Educação Inclusiva #2 | Modificando atitudes e comportamentos

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3 DE NOVEMBRO DE 2023

#2

FORTALEZA - CEARÁ

FERNANDA BARROS

Elias Aquino é autista e cursa o 1 ano no Ensino Médio em escola regular da rede pública

A VIDA QUE SE CONSTRÓI

NA SALA DE AULA A ESCOLA É UM DOS PRINCIPAIS LOCAIS DE SOCIALIZAÇÃO. COMO ESSE ESPAÇO DE DESENVOLVIMENTO ESTÁ INCLUINDO JOVENS COM DEFICIÊNCIA?


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EDUCAÇÃO INCLUSIVA Modificando atitudes e comportamentos FORTALEZA - CE, 3 DE NOVEMBRO DE 2023

EXPEDIENTE FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA Presidência: LUCIANA DUMMAR Direção Administrativo-Financeira: ANDRÉ AVELINO DE AZEVEDO Gerência-Geral: MARCOS TARDIN Gerência de Criação de Projetos: RAYMUNDO NETTO Gerência Educacional: DEGLAUCY JORGE Gerência de Audiovisual: CHICO MARINHO Gerência Editorial: LIA LEITE Gerência de Marketing & Design: ANDREA ARAUJO Análise de Projetos e Contas: AURELINO FREITAS, FABRÍCIA GÓIS e NARCEZ BESSA

PROJETO EDUCAÇÃO INCLUSIVA Concepção e Coordenação Geral: VALÉRIA XAVIER Curadoria de Conteúdo: ANDRÉIA VIEIRA Editora-executiva: PAULA LIMA Design: NATASHA LIMA Textos: ANA RUTE TAMIRES, CAROL KOSSLING, CRISTINA BRITO E DANIEL OITICICA Estratégia e Relacionamento: ADRYANA JOCA e DAYVISON ÁLVARES Análise de Projetos: DAMARIS MAGALHÃES REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

Ensino Médio O projeto “Educação Inclusiva: Modificando atitudes e comportamentos” tem como principal característica a produção e veiculação de conteúdos de fácil assimilação sobre o papel da família, da escola e do poder público na inclusão de pessoas com deficiência (PcD) no âmbito do espaço de aprendizagem escolar. O artigo 227, parágrafo 1º, da Constituição Brasileira, diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” No cenário educacional brasileiro, a temática da educação inclusiva representa um conceito que luta por um ensino mais democrático, diversificado e enriquecedor, no qual todos os estudantes devem ser acolhidos. Assim, a educação inclusiva desempenha um papel importante, transformando a escola em um ambiente para a inclusão de todos, através da valorização de suas potencialidades. Neste caderno olhamos para a inclusão de jovens do Ensino Médio, entre 15 e 17 anos. Ampliamos o entendimento sobre pessoas com deficiência e olhamos para questões que são inerentes a todos os jovens dessa faixa etária, como a necessidade de socialização, a sexualidade e busca por aceitação. Reforçamos o convite para toda a sociedade olhar para as pessoas com deficiência sem barreiras atitudinais e garantir a elas o pleno desenvolvimento e o acesso a todos os recursos da sociedade.


EDUCAÇÃO INCLUSIVA Modificando atitudes e comportamentos

SUMÁRIO

FORTALEZA - CE, 3 DE NOVEMBRO DE 2023

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Políticas públicas para jovens com deficiência

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O desafio de preparar professores

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As barreiras da mobilidade

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Sexualidade e inclusão

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Acompanhe o projeto Confira os programas na TV FDR 13/11 Políticas públicas para pessoas com deficiência 14/11 O papel da escola na inclusão de pessoas com deficiência 15/11 O papel da família na inclusão de pessoas com deficiência 16/11 O mercado de trabalho e inclusão de pessoas com deficiência A programação da emissora é transmitida por sinal digital aberto (canal 48.1) e por sinal fechado (23 – Multiplay | NET 24 (SD) e 523 (HD) | 138 – Brisanet). Assista também as lives no YouTube do O POVO e da FDR Dias 31/10, 8/11, 10/11 e 14/11, às 16 horas, ao vivo. CONFIRA AS PRÓXIMAS EDIÇÕES DOS CADERNOS EDUCAÇÃO INCLUSIVA 7.11 - Ensino Superior 10.11 - Mercado de trabalho fdr.org.br/ educacaoinclusiva


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POLÍTICAS PUBLICAS

para jovens com deficiência entre 15 e 17 anos É possível contabilizar avanços que leis e programas sociais promovem na verdadeira inclusão de jovens com deficiência TEXTO: Cristina Brito EMAIL: cristinabrito@opovo.com.br

Instituída em julho de 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) é destinada a assegurar e a promover o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, em condições de igualdade. O acesso à educação é um dos direitos assegurados para pessoas com deficiência previstos na lei. O Art. 27 assegura o acesso ao “sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.”


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Além disso, é responsabilidade do poder público aprimorar os sistemas educacionais, por meio de oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena desse público. De acordo com os dados mais recentes disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, entre 2012 e 2020, houve um aumento de 111% no número de matrículas de alunos com deficiências na rede básica de ensino no Ceará, passando de 31.626, para 66.741 matrículas. Essa participação se torna maior a partir de 2016, posterior à criação da Lei de Inclusão, em 2015. Em relação à idade desses estudantes, em 2020, mais de 74% tinham menos de 14 anos de idade, 15,8% tinham de 15 a 17 anos, 7,6% de 25 a 29 anos, 0,5% de 30 a 34 anos e 1% com mais de 35 anos de idade. No período, também houve um aumento de 134% de alunos atendidos em classes comuns do ensino regular. Em relação à oferta e infraestrutura das escolas cearenses, o número de escolas que ofertavam atendimento para alunos com deficiência subiu de 9,44%, em 2012, para 20,42%, em 2020. A pesquisa revela que, desde a implementação da Lei, ocorreu um aumento da inclusão de pessoas com deficiência na educação regular no Ceará.

É GARANTIDO AOS JOVENS COM DEFICIÊNCIA A INCLUSÃO NO ENSINO REGULAR

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NÚMEROS

Alunos com deficiências na rede básica de ensino no Ceará* *Dados do Inep de 2020

15,8%

têm de 15 a 17 anos

20,42%

de escolas ofertam atendimento para alunos com deficiência

Direitos dos jovens garantidos por lei A Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013, institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude (Sinajuve). Em relação ao direito à educação dos jovens com deficiência, a lei estabelece alguns pontos. Entre esses direitos, é garantido aos jovens com deficiência a inclusão no ensino regular em todos os níveis e modalidades educacionais, incluindo o Atendimento Educacional Especializado (AEE). O Estado é responsável por assegurar ao jovem com deficiência o atendimento educacional especializado gratuito, preferencialmente, na rede regular de ensino. É necessário serem observados os pontos de acessibilidade nas edificações, nos transportes, nos espaços, dos mobiliários, nos equipamentos, nos sistemas e nos meios de comunicação. Recursos de tecnologia assistiva e adaptações necessárias a cada pessoa também devem ser levadas em consideração. Vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da República, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) é responsável por articular os programas e projetos, em âmbito federal,

fomentar a elaboração de políticas públicas para o segmento juvenil municipal, estadual e federal; entre outras atribuições. O Governo Federal reformulou a abordagem das políticas públicas, reconhecendo a juventude como uma condição social e os jovens como detentores de direitos. Essa nova visão de políticas públicas para a juventude é orientada por dois pilares fundamentais: oportunidades e direitos. As iniciativas e programas do Governo Federal visam proporcionar oportunidades e assegurar direitos aos jovens brasileiros. Entre esses programas está o “Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano”, um projeto de ação continuada de assistência social destinada a jovens de 15 a 17 anos. O intuito do programa é auxiliar no desenvolvimento pessoal, social e comunitário dos jovens, além de proporcionar capacitação teórica e prática, em diversas atividades. Jovens de baixa renda, que já tenham participado de programas sociais; que estejam sob medida protetiva, socioeducativa ou em liberdade assistida, têm prioridade. Dez por cento das vagas dos núcleos do Agente Jovem são reservadas a pessoas com deficiência.


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O desafio de preparar professores para receber adolescentes

Elias Aquino tem autismo e é acompanhado por uma cuidadora na sala de aula

ATÍPICOS no Ensino Médio O papel da escola na inclusão de alunos do Ensino Médio, assim como em qualquer outra etapa de ensino, é sobretudo oportunizar possibilidades de aprendizagem TEXTO: Carol Kossling EMAIL: carolkossling@opovo.com.br

O jovem de 18 anos, Elias Aquino, está frequentando o 1º do Ensino Médio, na Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Santa Luzia. Ele começou a ir para escolas aos quatro anos e foi alfabetizado com cerca de sete anos. Em sua classe, apenas ele possui Transtorno do Espectro Autista (TEA), e ele diz que gosta da escola, de estudar, brincar e pintar. “E ir para o pátio fazer brincadeiras”,

conta. Ao chegar na escola ele é recebido pela cuidadora que o auxilia em classe. Sua mãe, Maria do Socorro Aquino, 50, doméstica, conta que notou o comportamento diferente do Elias por volta dos três anos. “Ele era inquieto e não brincava com as crianças e mesmo sendo jovem, ele apresentava muita dificuldade tanto na escola quanto em casa”, recorda-se. Em relação à inclusão escolar no Ensino Médio, ela avalia que “infelizmente, estamos muito atrasados e enfrentando dificuldades”. E sente que desde 2022, quando ele começou no Santa Luzia tem apresentado melhoras. Ele tem uma ótima relação com todos e está muito mais feliz”, conta a mãe. Durante a pandemia Elias permaneceu em casa sempre pintando e brincando. “Para não prejudicar os estudos passávamos desenhos interativos como atividade para ele resolver”, diz Maria do Socorro. A mãe conta que fora a escola, sua rotina de atendimento médico é mensal, com várias consultas com psiquiatra, fonoaudiólogo, psicólogo, entre outros profissionais. E ele frequenta a Associação Pestalozzi de Fortaleza duas vezes por semana.

Sem acompanhamento Já na casa do Rodrigo Silva de Oliveira, 15, sua mãe, Francisca Pereira, 37, descobriu quando ele tinha oito anos o TEA. A data ficou marcada na vida da família: 15 de dezembro de 2016. Assim como Elias, ele cursa o 1º ano e está no EFFM Doutora Aldaci Barbosa. Sua mãe relata que ele tem algumas dificuldades e revela que muitas vezes ele conta que não consegue acompanhar as tarefas colocadas na lousa e que o professor não explica direito. “Ele não possui acompanhante. E fica no canto dele. Faz uma coisinha aqui e outra acolá. O professor dele diz que ele fica no seu cantinho e muitas vezes acaba dormindo. E as professoras e diretora reclamam que ele sai para os atendimentos (médicos). Tenho que levar as declarações”, conta Francisca. A mãe conta que ele não gosta de revelar aos colegas a sua deficiência com medo de sofrer bullying. E que ele interage melhor jogando bola. “Isso ele gosta de participar”, diz Francisca.


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Práticas pedagógicas FERNANDA BARROS

Altas habilidades

Na escola

Outra questão na Educação Inclusiva são as altas habilidades. A psicóloga, Marielle de Oliveira Dornelas, pós-graduanda em Neuropsicologia, em Avaliação Psicológica e em Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), informa que os alunos com Tratamento especializado para alunos com AH/SD também fazem parte do público-alvo da Educação Especial e têm direito a atendimento diferenciado de acordo com suas necessidades.

“A pessoa com deficiência, seja do Ensino Médio ou de qualquer outra etapa, é um sujeito capaz de aprender. Ela tem suas potencialidades e não precisa ser comparada a outros indivíduos que, por exemplo, sejam típicos, ou seja, sem deficiências”, defende a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Débora Leite, doutora em Educação e fundadora do Projeto Social Caminho do Bem.

Mas, no entanto, a falta de conhecimento do assunto que é permeado por diversos mitos e preconceitos dificultam a compreensão e condução adequada desses alunos. “O Ceará ainda está muito atrasado nesse campo, tanto na formação dos profissionais, quanto no sistema de ensino de modo geral”, aponta a especialista.

Para a professora, a inclusão não depende só de fatores ambientais, infraestrutura, mas depende também e, principalmente, da condição humana. Do acolhimento dessas pessoas, quando elas passam a ser realmente vistas não como vítimas, não como sujeitos incapazes.

“Apesar de não ser uma deficiência ou transtorno, é uma neurodivergência que implica em diversas características que demandam atenção multidimensional”, explica. Marielle acredita que a falta de um suporte adequado às necessidades cognitivas, emocionais e sociais dessas crianças podem gerar, além de desperdício de potenciais, muito sofrimento e dificuldades.

E complementa que é preciso que a sociedade se transforme e a sociedade vai ser transformada a partir do momento em que nós, indivíduos, façamos isso. “A escola é a sociedade, a sociedade está na escola. E a escola está na sociedade. Então nós precisamos ter esse olhar e uma mudança de postura, uma mudança de mente em relação à inclusão das pessoas com deficiência”, afirma Débora.

No Ensino Médio a inclusão de pessoas com deficiência é muito mais desafiadora, avalia Débora. Porque os professores do Ensino Médio são os egressos dos cursos de licenciatura. “Quantas disciplinas nos cursos de licenciatura nós temos que preparam esses professores para enfrentar essa realidade, que é a inclusão de pessoas com deficiência? E aí surge essa pergunta e é um desafio, porque na maioria cursos de licenciatura, nós não temos disciplinas que tratem especificamente sobre a inclusão, com a exceção da disciplina de libras que é dada em um semestre”, provoca. E pontua que nas salas de Ensino Médio a surdez não é a única deficiência. E cita, como exemplo, que existem muitos alunos cegos ou com as deficiências ocultas. Além da deficiência física existe a deficiência intelectual. E destaca que são muitas as diversidades. “Os professores precisam estar preparados, não é culpa deles, mas é responsabilidade atender e atender bem. Se não houve formação inicial, que haja formação em serviço, que a gestão se responsabilize por ofertar formação de professores para o atendimento desse público. Formação específica porque não se pode cobrar apenas da escola, apenas do professor se não se oferece as condições necessárias e suficientes”, analisa sobre as dificuldades.


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As barreiras da

MO BILI DA DE aos 17 anos

O Brasil evoluiu muito com a legislação, mas as barreiras arquitetônicas continuam existindo. É urgente as cidades também pensarem a inclusão TEXTO: Daniel Oiticica EMAIL: daniel.oiticica@gmail.com

A mobilidade para pessoas com deficiências físicas continua sendo uma questão crítica em muitas cidades ao redor do mundo. No Brasil, apesar do avanço em termos de legislação, a acessibilidade inadequada é um dos maiores obstáculos para a independência e a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Calçadas inadequadas, transporte público inacessível, falta de sinalização, estacionamento fora do padrão, edifícios e lojas inacessíveis, falta de assistência e pouca conscientização social são alguns dos desafios para quem precisa se deslocar pela cidade todos os dias. Para os adolescentes, em plena fase de descobertas, da necessidade de socialização com outros jovens e do próprio crescimento físico, o drama da acessibilidade se torna ainda mais intenso. Paulo dos Santos Oliveira tem 17 anos e utiliza cadeira de rodas desde os seis anos, quando uma bactéria afetou os movimentos dos seus membros inferiores. Ele tem poucas memórias daquela época, mas se tem algo que ele não se esquece é da dificuldade que sempre enfrentou para se locomover nas ruas. “Eu sempre sofri mais com a mobilidade do que com qualquer processo de inclusão na escola”, conta Paulo. Sua família permite que ele saia com amigos desde os 15 anos, mas muitas vezes ele prefere ficar em casa quando pensa nos obstáculos que terá de enfrentar para poder se divertir e socializar. “A maior dificuldade está nas calçadas que são totalmente desniveladas e muitas delas ocupadas por carros”, afirma. No caso do transporte público, Paulo elogia o sistema de ônibus adaptados para pessoas com deficiência física. “Nunca tive problema para entrar nos ônibus e isso eu acho que foi um grande


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avanço porque tenho um tio que usa cadeira de rodas e me conta que antigamente era muito difícil acessar o transporte público”, conta.

MUITOS JOVENS TÊM VERGONHA DA SUA CONDIÇÃO

Odair Mendonça tem 44 anos e é o 14º filho de uma família de 17 filhos. Tornou-se cadeirante por um acidente de trabalho há 18 anos e hoje luta pela inclusão da pessoa com deficiência, desde a época do seu acidente. Hoje, ele é vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Pessoa com Deficiência de Fortaleza e Conselheiro Estadual de Saúde representando as entidades de pessoas com deficiência. Odair afirma que no caso dos adolescentes, o papel da família é importante para incentivá-los a enfrentar as dificuldades e os obstáculos físicos e emocionais impostos pela condição de deficiente físico. Segundo ele, diferente da família de Paulo, que o incentiva a sair com amigos desde os 15 anos, muitos pais adotam uma postura diferente. “A minha família, muito tempo atrás, e as famílias dos jovens de hoje, frequentemente, se tornam superprotetoras. Isso não é bom para um adolescente que precisa encarar a sua realidade e as dificuldades. Até mesmo para tomar consciência sobre os desafios e poder se engajar na luta pelos seus próprios direitos no futuro”, reflete Odair faz parte do Grupo Independente, um grupo de pessoas com deficiências físicas que trabalham para conscientizar a sociedade e os governos sobre a necessidade de leis e medidas que tornem suas vidas mais fáceis. “Quando falamos de inclusão, não estamos nos referindo apenas à inclusão escolar. A inclusão ela é transversal. Ela começa na saúde porque quando você tem saúde, tem condição de se deslocar. Depois vem a educação, o esporte e o lazer”, afirma.

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Cidades inclusivas? Para Paulo, aos seus 17 anos, a inclusão também é a possibilidade que uma cidade oferece ao deficiente físico de poder exercer seu direito de se locomover. “A gente vê tanta evolução na tecnologia, até mesmo na forma como as pessoas tratam as diferenças, mas a mobilidade na cidade continua sendo um desafio”, ressalta. Odair convive com adolescentes com deficiência e observa muita timidez por parte deles. “A família tem que participar também porque muitos jovens têm vergonha da sua condição”, afirma. Para Odair, o Brasil evoluiu muito com a legislação, mas as barreiras arquitetônicas continuam existindo. “A saída seria que todo cidadão tivesse a consciência de fazer suas calçadas acessíveis. Quando o poder público for construir as calçadas também torná-las acessíveis. Recentemente, como Conselheiro Estadual de Saúde, estive visitando uma obra no bairro José Walter e as rampas não atendiam as especificações regulamentares, sem contar que na divisão da rampa com o asfalto tinha um degrau de 5 centímetros”, revela.

Odair Mendonça é cadeirante desde os 18 anos: “família tende a ser superprotetora”


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SE XU ALI DA DE e inclusão

Pessoas com deficiências devem ser respeitadas como seres sexuais, que têm o direito de viver relações amorosas e a própria sexualidade de forma segura

TEXTO: Ana Rute Ramires EMAIL: anarute@opovo.com.br

Se pessoas com deficiência ainda sofrem grande carga de preconceito e falta de inclusão, quando se trata da sexualidade, o tabu é duplo. Um ponto de partida para entender o assunto é considerar que os dois conceitos são plurais: deficiências e sexualidades, explica Ana Cláudia Bortolozzi, professora de Educação Sexual, Inclusão e Desenvolvimento Humano do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Se eu pego uma família que vê as pessoas com deficiência como assexuadas, ingênuas, infantis, que nunca vão se desenvolver, não tenho um ambiente favorável a isso”, avalia a professora, que é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Sexualidade, Educação e Cultura (Gepesec) e do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Sexualidade Humana (Lasex) da Unesp. A sexualidade, principalmente na adolescência, tem a questão social e fisiológica, com as mudanças no corpo e desenvolvimento dos hormônios. Ela frisa que o que impede o desenvolvimento pleno da sexualidade, muitas vezes, não é a condição da deficiência em si, mas o contexto social. A família precisa reconhecer que seu filho ou filha com deficiência é um ser sexuado, ou seja, vai desenvolver suas capacidades, têm gênero, pode ser gay, lésbica, hétero. “Ele pode até não fazer sexo por causa de alguma lesão ou síndrome que impeça uma resposta sexual favorável, mas não vai torná-lo assexuado”, frisa Ana Cláudia. Segundo a especialista, quanto menos se fala, mais se estimula o inadequado. No caso de pessoas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) e deficiências intelectuais, por exemplo, o indivíduo tem que ter repertório para entender o que é uma paquera, um namoro. “Eu posso ter vontade de tocar o

corpo do outro, mas eu não posso fazer isso, saber sobre privacidade para si e para o outro”, exemplifica. Se a família não consegue, o ideal é procurar ajuda com um especialista para trabalhar essas questões. “É tão bom se sentir amado, desejado. Por que as pessoas com deficiência não têm esse direito?”, questiona a pesquisadora da Unesp. Os direitos sexuais e reprodutivos são iguais. Para desmistificar esse tabu, ela afirma que é preciso divulgar pessoas com deficiência que se casam, que têm filhos, que mostram seu erotismo. De acordo com Teresa Helena Schoen, psicóloga e pedagoga que atua no Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há uma confusão entre a “necessidade de apoio e uma eterna infância”. “É essencial reconhecer que a deficiência, seja física ou intelectual, não diminui a necessidade de


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intimidade, relacionamentos e expressão sexual”, corrobora Teresa. Segundo a professora da Unifesp, “é fundamental promover uma comunicação aberta e segura, enfocando o respeito pelos limites pessoais, a compreensão das mudanças corporais e emocionais, bem como a prevenção de abusos”. Para isso, são imprescindíveis políticas públicas que favoreçam a utilização dos espaços. “Ir e vir. Não interessa a deficiência, é preciso promover a inclusão de todos nos espaços públicos. A sociedade deve trabalhar para eliminar barreiras físicas e atitudinais que possam dificultar o encontro social, o encontro amoroso, a vida sexual e os relacionamentos das pessoas”, avalia a pedagoga.

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Diálogo aberto e confiança na família No caso de Alice Pontello, de 21 anos, há diálogo aberto e parceria com a mãe, Luiza. A jovem fez o ensino fundamental em Fortaleza, onde ainda mora o pai. Atualmente, Alice, os irmãos Pedro e Eduardo e a mãe dela residem em Minas Gerais. Quem também mora em terras alencarinas é o namorado de Alice, Victor, com quem ela tem um relacionamento há dez meses. “Ele é ator e escritor e amo muito ele”, compartilha, apaixonada. “Eu não sei explicar, mas foi bom quando comecei a namorar, a beijar na boca. Hoje, eu entendo mais como é namorar, como é ter uma relação afetiva. Que é ser mais amigo, amoroso, companheiro. E a sexualidade com um companheiro que eu confio é maravilhosa e responsável”, relata.

É FUNDAMENTAL PROMOVER A COMUNICAÇÃO ABERTA E SEGURA

Para ter esse entendimento e segurança, Alice conta com apoio e acompanhamento dos pais. “O meu pai não entende muito, mas ele acompanha junto e me apoia. É muito bom ter diálogo aberto com minha mãe porque ela entende super e me ajuda muito”, conta.

Alice tem síndrome de down e aos 21 anos tem namorado e “muito amor”


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Sexualidades e os diferentes tipos de deficiências

Cuidados na orientação de pessoas deficiência intelectual

Teresa Helena Schoen, psicóloga e pedagoga, atua no Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), salienta que cada indivíduo vivencia relacionamentos amorosos e/ ou sexuais de forma diferente.

- Pessoas com deficiência intelectual podem, em algumas situações, exibir comportamentos inapropriados que constranjam outros. Isso ocorre devido a uma série de fatores, incluindo a falta de compreensão das normas sociais e da privacidade, bem como a expressão de suas necessidades e desejos de maneira inadequada.

“Para alguns, haverá relacionamento sexual com coito, para outros, somente as preliminares (abraços, carícias...). A expressão sexual do adolescente dependerá de como ele aprendeu sobre sexo, da influência do grupo, dos seus objetivos de vida”, detalha. Embora sejam agrupadas por apresentarem alguma deficiência, indivíduos com deficiências variam muito em tipo e intensidade de apoio que necessitam. “É muito diferente falar de uma pessoa com deficiência intelectual grave de uma pessoa com DI leve; assim como de uma pessoa cega ou surda”, diferencia Teresa. Ana Cláudia Bortolozzi, professora de Educação Sexual, Inclusão e Desenvolvimento Humano do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que quanto maior a necessidade de apoio que a pessoa precisa para viver, menor a possibilidade de se engajar em um relacionamento amoroso. “Mas isso não quer dizer que ela não possa. Os casos mais limitados são quando a pessoa não consegue comer, fazer nenhuma atividade diária sozinha, extremamente dependente de tudo. Mas isso é o menor número”, salienta.

- É importante entender que essas ações não são maliciosas, mas resultam da necessidade de expressar sua sexualidade e do desconhecimento das convenções sociais. Faz-se necessário informações bem claras sobre como se comportar para não constranger os outros e não se colocar em posição de vulnerabilidade.

Conhecimento para promover autoproteção - Não é incomum pessoas com deficiência serem abusadas sexualmente. Portanto, falar sobre o corpo, como cuidar dele, como se defender de uma molestação é super importante. - Além das informações sobre anatomia e fisiologia, é preciso capacitar as pessoas a tomar decisões informadas e seguras em relação à sexualidade e relacionamentos. A promoção da autonomia e da autoestima é essencial, assim como o ensino de habilidades sociais e de comunicação. Fontes: especialistas entrevistadas na matéria.

Como as diferentes deficiências interferem na sexualidade Deficiência motora/física: Questões como autoestima e autoimagem podem ser desafios. Como se reconhecer em uma sociedade com padrões de estética tão excludentes. Algumas pessoas com deficiência física necessitam de alguma posição ou algum apoio físico para o ato sexual. Os profissionais de saúde que atendem devem ficar atentos a estas questões.

Deficiência sensoriais: Implicam menos na resposta sexual, mas têm mais implicações sociais. Indivíduos se relacionam mais com os pares, pessoas com as mesmas deficiências. Para pessoas com deficiência visual, por exemplo, a questão do toque é mais intensa e de conhecer o outro pelo contato verbal primeiro.

Deficiências intelectuais: É preciso um repertório comportamental e educacional voltado para essas pessoas. Podem demorar para aprender a usar um preservativo e o funcionamento dos órgãos, mas aprendem.

Dica de livro Sexualidade e deficiência: uma releitura (Editora Gradus, 2021), de Ana Cláudia Bortolozzi.


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