:ESTÚDIO 6

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225 Revista :Estúdio, Artistas sobre outras Obras. ISSN 1647-6158, e-ISSN 1647-7316. Vol. 3 (6): 222-228.

Numa estratégia cara ao complexo artista que Daniel Acosta é, palavra e objeto criado (é importante destacar sua formação em escultura), assim como vida e obra, estão entrelaçados neste “livro de artista,” mais uma obra na construção dessa poética exigente com seu público, mas também muito sedutora. Ao longo dos anos, o artista nascido em 1965, em Rio Grande, cidade marítima, no sul do Brasil, à beira do oceano Atlântico, se volta a experiências biográficas para dar seqüência a seu trabalho poético. Considerada então sua biografia, descobrimos que Stellamaris era o nome de um outrora rico e muito frequentado hotel, às margens do Atlântico sul, cuja localização, afastado cinco kilometros do balneário Cassino, balneário de sua cidade natal, por si só conferia ao hotel enorme mistério. O acesso por entre as dunas e o mar fazia da chegada ao hotel uma aventura romântica. Para a geração da qual Daniel Acosta faz parte, geração cujos pais, nascidos entre as décadas de 30 e 40, tiveram a juventude ameaçada pela 2ª Guerra Mundial, esse hotel é mais que um edifício: é uma referência aos áureos tempos em que o mundo ocidental, ainda desacelerado, vivia numa espécie de sonho dourado americano, advindo justamente das facilidades da industrialização e de um período de bonanza. Época em que as casas se modificam com os aparelhos eletrodomésticos, época em que a moda e os hábitos cotidianos se modificam, aproximando-se dos que hoje nos definem. Mais do que isso: Stellamaris é certamente um “lugar imaginário,” lugar de sonhos e de temores projetados, sempre inacessível, porque para sempre perdido por entre a instabilidade das dunas, na imensidão da praia do Cassino. Evocações e sonhos de quem passou a infância na mesma praia, em meio à instabilidade das dunas. Se nos mantemos no mágico plano/espaço de comunhão e convivência permitido pela arte, construído pela pura fruição que apenas a experiênca pessoal com o objeto estético pode oferecer, nos deparamos com o nome mágico, ali bordado: Ed. Stellamaris. Stellamaris, a “estrela do mar”: estrela guia dos marinheiros no território sem rotas prévias que é o mar. Stellamaris, a “estrela do mar”: animal marinho que une em seu nome céu e mar. O livro institulado Comfortablescapebook é publicado por uma editora cujo nome deborda os limites do território terrestre. Um livro pode, decerto, nos levar para qualquer lugar, pois a experiência com o livro é fundadora de sempre novas “territorialidades”. Um ‘livro de artista se apropria de enredos pré-existentes, une elementos visuais díspares, finge ser o que não é, se apodera de outras formas gráficas’ (Silveira, 2001: 94), e assim ora preserva ora viola os valores e o fetiche do objeto livro, num jogo jogado ao infinito entre aceitação e ataque, entre “a ternura e a injúria” por essa forma de registro que é o livro (Silveira, 2001). Trabalhando com diferentes materiais, Acosta insistentemente se utiliza


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