Educação Inclusiva #3 | Modificando atitudes e comportamentos

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#3 8 DE NOVEMBRO DE 2023

FERNANDA BARROS

FORTALEZA - CEARÁ

Paulo Eduardo da Silva, 43, é cego, estudante do Labomar fala sobre as diversas dificuldades que enfrenta

O ENSINO SUPERIOR COMO

SONHO DE TODOS COMO AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR TÊM PERCORRIDO O LONGO CAMINHO DE ROMPER AS BARREIRAS ARQUITEÔNICAS E ATITUDINAIS PARA INCLUSÃO


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EDUCAÇÃO INCLUSIVA Modificando atitudes e comportamentos FORTALEZA - CE, 8 DE NOVEMBRO DE 2023

EXPEDIENTE FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA Presidência: LUCIANA DUMMAR Direção Administrativo-Financeira: ANDRÉ AVELINO DE AZEVEDO Gerência-Geral: MARCOS TARDIN Gerência de Criação de Projetos: RAYMUNDO NETTO Gerência Educacional: DEGLAUCY JORGE Gerência de Audiovisual: CHICO MARINHO Gerência Editorial: LIA LEITE Gerência de Marketing & Design: ANDREA ARAUJO Análise de Projetos e Contas: AURELINO FREITAS, FABRÍCIA GÓIS e NARCEZ BESSA

PROJETO EDUCAÇÃO INCLUSIVA Concepção e Coordenação Geral: VALÉRIA XAVIER Curadoria de Conteúdo: ANDRÉIA VIEIRA Editora-executiva: PAULA LIMA Design: NATASHA LIMA Textos: ANA RUTE TAMIRES, CAROL KOSSLING, CRISTINA BRITO E DANIEL OITICICA Estratégia e Relacionamento: ADRYANA JOCA e DAYVISON ÁLVARES Análise de Projetos: DAMARIS MAGALHÃES REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

Ensino superior O Ensino Superior é a principal ponte para inserção no mercado de trabalho formal. Para pessoas com deficiência, essa trajetória é marcada por desafios que vão desde as barreiras arquitetônicas que dificultam a acessibilidade nos prédios das universidades, a barreiras atitudinais de formação de professores para oferecerem os recursos necessários para potencializar a aprendizagem a pessoas com diferentes tipos de deficiência. O projeto “Educação Inclusiva: Modificando atitudes e comportamentos” tem como principal característica a produção e veiculação de conteúdos de fácil assimilação sobre o papel da família, da escola e do poder público na inclusão de pessoas com deficiência (PcD) no âmbito do espaço de aprendizagem escolar. O artigo 227, parágrafo 1º, da Constituição Brasileira, diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” No cenário educacional brasileiro, a temática da educação inclusiva representa um conceito que luta por um ensino mais democrático, diversificado e enriquecedor, no qual todos os estudantes devem ser acolhidos. Assim, a educação inclusiva desempenha um papel importante, transformando a escola em um ambiente para a inclusão de todos, através da valorização de suas potencialidades.


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SUMÁRIO 4 6 Os avanços da Lei de Cotas

Acessibilidade para abrir portas

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O longo caminhar para a inclusão ideal

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Entidades que transformam vidas

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7 dicas de livros

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Acompanhe o projeto Confira os programas na TV FDR 13/11 Políticas públicas para pessoas com deficiência 14/11 O papel da escola na inclusão de pessoas com deficiência 15/11 O papel da família na inclusão de pessoas com deficiência 16/11 O mercado de trabalho e inclusão de pessoas com deficiência A programação da emissora é transmitida por sinal digital aberto (canal 48.1) e por sinal fechado (23 – Multiplay | NET 24 (SD) e 523 (HD) | 138 – Brisanet). Assista também as lives no YouTube do O POVO e da FDR Dias 31/10, 8/11, 10/11 e 14/11, às 16 horas, ao vivo. CONFIRA A PRÓXIMA EDIÇÃO DO CADERNO EDUCAÇÃO INCLUSIVA 10.11 - Mercado de trabalho fdr.org.br/ educacaoinclusiva


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Os avanços da

LEI DE COTAS Política pública para inclusão da pessoa com deficiência no Ensino Superior desde 2016 busca romper barreiras estruturais e atitudinais TEXTO: Cristina Brito EMAIL: cristinabrito@opovo.com.br

As políticas públicas para inclusão de pessoas com deficiência no Ensino Superior são instrumentos fundamentais para promover a equidade de acesso, com o objetivo de reduzir disparidades sociais, econômicas e culturais. Essas políticas buscam criar um ambiente educacional mais diversificado e inclusivo, proporcionando oportunidades iguais para todos os cidadãos. Entre as políticas públicas de acesso à educação superior está a Lei de Cotas (Lei nº 12.711), sancionada em agosto de 2012, que determina que pelo menos 50% das vagas nas instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação sejam para alunos que tenham cursado integralmente o ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. O preenchimento dessas vagas também leva em consideração critérios de cor ou raça. A inclusão da pessoa com deficiência nos critérios avaliados foi incluída em dezembro de 2016, conforme a Lei nº 13.409. A lei garante uma reserva em cada modalidade de cota para pessoas com deficiência, no mínimo igual à proporção na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


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De acordo com levantamento de dados do Censo de Estudantes com Deficiência na Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2022, a universidade possuía 418 alunos com deficiência matriculados. Segundo a professora Robéria Vieira Barreto, em 2023, esse número está próximo a 450 alunos, em todos os campi. “Só na Faculdade de Educação, são aproximadamente 18 alunos, mas tem em todos os cursos da universidade, das unidades acadêmicas”, comenta Robéria. Para ela, a universidade trabalha dentro dessa perspectiva de inclusão de pessoas com deficiência no Ensino Superior. Ela explica as dificuldades de incluir essas pessoas não só por questões físicas, mas, também, atitudinais. “É um desafio, porque não é só um desafio de acessibilidade. São desafios também de atitudes, de recursos, não é só estrutural. Agora, as grandes dificuldades são as atitudes. São as barreiras atitudinais, que é a forma como o professor vai trabalhar esses conteúdos que são ministrados”.

NÃO EXISTE MINIMIZAR CONTEÚDOS, EXISTE PENSAR EM TORNAR ESSE CONTEÚDO ACESSÍVEL

O ser humano pode possuir deficiências múltiplas que vão além das deficiências físicas. Ministrar os conteúdos para esse público é uma barreira que deve ser melhorada ao passo que a inclusão vai sendo inserida nas universidades. “A pessoa com deficiência, ela tem direito, como todas as pessoas, a se apropriar dos conteúdos específicos daquele seu curso, então não existe minimizar conteúdos, existe pensar em oportunidades, estratégias de tornar esse conteúdo acessível aos alunos com deficiência”, conclui Robéria. Em 2014, ano do primeiro Censo de Estudantes com Deficiência da UFC, disponibilizado no site, apenas 50 alunos com deficiência faziam parte do ambiente educacional. Em 2022, o número passou para 418 alunos, um aumento de 736% em oito anos. O número de matrículas na graduação presencial, nas universidades públicas e privadas, foi de 205.410 no Ceará, segundo dados do Censo Educacional 2022, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

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Barreiras atitudinais e capacitismo As barreiras atitudinais, mencionadas pela professora Robéria, referem-se a obstáculos que dificultam o acesso de pessoas com deficiência a diferentes ambientes. Estas barreiras não se limitam ao acesso físico, mas, principalmente, à presença de atitudes preconceituosas, capacitistas ou de nãoinclusão por parte dos frequentadores desses espaços. Originadas de preconceitos explícitos ou implícitos, tais atitudes podem ocorrer de forma consciente ou não. Este termo está ligado ao conceito de capacitismo, uma forma de preconceito que julga as pessoas com deficiência como incapazes ou necessitadas de tutela devido a uma suposta incapacidade de conviver ou executar atividades. As barreiras atitudinais são comportamentos que impedem o pleno acesso de pessoas com deficiência a espaços e atividades, como determinadas posturas que inibem, coíbem, oprimem, desencorajam ou restringem as ações e permanências dessas pessoas nos ambientes. A falta de planejamento de espaços para pessoas com deficiência pode exemplificar uma barreira atitudinal, refletindo a atitude de não considerar a diversidade e as diferentes necessidades para o uso desses espaços. Outros exemplos incluem situações de infantilização, tratamento desrespeitoso ou que faz com que a pessoa se sinta deslocada. As capacidades das pessoas com deficiência são muitas vezes percebidas em termos do que lhes “falta”, seguindo uma lógica normativa de corpos. Contudo, as barreiras atitudinais vão além, evidenciando como as barreiras construídas socialmente podem ser mais desafiadoras de serem superadas do que as barreiras físicas nos espaços.


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FERNANDA BARROS

Acessibilidade para

ABRIR AS PORTAS Embora o ingresso de pessoas com deficiência no ensino superior tenha aumentado nos últimos anos, estruturas precisam ser mais inclusivas TEXTO: Ana Rute Tamires EMAIL: ruteramires@opovo.com.br

O ingresso no ensino superior é o caminho para mudança de vida e novas oportunidades para parcela significativa da população brasileira. No entanto, a entrada na graduação ainda é desigual quando se considera pessoas com deficiência. Menos de 15% dos jovens de 18 a 24 anos com deficiência cursavam o nível superior, revelam os dados do módulo Pessoas com deficiência, da Pnad Contínua 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Paulo Eduardo Silva é cego, aluno do Labomar (UFC), diz que as dificuldades são estruturais e de suporte ao aluno

Segundo o Censo da Educação Superior 2022, o percentual de matrículas de pessoas com deficiências em cursos de graduação dobrou, mas não chegou a 1% em 10 anos. A taxa saiu de 0,4% para 0,8% entre 2012 e 2022, conforme o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)/ Ministério da Educação (MEC).

Paulo Eduardo de Paz da Silva, 43, é um dos alunos que iniciou a graduação nos últimos anos. Ele cursa o último semestre de Ciências Ambientais no Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC). O ingresso no ensino superior veio após trabalhar com mecânica durante mais de 10 anos. Aos 18 anos, ele teve o diagnóstico de glaucoma, doença que o fez perder a visão total por volta dos 30 anos. Conforme o levantamento supracitado, 4.071 pessoas com cegueira estão matriculadas em cursos de graduação no Brasil. Segundo ele, há dificuldades tanto estruturais quanto no suporte ao aluno no ensino superior. “Não atende à demanda dos deficientes. Eu dependo da ajuda de colegas para me deslocar dentro do espaço da universidade”, avalia. Ele teve dificuldades com a falta de preparo por parte de alguns professores com


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relação à inclusão. “Mas tiveram professores que, de pronto, se propuseram a se adaptar. Me ouvir. Não sou especialista em acessibilidade, mas sei o que é ser cego. Me perguntaram o que fazer e como proceder”, relata. Na trajetória acadêmica, ele contou com o apoio de docentes que abraçaram a causa. “É preciso pegar a lei e capacitar os profissionais na área de inclusão. Às vezes, o que falta é um pouco de boa vontade e de interesse da sociedade em geral e das instituições, universidades”, avalia Paulo Eduardo. Pessoas com deficiência física são a maior parcela entre os alunos de graduação com deficiência no Brasil, com 29.454 matrículas, segundo o Censo da Educação Superior 2022. Em segundo, estão as pessoas com baixa visão: 22.104. Em seguida, estão pessoas com deficiência auditiva (8.722) e intelectual (8.353). Kamila Vieira de Mendonça, professora do Labomar/UFC, se adaptou e buscou conhecimento para criar um ambiente de aprendizado que seja acessível a todos. Pesquisei em artigos científicos e com professores da área formas de adequar as práticas pedagógicas. Adaptei o material didático, como textos e recursos online”, relata. A professora, que é doutora em Economia e atua como pesquisadora no Laboratório de Economia, Direito e Sustentabilidade, já teve alunos com deficiência visual e com Transtorno do Espectro Autista (TEA). “A flexibilidade é fundamental para lidar com as necessidades variadas dos alunos, sendo assim, ajustei prazos, horários e métodos de avaliação. É importante citar ainda, que tive a colaboração dos alunos com deficiência, dos seus colegas de classe e dos profissionais da Universidade, acrescenta.

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sempre estão adequadamente treinados para atender às necessidades de estudantes com deficiência”, afirma Kamila Vieira.

PRECISAMOS PENSAR EM UMA CULTURA INCLUSIVA QUE DERRUBE SOBRETUDO AS BARREIRAS ATITUDINAIS

Ela observa que, a partir de 2018, com a implementação da Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (nº 13.409/2016), houve um aumento significativo na entrada de pessoas com deficiência na graduação. Embora tenham sido realizadas mudanças estruturais no âmbito do ensino superior, ela concorda que “ainda existem algumas lacunas e desafios que precisam ser abordados”. Segundo a professora, muitas instituições de ensino superior ainda enfrentam desafios relacionados à acessibilidade física, como rampas, elevadores, banheiros acessíveis e espaços de estacionamento designados podem não estar disponíveis em quantidade suficiente ou podem ser inadequados. “Professores, funcionários e discentes das instituições de ensino superior nem

Marilene Calderaro Munguba, líder do Grupo de Pesquisa Educação para as diferenças e os estudos surdos na perspectiva interdisciplinar (Edespi/UFC) e diretora da Secretaria de Acessibilidade - UFC Inclui, diz que até 2017 o número de estudantes com deficiência na instituição era de 88. “Já em 2018, no primeiro ano de implementação das cotas, o número salta para 163. E, atualmente, cinco anos após a política de cotas, contamos com aproximadamente 970* estudantes com alguma condição de deficiência”, afirma a diretora, que é mestre em Educação Especial e doutora em Ciências da Saúde. O pedagogo e mestrando em Estudos da Tradução, Davi Cândido da Silva, que pesquisa Audiodescrição e é coordenador da Divisão de Apoio Pedagógico da UFC Inclui destaca que “a acessibilidade tem diversas dimensões, como por exemplo a acessibilidade comunicacional, linguística, pedagógica, tecnológica e a atitudinal”. Para Marilene Calderano, o histórico das leis, decretos e mesmo da discussão na sociedade civil o tema da inclusão e acessibilidade são relativamente novos. “Ressaltamos que, para além de uma visão tecnicista ou legalista deste tema, precisamos pensar em uma cultura inclusiva, que derrube, sobretudo, as barreiras atitudinais. Nesse sentido, acreditamos que todas as Instituições de Ensino Superior, bem como outros setores públicos ou privados da sociedade, estão em processo de aprendizagem e preparação”, pondera. *Esse número é coletado pelo sistema da ufc que considera a autodeclaração dos alunos. há quem prefira omitir informações sobre deficiências


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O longo caminhar para a

INCLUSÃO IDEAL Já existem evidências que apontam para a superação de concepções padronizadoras de desenvolvimento e aprendizagem no Ensino Superior

TEXTO: Carol Kossling EMAIL: carol.kossling@opovo.com.br

Ainda existe a necessidade de políticas institucionais intencionais para inclusão, barreiras arquitetônicas como empecilho notório e práticas pedagógicas de professores aliados nessa construção. Essas análises fazem parte de um estudo realizado pela professora Geny Lustosa, da Faculdade de Educação, Departamento de Estudos Especializados (DEE), da Universidade Federal do Ceará. É necessário, também, o fortalecimento do princípio do reconhecimento da diferença, a necessidade de instauração de uma nova racionalidade na Educação Superior e da superação de distintas barreiras à

participação e à aprendizagem, segundo Geny. O estudo aponta ainda que a presença de estudantes com deficiência em instituições de ensino superior (IES) potencializa a consolidação dos direitos dos sujeitos, as lutas empreendidas e os avanços conseguidos, mas revela também conflitos inerentes à prática institucional e pedagógica. “Que manifesta nas práticas avaliativas em curso grandes impedimentos por serem caracterizadas, predominantemente, como classificatórias e seletivas, enquanto os discursos da inclusão vão requerer dos docentes a produção de subjetividades com vistas à solidariedade, a cooperação/colaboração, ao acolhimento”, afirma.


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Imaginário x realidade da formação Entre as questões de inclusão, Geny reflete se um estudante com deficiência física, ausência de uma das mãos por uma amputação, por exemplo, ou no caso de usar ortese ou prótese teria como cursar Design de Moda. Terá como usar as tesouras e outros artefatos do imaginário ou tradição da profissão? E, portanto, elemento central da formação, presente, no imaginário coletivo. Geny traz a provocação para se pensar: "são tantas as possibilidades de atuação nessa área: a modernização, a automação, a pesquisa em moda”. Outro exemplo que apresenta é sobre os estudantes autistas em um curso de fisioterapia. “A representação social e os professores dos cursos, em geral, pensam, como esse estudante poderá ser um fisioterapeuta diante de suas (possíveis) dificuldades de trocas diretas, socialização, linguagem, receber e realizar toques físicos, por exemplo?”. Em uma observação inicial, Geny destaca que pensariam que toda pessoa autista tem essas dificuldades, mas alerta que nem todo mundo com a deficiência é igual! “Não é a presença da deficiência que torna os sujeitos iguais, somos todos singulares e plurais”, afirma. Em sua visão, as instituições e os docentes crescem na efetivação de uma Educação Inclusiva e anticapacitista, na construção de uma educação democrática e de justiça social.

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Superação e exemplo de vida Doutora em Educação, a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced/UFC) e fundadora do Projeto Social Caminho do Bem, Débora Leite, analisa que cada instituição tem a sua realidade. Mas, a situação mínima ideal seria que os docentes fossem informados, antes do início das aulas, quanto a matrícula de um ou mais estudantes com deficiência e quais as suas especificidades. “Assim, eles teriam tempo para se preparar melhor; selecionar material didático adequado e até repensar a sua metodologia, de modo a incluir o estudante com deficiência com maior eficácia. Mesmo que o docente não se sinta preparado para o atendimento à pessoa com deficiência é uma prerrogativa legal para o exercício profissional (LDB 9394/96). É uma exigência legal que se possa atender com qualidade a este sujeito de direitos e potencialidades”, enfatiza Débora. As lacunas na formação de professores são diversas. Os currículos dos cursos de licenciaturas, em suas mais distintas áreas do conhecimento, precisam abrir espaço para disciplinas que trazem uma discussão teórica e prática mais direta sobre a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente de aprendizagem. Com paciência é possível ir além, como fez a estudante Lara Lima, 26, mestranda em Tecnologia Educacional na UFC, que já é formada há um ano em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Ela também está cursando a especialização em Gestão Pedagógica da Escola Básica da Uece. Lara não deixou que o seu diagnóstico de paralisia cerebral, decorrente do nascimento prematuro, descoberto

aos quatro anos de vida a limitasse em relação aos estudos. “A paralisia cerebral é um diagnóstico que me faz enfrentar diversos desafios e estigmas. Carrego as marcas da exclusão educacional, uma vez que algumas das tentativas de matrícula foram frustradas, em virtude da minha condição física e pela crença que se tinha à época de que crianças como eu eram incapazes, tinham muita dificuldade de aprender, ou davam muito trabalho”, relata. Alegavam também que a instituição não possuía recursos, estrutura, nem profissionais que pudessem auxiliá-la. “Minha mãe e avó persistiram e encontraram uma instituição que me acolheu. “Escolinha Viva a Vida”. Lá aprendi que a inclusão é possível, necessária e que se os passos estiverem pautados na vontade de Deus, podemos ter a certeza da conquista. Eu apresentava bastante dificuldade para me pôr em pé, escrever e enxergar a linha do caderno, porém estava a todo instante disposta a tentar, aprender, superar”, recorda-se. Depois de desafios e vitórias veio a graduação. Como ela caminha com auxílio de muleta, uma das barreiras na universidade foi a falta de acessibilidade da instituição, onde em determinadas situações, e ela precisava subir escadas para ter acesso às salas de aula. “Sei que não é o ideal, mas escolho pensar que foi imprescindível passar por isso, tanto para o meu crescimento quanto para a percepção dos gestores da universidade acerca da necessidade de reestruturação. Apesar disso, sempre fui muito bem acolhida pelos professores e colegas que constantemente me auxiliavam com carinho e paciência”, compreende Lara. Para ela, a Uece é um dos seus lugares favoritos no mundo.


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EN TIDA DES

que transformam vidas Conheça a história de quem forma a rede de apoio a pais e mães atípicos e a pessoas com deficiência no Estado TEXTO: Daniel Oiticica EMAIL: Daniel.oiticica@gmail.com

Não existe inclusão sem a participação da sociedade em um processo que deve ser constante para melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência. No Brasil, a rede de apoio é formada por uma série de associações, institutos, escolas, fundações, que trabalham todos os dias com a missão de fazer a diferença na vida das pessoas com deficiência e na de suas famílias. É justamente essa a missão da Apabb (Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de funcionários do Banco do Brasil

e da Comunidade). Fundada em 1987 por um grupo de funcionários da Agência Centro do Banco do Brasil de São Paulo, a Apabb está presente hoje no Ceará e em outros 14 estados. Apoia famílias de pessoas com deficiência, orienta e acompanha o desenvolvimento de deficientes, além de promover o convívio e a troca de experiências por meio de encontros de lazer e atividades de recreação e esportes, entre outras atividades. “A visão da Apabb é ser reconhecida como uma associação que transforma a vida das pessoas com deficiência e das suas famílias e que promove o desenvolvimento de uma sociedade inclusiva e solidária. Buscamos a ampliação de ações e programas, através de parcerias e de políticas públicas efetivas, além de melhoria da ampliação de projetos sociais incentivados pelo governo e pela iniciativa privada”, afirma Emanuella Lima, gerente de Núcleo da Apabb Ceará. Fundada em 1956 para atender pessoas com deficiência, a Associação Pestalozzi de Fortaleza atua hoje no Ceará com pessoas com deficiência intelectual, múltipla e pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Graças a um convênio que mantém com o Sistema Único de Saúde (SUS), a Associação Pestalozzi, conta com uma equipe multiprofissional, que trabalha na parte clínica focada em terapias, como psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, musicalização. Com o Estado do Ceará e com a Prefeitura de Fortaleza, a Pestalozzi mantém uma parceria na área educacional, com uma equipe pedagógica. “Nosso maior sucesso é ver as pessoas com deficiência autores da sua própria vida, estando bem na parte social, emocional e cognitiva, ver todo o desenvolvimento, ver toda a evolução. O nosso público abrange de recém-nascidos a idosos. Temos vários casos de sucesso de pacientes que entram no mercado de trabalho, que conseguem

Escola de Natação Peixinhos do Mar


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Associação Pestalozzi de Fortaleza

A INCLUSÃO SE TRANSFORMA EM SUCESSO QUANDO OCORRE DE FATO A INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE

chegar a uma faculdade”, afirma Ana Fabíola Dias, psicopedagoga e coordenadora da Associação Pestalozzi de Fortaleza. A inclusão se transforma em sucesso quando ocorre, de fato, o envolvimento total das pessoas com deficiência na sociedade. Breno Paiva chegou à Apabb como um paciente com deficiência intelectual e, após alguns anos de trabalho nos projetos sociais e nas ações e programas promovidos pela instituição, ingressou no Ensino Superior e concluiu o Curso de Pedagogia. “O Breno hoje se tornou voluntário da nossa instituição e através do acompanhamento do Programa de Atenção às Famílias foi encaminhando ao mercado de trabalho e hoje é funcionário da Rede Drogasil”, conta Emanuelle, da Apabb. As famílias também precisam de suporte. “Na nossa instituição as famílias têm um espaço especial”, conta Marta Maria Guimarães Rocha, educadora física e fisioterapeuta. Marta administra e dá aulas na Escola de

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Natação Peixinhos do Mar, fundada há 38 anos em Fortaleza, para atender na piscina crianças com diferentes deficiências, como motora, visual e intelectual. “Enquanto os alunos praticam o esporte, os familiares que os acompanham realizam atividades, como bordado, por exemplo”, explica Marta. A visibilidade da realidade das pessoas com deficiências é um passo importante para a conquista de direitos e para a superação das dificuldades. Na Peixinhos do Mar, por exemplo, bem na entrada, um enorme cartaz explica as diferenças entre TOD (Transtorno Opositor Desafiador), TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), em suas distintas característica como linguagem, socialização, regras e foco e organização. “Antes, era tudo escondido. Eu conheci mães que escondiam os filhos dentro de casa porque tinham vergonha porque a sociedade rejeitava e ninguém falava abertamente sobre as deficiências. Temos que falar, explicar, aprender”, diz Marta.

Serviço Associação Pestalozzi de Fortaleza Endereço: R. Barão de Aracati, 696 Meireles, Fortaleza Telefone: (85) 3231-8575 Instagram: @pestalozzi defortaleza

Apesar dos avanços em termos de redes de suporte, da visibilidade da causa e de apoios cada vez mais permanentes, existem ainda muitos desafios para tornar a inclusão um direito verdadeiramente exercido por todos. Para Ana Fabíola, da Pestalozzi, o maior desafio é a verdadeira inclusão. “Falamos muito hoje sobre o assunto, mas na prática a inclusão ainda não ocorre em todos os âmbitos. A questão da acessibilidade. Nas escolas regulares o desafio também é contínuo”, diz.

Apabb Ceará Endereço: Av. Duque de Caxias, 560 - Centro, Fortaleza Telefone: (85) 3211-7571 Instagram: @onormal eserfeliz

É importante ressaltar que a Associação Pestalozzi e a Abapp são mantidas por meio de doações e contam com o trabalho voluntário de muitas pessoas. “A comunidade local e o público em geral podem apoiar a Apabb através do Programa de Voluntariado. Doar tempo, alegria, carinho, conhecimento ou habilidades, pelo simples prazer de ajudar e por querer fazer do mundo um lugar melhor são características de um bom voluntário e é deles que precisamos”, afirma Emanuelle.

Escola de Natação Peixinhos do Mar Endereço: R. Crisanto Moreira da Rocha, 490 - Lagoa Sapiranga (Coité), Fortaleza Telefone: (85) 98895-4180 Instagram: @escola peixinhosdomar


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7 DICAS DE LIVROS Obras que nos ensinam a respeitar e cultivar as diferenças em sua real dimensão Confissões de um Garoto Talentoso, Purpurinado e (intimamente) discriminado Thalita Rebouças 272 páginas. Editora Arqueiro Zeca tem muito orgulho de ser quem é, muito bem resolvido com a própria sexualidade. Mas seu pai nunca gostou da espontaneidade de Zeca, que não corresponde em nada às suas expectativas antiquadas de masculinidade.

Feliz Ano Velho Marcelo Rubens Paiva 272 páginas. Editora Alfaguara Marcelo Rubens Paiva conta a história dos seus 20 anos, quando sobe em uma pedra e mergulha em uma lagoa rasa, esmigalhando uma vértebra e perdendo os movimentos para sempre. O livro relata as mudanças irreversíveis na vida do garoto e os desafios da autoaceitação e da inclusão.

Perfeitamente Inadequado Thays Lessa 208 páginas. Editora Planeta Ilustrado pela própria autora, “Perfeitamente inadequado” traz textos que buscam incentivar a aceitação pessoal. Na obra, Thays compartilha crônicas sobre aceitação, as diferenças e a importância de se sentir confortável em sua própria pele, seja ela qual for.

Berk Wellington Torres Jr. 198 páginas. Editoria Chiado Books O escritor, publicitário, ilustrador e editor Wellington Torres Jr. foi paratleta e um dos primeiros autores brasileiros a publicar trabalhos para pessoas com deficiência. Em 1990 lançou um bem-humorado personagem de história em quadrinhos cadeirante, o Gazoo. Com seu primeiro livro Berk, Wellington volta à literatura que promove a inclusão social para o público jovem, ilustrado por ele mesmo. O livro conta a história de Berk, um jovem cuja prioridade nunca foi andar, mas sim ser feliz e viver em família.

Re-inventar da inclusão: Os desafios da diferença no processo de ensinar e aprender Silvia Ester Orrú 136 páginas. Editora Vozes Podem existir, de fato, turmas homogêneas? É possível produzir uma igualdade universal de seres humanos e promover igualdades universais para eles? E o que a diferença tem a ver com os processos educacionais dialógicos e inclusivos? Estes são alguns dos questionamentos que esta obra discute para além daquilo que já se encontra colocado na esfera social. São desassossegos de reinventar da inclusão.

Cadê o seu peito, mamãe? Ivna Maluly 40 páginas. Editora Escrita Fina O pequeno Elias tinha apenas três anos quando percebeu que seus pais andavam diferentes e preocupados. De supetão, entrou no banheiro enquanto sua mãe tomava banho e surpreendeu-se: Cadê seu outro peito? A jornalista Ivna Maluly conta essa bela história real de amor e superação entre mãe e filho.

O Livro Negro das Cores Menena Cottin e Rosana Faría 28 páginas. Editora Pallas “O Livro Negro das Cores” é uma experiência de leitura que coloca em um mesmo nível todas as diferenças. Pelas mãos de Tomás, personagem principal dessa história, o(a) leitor(a) é levado(a) a conhecer o mundo através dos cheiros, sabores e sons. O texto é branco em páginas negras, com a tradução em Braille.


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