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82 FEVEREIRO ‘13

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82 FEVEREIRO ‘13

Pézinho dos bezerros

Os Filmes que por cá se Fazem

É em São Jorge que damos início a uma nova rubrica do Fazendo. Produtores,

realizadores, argumentistas… são convidados a, mês após mês, falarem e mos-

Duas ou três vacas com vistosos colares

Fazendo Música

trarem um pouco dos filmes que estão a fazer. Espera-se assim que os nossos

Remontando a sua origem a tempos medievais, o

pelos Irmãos e, noutros tempos, pela pobreza do lu-

distinguir do Pézinho “do bailho”, que é uma “moda”

leitores conheçam por dentro as ideias, os processos e os meios que se utilizam

culto popular do Espírito Santo foi trazido para as

gar, hoje, pela população em geral.

diferente e nenhuma afinidade tem com a outra.

hoje para fazer filmes nos e sobre os Açores. Isto é o tipo de informação que não

ilhas pelos seus primeiros habitantes. De iniciativa

vem em nenhum manual, nem é ensinada em nenhuma escola. Como é que se

aristocrática, no seu início, as festas do Espírito San-

Os bezerros são enfeitados com boninas ou flores e

Os músicos tocam violas (da terra e violão), rabeca,

fazem filmes nos Açores agora? É assim.

to significavam originalmente a magnanimidade dos

fitas de papel de variadas cores, coladas à pelagem

clarinete e contrabaixo, acompanhados a ferrinhos.

senhores para com a população das localidades em

com “breu”. Nas hastes levam às vezes arcos de ver-

A folia para em frente da igreja, do império, das casas

que decorriam. A distribuição gratuita de carne, pão

dura e flores com uma cruz ou bandeira no topo. Na

do imperador, dos irmãos benfeitores, dos criadores

e vinho mantém ainda hoje esse significado original.

testa costumam prender uma coroa ou uma pomba

de gado que gratuitamente engordaram os bezer-

Porque o culto do Espírito Santo baseia-se na dádiva

recortada em cartolina branca. Duas ou três vacas,

ros, de todos, enfim, que contribuíram para o luzi-

e na partilha.

com vistosos colares de cabedal enfeitados a fivelas

mento da festa. Os cantadores encarregam-se de a

e pregaria de latão, tendo pendentes grandes cho-

todos saudar com quadras improvisadas.

Ponta dos Rosais Curta metragem de ficção de Dinarte Branco

Fazendo Cinema

Encontrei o Paulo Abreu no “Manel Cigano” em finais

dos Capelinhos em 2011 e, a vinte e tal de Agosto

ainda não tínhamos qualquer dinheiro disponível.

de 2010. Há anos que não o via, penso que desde

passado, o Paulo propõe-me um texto do Dinarte,

Conseguiu a Anabela os melhores preços para a nos-

que, em 1997, vim viver para os Açores. Com ele

escrito a partir de uma experiência concreta, para

sa estadia, para além de condições de pagamento

O Pézinho dos Bezerros remete-nos para a “folia

calhos, precedem o cortejo em cujo couce segue a

dos bezerros” que vão ser abatidos e cuja carne será

fiada dos cantadores e a dos músicos, cantando e to-

repartida, em quinhões de esmola, pelos Mordomos,

cando o Pézinho, denominado “dos bezerros”, para o

Victor Rui Dores

Pour la suite du monde WWW. NFB. CA

Fazendo Cinema

partilhara, desde meados dos anos 80, aventuras

adaptar para uma curta metragem a filmar no Faial e

favoráveis, que nos permitiram percorrer os locais

várias no B.A. (passando pelo Café Estádio, o Gin-

em São Jorge, mas sempre a olhar para o Pico.

de filmagem previstos nas duas ilhas, contactar as

gão, o Trapézio, etc.), a Bica e Alfama e a Mouraria,

Em 3 ou 4 dias, o Dinarte escreveu um guião e pre-

respectivas câmaras municipais e outras entidades

frequentando tascas e outros locais da noite lisbo-

parámos listas de personagens e cenários, ficha téc-

para solicitar os necessários apoios e autorizações,

eta de então, com personagens como o Maçarico, o

nica e currículos, cronograma e orçamento, convida-

e realizar um casting extremamente proveitoso em

Brancos são os campos na Ilha das Avelaneiras. Em

seus jovens merecem viver com a memória ascen- “Pour la suite du monde”, gravado em 1962, é um fil-

Brasas, a Eduarda, a Maria João, o Voz Grossa, o Luca,

mos o Teatro de Giz para se associar à produção, e

busca dos talentos locais que possam integrar o

noite escura, o que fazem dois homens, velhos lobos

dente da tradicional captura da beluga, tal como eles,

o Tubarão, o Choninhas, a Marina, a Sissí, a Lília e as

concorremos à “Curtas Açores” lançada pela Azores

nosso pequeno elenco.

do mar, a espreitarem a Lua?

que viram os seus pais a irem atrás das baleias. Ho-

Que isto sirva apenas de introdução, até porque

suas amigas circenses, e muitos outros...

Film Commission.

Com o extraordinário esforço da Anabela e a sim-

mens velhos que agem por aqueles que virão, para

está acessível a todos no site do Instituto Canadiano

Será que o filme tem a ver com a nossa vivência de ilha? me de outro mundo.

Estas aventuras incluíram uma adaptação para ví-

Entretanto, é criada em Ponta Delgada a AGECTA

patia e colaboração da Aurora Ribeiro, da Aline, do

Tentam adivinhar a altura das marés, o momento em

que não se interrompa o curso do tempo.

de Cinema (www.nfb.ca), é só dar uma espreitadela,

deo de um conto do gin tónico, um videoclip dos Mão

(Agência para a Coesão Territorial) que pretende

Filipe Porteiro, do Hélder Castro, do José Henrique

que virão as colheitas de Primavera, e a oportunida-

Mas tal como se declara no início do filme, esta reabi-

como quem procura a Lua numa noite de bruma.

Morta e experiências lideradas pelo Vítor Ratinho.

desenvolver uma actividade cultural e a quem pro-

Azevedo, da Ruth e de tantos outros estamos, agora,

de que terão de voltar a caçar a baleia branca (beluga

litação da pesca é instigada por Pierre Perrault, o ci-

E agora, aqui estava ele, em plena Calheta de Pêro

ponho o projecto que é acolhido com entusiasmo. O

em condições de rever e finalizar o guião, reestrutu-

soa melhor), a poucas milhas da terra. Banhados pe-

neasta que persuadiu os membros da comunidade a

de Teive, a partilhar uns chicharros com feijão as-

resultado do concurso, que estava anunciado para

rar o orçamento, obter o financiamento que nos fal-

las águas salobras do Atlântico e do rio st. Lawrence,

regressarem ao passado. Com as várias imagens do

sado (talvez o melhor prato do mundo!) com o Nuno

final de Setembro, é conhecido apenas nos últimos

ta e planificar a rodagem que, sabemos agora, deve-

os habitantes desta pequena comunidade do Cana-

quotidiano, a ilha parece renascer com uma experi-

Costa Santos, o Dinarte Branco (actor que me lem-

dias de 2012. Tínhamos sido contemplados com uma

rá ter lugar de 12 a 19 de Março nas ilhas de São Jorge

dá, mais precisamente do Québec, mantiveram du-

ência histórica que relata um tempo perdido. E assim,

brava de ter visto no Regueirão dos Anjos numa peça

verba que representava quase metade do orçamen-

e do Faial mas, inevitavelmente, sempre a olhar para

rante trezentos anos a prática de encurralar as ba-

até ao final, velhos e novos conciliam-se com o pre-

de teatro criada em plena experiência zapatista em

to!

o Pico, a Montanha Mágica, como lhe chama o Zeca

leias brancas com um sistema de estacas plantadas

sente. A baleia não é morta, mas é levada do centro

Chiapas), o irmão deste, o Sérgio Gregório e mais um

Este atraso e as datas complicadas do Dinarte (peça

Medeiros, que inspirou um outro projecto do Paulo

no leito do rio. A actividade foi abandonada em 1925,

do mundo para um lugar exótico.

ou dois camaradas que não conhecia. Estavam em

no Alentejo, outra no São João e, ainda outra, no D.

Abreu de que falarei noutra ocasião.

até que trinta e sete anos depois decidem reconsti-

Será que o filme tem a ver com a nossa vivência de

Ponta Delgada para apresentar no Teatro Micaelen-

Maria), que irá realizar a curta para além de fazer o

É, naturalmente, curto o tempo que nos resta para

tuir a tradição, formar uma nova companhia baleeira

ilha? Absolutamente.

se a peça do Nuno, “Brel nos Açores”.

papel do protagonista, forçam-nos a avançar a toda

todas as tarefas que nos esperam, mas estamos

e serem abençoados para uma nova faina. Vinte ho-

Também aqui, a tradição flui. Na Ilha das Avelaneiras

Tinham passado 13 ou 14 anos desde o nosso último

a força e, entre 2 e 9 de Janeiro deste ano, o Dinarte

confiantes e entusiasmados com a perspectiva de

mens partem das margens enlameadas em 5 canoas,

existem festas, arrematações e bailes que pouco

encontro mas era como se tivesse sido ontem...

e eu visitamos o Faial e São Jorge em répèrage mas já,

regressarmos em breve ao Triângulo, de novo para

rio acima, até chegarem ao açude a três milhas de

invejam às Chamarritas. Em vez de romeiros e pro-

Fui ver a peça (excelente!), bebemos uns copos e

e sempre, com um olho no Pico.

filmar.

distância, onde preparam a sua armadilha durante

messas, fazem-se peditórios às almas do Purgatório

três ou quatro marés, com a água pelos joelhos.

e bebe-se a água da Páscoa. E o Mar é fonte de mis-

conversámos até altas horas e, uns dias depois, re-

Com o imprescindível apoio da SATA e do Teatro de

encontrámo-nos todos no São Luís, em Lisboa.

Giz (em particular, da Anabela Morais), foram con-

Porque é que o fazem? Não se trata de um exaltante

tério e de recursos, fonte de tudo o que não se

Atalhando, que a história já vai longa, o Paulo, o Sér-

seguidas condições para efectuarmos esta tão ne-

passado. São os homens velhos que evocam a per-

encontra em terra. Na ilha, os homens são ilhéus, e o

gio Gregório e eu fizemos o “Adormecido” no vulcão

cessária viagem de preparação numa altura em que

petuidade dos costumes, porque acham que os

filme parece girar à volta desta determinação.

João da Ponte

Francisco Henriques


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