Entre o Chiado, o Carmo e Paris

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Elsa Bruxelas

Artes na Esfera Pública

logo visto, há sempre um conjunto maior, e que pode ser visto por sua vez, com a condição de suscitar um novo fora de campo, etc.” 11

Deleuze apresenta um estudo sobre o fora de campo considerando dois aspectos diferentes segundo o modo de enquadramento: um fora de campo que designa algo que existe ao lado ou em redor do enquadramento; e, um fora de campo que é mais inquietante e subsiste fora do espaço e do tempo, ambos ligados e em constante relação virtual com o todo. Das várias formas de fora de campo que podemos sintetizar, a menos interessante é sem dúvida o fora de campo visual técnico, na produção cinematográfica. Os actores quando saem de campo deixam de ser as personagens, passam da simulação da ficção para a realidade da rodagem. O confronto com a equipa técnica no fora de campo destrói qualquer continuidade na ficção. Mas esta imersão na realidade da rodagem de uma take de um plano não transparece no filme editado e projectado. Na projecção apenas temos acesso ao fora de campo que pertence à narrativa e à nossa subjectividade perante a obra, onde as personagens continuam ficcionalmente a existir. O som é uma evidência da presença do fora de campo sendo a sua relação com a imagem directa. Os sons produzidos fora de campo, que atravessam o quadro, prolongam o enquadramento além dos seus limites. Na vida real a capacidade auditiva permite reacções defensivas fundamentais à sobrevivência. O som indicia tudo o que não conseguimos ver, cobrindo o fora de campo visual na sua totalidade. As pinturas não têm som, cruzando-se as imagens com os sons ambientes por vezes intoleráveis por não estarem em harmonia com a imagem. Nesse caso procuramos o nosso silêncio interior como forma de anular a presença de um som não desejado, abstraindo-nos do exterior através da nossa concentração na imagem, deixamo-nos absorver no movimento centrípeto da pintura, desligados do mundo. Tal como a imagem real do cinema não é a realidade mas sim uma construção, o fora de campo existe além da imagem do quadro: completa, amplia e reconfigura a leitura e interpretação das imagens enquadradas. Muitos acontecimentos que não presenciamos como imagem, na construção da ficção cinematográfica, decorrem exclusivamente fora de campo nas narrativas e no som. Podemos concluir que na linguagem cinematográfica as imagens fora do campo visual, existentes apenas na narrativa e no som, são completadas com o material do nosso imaginário, o que lhes dá autenticidade, reconhecimento e originalidade, no sentido em

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11. DELEUZE, Gilles — A imagem-movimento, p. 31.


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