CAPITAL

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Elsie May Batten, uma empregada de balcão numa loja de antiguidades, situada em Cecil Court, em Londres, e propriedade de Louis Meier, é apunhalada até à morte por um cidadão paquistanês de nome Edwin Bush. O crime aconteceu na manhã de 3 de Março de 1961, o criminoso foi capturado a 9 de Março e condenado à morte. É este o contexto e o enredo da narrativa de Penalva. No chão, uma representação à escala da loja onde ocorreu o crime, como uma planta onde Penalva inscreve tipograficamente os nomes de cada objecto, permite que o observador caminhe sobre a loja apercebendo-se da geografia do lugar e, ao mesmo tempo, leia o relato que a imprensa britânica da época fez do caso, através de recortes emoldurados nas paredes. Um diagrama gráfico e tipográfico da loja onde ocorreu o crime corresponde à imagem de uma planta de arquitectura. Este chão pede ao espectador que faça viver nesse espaço físico o filme ou a história que encontra na parede, sendo um objecto de tradução que define sentidos objectivos para essa mesma tradução. Nele encontramos uma detalhada tradução tipográfica de ‘montra’, ‘armário’, ‘expositores’, ‘prateleira’, ‘facas’, ‘aquecedor a gás com prateleiras por cima’, ‘cortina’. O leitor/observador é tentado a olhar para dentro das vitrinas e nelas descobrir um mundo infindável de objectos misteriosos e inimagináveis; é levado a desviar a cortina e a entrar num espaço que antes lhe estava vedado. A leitura complexifica-se já que a pesquisa efectuada por Penalva conduz a ligações e coincidências: um retrato feito por Kurt Schwitters de Louis Meier, o primeiro retrato robot feito em Inglaterra é precisamente de Edwin Bush, o assassino da empregada. O criminoso, tal como Schwitters, era estrangeiro em Inglaterra. Quando é apanhado fica a saber-se que tentara roubar uma espada da loja de Louis Meyer com o intuito de a vender para, com o dinheiro, comprar um anel à noiva. Acabaria por apunhalar a funcionária da loja que o teria ofendido racialmente. Enquanto não se descobriu o criminoso, durante os dias seguintes, os jornais ingleses revelavam o anel que o Duque de Kent oferecera à sua noiva. Acrescente-se ainda que a vítima era casada com Mark Batten, escultor inglês, presidente da Sociedade Real de Escultores Britânicos e autor de um livro no qual surge segurando um cinzel, da mesma forma que um criminoso seguraria um punhal para cometer um assassínio.

João Penalva — Fragmentos de LM44/EB62 (1995)

81 JORGE DOS REIS


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