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67 Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539, e-ISSN 2182-8725. Vol. 3 (5): 64-70.

uma dimensão particular e universal, tornando-se acessível a todos, e funcionando como unidade integradora e diferenciadora desse ambiente. Os habituais caminhantes de final de semana à beira mar foram surpreendidos ao observarem o intruso objeto insólito pendendo da árvore. Se em um primeiro momento e Estilingue promoveu impacto, curiosidade e atração a alguns, a outros passantes causou estranhamento ou mesmo indiferença. Mas, por suas dimensões descomunais não deixaria de ser notado e logo passaria a instigar a percepção e a reflexão de grande parte dos transeuntes. Estes se aproximaram da árvore, circularam ao redor dela, fizeram suposições a respeito da inquietante instalação do objeto, interrogaram a respeito de seu significado. Logo, pessoas de todas as idades se apossaram e passaram a interagir de diferentes maneiras com o Estilingue, posicionando a “atiradeira” sobre as costas, como se o vestissem ou nele penetrassem. Nessa vivência o interlocutor percebeu que a escala ampliada do estilingue redimensionava dialeticamente o seu significado: de usual e inofensivo brinquedo infantil para arremessar pequenas pedras, se transformava — apesar de sua frágil construção — em armadilha perversa e ameaçadora, capaz de lançar simbolicamente os indivíduos à distância. Mas alguns não deixariam de estabelecer uma relação com o ritmo e a dinâmica do corpo, associando o estilingue ao caráter lúdico de um balanço. Ao recorrer a instrumento de origem remota, criado em tempos imemoriais, para lançar pedras, o artista ironizava o fato de ser essa a única arma utilizada pelo povo brasileiro, na época, na tentativa de se defender e enfrentar a violência e a truculência policial. Os interlocutores, logo deixariam de lado o receio inicial, para interagir e dialogar com o Estilingue, criando espontaneamente textos sonoros, visuais e corporais, gerando uma livre e inusitada improvisação teatral. Resta saber se compreenderam a real crítica da proposta. O artista permaneceu no local, sem se identificar ou interferir nas ações, juntando-se aos amigos e músicos eruditos, os irmãos Marcos e José Renato Moraes, que tocaram violão, violino e flauta, como parte efetiva da proposição. Posicionados nas proximidades da instalação do estilingue, além de partes integrantes do happening, imprimiam seriedade e erudição à intervenção pública. Tais atributos contribuiriam para que a ação pública não levantasse qualquer suspeita por parte da polícia, que observava perfilada à distância, enquanto a participação do público era discretamente registrada pela câmera do fotógrafo Jorge Luís Sagrilo. Assim, contrariando a lógica dos acontecimentos e a expectativa do artista, a polícia não impediu nem interferiu na realização


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