo teórico e limitada diversidade metodológica. Esta tendência é preocupante e urge ser invertida. Como demonstra a atribuição do Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, em 2013, a Eugene Fama, Lars Peter Hansen e Robert Shiller, cuja investigação individual versava sobre o preço de ativos financeiros, a vitalidade de uma ciência reside, em grande parte, na existência de um amplo debate, visões distintas e, mesmo, contraditórias sobre um determinado problema/ questão (no caso, a racionalidade dos mercados financeiros). O trabalho seminal de Eugene Fama (Universidade de Chicago) sobre a teoria dos mercados eficientes inspirou o desenvolvimento dos designados Index Funds e contribuiu para a diminuição da regulação financeira. Shiller tentou integrar nos seus modelos elementos de outras áreas científicas, nomeadamente da Psicologia, para demonstrar que os preços dos ativos financeiros refletem padrões irracionais, mas previsíveis. As ‘farpas’ que Shiller dirigiu a Fama foram sobejamente comentadas em jornais de ampla difusão (The New York Times, The Guardian): “It must affect your thinking somehow that they really believe in markets. I think that maybe he [Fama] has a cognitive dissonance. His research shows that markets are not efficient. So what do you do if you are living in the University of Chicago? It’s like being a Catholic priest and then discovering that God doesn’t exist or something, you can’t deal with that, you’ve got to somehow rationalise it.”1 O pluralismo de perspetivas, abordagens e métodos é assim um valor intrínseco caro ao ensino e investigação de excelência em Economia. Vozes em defesa do pluralismo da Economia ecoaram alto a partir, sobretudo, de 2014 através de iniciativas e movimentos de estudantes, docentes e investigadores. Os estudantes, através do movimento Rethinking Economics2 ou a International Student Initiative for Pluralism in Economics (ISIPE),3 expressaram a sua insatisfação como ensino de Economia e apelaram a um ensino

que respeite a realidade concreta, permita a compreensão profunda dos fenómenos que assolam as sociedades (e.g., desemprego, desigualdades, pobreza, transição climática), faça uso adequado (enquanto instrumento e não fim em si mesmo) da Matemática na investigação em Economia, apresente abordagens distintas, adaptadas à complexidade dos objetos e da incerteza que envolve a maioria das grandes questões da economia. Alinhado com esta visão, o CORE (Curriculum Open-access Resources in Economics) 5 é um projeto que envolve uma comunidade global de docentes e investigadores que tem por objetivo transformar a forma como a Economia é ensinada, contribuindo para um mundo mais justo, sustentável e democrático no qual os cidadãos do futuro possuirão as qualificações adequadas para entender e debater as melhores formas de responder a problemas societais prementes. Entre 2016 e 2018, o CORE questionou 4442 estudantes de 25 universidades localizadas em 12 países sobre “Qual o problema mais importante que a Economia deve tratar?”. A palavra que reuniu mais respostas foi a desigualdade, seguida do desemprego, pobreza, sustentabilidade e dívida. Para 218 estudantes Fepianos, a desigualdade é também o problema mais importante que a Economia e os economistas deveriam resolver, seguido do crescimento económico e da sustentabilidade (ver figura em baixo). A relevância da Economia como uma ciência social capaz de abordar questões sociais atuais, como a desigualdade, é obscurecida pelo excessivo foco nas decisões de nível individual do Homo economicus desprovido de características sociais como raça, género e nacionalidade. As chamadas abordagens “heterodoxas”,5 como a Institucionalista ou Marxista que discutem amplamente questões de interesse social mais abrangente, permanecem nas margens ou estão, frequentemente, ausentes ao longo de todo um curso de 1º e mesmo de 2º ciclo. Não é, por isso, surpresa que muitos estudantes percam o interesse. A propósito da falta de pluralismo em Economia em geral, e nos manuais de Economia, em particular, Samuel Decker, Wolfram Elsner e Svenja Flechtner, num livro publicado recentemente (junho de 2020), satirizam com desalento, tendo em mente a frase de Paul Samuelson: “all [economists] have slept in the same bed for decades, but up to now none of them, either individually or together, has turned over.”6

Notas: 1 – Allen, K. (2013). “Nobel prize-winning economists take disagreement to whole new level”, The Guardian, 10 dezembro de 2013. 2 – Ver https://www.rethinkeconomics.org/ 3 – Ver http://www.isipe.net/ 4 – Ver https://www.core-econ.org/about/ 5 – A heterodoxia económica refere-se, em geral, a todas as teorias e escolas de pensamento que estão fora das abordagens keynesianas e neoclássicas convencionais/ mainstream. Incluem, quer abordagens consideradas de extrema esquerda, como Socialismo, Marxismo e a Economia Pós-Keynesiana, quer as associadas à economia de mercado livre radical, como a Escola Austríaca. 6 – Decker, S.; Elsner, W. & Flechtner, S. (eds.) (2020). Advancing Pluralism in Teaching Economics. International Perspectives on a Textbook Science, Routledge.


8 • Instabilidade Política

Portugal, das três uma No passado dia 27 de outubro, a proposta na generalidade para o Orçamento de Estado para 2022 (OE2022), elaborada pelo governo de António Costa, foi votada na Assembleia da República. Este documento contou apenas com o voto a favor por parte do Partido Socialista, tendo sido chumbado pelos votos contra do PSD, CDS-PP, IL, CHEGA, BE, PCP e PEV. Destaca-se, ainda, a abstenção do PAN e das deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira. Opinião

de Rui Pedro Graça e Gonçalo Silva Tal como o Presidente da República havia alertado múltiplas vezes durante o decorrer das negociações entre o PS e os partidos mais à esquerda, se o documento não fosse viabilizado, iniciaria o processo de dissolução da Assembleia da República e, consequentemente, a marcação de eleições antecipadas. Após consultar o Conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou, no dia 04 do transato mês, que as eleições legislativas se iriam realizar no último domingo de janeiro do próximo ano. Dado isto, o que poderemos esperar das eleições legislativas? Que cenário governativo se avizinha para o país? Neste momento têm sido comentados três principais cenários resultantes das próximas eleições do dia 30 de janeiro, sendo que alguns destes são potencialmente mais prováveis do que outros. As mais prováveis conjunturas pós-eleitorais são as seguintes: uma maioria absoluta do PS, a continuação da maioria parlamentar à esquerda, ou o oposto do segundo cenário, a direita tornar-se maioritária no novo Parlamento.

As mais prováveis conjunturas pós-eleitorais são: uma maioria absoluta do PS, a continuação da maioria parlamentar à esquerda, ou a direita tornar-se maioritária no novo Parlamento Comecemos por analisar o primeiro quadro apontado que é, visto por muitos, como o menos provável de se realizar, uma maioria absoluta por parte do Partido Socialista. Após compreender a inevitabilidade do chumbo do OE2022, o Primeiro-Ministro atualmente em funções, António Costa, numa espécie de tiro

António Costa, Primeiro-Ministro de Portugal. Fonte: Manuelvbotelho / Wikimedia Common

de partida para as legislativas fez um apelo para uma maioria reforçada para o PS nas eleições que se avizinham – uma forma subtil encontrada pelo Secretário-Geral Socialista de pedir uma maioria absoluta para o seu partido. Tendo em conta a atual situação económica do país, o natural desgaste da administração do PS, após 6 anos de governação, tal como, vários escândalos protagonizados por elementos do governo (como a nomeação da esposa do ministro da Administração Interna para a presidência da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes; a nomeação de Pedro Adão e Silva para coordenar as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril em 2024, ao qual será pago um ordenado mensal superior a 4500 euros até ao ano de 2026, entre múltiplas outras regalias; o facto da empresa do ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos ter ganho 430 mil euros em ajustes diretos desde que esteve no governo; entre outros), limita a possibilidade do PS conseguir passar de 108 para 116 deputados (mínimo


Instabilidade Política • 9 para garantir a maioria absoluta) tornando-a muito remota, ou até mesmo irrealista. O outro cenário apresentado é a continuação da maioria parlamentar à esquerda, assim como, uma nova Geringonça. Durante 2015-2019, o país foi governado por uma aliança entre as principais forças de esquerda, na qual o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista “os Verdes” (PEV), garantiram apoio parlamentar ao governo do PS. A partir de 2020, o Bloco de Esquerda passou a integrar a oposição, tendo votado contra o OE2021, enquanto o PCP e PEV garantiram a sua aprovação com respetiva abstenção. Com os fracos resultados eleitorais nas autárquicas de 2021, por parte do BE (que registou uma perda de 2/3 dos seus vereadores) e da CDU (coligação constituída pelo PCP e PEV) que conseguiu o seu pior resultado de sempre, seguiu-se um natural endurecimento da posição destes partidos face ao PS, que culminou com o chumbo do OE2022. Tanto o BE e o PCP apresentam quedas nas sondagens (o Bloco conta com 5-8%, enquanto a CDU se encontra nos 5%, face aos 9.5% e 6.3% registados por estes na eleição de 2019, respetivamente), o que poderá significar perda de deputados, nomeadamente, para o PS, visto que estes partidos podem ser vistos como os “culpados” do chumbo do orçamento e consequente crise política. A renovação da maioria de esquerda no Parlamento pode encontrar-se em risco, pela possibilidade de perda de deputados do PS para a direita, devido ao desgaste político do partido. Mesmo considerando a

A renovação da maioria de esquerda no Parlamento pode encontrar-se em risco transição de votos do BE e da CDU para o PS, isto poderá não ser suficiente para garantir os 108 deputados atualmente detidos pelo partido de António Costa, assim como, a continuidade da maioria à esquerda. O último quadro pós-eleitoral que nos falta abordar é uma maioria parlamentar da direita. Nas eleições para o Parlamento da Região Autónoma dos Açores de 2020, contra todas as probabilidades, a direita tornou-se maioritária no Parlamento regional, o que levou ao fim de um domínio Socialista com mais de 24 anos. A possibilidade deste cenário se replicar a nível nacional tem sido apontada com um dos três mais prováveis cenários pós-eleitorais. De acordo com as sondagens, os dois partidos que mais têm a ganhar com esta situação de crise política, encontram-se à direita do espectro político, sendo estes o CHEGA e a Iniciativa Liberal. O partido nacionalista de André Ventura apresenta-se nas sondagens com uma percentagem que flutua entre os 7-10%, o que seria suficiente para transformar este partido na

Rui Rio, reeleito como líder do Partido Social Democrata. Fonte: JCSantos / Wikimedia Common

terceira maior força política nacional. Por sua vez, a IL regista um crescimento constante, consolidando a sua posição na arena política. As sondagens apontam que o partido liberal consiga um resultado entre 4-5.5%, o que poderia garantir a passagem de 1 para 7 ou 8 parlamentares. No que diz respeito aos partidos tradicionais à direita, PSD e CDS-PP, a situação não é tão positiva. O principal partido da oposição até, recentemente, encontrava-se estagnado na órbita dos 27% das intenções de voto, assim como, numa luta interna entre Rui Rio e Paulo Rangel. Com esta incrível vitória de Rio contra o aparelho do partido (que optou por apoiar Rangel), a confiança no atual líder Social-Democrata saiu renovada. A acrescentar a isto, a mais recente sondagem da TVI mostra que o PSD regista 32% dos votos, estando a uns escassos 6 pontos do PS. Estes fatores podem inverter o ciclo de aparente estagnação do PSD e levar o partido a ambicionar algo mais alto. Quanto ao CDS-PP, a situação é bastante negativa, devido à má gestão de Francisco Rodrigues dos Santos (e à sua tentativa bem-sucedida de abortar qualquer eleição interna até ao fim das legislativas), seguiu-se uma série de desfiliações de membros predominantes. Atualmente, o CDS regista entre 2-3% das intenções de voto, uma sombra do registado em eleições passadas. Podemos assim concluir, que o partido que aparenta ter uma maior probabilidade de vencer a 30 de janeiro é o Partido Socialista, mas sem a maioria absoluta tão desejada por António Costa, e com a possibilidade de perder deputados (face aos 108 obtidos em 2019) para outras forças partidárias. Cabe aos portugueses decidir a 30 de janeiro o futuro do país para os próximos quatro anos. Discutimos os cenários mais prováveis, porém as eleições trazem sempre consigo surpresas, tal como nos demonstrou as autárquicas em Lisboa.


10 • Instabilidade Política

Ninguém gosta do Orçamento do Estado O governo está, neste momento, a governar em duodécimos com o chumbo da proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano de 2022. Isto significa que, a despesa mensal de cada organismo do Estado não pode ultrapassar um duodécimo da despesa total prevista no Orçamento do Estado de 2021, com algumas exceções.

Ricardo Carvalho

“O Orçamento do Estado para 2022 é um orçamento amigo do investimento, dirigido às classes médias e focado nos jovens, mantendo as marcas dos orçamentos anteriores, como a aposta no SNS (Serviço Nacional de Saúde), o reforço da proteção social e o aumento do rendimento dos trabalhadores e dos pensionistas. E a garantia de contas certas”, são estas as palavras que o primeiro-ministro usou para descrever a proposta do orçamento no Parlamento. Recusado por 117 deputados, numa votação em que 108 votaram a favor — sendo esses deputados na totalidade do PS — e outros cinco abstiveram-se, cai assim uma esquerda, um orçamento à esquerda e uma aliança à esquerda. Com este cenário de votação, caem também (da mesa) certas medidas como os novos “escalões” do IRS, isto é, desdobramento do 3.º e 6.º; a atualização salarial dos funcionários públicos; o aumento extraordinário das pensões e o reforço do Serviço Nacional de Saúde. Algumas destas medidas ainda podem ser concretizadas pelo Governo atual, incluindo o aumento do salário mínimo, existindo a possibilidade de entrar já em vigor em janeiro de 2022.

Não havia um chumbo do orçamento desde 1978. Apontaram-se dedos por todos os lados, o governo apontou à esquerda que se recusou a apoiá-lo, a esquerda ao governo e a direita aos dois. Apesar de João Leão, atual ministro das Finanças, ter anunciado que o governo estava aberto a negociar em especialidade, nem isso convenceu. Fala-se de uma falta de negociação, que seria exigida pelo compromisso com que foi criada a geringonça, por parte dos queixosos canhotos e de um orçamento que não visa ao crescimento por parte dos destros.

Créditos da imagem: Tiago Petinga | Lusa

Surge aqui uma oportunidade para a direita se reerguer do (já algum) cansaço da gestão do governo, sendo ainda crucial a eleição interna do PSD, em data anterior às eleições. Contudo, há ainda o cenário de voltar tudo ao mesmo, afirmando-se a opinião de que a negociação do orçamento deve ser feita de forma diferente, e a mão socialista manter-se no poder de negociação. Salienta-se que todos estes acontecimentos só vêm demonstrar que não há só dois blocos políticos em Portugal e que a esquerda difere da esquerda. Estes impasses são importantes para a democracia, mostrando não existir uma maioria absoluta garantida a todas as ações deste governo. Portugal encontra-se assim, numa situação política bastante sensível, com a dissolução da Assembleia da República e a ida a eleições legislativas antecipadas. Estas já estão previstas para o início do próximo ano. Desta forma, só teremos um novo orçamento em abril, o que pode intimidar a recuperação pós-pandemia que estamos ainda a percorrer. Não havia um chumbo do orçamento desde 1978, quando Portugal estava sob um programa de austeridade e o motivo da rejeição no parlamento foi o corte do subsídio de Natal.


Economia • 11

PRR - Oportunidades e Desafios Em junho de 2021 a Comissão Europeia anunciou a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), um programa de aplicação nacional, com um período de execução até 2026, que visa implementar um conjunto de reformas e de investimentos que permitirá a Portugal retomar o crescimento económico sustentado, reforçando o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década. Duarte Moura

Com um montante financeiro a ascender os 16 644 milhões de euros, dos quais 13 944 milhões de euros correspondem a subvenções, o programa foi apresentado pelo Governo português, liderado por António Costa, como uma oportunidade para recuperar uma economia atingida de forma severa pela crise pandémica que assolou a economia e a sociedade portuguesa, assim como muitos outros países a nível mundial. À data da aprovação do PRR ficou igualmente em aberto a possibilidade de recorrer a um valor adicional de 2 300 milhões de euros em empréstimos. Nas várias intervenções públicas, António Costa tem-se referido a este programa de forma ambiciosa. Considera ser um instrumento que irá permitir voltar a galvanizar a economia nacional, assim como inúme-

O PRR possibilitará a intervenção em áreas relevantes como a inovação, a transição digital, a transição climática (...) ros setores atingidos pela Covid-19. Adicionalmente, o primeiro-ministro tem vindo a afirmar que este plano “não é um cheque em branco, mas sim um compromisso com metas, objetivos e calendários bem definidos, constituindo um desafio e uma enorme oportunidade”, confirmando que o programa é, igualmente, um instrumento vital para promover a convergência do país com o conjunto da União. Concretamente, o PRR possibilitará a intervenção em áreas relevantes como a inovação, a transição digital, a transição climática, a demografia, as qualificações e inclusão social, e a sustentabilidade ou coesão territorial. De facto, estão em causa para a próxima década meios de financiamentos que não têm quaisquer precedentes para a modernização e para o desenvolvimento económico e social do nosso país, sobretudo

Créditos: Karolina Grabowska | Pexels

concentrados nos primeiros cinco anos, com o concurso em simultâneo dos fundos ainda por executar do Portugal 2020, do período de programação 2014-20 relativo aos fundos do Next Generation, e dos fundos de coesão e da agricultura do QFP 2021-27. Ao todo, os fundos europeus assegurarão até 2029 um financiamento de cerca de 61 mil milhões de euros para a mudança estrutural em Portugal. Para alguns analistas e políticos, o PRR trará inúmeros projetos com visão de futuro, para outros, se os milhões da bazuca previstos para o país não forem devidamente distribuídos pelas diversas regiões, tudo não terá passado de uma oportunidade perdida. Para estes últimos, a excessiva burocratização da administração estatal portuguesa, bem como a desatualização de alguns municípios a nível digital e de ordenamento territorial, poderão ser uma verdadeira dor de cabeça e um entrave à aplicação e operacionalização dos milhões prometidos ao país. Para os mais críticos, o documento peca pela ausência de investimentos em proteção do litoral e combate à erosão costeira. No domínio da habitação, as críticas vão no sentido de que o programa PRR preconiza soluções ideológicas em desfavor de soluções mais estruturais, apontando igualmente o excessivo investimento na máquina da administração central em detrimento do investimento nas empresas.


12 • Entrevista

Entrevista a Carlos Costa

O Papel Estabilizador do Banco de Portugal Quando pensamos em Economia, nomeadamente para um estudante da área, é inquestionável a memória da Macroeconomia. Sendo este um dos temas chave desta edição, entrevistámos o Doutor Carlos Costa, licenciado pela FEP e ex-Governador do Banco de Portugal (2010-2020) para partilhar connosco aspetos relacionados com o seu percurso académico e profissional. Para além dessas questões, esta entrevista também aborda temas como o problema da dívida pública em Portugal, o Plano de Recuperação e Resiliência e uma análise sobre o futuro dos criptoativos. Mais recentemente, o Dr. Carlos Costa foi homenageado com o Prémio Carreira da FEP, onde é distinguido um alumni da faculdade que, baseado no seu percurso profissional e pessoal se tenha diferenciado. Agradecemos ao Dr. Carlos Costa a confiança, visto que esta é a primeira entrevista que concede após término do seu mandato no Banco de Portugal. Esta entrevista resultou da transcrição de uma vídeo chamada com o Doutor Carlos Costa.


13 • Entrevista Entrevista

por Maria Gomes e Tiago Rodrigues Com o apoio de Clara Campos, Mafalda Velho, Rute Costa e Yuliya Shevchenko O seu mandato no Banco de Portugal (BdP) foi algo atribulado, acho que podemos afirmar. Incluiu a crise financeira de 2011 e a intervenção da Troika. Qual foi o papel do BdP no processo? Quais foram as grandes dificuldades na gestão da crise? Temos de ter consciência que não foi o mandato que foi atribulado, foram os problemas com que eu me confrontei que foram difíceis. Esses problemas são o resultado da acumulação de desequilíbrios ao longo das duas décadas que precederam o ano de 2011 e que expuseram de uma forma particularmente crítica a economia portuguesa ao impacto da grande crise financeira. Com a grande crise financeira, o financiamento externo à economia portuguesa tornou-se mais difícil, e como consequência, quer o refinanciamento da dívida acumulada, quer a obtenção de novos financiamentos tornaram-se progressivamente mais difíceis, como reflexo de uma crescente desconfiança dos mercados. Neste contexto, os mercados passaram a desconfiar da capacidade dos agentes económicos portugueses, tanto públicos como privados, para assegurar o serviço da dívida, quer do ponto de vista do pagamento de juros, quer do pagamento do reembolso dos empréstimos vincendos. De tal modo que, a partir de 2009/2010, os bancos portugueses confrontaram-se com uma dificuldade crescente no refinanciamento nos mercados de capitais e no mercado interbancário. Essa fase foi ultrapassada pelo financiamento do Banco Central Europeu (BCE). Numa fase seguinte, a partir de finais do terceiro trimestre de 2010, passou a ser a própria República a enfrentar dificuldades de refinanciamento e de obtenção de financiamento adicional, e são estes elementos que levaram a economia portuguesa a ter necessidade de um Programa de Assistência Financeira em abril de 2011. O que gostaria de salientar, e que é muito importante, é que o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da economia portuguesa foi determinado pela perda de acesso ao mercado e foi condicionado pelo montante total de financiamento internacional de natureza institucional, via União Europeia e FMI, que foi disponibilizado. A dimensão e o ritmo de ajustamento da economia portuguesa foram determinados pelo montante do financiamento internacional de que o nosso país pôde dispor. Dentro desse Programa de Ajustamento Económico e Financeiro foi necessário cuidar de 3 capítulos: um primeiro, relativo à sustentabilidade das contas públicas, capitulo que, obviamente, era responsabilidade do Governo; um segundo que tinha a ver com a liquidez e a solidez dos bancos, que deixaram de ter acesso ao mercado de capitais e estavam confrontados com perdas com impacto na respetiva solvência, capítulo que cabia nas competências do Banco de Portugal ; e um terceiro, re-

lacionado com a necessidade de reformas estruturais, matéria da responsabilidade do Governo. Assim, o BdP teve que se ocupar com a parte que lhe competia, que era a parte relativa ao sistema bancário e à estabilidade do sistema financeiro. Para assegurar a estabilidade do sistema financeiro era necessário, antes de mais, assegurar que os bancos tinham capacidade para passar de um regime em que também serviam de mecanismo de captação de poupança externa para suprir a insuficiência da poupança interna para um regime em que eles concediam crédito em função dos depósitos que obtinham. Deste modo, a relação entre crédito e depósitos passou da ordem dos 170% para uma ordem abaixo dos 100%. Além disso, era também preciso garantir que o sistema financeiro e o sistema bancário podiam acomodar as perdas que resultavam do ajustamento da economia mantendo a respetiva solvência, tendo em conta o impacto dos setores económicos que estavam muito dependentes de uma procura interna que tinha sido suportada por crédito bancário assente na captação de poupança externa. O que significa que era natural que, durante o programa de ajustamento, se gerasse um grande volume de crédito em incumprimento, os chamados non performing loans. O que implicava que era importante que os bancos conseguissem, simultaneamente, duas coisas: primeiro, absorver essas perdas e, em segundo lugar, reconstituir o seu capital, porque a reconstituição do capital determinava tanto a

A confiança no sistema bancário nunca foi posta em causa robustez do sistema bancário como a sua capacidade de continuar a servir as necessidades de financiamento da economia. Para que isto acontecesse, era importante que o BdP desencadeasse um processo de verificação da qualidade dos balanços dos bancos, o que fez através de quatro rondas de auditorias externas, de forma a identificar em todos os bancos qual era o valor do crédito em incumprimento e assegurar o adequado reforço dos capitais próprios. Como os bancos não tinham capacidade para garantir esse reforço dos capitais, porque ou os respetivos acionistas não estavam disponíveis ou não tinham capacidade para assegurar o requerido aumento de capital e porque também não tinham acesso ao mercado de capitais, o Programa de Assistência Económica e Financeira incluiu uma linha específica de apoio à recapitalização dos bancos, num total de 12 mil milhões de euros, que foi utilizada em programas de recapitalização, sob a forma de empréstimos subordinados ou injeções de capital, em resposta a pedidos fundamentados dos bancos. Tratou-se não só de repor os níveis de recapitalização, mas também


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Fonte: Faculdade de Economia da Universidade do Porto. O Doutor Carlos Costa recebeu o Prémio Carreira FEP 2021 no passado dia 26 de outubro de 2021 no Salão Nobre da faculdade.

de os reforçar, num contexto de revisão e reforço das exigências prudenciais europeias com os primeiros testes de stress da EBA (European Banking Authority). Gostaria de salientar que durante todo o período, que vai de 2010 a 2020, não houve um único depositante que tivesse perdido 1 euro que fosse dos seus depósitos, o que significa que a confiança no sistema bancário nunca foi posta em causa. Isto é muito importante porque os países onde os depositantes perderam parte dos respetivos depósitos registaram uma perda de confiança no sistema financeiro e, como consequência, uma massiva fuga de capitais que determinou, logo de seguida, a necessidade de imposição de limites à circulação de capitais, que em alguns casos foi muito prolongada. Contrariamente ao que aconteceu noutros países da zona euro, em Portugal, nunca assistimos a uma situação em que os depositantes, em pânico, tivessem feito fila para levantar os seus depósitos do sistema bancário. Pelo contrário, em Portugal os depósitos de clientes bancários registaram aumentos consecutivos tanto durante o período de ajustamento como depois. foi apenas em benefício dos depositantes, foi em benefício da economia, porque se o crédito é função dos depósitos, se houvesse menos depósitos, teria havido menos crédito, e se houvesse menos crédito à economia, teria havido, obviamente, maior contração dessa mesma economia e menos emprego. Se me perguntam se eu acho que o BdP respondeu ao desafio, eu respondo sim, porque nunca esteve em causa a confiança no sistema bancário e nunca houve nenhuma fuga de depósitos, condições basilares da estabilidade financeira. O Banco de Portugal preencheu a sua função.

Atualmente vivemos num contexto de taxas de juro muito baixas, próximas de zero. De que forma este ambiente pode trazer maiores riscos para a estabilidade financeira na banca portuguesa? As taxas de juro baixas não são capricho do banco central. Resultam de uma situação económica e financeira, em que estivemos confrontados com sérios riscos de deflação e de desemprego. As taxas de juro foram fixadas nos níveis em que se encontram hoje porque era necessário evitar a deflação e garantir a convergência para a estabilidade nominal, estimulando a procura e o emprego. É óbvio que quando se fixam taxas de juro baixas, regista-se uma redução da taxa de desconto dos rendimentos futuros e, como consequência, uma valorização dos outros ativos financeiros. A redução das taxas de juro do banco central tem um efeito que não podemos ignorar: o enriquecimento dos detentores dos ativos financeiros tanto de rendimento fixo como variável. O que significa que os decisores da política monetária estiveram confrontados com um dilema. Ou suportavam a economia e o emprego para evitar o risco de deflação e garantir que a taxa de inflação voltava para um nível que se considera de estabilidade nominal – isto é próximo mas abaixo dos 2%, ou em torno dos 2%, na nova definição de estabilidade nominal - , e, então, tinham que adotar uma política monetária acomodatícia que passava não só pela fixação de taxas de juro baixas e mesmo negativas como pela adoção de outras medidas chamadas não convencionais, como, por exemplo, a compra de ativos, de obrigações de empresas e de obrigações soberanas, e, além disso, a cedência de liquidez em condições favoráveis aos bancos comerciais. E, nesse caso, corriam o risco


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de gerar uma bolha em termos de aumento de preços nos ativos financeiros. Ou os decisores da política monetária não queriam correr este risco de valorização dos ativos financeiros e da consequente bolha e aceitavam agravar o risco de deflação, com intensificação da recessão económica e do desemprego. A única forma de conciliar a estabilidade nominal e a estabilidade macroeconómica com a estabilidade financeira seria a de fazer uso de um segundo instrumento porque, como sabem os economistas, não podemos prosseguir dois objetivos com um único instrumento. Por isso, em paralelo com os instrumentos de política monetária que visavam assegurar o regresso a uma taxa de inflação de 2% através do estímulo da procura e do combate à deflação, foi necessário acionar mecanismos que limitassem o risco de uma bolha especulativa do lado dos mercados financeiros, através da adoção de medidas que fazem parte da caixa de ferramentas da política de estabilidade financeira. Portanto, e em suma, não havia outra forma de agir que não fosse eleger o objetivo principal, a estabilidade nominal e, de forma derivada, a estabilidade macroeconómica; e depois mitigar os efeitos derivados das medidas de política que prosseguem esse objetivo principal - efeitos derivados que eram essencialmente o aumento do preço dos ativos financeiros que se designa por bolha financeira. Portugal tem um grave problema estrutural: uma elevada dívida pública, neste momento 135% do PIB, uma das mais elevadas da União Europeia. A política monetária só ajuda até certo ponto. Na sua opinião, é essencial completar as ações de política monetária com a política orçamental? Este valor da dívida pública é sustentável? Em primeiro lugar é preciso olhar para o rácio da dívida e colocar duas questões. A primeira é: como é que se chegou aqui? Como é que se acumulou esta dívida e porque é que o produto não acompanhou o crescimento da dívida? Obviamente que a situação a que chegamos tem a ver com o facto de esta dívida ter financiado consumo e investimento não produtivo ou investimento não diretamente produtivo. O que significa que o que se deteta por detrás deste rácio da dívida é um problema de afetação de recursos. A segunda questão é saber se esta situação é sustentável. A sustentabilidade não é função apenas do valor do rácio. Este é apenas um elemento a ter em conta na avaliação, por muito relevante que seja não determina a conclusão. Está em causa saber se o país pode ou não assegurar o serviço da dívida, quando as taxas de juro subirem e se normalizarem, mesmo que o novo normal seja inferior ao conhecido no passado. Um rácio desta ordem de grandeza e desta natureza, requer muita cautela na gestão das finanças públicas, se se pretende garantir a confiança dos mercados e o interesse dos investidores não só para refinanciar a dívida que se vence como financiar as neces-

sidades adicionais, em particular para financiamento do investimento. Está em causa a capacidade do país para pagar os juros e inspirar a confiança dos investidores para continuar a refinanciar a dívida vincenda. Ora, o mercado só estará disponível para tal se verificar que o país tem um crescimento do produto que garante a capacidade de fazer esse reembolso. Portanto, quando se olha para o rácio da dívida numa perspetiva de futuro, temos que ter presente não só a evolução do numerador – a dívida – como do denominador – o produto interno bruto A dívida tem que estar sob controle o que significa controlar o défice primário (o défice orçamental expurgado dos juros). Mas não basta. Temos que ter

O que se deteta por detrás deste rácio da dívida é um problema de afetação de recursos presente a dinâmica do denominador, o crescimento do produto; e, por fim, mas não menos importante, a relação que existe entre o numerador e o denominador, isto é, entre a despesa pública e o crescimento económico, dado que a intensidade e a sustentabilidade do crescimento do produto dependem da natureza e da qualidade da despesa pública. Se a despesa de consumo se contrai em termos relativos e se a despesa adicional é investimento com impacto directo ou indirecto no aumento da capacidade produtiva ou na produtividade, o denominador tende a aumentar mais rapidamente que o numerador o rácio tende a reduzir-se e a confiança do mercado tende a aumentar. Em suma, não basta controlar o défice primário. É preciso analisar em que medida é que a despesa pública promove, ou não, o crescimento do produto. Se não promove o crescimento do produto, não só haverá mais dificuldade em assegurar a confiança dos credores como é provável que aumente a rigidez da despesa e se acentue o risco de sustentabilidade das finanças públicas. O que significa que não basta uma política de consolidação orçamental, é preciso também uma política de melhoria qualitativa da despesa pública, no sentido de maximizar o impacto dessa despesa pública sobre o crescimento económico. E é por isso que, quando perguntamos se é sustentável ou não, temos que perguntar quais são as perspetivas em termos de défice primário, em termos de qualidade da despesa e qual será o impacto dessa despesa sobre o crescimento sustentável do produto, assim como qual é a perspetiva de crescimento do produto. A resposta depende apenas de nós próprios, isto é, dos portugueses enquanto coletivo organizado, e da nossa capacidade para lidar com as incertezas, criando margens de manobra, que aumente a segurança para


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fazer face a imprevistos que estão fora do controlo da política orçamental, nomeadamente as que estão associadas à evolução das taxas de juro, ao financiamento internacional disponível e à oscilação do apetite de risco dos mercados. Num mercado como o atual, em que há excesso de liquidez, o apetite de financiamento de mercado é maior do que naquele em que há escassez de liquidez, como aconteceu depois da grande crise financeira. Portanto, e em suma, um rácio desta natureza é como um semáforo laranja intenso que obriga as pessoas que vão a atravessar a passadeira, a acelerar o passo, para não serem atropeladas. E, portanto, há que acelerar o passo, crescendo no produto e controlando o défice primário e, simultaneamente, garantindo que a despesa pública privilegia as áreas com maior impacto em termos de crescimento futuro. Desde março de 2020 que o Banco de Portugal (BdP) tem vindo a intervir de forma a suavizar os impactos negativos da pandemia na nossa economia. De tudo o que o BdP fez, qual foi, na sua opinião, a medida que teve um maior impacto positivo? Bom, todas as medidas tiveram um impacto positivo. Houve medidas de política monetária como a compra de dívida pública pelo chamado Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP), que é o programa excecional de compra de ativos por força da pandemia: um programa por tempo determinado e de grande montante, que tem impacto tanto sobre as condições de financiamento do soberano, ou seja, do estado português, como dos demais agentes económicos, portanto alivia as condições de financiamento da economia. Teve impacto o programa excecional de cedência de liquidez do Sistema Europeu de Bancos Centrais, que nós resumimos ao BCE, que apoia os bancos no financiamento da economia, mas também tiveram muito impacto duas medidas regulatórias: o aliviar das exigências de capital por um período de tempo, de forma que os bancos pudessem conceder mais crédito à economia; e o tratamento prudencial favorável das moratórias. Se não houvesse um tratamento prudencial favorável, os bancos teriam que registar imparidades, o que iria afetar o capital e a sua capacidade para conceder crédito. Em suma, tudo foi feito foi no sentido de assegurar que não havia uma contração da atividade económica derivada da pandemia. Esse é um contributo decisivo porque, interrompeu-se a transmissão que naturalmente iria haver entre as condições reais do funcionamento da economia, por força da pandemia, e as condições financeiras dos agentes económicos. As famílias que tinham dificuldades não entraram em incumprimento porque beneficiaram de moratórias, as empresas também não, o que significa que se evitou um círculo vicioso, que resultaria do impacto da pandemia sobre as condições reais de funcionamento da economia, e destas sobre as condições financeiras dos agentes

económicos. Para resumir numa imagem simples, o sistema financeiro e a economia real beneficiaram de uma grande garrafa de oxigénio que lhes foi fornecida pelos bancos centrais. Afirmou no seu discurso de receção do prémio carreira 2021 da FEP que o Plano de Recuperação e Resiliência teria pouco efeito na economia portuguesa. Porquê é que o afirmou e em que segmentos da economia acha que o plano fica a desejar? O que eu disse foi que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) teria um efeito limitado sobre o crescimento do produto potencial. E porquê? É preciso olhar para as rubricas que vão beneficiar do apoio do PRR e distinguir entre quatro tipo de rubricas. Primeiro, as despesas que correspondem a necessidades que não têm impacto na capacidade produtiva. Segundo, as despesas que vão ter impacto indireto sobre a capacidade produtiva porque criam condições favoráveis, mas estão dependentes de que haja depois um efeito induzido sobre os agentes económicos que os leve a investir para tirar proveito dessas condições. Por exemplo, quando se fornece bens públicos na área da mobilidade ou na área das telecomunicações ou na área digital, a relação com o produto potencial não é mecânica, depende da capacidade dos agentes económicos para tirar partido disso. Terceiro, há despesas que se destinam apenas a assegurar a reposição de potencial produtivo que, entretanto, se reduziu ou desapareceu. Para dar um exemplo relacionado com as empresas: se não fazem a reposição de uma máquina, a máquina mais tarde ou mais cedo avaria e a despesa que fazem, depois, com a respetiva manutenção não vai aumentar o potencial de produção da empresa, vai restituir o potencial que ela tinha antes. E depois há uma quarta categoria de despesa, ou de afetação de recursos, que se destina efetivamente a aumentar o potencial de produção. O que eu disse, e digo, é que esta quarta categoria não é tão importante quanto a situação da economia portuguesa justificaria e, portanto, o impacto direto sobre o produto potencial vai ser limitado. Vai ter um impacto indireto, na medida em que a criação de condições envolventes pode induzir o investimento, mas saber se este investimento acontece ou não depende, primeiro, das demais políticas, em particular de um fator determinante que são as políticas estruturais e o seu alinhamento do ponto de vista do incentivo ao investimento, à inovação e à criação de emprego; e, dependerá depois da respetiva perceção pelos agentes económicos e da sua capacidade de aproveitamento. Acha que daqui a 20-30 anos, com a emergência de novas formas de moeda descentralizadas, nomeadamente as criptomoedas, os bancos centrais continuarão a ter a importância na regulação e condução de política monetária que têm hoje?


17 • Entrevista

Em primeiro lugar, para qualificarmos uma qualquer entidade como moeda, ela tem de ter, entre outras características, uma característica que é crítica e que é ter curso legal e poder liberatório não condicionado. Isto é, quando a pessoa entrega a moeda, ela tem que libertar da dívida quem a entrega e não pode ser recusada como meio liberatório por quem a recebe. Estas são características que só podem ser conferidas por quem é soberano, isto é, o Estado é que tem o poder de imposição da aceitação, e é esse poder que é o poder de império, que confere à moeda o papel central que ela tem na economia. E nós não podemos atribuir esse papel a qualquer agente porque isso seria um poder exorbitante. O que significa que só o Estado pode emitir moeda, dado que é a única entidade que lhe pode conferir os atributos constitutivos da moeda ou seja o curso legal e o poder liberatório no seu território. Há ativos que se designam como cripto porque estão baseados numa tecnologia, que é uma tecnologia de blockchain, que permite uma gestão descentralizada e que são transacionados porque há uma confiança entre os agentes económicos para os aceitar, mas a base de sustentação destes ativos não é qualquer poder ou obrigação legal, é a confiança recíproca. E, portanto, estes ativos têm o seu valor enquanto forem procurados e enquanto suscitarem confiança. Acontece ainda que, no caso dos criptoativos, estes ativos não têm por trás uma outra realidade que os suporte e que garanta que o seu valor é aquele que lhe está atribuído naquele momento, daí a volatilidade que se observa no preço destes ativos. O ativo existe, mas existe na base da mera confiança. O que significa que quem investe em criptoativos, investe na presunção de que a confiança naqueles ativos se mantém e que a procura também se mantém, de forma que o seu valor se mantenha também. A questão da moeda digital é diferente, é uma moeda que não tem expressão física. Nós já temos moeda digital: os bancos comerciais quando trabalham com o BdP não trabalham com moeda física, senão seria impossível transferir milhões de euros em segundos. Trabalham com base em registos informáticos. O que não existe hoje é a possibilidade de eu ter uma conta no Banco de Portugal que permita movimentar a conta do Banco de Portugal a favor de alguém por transferência bancária. Qual é a diferença entre a moeda digital do banco comercial e a do banco central? É que a primeira só existe porque existe confiança de que ela vai ser convertida em moeda (digital) do banco central. E quando essa confiança se perde, há uma corrida aos bancos. A corrida aos bancos não acontece porque, entretanto, o banco central cede moeda (digital) aos bancos comerciais para eles resolverem os seus problemas, aquilo a que se chama assistência de liquidez de emergência. Portanto, quando falamos na criação de moeda digital do banco central, não estamos a falar

da criação em absoluto, mas estamos a falar do acesso aos depósitos do banco central por parte do cidadão comum. A questão que se coloca é qual é a utilidade? A utilidade é dar aos cidadãos maior garantia quanto aos depósitos, dado que não correm o risco de os seus depósitos estarem associados à solvência de um banco comercial. Nessa altura, é preciso repensar todo o sistema financeiro porque todos vão querer ter os depósitos no lugar mais seguro, e tanto mais quanto maior for a incerteza financeira ou macroeconómica, e os bancos comerciais passam a ter que pagar um prémio para que as pessoas aceitem que os depósitos estejam nos seus bancos, porque o cidadão ao fazer o depósito no seu banco aceita o risco de solvência do banco comercial. Ora, isto implica que quer em termos de formação de preços, quer em termos de estabilidade financeira, se entre num novo regime, e que esse novo mundo tem de ser pensado. Tem virtualidades, por exemplo, uma virtualidade é a de poder estabelecer uma espécie de taxa de conversão entre depósitos nos bancos comerciais e depósitos nos bancos centrais, que no fundo corresponde a um prémio de risco, mas altera completamente as condições do funcionamento do sistema financeiro e da economia como a conhecemos hoje. O consenso que se começa a gerar sobre o tema vai no sentido de estabelecer que a emissão de moeda digital de banco central para o retalho deverá ser acompanhada da manutenção do atual sistema duplo em que os bancos comerciais são responsáveis pela verificação do cumprimento de

O PRR terá um efeito limitado sobre o crescimento do produto potencial requisitos como os de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Os bancos centrais não estão capacitados para desempenhar estas funções. Portanto, é uma matéria que merece profunda reflexão, mas não vai a reboque da existência de criptomoedas per se, porque não há criptomoedas - há criptoativos que se apresentam como criptomoedas, mas que não são um meio de pagamento a não ser enquanto quem recebe esses criptoativos esteja disponível para os aceitar. E depois há uma outra questão que tem importância que é: vamos supor que as pessoas têm uma conta em criptoativos e um dia resolvem que querem transformar em euros - a que taxa vai ser feita a conversão? Porque aquilo não é moeda de banco central e não é seguro que haja alguém por trás que possa garantir a conversão. É uma realidade que existe numa base que é a mesma da moeda, a confiança, mas a confiança da moeda tem por trás o poder do Estado, com tudo o que isso implica.


18 • Criptoativos

Ensaio sobre uma tecnologia disruptiva Opinião

de Tiago Rodrigues

A moeda é, indiscutivelmente, uma das melhores invenções da humanidade. Tendo em conta a sua importância, tem sofrido grandes alterações ao longo dos séculos, de forma a melhor servir as nossas necessidades. Na última década, surgiram novas formas de moeda digitais descentralizadas, as criptomoedas, na sequência da crise de 2008 e da perda de alguma da credibilidade no sistema bancário. Serão estas moedas, suportadas por uma das mais inovadoras tecnologias, capazes de romper com o atual sistema de pagamentos e criar um novo paradigma? Atualmente, o preconceito que a generalidade das pessoas sente ao ouvir que há possibilidade de sermos governados por um algoritmo ainda é grande: afinal de contas, este não é humano, nem capaz de sentir. Por mais discutível que seja o adjetivo “humano”, mas usando a aceção moral habitual da palavra, humano é contribuir, por exemplo, para diminuir

Não precisamos que uma moeda tenha curso forçado (…) basta que seja credível a pobreza material da humanidade. Se este objetivo, assim como múltiplos outros, forem alcançados através de um algoritmo, em vez de através de um falível decisor público, então talvez o primeiro possa ser considerado mais “humano” que o segundo. Relativamente à questão das moedas, não precisamos que uma moeda tenha curso forçado para desempenhar o seu papel de intermediário geralmente aceite nas trocas. Basta que seja credível. O objetivo de um sistema de moedas digitais descentralizadas não seria termos apenas uma única moeda a circular, mas um conjunto de moedas, similar ao conceito de Free Banking, proposto por David Friedman. As moedas que iriam sobreviver seriam ditadas pelo mercado com base na qualidade do seu desenho. Algumas destas serviriam para transações mais correntes (exemplo dado pela moeda ADA, da blockchain CARDANO). Já outras teriam uma função

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mais store of value, hoje desempenhada por ativos como ouro. No entanto, se os estados preferissem que uma determinada moeda circulasse com curso forçado, também o poderiam fazer: escolheriam a que fosse mais credível. Sabemos que, em grande parte, a inflação é um fenómeno self-fulfilling. Como tal, o papel das expectativas sobre a evolução dos preços é uma determinante muito importante da própria taxa de inflação. E se a criação de moeda estivesse na mão de uma tecnologia bem desenhada, ao ponto de uma vez implementada, ninguém conseguir alterar a velocidade à qual esta é injetada na economia? Desta forma, teríamos as expectativas de inflação ancoradas na diferença entre o ritmo de crescimento da moeda e a taxa de crescimento do produto, independentemente, da fase do ciclo económico. Alguns académicos defendem que não intervir com políticas monetárias para enfrentar choques macroeconómicos é, na maior parte das vezes, melhor que qualquer intervenção, isto porque o ajustamento das expectativas de inflação tende a ser mais rápido. No caso da adoção da tecnologia descrita anteriormente, a expectativa de inflação não se alteraria. Ou seja, talvez uma regra simples, suportada por um algoritmo complexo e inquebrável, tenha resultados mais positivos que uma política discricionária, decidida numa reunião por umas dezenas de economistas. Apesar dos progressos da ciência económica, ainda reina a subjetividade nestas discussões. Como funciona o processo de criação de moeda na generalidade das criptomoedas? São uma re-


Criptoativos • 19 compensa dada pela rede aos Miners, cuja função é suportar a própria rede, garantir a sua segurança e validar transações. O lado bom é que qualquer pessoa ou empresa com um computador pode minerar moedas, ou seja, este setor seria o mais free-enterprise possível. Quanto mais entidades minerarem, menor será a recompensa recebida pelo trabalho, já que a taxa de crescimento da moeda é constante. Assim sendo, podemos afirmar que o mining market seria um mercado de concorrência praticamente perfeita, sendo que a remuneração tenderia para um valor muito próximo do custo de eletricidade consumida para obter moedas. Neste sistema, como ocorreria a cedência de crédito? As empresas no mining market cederiam o montante monetário minerado a bancos (a troco de uma taxa de juro) que, por sua vez, forneceriam este dinheiro ao setor não monetário da economia a taxas de juro fixadas pelo mercado. Nos dias que correm, existem diferentes modelos de criptomoedas. A Bitcoin assemelha-se ao ouro, já que foi desenhada para que a recompensa por validação tenda para zero. Prevê-se que, em 2140, o volume de Bitcoin existente no mercado não se altere mais. Com uma oferta de moeda constante, esta não poderá ser usada a longo prazo para transações correntes, pelo que será utilizada, tal como o ouro, para store of value. Outra característica da Bitcoin é não ser anónima para qualquer pessoa que tenha os recursos certos. Todos detêm uma parcela da rede no seu sistema e, como tal, informação sobre todas as transições ocorridas. Uma instituição com bastantes recursos (como Estado), pode encontrar a informação sobre as transações feitas pelos seus

Sistemas descentralizados são resistentes à manipulação política e promovem a liberdade individual cidadãos. Isto, a meu ver, é uma das características mais negativas da Bitcoin, daí já existirem propostas de moedas com um anonimato completo. Existem algumas críticas, habitualmente, feitas às criptomoedas. Primeiro, o seu consumo bastante elevado de recursos. Porém, os bancos também consomem recursos de forma a manterem registos sobre todas as transações que ocorrem, assim como o Banco Central ao produzir notas e moedas. Além disso, já existem moedas desenhadas para gastar pouquíssima eletricidade, como é o caso da ADA. Uma outra crítica prende-se com o seu anonimato e o consequente uso por criminosos. Como demonstrado anteriormente, no caso de algumas moedas, como a Bitcoin, as transações não são anónimas

Créditos: geralt | Pixabay

para uma instituição com amplos recursos como o Estado; além disso, não há nada mais anónimo do que o sistema atual de notas e moedas, que sempre foi e continua a ser muito usado por criminosos. No entanto, o anonimato é algo positivo; ninguém, nem o Estado, nem nenhuma instituição privada, deve poder saber aquilo que fazemos com o nosso dinheiro. A perda de privacidade, no cenário tecnológico para o qual caminhamos, é uma tentativa de transformarmos a sociedade de hoje num Estado Orwelliano. Uma terceira crítica refere-se à possibilidade de existir bastante volatilidade dos preços fixados dos bens. É de notar que a fixação dos preços passaria a ser feita a título da criptomoeda e não de uma moeda emitida por um Banco Central. O preço só variaria minuto a minuto se quiséssemos comprar um bem utilizando outra moeda (tal como acontece hoje, se quisermos adquirir um produto em Portugal com dólares). Por outro lado, num sistema como o que foi descrito, a estabilidade dos preços seria muito maior que a atual. Sem dúvida que a introdução dos Bancos Centrais ao longo do século XVII foi uma invenção de extrema importância, principalmente, tendo em conta, o contexto tecnológico da época. Porém, sempre lhes foram apontadas críticas. Hoje temos a internet e a Blockchain, duas tecnologias que possibilitam a criação de um novo sistema de pagamentos, talvez melhor do que o que temos hoje. Os sistemas descentralizados são resistentes à manipulação política e promovem a liberdade individual, por isso, deveriam ser sempre o nosso go-to. Por mais revolucionário que seja, talvez esteja na altura de mudar o sistema monetário. Talvez a moeda seja algo demasiado importante para estar nas mãos do Estado.


20 • Foreign Exchange

Foreign Exchange Behind the trend FEP Finance Club Forex Trading Team

In November, the Dollar gained some strength against the Euro, due to lower than expected Initial Jobless Claims and higher Core Retail Sales. Fundamental analysis The EUR/USD started this month trading above the 1.1300 mark. Overall, it was a bearish month for the euro. This happened despite the fact that, on November 4th, the US had lower than expected Initial Jobless Claims. Afterward, from 9th November until the 15th, EUR/USD had a bearish trend, meaning that the dollar strengthened. This might have happened because Crude Oil Inventories (Wednesday, November 10th) and, moreover, the JOLTs Job Openings (Sep) were better than expected. On the 16th, the trend continued, probably due to the rise of the USA’s Core Retail Sales. Then, on the 18th, the pair reached 1.13716 which may have been caused by the increase of the US’s Jobless Claims (8M). On the 26th, Lagarde’s speech threw the EUR on a bullish trend, and, on the 29th, the increase of Pending Home Sales had a bullish impact on the dollar, sending the pair down.

Headline of the month: The Inflation Threat The Inflation menace seems more important than ever as, after a period of very low inflation rates, we now have the highest monthly inflation rates in 30 years for both the US and the Eurozone. So, in the near future, Central Banks might act in order to control it. In America, stimulus checks and shortage of labor increase the households’ income which, in turn, created upward pressure on prices. The Fed has already increased their tapering measures, as they look to, eventually, shut down their asset acquisition program, and a rise in the Fed Funds Rate might happen in the first quarter of 2022.

EUR/USD (1st Nov to 30th Nov) 1.1100 1.1050 1.1000 1.0950 1.0900 1.0850 1.0800 1.0750

3 Feb

10 Feb

17 Feb

Calendar Dec 15th Dec 17th Dec 17th Dec 17th Dec 22nd Dec 23rd Dec 23rd Dec 23rd

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28 Feb

Source: Investing.com

Fed Interest Rate Decision, USD CPI, EUR German Ifo Business Climate Index, EUR Retail Sales, GBP GDP, EUR New Home Sales, USD GDP, CAD Core Durable Goods Orders, USD

In Europe, the ECB seems to be more hesitant to act, as Lagarde believes that the current inflation rate is temporary, due to some transitory factors like the reopening of economies and a global commodities shortage, especially in the energy sector due to the OPEC+ reluctancy in increasing oil production. This prompt the ECB’s President to say that interest rates are not going to rise in 2022. The country of Japan, which has been plagued with inflation near 0% in the last decades, remains unable to escape this situation, even with low interest rates and a surge in energy prices.

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Espaço Cultural • 21

Crítica da peça “O Pecado de João Agonia” Opinião

de Sara Arêde

Após meses forçados a realizar espetáculos online, os teatros voltam a abrir as portas ao público. O Teatro Nacional de São João é o local ideal para retomarmos velhos hábitos ou para começarmos outros novos. Neste espírito, tive a oportunidade de assistir ao trabalho da Companhia ASSéDIO que deu vida à obra “O Pecado de João Agonia”, de Bernardo Santareno. O autor viveu a época salazarista sob a censura da Igreja e do regime em vigor. No entanto, encontrou na escrita o instrumento que necessitava para defender os seus ideais. Assim, apresenta ao público temáticas ainda hoje consideradas “tabu”: desde homoerotismo e homofobia, a crimes de ódio, pedofilia e outros valores vinculados a um Portugal retrógrado e beato. Feita esta contextualização, só posso descrever este espetáculo como incrível! A atenção da plateia é arrebatada de imediato. O cenário, os figurinos, os maneirismos e entoações fizeram-me viajar para o interior de Portugal, na década de 60. Somos, desde o primeiro momento, contagiados por uma sensação de que a ação irá convergir para uma tragédia. Qualquer suposição quanto a tal é imediatamente confirmada, não só pela apresentação da família cujo apelido é Agonia, mas também por uma série de superstições e agoiros expressos por Rita, mãe de João, e Teresa, irmã deste, com uma emoção excessiva que rasa o simulado, mas consistente com a ideia de feminilidade propagada pelo poder patriarcal.

A atenção da plateia é arrebatada de imediato A ação vai-se desenrolando através do que não é realmente dito, de um silêncio particularmente barulhento e de entrelinhas denotadas de uma genial ironia. Aos poucos, vamos assistindo ao acumular da agonia de João que vê em tudo o reflexo do seu “pecado”. Porém, com ele, senti criar uma relação de quase confidência, pois, numa casa re-

Fonte da imagem: Website do Teatro Nacional de São João

pleta de família e amigos, apenas eu, no meu lugar, tão isolada como ele, conseguia vê-lo verdadeiramente. Inevitavelmente, o segredo acaba por ser exposto: João Agonia é homossexual. A partir deste momento, a história evolui num ritmo frenético e João vê os seus medos tornarem-se realidade. Ao longo da peça, assistimos a atos de violência doméstica, luxúria e traição; no entanto, os homens da família veem na orientação sexual de João “o pior pecado de todos”, o que causa danos, nomeadamente, na virilidade dos machos Agonia. Sofredores de uma masculinidade atualmente apelidada de frágil e tóxica, decidem pôr fim aos “humores” de João, um ato visto, por eles, como benevolente. Quando as cortinas se fecham, somos assolados pela impressionante atualidade da peça que, meio século depois, retrata uma situação perfeitamente possível de integrar, talvez não a primeira página de um jornal, mas decerto uma notícia intermédia, entre a vitória da equipa X da Liga dos Campeões e o anúncio de que o nosso craque vai ser novamente papá. Esta peça realça que a necessidade de mudar mentalidades persiste, dado que, na atualidade, tanto Bernardo Santareno como o jovem João Agonia, permaneceriam sem encontrar uma realidade que os aceitasse abertamente. Os tempos mudaram, mas as vontades são as mesmas desde os primórdios: acabar urgentemente com a discriminação desta comunidade em particular.


22 • Espaço Cultural

Agenda cultural Música

Jimmy

Jimmy Sax Eletrónica/Instrumental, 2021, 54’ Spotify

Jim Rolland, conhecido por Jimmy Sax, é um saxofonista que continua a deixar a sua marca no mundo da música electrónica. A sua carreira de mais de uma década teve início no aquando da publicação da música “No Man No Cry” da sua autoria no Youtube. Jimmy é agora nome do seu mais recente álbum, onde se evidenciam, mais uma vez, o seu inegável talento com o saxofone e as suas habilidades de produção. Pode contar com 15 faixas e vai ter a oportunidade de relaxar ao som das mais diversas “vibes”.

Palavras Cruzadas é a mais recente colaboração entre dois talentos cujas raízes são o hip hop português. David Bruno junta-se a Mike El Nite para criar este álbum que de hip hop não tem muito. Trata-se de um álbum que se aproxima do sertanejo e engloba toda a sonoridade portuguesa típica dos anos 80 e 90 com uma especial nota de romance. Esta colaboração destaca-se pelo ‘twist’ que ambos os artistas conseguem proporcionar, através da sua criatividade lírica. Minissérie

Midnigh Mass

Netflix Terror, 2021, 7 episódios, 60’/ep

Manor”. A ação desenrola-se na comunidade de uma pequena e isolada ilha que começa a experienciar eventos sobrenaturais e algo milagrosos. Estes acontecimentos coincidem com a chegada de um jovem padre, carismático e misterioso. Uma minissérie repleta de referências religiosas, porém sinistras e intrigantes que, à primeira vista, podem parecer típicas deste género cinematográfico, mas que a produção conseguiu reinventar de forma a apresentar ao público algo a que este não está habituado (ou preparado…). Cinema

Don´t Look Up

8 dez (estreia nos cinemas) 24 dez (disponível na Netflix) Preço por confirmar Comédia/Drama, 2021, 145’

Música

Palavras Cruzadas

David Bruno & Mike El Nite Pop, 2021, 27’ Spotify

Lançada recentemente na plataforma Netflix, “Midnight Mass” é uma série de terror da autoria de Mike Flanagan, reconhecido pela criação das arrepiantes minisséries “The Haunting of Hill House” e “The Haunting of Bly

Uma comédia apocalíptica de Adam McKay e que conta com


Espaço Cultural • 23

Ângela Coelho e Diogo Galha

um elenco incrível, incluindo Leonardo Dicaprio, Jennifer Lawrence e Timothée Chalamet. Em Don’t Look Up dois astrónomos medíocres descobrem um cometa cuja rota implicará a destruição do planeta Terra. Tentam alertar a sociedade para o perigo iminente, mas ninguém parece acreditar ou dar a devida importância à situação. Muito riso está garantido, mas será que conseguirão salvar a humanidade? Série

Fleabag

Prime Video Comédia/Drama, 2016, 2 temporadas, 27’/ep

Fleabag é uma londrina totalmente inadaptada que, perante o sucedimento de uma tragédia, decide tentar repor ordem na sua vida. Ao longo dos episódios, a protagonista partilha

com o espetador, através de caóticos e geniais monólogos, a sua frustrada vida sexual, episódios da sua família disfuncional, escolhas românticas algo duvidosas e outros contratempos da vida da mulher moderna. A série foi vencedora de dois Prémios Globo de Ouro, quatro Emmys e de um lugar na lista de recomendações de Barack Obama.

Livro

Rebecca

Daphne du Marier Romance

Exposição

Magical Garden Porto

Até 30 dez 2021 Jardim Botânico do Porto Dos 8,48€ aos 13,25€ (0€ para crianças até aos 3 anos)

Depois do seu sucesso em Lisboa, o Magical Garden encontra-se agora no Porto até 30 de dezembro para oferecer aos espectadores uma imersiva experiência luminosa do Jardim Botânico. Constituído por 17 atrações repletas de magia, é o programa perfeito para as próximas noites que já adivinham um espírito natalício.

“Rebecca” é o romance de maior sucesso de Daphne du Maurier. A narrativa tem início em Monte Carlo onde uma jovem ingénua de humildes origens conhece o charmoso, muito rico e viúvo Maxim de Winter e rapidamente se casam. Ao mudar-se para a mansão do marido, em Inglaterra, a recém Mrs. De Winter começa a ser, frequentemente, comparada à primeira esposa deste: a adorada Rebecca, que faleceu num trágico acidente, porém misterioso, mas sobre o qual ninguém parece estar disposto a falar. Numa atmosfera sombria onde a tensão vai tomando as páginas, a jovem vê-se ligada a um marido que guarda um passado misterioso repleto de segredos e ao fantasma da memória da primeira Mrs. De Winter que parece nunca ter abandonado a casa.


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