fazendo 82

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Mãe, vou mascarar-me de Norberto.

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82 FEVEREIRO ‘13

O BOLETIM DO QUE POR CÁ SE FAZ MENSAL / DISTRIBUIÇÃO GRATUITA


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2. Fazendo Editorial

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82

82 FEVEREIRO ‘13

Direcção Aurora Ribeiro Tomás Melo

No arquipélago açoriano há uma

ploradas em terras açorianas. O Brasil

Capa

considerável subida dos preços dos

despede-se de Elis Regina com apenas

Helena Krug

transportes, dos lacticínios e dos com-

37 anos de idade e em Vilar de Mouros

bustíveis e a inflação ronda os 30%. O

ouvem-se os U2, Anar Band, The Gist

Colaboradores

Aeroporto do Pico é inaugurado com

e Durutti Column, entre outros, na

Cristina Lourido

uma pista com 1760 metros de com-

segunda edição do Festival. Michael

Fernando Manuel Resende

primento, em asfalto. O selo Europa

Jackson lança o seu álbum Thriller, o

Fernando Nunes

CEPT Açores retrata O Embarque dos

disco mais vendido do ano e da histó-

Francisco Henriques

Bravos do Mindelo e custa 33 escu-

ria da música com mais de 109 milhões

Graça Patrão

dos e cinquenta centavos. Álamo Oli-

originais vendidos. Na RTP1 estreia de

Helen Martins

veira, figura proeminente da cultura

Vila Faia, a primeira telenovela portu-

João da Ponte

terceirense, edita o livro de poesia

guesa. O Centro Nacional de Cultura

Jorge Falcato

“Itinerário das gaivotas” e a obra de fic-

em Portugal organiza os Encontros

Jorge A. Paulus Bruno

ção “Burra preta-com uma lágrima”. A

“Ser (Homo) sexual” em que participam

poetisa Natália Correia coordena um

Afonso de Albuquerque, Natália Cor-

José Luís Neto

Volta à ilha em namoradeiras What makes Açores look like Açores

Fazendo Arquitectura

José Nuno Garcia Pereira

ensaio e colige notas na antologia “A

reia, Guilherme de Melo e Guilherme

Lia Goulart

No primeiro dia de setembro saí do

na Escola de Artesanato e a desenvol-

dade que eu desconhecia. Atravessei

Porto Pim, também), mas acredito

Ilha de Sam Nunca - Atlantismo e Insu-

d’Oliveira Martins e são organizados

Orlanda André

Porto com destino a S. Miguel. Ainda

ver um projeto que consistia na cons-

o canal entre o Pico e o Faial no dia do

que são mais recorrentes ali devido à

laridade” na poesia de António Sousa.

por Isabel Leiria, José Calisto e Helena

Patrícia Barbosa

não tinha aterrado na ilha verde e já

trução de uma namoradeira a partir de

lançamento do Fazendo n.º 78. Foi

geografia, com as povoações dispos-

O agrupamento musical Construção

Vaz da Silva.

Paulo Bicudo

tinha sido arrebatada pelo azul do mar

duas cadeiras usadas.

assim que fiquei a conhecer a ilha e a

tas em torno da ilha, entre a encosta

edita “Há Qualquer Coisa” e anuncia

Pedro Lucas

dos Açores. Durante os dias seguintes

Nos meus passeios tive a oportunida-

publicação. Nesse mesmo número, no

íngreme e o mar, com longos muros a

uma nova geração de músicos com no-

Pedro Paulo Câmara

conheci a ilha maior e no nono dia ru-

de de descobrir que a namoradeira é

artigo “What makes Açores look like

acompanhar as ruas junto à costa.

vas sonoridades até então pouco ex-

Capa

Pitta

mei à ilha do Pico.

uma tipologia recorrente na ilha, es-

Açores”, o Tomás dizia: “O que temos

Encontrei exemplos destas namora-

Tiago Rodrigues

A aproximação à ilha negra foi feita

cavada nos muros baixos à beira-mar.

de especial? O que temos de típico?”.

deiras (posso dizer típicas?) em S. Ro-

Victor Rui Dores

de avião e pela costa norte. Além da

Estas namoradeiras são elementos

Agora, para mim, uma das respostas

que, Santa Cruz, Calhau, Manhenha e

curiosidade da vista da montanha,

da paisagem que acabam por carac-

possíveis é: as namoradeiras do Pico.

Calheta de Nesquim e acredito que se

tentei adivinhar Santo Amaro entre

terizar a ilha do Pico e dar mais força

Reconheço-as como um elemento

tivesse conseguido completar a “volta

Mauro Santos Pereira

as povoações à beira-mar. Estive em

e um novo significado à minha ideia de

típico que devemos preservar e mul-

à ilha em namoradeiras” a que me pro-

www.comunicaratitude.pt

Santo Amaro de setembro a novem-

projeto, que nasceu a uns milhares de

tiplicar. Estas namoradeiras não exis-

pus, mais seriam os exemplos a desco-

bro, a participar na Residência Criativa

quilómetros de distância desta reali-

tem só na ilha do Pico (vi algumas em

brir. Um dia volto.

Layout Design

Patrícia Barbosa

Paginação

Norberto Serpa

Helena Krug

Tomás Melo

O Norberto Serpa é o nosso lobo do mar. Com

Helena Krug sabia desde muito nova que um dia

Carla Dâmaso

Revisão

ele, há quem tenha observado baleias de todas

usaria as mãos para criar tal qual a sua mãe que fez

as cores e feitios, nadado junto de jamantas,

obras em cerâmica. Até que um dia experimentou

Propriedade

golfinhos, e, inclusive, tubarões. Há quem só

pintar e agora não quer outra coisa. Helena bate-

Associação Cultural Fazendo

tenha viajado com o prazer de estar com ele em

-se pelos rostos, dialoga com eles através das cores,

alto mar, curiosos somente em apertar cabos

são estes o seu ancoradouro quando se lança em

Sede

ou olhar o céu em noite de estrelas enquanto

aventuras com os pincéis. E assim se enche de brio

Rua Conselheiro Medeiros

se atravessa o canal bem como presenciar in

e de brilho. Arrisca. Tem confiança. Helena sabe que

nº 19 ­­— 9900 Horta

loco a sua vitalidade e juventude! Há também

o mais importante é ser fiel ao traço, às cores que

Gin

Bebida de Culto

Fazendo Crónica

O gin, originário do Norte da Europa,

todos os que passam por este santuá-

dezenas de marcas de gin e outras,

um bar em Londres cuja novidade é

onde começou a ser produzido a par-

rio não se cansam de evocar.

mas não tantas, de água tónica.

proporcionar a troca do prazer de be-

quem tenha saboreado um caldo de peixe con-

cada rosto ostenta. Podemos considerar que as suas

Periodicidade

tir do século XVII, é uma aguardente

É frequentemente bebido com água

O aparecimento dos clubes do gin é

ber o gin pelo prazer de o inalar…

feccionado por ele e aproveitado para beber um

figuras são alegres, pois permitem-nos imaginar que

Mensal

de cereais. A sua fama mundial está

tónica, gelo e limão, mas cada vez

também um fator responsável pelo

O prazer do gin pode ser enorme. Pode

copo de vinho da sua terra natal na sua adega

a luz de cada um ficou ali registada, que cada um dos

associada à água tónica (refrigeran-

mais são divulgadas e experimenta-

estímulo e fomento do consumo do

ser indizível. Basta saber apreciá-

picarota. Nesta pintura da Helena Krug, ele

quadros revela o que há de mais luminoso nos rostos

Tiragem

te basicamente composto por soda e

das diferentes formas de o apreciar. O

gin como bebida sofisticada e por tor- -lo nos seus mais variados sabores.

tem os olhos muito verdes, são os mesmos que

apresentados. Ela gosta de expôr. E quem vê o Pico

500 exemplares

quinino), com a qual passou a ser be-

limão tem vindo a ser substituído por

ná-lo numa bebida de culto, que tem

Conto-me entre aqueles que têm esse

serviram de farol e esperança quando a gaso-

todos os dias sabe que os rostos à semelhança dos

bido. O hábito instalou-se no Império

vários elementos aromáticos, desde

vindo a granjear o entusiasmo de uma

privilégio.

lina findou numa noite em que viajávamos de

dias que se vão alterando, modificando, constituem

Impressão

Britânico, na Índia, no século XIX, com

os frutos secos, a malagueta, a bau-

comunidade atenta ao prazer sublime

semi-rígido entre São Mateus e a Madalena.

essa beleza de captar as nuances de cada figura

Gráfica O Telégrapho

o objetivo inicial de combater a malá-

nilha, o pepino, o alecrim, os coentros,

de apreciar uma bebida espacial, por regra aromatizada a partir do zimbro,

Numa série de ficção que passava na televisão

pintada. Primeiro, começa-se pelo olhar, fixar esse

ria ingerindo quinino, mas depressa

a casca de laranja, a canela, os grãos

espanhola, nos idos anos oitenta, um grupo de

espelho da alma e depois continuar, penetrar nessa

ultrapassou as fronteiras e passou a

de pimenta preta e da Jamaica, a noz

mas com um potencial de diversifica-

miúdos que passava as suas férias estivais em

profundidade de cada um para que pelo menos essa

ser uma bebida apreciada universal-

moscada, o gengibre, e muitos outros,

ção aromática quase inesgotável.

Nerja, tiveram a sorte de conhecer um homem

camada permita chegar às outras todas, realçando

mente.

adicionados conforme as indicações

Nada disto, porém, existe sem outros

que vivia num barco em terra: Chanquete, era o

ou anulando os seus contrates. Por isso, podemos

No Peter Café Sport, na Horta, o “Gin

ou sugestões dos fabricantes e pro-

prazeres mais extremados. A par de

seu nome. O Norberto Serpa vive, como só ele

imaginar que cada quadro é um repto, uma disputa

do Peter”, a bebida dos navegadores

dutores das marcas de gin.

quem aprecia o gin no seu estado li-

sabe viver, num barco em alto mar.O Norberto

constante consigo mesmo para chegar ao rosto final.

que cruzam o Atlântico Norte em iate,

Este fenómeno está associado ao

quido puro (sem gelo, limão ou água

existe e é de carne e osso. Ele é o nosso verão

Tal e qual os gregos antigos que se bateram pela ou-

é a bebida de culto. É aqui que um

aparecimento de um mercado de gin

tónica, ou não fosse o gin uma aguar-

azul da idade adulta!

tra Helena.

simples gin Bombey com água tónica

premium, onde, mesmo em Portugal,

dente), outros começam a apreciá-lo

e gelo se transforma num prazer que

já se podem encontrar perto de seis

de modo bem diferente. É o caso de

Fernando Nunes

Fernando Nunes

Jorge A. Paulus Bruno


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82 FEVEREIRO ‘13

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In Folio Dentro das Folhas

82 FEVEREIRO ‘13

Helena Krug ou a Captação do Olhar

Fazendo Artes Plásticas

Fazendo Literatura

Esta Livraria não é um negócio

esta livraria não pertence a este lugar,

In Folio pode ter como tradução do

quase não encontra, espaço aqui, é

latim, à letra, dentro das folhas. No

uma raridade, deve ser procurada no

e há o livro infantil, a música e a arte, as ciências naturais, a banda desenhada, as ciências sociais e quando voltamos à literatura, desta feita ao romance e à prosa, novamente: esta livraria não pertence a este tempo. Esta livraria não é um negócio. Mecenato? A literatura dita light não encontra, ou

Aqui vender livros é sinónimo de liberdade de escolha, prazer pela descoberta sem imposições ou desrespeito

A sala de exposições da Biblioteca Pública da Horta

de Helena Krug é precisamente a captação do olhar,

Krug não nos dá propriamente retratos, mas feições

é, na minha opinião, o único espaço do Faial que dia-

a força de expressão desse olhar. Com efeito(s), há

que foram moldadas pela sua imaginação plástica de criadora, ela que não pinta o que vê, mas o que sente.

loga com a contemporaneidade. Não conheço, nesta

em cada quadro um rosto que nos convida a olhar. E

ilha, melhor lugar para expor artes plásticas. Daí que,

a naturalidade de uma expressão. E cada um des-

Resultado: os rostos que conhecemos do dia a dia

para mim, seja sempre um enorme prazer ali poder

ses olhares revela um estado de alma, sendo que

surgem-nos encantados, transfigurados. E isto por-

apreciar eventos artísticos.

a humana expressão está nesses olhos enormes e

que a pintora agarra, e bem, o lado psicológico e a

Desta vez, e até ao dia 16 de março do corrente ano,

brilhantes e na maneira como a pintora os valoriza.

luz interior dos seus modelados. É por isso que olhar

está patente uma exposição de pintura, com o título

Alguns retratados exprimem exuberante alegria e

uma imagem não é só entendê-la, é também criá-la.

genérico de “Expressões”, da autoria de Helena Krug,

outros estão sérios e introspetivos. Lá estão velhos

Pintados com simplicidade formal e revelando bele-

bióloga marinha de profissão, mas que mantém com

e novos, gente do povo e gente urbana. Perante as

za plástica, sobressaem nestes quadros valores de

a pintura um compromisso de paixão. Eis a prova pro-

telas, sentimos mistério e dramatismo. Há o grito

originalidade e de modernidade. Estamos perante

vada que a arte pode atingir a ciência, e esta pode

de incontida raiva e há a expressão ensimesmada

uma harmonia cromática, um equilíbrio dos elemen-

imiscuir-se naquela. Podemos observar 49 quadros

daquela emigrante. E vemos rostos africanos (de

tos de composição, a delicadeza dos contornos, jo-

em acrílico – muitíssimo bem expostos e ilumina-

muito bem conseguidos contrastes), deparamos

gos de luz e sombra, uma ou outra ressonância com

dos, e que dão unidade, coerência e consistência à

com os traços fisionómicos daqueles alentejanos, e

a arte africana. O resultado é perfeitamente realista (ia escrever expressionista) e cria uma ilusão de vo-

centro da cidade de Angra o ruído

híper. O critério é a qualidade. Uma

automóvel sobre a calçada é agressi-

cidade devia orgulhar-se de ter uma

vo. Apercebemo-nos dessa violência

livraria com esta apresentação, com

referida exposição. E o que vemos? A tridimensiona-

descobrimos o escritor Dias de Melo, o incontornável

quando entramos na livraria in Folio. A

esta exigência e com esta diversidade

lidade de rostos expressivos de homens, mulheres e

Norberto Diver e tantas outras figuras reconhecidas

lume muito convincente e coerente com o estilo de

porta fecha-se e o espaço é preenchi-

de oferta livreira.

crianças que, com olhar frontal, olham e nos olham.

e reconhecíveis, íntimos e familiares. Todos recor-

Helena Krug, a artista bióloga que pinta com emoção e talento à rédea solta.

do por pautas de música: acompanha-

Paula Quadros, economista e mes-

Em cores bem calibradas que denotam sobriedade e

tados em fundos de multi-tons e a respirarem sere-

-nos a programação da antena 2. Res-

trada em Gestão Pública, proprietá-

integridade. Porque o que mais singulariza a pintura

nidade. Trabalhando a partir de fotografias, Helena

piramos. Entrámos num livro? À beira

ria, “um passatempo”, informa: abriu

de completar 24 anos esta livraria não

as portas em 1989 e as vendas foram

pertence a este tempo, esta livraria

crescendo, não acentuadamente, até

não pertence a este espaço. Estas

meados da década passada em que

prateleiras são para quem gosta de li-

a tendência se inverteu, nos últimos

vros (in folios), para quem gosta de os

três anos a queda foi abrupta. Livra-

ler, de os ouvir, de os viver. Como era

rias OnLine? Crise? Não sabe. Não há

de se esperar, estamos sós, eventu-

ilusões, a rentabilidade económica

almente poderá dar-se a presença de

nunca foi um objectivo, é por gosto

mais um devoto destes objectos e ao

e porque pode, e espaços como este

fundo a proprietária, Paula Quadros.

estão condenados à extinção, embo-

Aqui vender livros é sinónimo de li-

ra nesta equação a insularidade seja

berdade de escolha, prazer pela des-

um factor de somenos. O mercado

coberta sem imposições ou desres-

livreiro está direcionado às grandes

peito, mercantis ou outros. Aqui se

superfícies e não se compadece com

Victor Rui Dores

Helena Krug Expressões

reconhece paixão pelos livros e o que

pedidos de três ou quatro exemplares,

estes contêm e podem possibilitar e

os grandes grupos editoriais dão mais

a mais curta troca de palavras com a

atenção a estes pedidos apenas quan-

proprietária comprova-o, sabe os li-

do as fnac’s e afins começam a devol-

vros e os autores. Esta livraria não é

ver exemplares. As pequenas editoras

Desdobrando a palavra EXPRESSÃO, que Helena

telas… na solidão e total introspeção do seu ateliê

nem nos demoramos, outras pelo contrário gosta-

um negócio. Por exemplo, olhemos a

necessitam do pagamento aquando

Krug nos brindou, como titulo na forma plural, na

a pintora conseguiu algo fabuloso, os aparentes

ríamos de ter próximas, há algumas que nos fazem

secção de poesia, a quantidade de tí-

da encomenda.

sua exposição patente na Biblioteca da Horta, te-

rostos a retratar, no momento em que passam para

lembrar lugares, vizinhos, familiares… O rosto trans-

tulos, de envergonhar qualquer espa-

Olha-se, no entanto, a montra: Tony

mos pois, como o povo bem diz ‘pano para mangas’ …

a tela, deixam de o ser, não são mais caras, mas sim

mite a evolução do ser humano; uma criança, um adulto, um idoso... O rosto também traduz de forma

ço semelhante presente em qualquer

Judt e Timothy Snyder, Mo Yan (o mais

Trata-se dum substantivo feminino , cuja separação

Expressões.

grande superfície, estão presentes

recente Nobel da Literatura), Sándor

das silabas será ex-pres-são, possuindo 9 letras, as

Numa pintura todos os elementos podem ser vistos

muda a etnia; um africano, um europeu, um asiáti-

todos os nomes que fizeram a história

Mára, Ana Teresa Pereira, a poesia

vogais A e O, as consoantes P, R, S e X. Significando

ao mesmo tempo, o espetador pode necessitar de

co... O rosto é o símbolo daquilo que há de especial

desta arte, com especial enfoque no

reunida de Manuel António Pina, “A

ação de exprimir, do latim expressio , manifestação

tempo para examinar os elementos ou motivos mais

no homem, esse especial é a Expressão, é a porta e

século transacto, e em igual número

Civilização do Espectáculo” de Mário

de pensamento, de um sentimento, pela palavra, fi-

pequenos ou escondidos, dependendo do tema ou

ao mesmo tempo montra, daquilo que somos, que

os nomes que a história não mencio-

Vargas Losa, “Dentro do Segredo -

sionomia ou gesto…

da dimensão da tela. Poderá ter que se afastar ou

sentimos…nenhum outro ser vivo possui esta carac-

na, estão os autores açorianos e não

Uma Viagem na Coreia da Norte”, de

Ainda do ponto de vista etimológico nos damos

aproximar do quadro para melhor perceber ou assi-

terística, o rosto é o locus principal para as nossas

esquece os estrangeiros. A secção de

José Luís Peixoto, “Não é Meia Noite

conta que a palavra é bem mais abrangente, a sua

milar a mensagem do mesmo.

relações com os outros.

filosofia é de igual ou maior espanto,

Quem Quer”, de António Lobo Antu-

raiz latina implica ‘fazer sair’, pronunciar, arrancar,

Nos trabalhos de Helena Krug, a ação do espetador

Sempre foi dito que a pintura do retrato é o eterno

O critério é a qualidade

nes e o último de Onésimo Teotónio de

espremer, dar a conhecer, num sentido mais laico

é aparentemente mais fácil, no entanto, e uma vez

esforço da humidade para capturar a essência de

Almada e João Maurício Brás intitulado

até mesmo comunicar… Fazendo um jogo de sons,

que um rosto é um desvendamento incompleto e

si mesmo. O mesmo tem sido dito sobre a Arte em

“Utopias em Dói Menor”. Uma preciosi-

damo-nos conta que a palavra EXPRESSÃO rima na

passageiro de uma pessoa, e que para compreen-

geral, desta forma a pintura do rosto, o retrato, é a

dade, portanto. Uma cidade devia or-

plenitude com palavras como Submissão, Desilusão,

der um rosto é preciso vagar, paciência, respeito e

arte da Arte, e o pintor dos retratos é o artista dos

gulhar-se de ter uma livraria com esta

Escuridão, Solidão, Suspensão, Apreensão, Impres-

algum amor, esse analisar do espetador torna-se

Artistas.

apresentação, com esta exigência e

são, Confissão, Dispersão, Negridão, Indecisão, en-

então mais demorado e portanto mais consciente.

Não sei bem, mas talvez nada é mais pessoal do que

com esta diversidade de oferta livrei-

tre muitas outras palavras…

Ninguém, nem mesmo uma criança, sai da exposição

um rosto…

ra. Saímos da In Folio. O ruído reina. Tiago Rodrigues

Foi exatamente tudo isso que Helena Krug conse-

indiferente: há telas que nos atraem, outras que

guiu, de forma sublime, transmitir através das suas

nos são bem mais queridas, umas que simplesmente

Jorge Falcato


6. #

82 FEVEREIRO ‘13

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82 FEVEREIRO ‘13

Pézinho dos bezerros

Os Filmes que por cá se Fazem

É em São Jorge que damos início a uma nova rubrica do Fazendo. Produtores,

realizadores, argumentistas… são convidados a, mês após mês, falarem e mos-

Duas ou três vacas com vistosos colares

Fazendo Música

trarem um pouco dos filmes que estão a fazer. Espera-se assim que os nossos

Remontando a sua origem a tempos medievais, o

pelos Irmãos e, noutros tempos, pela pobreza do lu-

distinguir do Pézinho “do bailho”, que é uma “moda”

leitores conheçam por dentro as ideias, os processos e os meios que se utilizam

culto popular do Espírito Santo foi trazido para as

gar, hoje, pela população em geral.

diferente e nenhuma afinidade tem com a outra.

hoje para fazer filmes nos e sobre os Açores. Isto é o tipo de informação que não

ilhas pelos seus primeiros habitantes. De iniciativa

vem em nenhum manual, nem é ensinada em nenhuma escola. Como é que se

aristocrática, no seu início, as festas do Espírito San-

Os bezerros são enfeitados com boninas ou flores e

Os músicos tocam violas (da terra e violão), rabeca,

fazem filmes nos Açores agora? É assim.

to significavam originalmente a magnanimidade dos

fitas de papel de variadas cores, coladas à pelagem

clarinete e contrabaixo, acompanhados a ferrinhos.

senhores para com a população das localidades em

com “breu”. Nas hastes levam às vezes arcos de ver-

A folia para em frente da igreja, do império, das casas

que decorriam. A distribuição gratuita de carne, pão

dura e flores com uma cruz ou bandeira no topo. Na

do imperador, dos irmãos benfeitores, dos criadores

e vinho mantém ainda hoje esse significado original.

testa costumam prender uma coroa ou uma pomba

de gado que gratuitamente engordaram os bezer-

Porque o culto do Espírito Santo baseia-se na dádiva

recortada em cartolina branca. Duas ou três vacas,

ros, de todos, enfim, que contribuíram para o luzi-

e na partilha.

com vistosos colares de cabedal enfeitados a fivelas

mento da festa. Os cantadores encarregam-se de a

e pregaria de latão, tendo pendentes grandes cho-

todos saudar com quadras improvisadas.

Ponta dos Rosais Curta metragem de ficção de Dinarte Branco

Fazendo Cinema

Encontrei o Paulo Abreu no “Manel Cigano” em finais

dos Capelinhos em 2011 e, a vinte e tal de Agosto

ainda não tínhamos qualquer dinheiro disponível.

de 2010. Há anos que não o via, penso que desde

passado, o Paulo propõe-me um texto do Dinarte,

Conseguiu a Anabela os melhores preços para a nos-

que, em 1997, vim viver para os Açores. Com ele

escrito a partir de uma experiência concreta, para

sa estadia, para além de condições de pagamento

O Pézinho dos Bezerros remete-nos para a “folia

calhos, precedem o cortejo em cujo couce segue a

dos bezerros” que vão ser abatidos e cuja carne será

fiada dos cantadores e a dos músicos, cantando e to-

repartida, em quinhões de esmola, pelos Mordomos,

cando o Pézinho, denominado “dos bezerros”, para o

Victor Rui Dores

Pour la suite du monde WWW. NFB. CA

Fazendo Cinema

partilhara, desde meados dos anos 80, aventuras

adaptar para uma curta metragem a filmar no Faial e

favoráveis, que nos permitiram percorrer os locais

várias no B.A. (passando pelo Café Estádio, o Gin-

em São Jorge, mas sempre a olhar para o Pico.

de filmagem previstos nas duas ilhas, contactar as

gão, o Trapézio, etc.), a Bica e Alfama e a Mouraria,

Em 3 ou 4 dias, o Dinarte escreveu um guião e pre-

respectivas câmaras municipais e outras entidades

frequentando tascas e outros locais da noite lisbo-

parámos listas de personagens e cenários, ficha téc-

para solicitar os necessários apoios e autorizações,

eta de então, com personagens como o Maçarico, o

nica e currículos, cronograma e orçamento, convida-

e realizar um casting extremamente proveitoso em

Brancos são os campos na Ilha das Avelaneiras. Em

seus jovens merecem viver com a memória ascen- “Pour la suite du monde”, gravado em 1962, é um fil-

Brasas, a Eduarda, a Maria João, o Voz Grossa, o Luca,

mos o Teatro de Giz para se associar à produção, e

busca dos talentos locais que possam integrar o

noite escura, o que fazem dois homens, velhos lobos

dente da tradicional captura da beluga, tal como eles,

o Tubarão, o Choninhas, a Marina, a Sissí, a Lília e as

concorremos à “Curtas Açores” lançada pela Azores

nosso pequeno elenco.

do mar, a espreitarem a Lua?

que viram os seus pais a irem atrás das baleias. Ho-

Que isto sirva apenas de introdução, até porque

suas amigas circenses, e muitos outros...

Film Commission.

Com o extraordinário esforço da Anabela e a sim-

mens velhos que agem por aqueles que virão, para

está acessível a todos no site do Instituto Canadiano

Será que o filme tem a ver com a nossa vivência de ilha? me de outro mundo.

Estas aventuras incluíram uma adaptação para ví-

Entretanto, é criada em Ponta Delgada a AGECTA

patia e colaboração da Aurora Ribeiro, da Aline, do

Tentam adivinhar a altura das marés, o momento em

que não se interrompa o curso do tempo.

de Cinema (www.nfb.ca), é só dar uma espreitadela,

deo de um conto do gin tónico, um videoclip dos Mão

(Agência para a Coesão Territorial) que pretende

Filipe Porteiro, do Hélder Castro, do José Henrique

que virão as colheitas de Primavera, e a oportunida-

Mas tal como se declara no início do filme, esta reabi-

como quem procura a Lua numa noite de bruma.

Morta e experiências lideradas pelo Vítor Ratinho.

desenvolver uma actividade cultural e a quem pro-

Azevedo, da Ruth e de tantos outros estamos, agora,

de que terão de voltar a caçar a baleia branca (beluga

litação da pesca é instigada por Pierre Perrault, o ci-

E agora, aqui estava ele, em plena Calheta de Pêro

ponho o projecto que é acolhido com entusiasmo. O

em condições de rever e finalizar o guião, reestrutu-

soa melhor), a poucas milhas da terra. Banhados pe-

neasta que persuadiu os membros da comunidade a

de Teive, a partilhar uns chicharros com feijão as-

resultado do concurso, que estava anunciado para

rar o orçamento, obter o financiamento que nos fal-

las águas salobras do Atlântico e do rio st. Lawrence,

regressarem ao passado. Com as várias imagens do

sado (talvez o melhor prato do mundo!) com o Nuno

final de Setembro, é conhecido apenas nos últimos

ta e planificar a rodagem que, sabemos agora, deve-

os habitantes desta pequena comunidade do Cana-

quotidiano, a ilha parece renascer com uma experi-

Costa Santos, o Dinarte Branco (actor que me lem-

dias de 2012. Tínhamos sido contemplados com uma

rá ter lugar de 12 a 19 de Março nas ilhas de São Jorge

dá, mais precisamente do Québec, mantiveram du-

ência histórica que relata um tempo perdido. E assim,

brava de ter visto no Regueirão dos Anjos numa peça

verba que representava quase metade do orçamen-

e do Faial mas, inevitavelmente, sempre a olhar para

rante trezentos anos a prática de encurralar as ba-

até ao final, velhos e novos conciliam-se com o pre-

de teatro criada em plena experiência zapatista em

to!

o Pico, a Montanha Mágica, como lhe chama o Zeca

leias brancas com um sistema de estacas plantadas

sente. A baleia não é morta, mas é levada do centro

Chiapas), o irmão deste, o Sérgio Gregório e mais um

Este atraso e as datas complicadas do Dinarte (peça

Medeiros, que inspirou um outro projecto do Paulo

no leito do rio. A actividade foi abandonada em 1925,

do mundo para um lugar exótico.

ou dois camaradas que não conhecia. Estavam em

no Alentejo, outra no São João e, ainda outra, no D.

Abreu de que falarei noutra ocasião.

até que trinta e sete anos depois decidem reconsti-

Será que o filme tem a ver com a nossa vivência de

Ponta Delgada para apresentar no Teatro Micaelen-

Maria), que irá realizar a curta para além de fazer o

É, naturalmente, curto o tempo que nos resta para

tuir a tradição, formar uma nova companhia baleeira

ilha? Absolutamente.

se a peça do Nuno, “Brel nos Açores”.

papel do protagonista, forçam-nos a avançar a toda

todas as tarefas que nos esperam, mas estamos

e serem abençoados para uma nova faina. Vinte ho-

Também aqui, a tradição flui. Na Ilha das Avelaneiras

Tinham passado 13 ou 14 anos desde o nosso último

a força e, entre 2 e 9 de Janeiro deste ano, o Dinarte

confiantes e entusiasmados com a perspectiva de

mens partem das margens enlameadas em 5 canoas,

existem festas, arrematações e bailes que pouco

encontro mas era como se tivesse sido ontem...

e eu visitamos o Faial e São Jorge em répèrage mas já,

regressarmos em breve ao Triângulo, de novo para

rio acima, até chegarem ao açude a três milhas de

invejam às Chamarritas. Em vez de romeiros e pro-

Fui ver a peça (excelente!), bebemos uns copos e

e sempre, com um olho no Pico.

filmar.

distância, onde preparam a sua armadilha durante

messas, fazem-se peditórios às almas do Purgatório

três ou quatro marés, com a água pelos joelhos.

e bebe-se a água da Páscoa. E o Mar é fonte de mis-

conversámos até altas horas e, uns dias depois, re-

Com o imprescindível apoio da SATA e do Teatro de

encontrámo-nos todos no São Luís, em Lisboa.

Giz (em particular, da Anabela Morais), foram con-

Porque é que o fazem? Não se trata de um exaltante

tério e de recursos, fonte de tudo o que não se

Atalhando, que a história já vai longa, o Paulo, o Sér-

seguidas condições para efectuarmos esta tão ne-

passado. São os homens velhos que evocam a per-

encontra em terra. Na ilha, os homens são ilhéus, e o

gio Gregório e eu fizemos o “Adormecido” no vulcão

cessária viagem de preparação numa altura em que

petuidade dos costumes, porque acham que os

filme parece girar à volta desta determinação.

João da Ponte

Francisco Henriques


8. #

.9

82 FEVEREIRO ‘13

#82 FEVEREIRO ‘13

Re(Descobrir) Açores

Fazendo Literatura

vencedor do concurso de escrita “Descobrir Açores 2013” Pedro Paulo Câmara lançou o seu primeiro livro de poesia,Perfumes, em 2011. Participou no Concurso “Jovem Criador Aveiro 2012”, tendo sido distinguido com menção honrosa, com o conto “Madrugadas”, que recebeu exposição no Museu de Aveiro. Tem escrito letras para Marchas Populares e canções. O escritor é regularmente convidado para participar em palestras como orador e para saraus de poesia como declamador. O seu segundo livro de poesia vai ser publicado em breve, sendo que está a terminar uma novela.

Passaram dez anos de puro silêncio.

- Regressaste?!

Lá de cima, a ilha apresentava-se exatamente, me- - Sim. Não se nota?

de ordem aos olhos. Nada disso chegou. E tudo pare-

o meu quotidiano. Esta resposta desconcertará

ceu incrivelmente, serenamente, natural.

qualquer um, mesmo os que acreditam ser senho-

Eu faço isto sozinho! - Como queiras! Calo-me já!

traídas à beira mar. Durante anos não resisti, não o soube fazer, não o ousei. Balbuciei palavras sem nexo, em terras estrangeiras,

lancolicamente, tragicamente igual. Pela janela, sob

- É bom ter-te de volta, mas... O que te fez regressar

Esta noite será a noite! Esta noite não existirão cor-

res da suprema inteligência insular.

a asa, avistava o mar que devorava a rocha, a espu-

aos Açores? Estiveste tanto tempo sem dar sinal de

das que me manietem, nem mordaças que me pri-

Aqui, nestas ilhas, a essência de cada um é absorvi-

ma que devorava a onda, a areia que devorava a ter-

vida, mudez absoluta e ininterrupta. Nem facebook,

vem de soletrar letras que transpirem incontáveis

da pela alma da terra, pelo espírito do mar, pelo sen-

ra, o verde que devorava o azul e moinhos de vento

nem hi5. Até mudaste de número de telemóvel. Ten-

perdões, inumeráveis pedidos de esclarecimento.

tir dos cumes e das crateras. Como sabe bem ser-se

abandonados que enfeitavam montes. Vi o meu

tamos ligar-te vezes sem fim. Nada de morada, nem

Durante anos, escrevinhei numa única, solitária,

uno, viver-se em comunhão com este solo negro.

rosto espelhado nas águas das lagoas amareladas,

um mail.

amarelada, folha de papel todas as questões que me

Como sabe bem alimentar-me do cheiro a enxofre

O choque! As vozes! Nascem por detrás da porta!

vi velhos desejos aninhados como tímidos prematu- - Estou aqui e isso basta. Tenho assuntos a tratar por

importava colocar. Hoje terei respostas!

que inunda os sentidos sem permissão. Só na dis-

Rios de palavras durante horas isoladas.

Naquela noite sem lua, sem neblina, sem grilos can-

ros fetos nas crateras de vulcões, vi paredes que já

Por agora chega. É tempo de tomar duche, colocar

tância me apercebi da importância destas monta-

Dobadouras.

tantes, sem rãs que saltassem avisando do perigo…

pintei e tetos que me acolheram em noites de luzidia

cá, amarras para soltar.

Dolorosas tentativas infindáveis.

rodopiei nos espaços desiguais, em braços díspares; avancei e recuei sem vacilar, sem parar, inúmeras ve-

- Sim? Quem é?

zes; lamuriei sem lágrimas, pois já nem as tinha para verter. Quis voar de mim! Quis outrar-me. Talvez não mais.

a minha pele lacrimejou silenciosamente tocada

- Ai sim? O que se passa? Ganhaste o euromilhões e

a camisa azul de colarinho branco, vestir as calças

nhas eretas no meio do Atlântico. Fui um ilhéu na

felicidade e dias de negra mágoa dolente.

vens comprar a ilha, é? Olha que São Miguel não está

castanho-escuras de sarja e usar os sapatos de ve-

distância. Sou menos ilhéu na proximidade.

Trazia comigo uma mala cheia de trapos inúteis e um

à venda. Só se a Troika insistir.

ludo azul-escuro. Esta é uma indumentária que ela

O Monte Palace aparenta estar mais apodrecido do

aprovaria. Eles, certamente, não terão que dizer.

que eu. Eu e ele temos mais em comum do que pos-

- A Marta escolheu o caminho dela. A culpa não foi tua,

sa parecer. As paredes que apresentamos ao mun-

não foi nossa, não foi dos limites impostos pelo mar,

nos escaldantes verões. Estou aqui para assegurar

Vinte minutos de dolorosa espera, por alguém que

do afiguram-se robustas, senhoras de uma antiga

nem foi do aborto involuntário. Ela foi a senhora do

que ganham vida.

e uma ingénua faúlha de esperança moribunda. Tal- - Redescobrir? Oh meu amigo, deves estar a brincar.

não está atrasado.

opulência contagiante, concebida por mãos enge-

seu destino. Todos nós escapamos da opressão da

Por toda a cidade me lembro de ti. Em cada pedra de

vez… Há precisamente dez anos atrás, arranquei das

Não tens vistos os noticiários? Vieste descobrir os

Dez anos depois, o mesmo carro!

nhosas que nos votaram ao abandono, perdidos

ilha à nossa singular maneira

polida calçada, em cada semáforo amarelo intermi-

dedo anelar que morrera solteiro. Condenei-o. Tal- - Vim saber quem sou, afinal. Ou se me perdi… Não vez seja tempo de colocar a maquilhagem no fundo

posso continuar a imitar as avestruzes no deserto,

do saco e recriar um velho Mateus, um velho sorriso

não é? Vim redescobrir os Açores. Vim…

- Preciso que prestem atenção. A sua morte é da minha responsabilidade.

pela pré-saudade. Vociferei uivos de indignação pela tua fraqueza. Os teus sonhos repousam no meio das algas e não correm o risco de se evaporar

minhas narinas o perfume que a ilha emanava com

Açores, isso sim. As coisas por aqui mudaram muito.

nos cumes da ausência enevoada. O nosso interior

- Eu amava muito a vossa filha! Ainda amo, acho!

tente, em cada canto de rua desmaiado que se re-

as garras de uma penitência auto infligida. Talvez

Já nada está no mesmo sítio. A ilha até está maior, - Vamos pela Vista do Rei? O hotel ainda lá está, cada

compõe-se de camadas de detritos conspurcados

- Não estará na altura de a deixares partir?

veste de solitude. Ausculto a tua voz em cada onda

fosse a hora de inspirar fundo e deixar que me inva-

ganhámos metros em várias direções e o mar recuou

vez mais decrépito. Sabes que já roubaram tudo o

pelo peso de mil passos alheios. As nossas janelas

- Outra vez?

que morre contra o cais e que renasce em cada re-

dissem, todos. Talvez seja este o dia, o local, o tempo

o quanto baste. Daqui a dias São Miguel apalpa San-

que havia de valor? Nem as loiças das casas de ba-

já não olham o horizonte com o brilho de quem pos-

- Porque fugiste?

cuo da mãe-maré. E sinto, ainda, o teu toque em cada

certo. Talvez…

ta Maria!

nho escaparam. Qualquer dia, e falo a sério, até as

sui esperança, os nossos lugares já não acolhem

- Ou porque regressaste?

gota de chuva que pousa na minha pele e que escor-

hóspedes com a amabilidade com que uma estreia

- Fugi para esquecer! Não consegui. Voltei para con-

Eu jurara que não voltaria. Ignorei as lágrimas silen- - Tens a certeza? Não sei se concordo contigo! Os ciosas que se espraiavam no rosto, fingi desconhe-

olhares parecem os mesmos. Mal cheguei, o tom de

cer o porquê de lábios salgados cerrados e menti.

muitas vozes baixou e muitos olhos se semicerra-

Menti com todas as forças que me habitavam e com

ram!

todas as palavras que conhecia. Para o Diabo se eu

paredes roubam. - Que desperdício! É uma zona tão linda. Aquilo bem apro… - Já sabes o que vais dizer quando lhes bateres à porta?

ansiosa o faz. Pertencemos às mãos que nos criaram, que nos moldaram à sua imagem. Não somos mais do que

Um diálogo fragmentado mas tranquilo decorre es- - Como eu dizia: aquilo bem aproveita…

desbotada de um anelo. O hotel permanece fiel no

nha própria maré, construí as minhas próprias asas,

tranhamente sobre a mesa de plástico. O Sandro é o

monte, contemplando, ora o oceano, ora o vale. É

mesmo que à custa das penas de outros.

mesmo Sandro…

A verdade é que, se fosse hoje, não teria partido, não

quando bateres à porta? - Sei! Sei-o há quase tanto tempo como aquele que

teria mentido, não teria provocado lágrimas mudas.

- …Vá, Mateus, bebamos. Não há nada melhor do

estive ausente.

- Se foi para isso que voltaste, fizeste-o em vão. Nunca ninguém te acusou!

eternamente mais corajoso do que aquilo que eu

re, serenamente, lentamente pelos poros do meu corpo. E leio a tua caligrafia na página de cada livro que folheio. E provo o teu sabor de cada vez que o meu paladar acorda desperto pelos tímidos raios de sol de uma manhã inglesa ou alvorada insular. E toda

a representação material do seu sonho, imagem

ficasse nesta ilha a remar contra a maré. Criei a mi-

- Não mudes de assunto. Já sabes o que vais dizer

fessar-me! Estou a fazê-lo.

Explicações trémulas de ambas as partes.

essa panóplia me anima e me aflige, ainda, ou pouco. É difícil perder velhos hábitos de barba robusta.

- Temos pena que ela não tenha suportado os cochi-

Alimento-me de cheiros e sons que já não existem e

fui.

chos, os medos, as vergonhas, a autocrítica deso-

que morreram contigo.

De cacos, a existência não sobrevive.

nesta. Não te prendas! A Marta entrou consciente-

Amanhã é um novo dia!

O avião vinha quase cheio. Era capaz de perceber a

que uma fresquinha durante a tarde. E não penses

- E?

Está na hora de descer até à freguesia e procurar

mente pela lagoa adentro. Não podias ter feito nada.

Amanhã renascerei.

ânsia da maior parte dos passageiros: uma dúzia

que eu não ouvi durante esse teu discurso quando

- E o quê?

por aquela casa na Rua da Cidade. Espero que não

Se não fosse naquele dia, seria noutro. Temos que

Amanhã morrerás, outra vez, de vez! Se for capaz de

de turistas desejosos de conhecer solo açoriano,

disseste vocês. Ainda bem que te corrigiste logo de

- O que lhes dirás?

vejam em mim o mesmo que veem quando elevam

seguir em frente! Tens que seguir em frente!

alguns indivíduos que aparentavam ser homens de

seguida. Não deixaste de ser ilhéu. Não consegues

- Não te preocupes! Na hora sairá o que é suposto sair.

os olhos para as Cumeeiras. Tentarei que não me

negócios, uma equipa de basquetebol empolgada,

escapar a essa marca de nascença.

um prisioneiro no último banco da máquina, acom- - Preciso de um favor teu! panhado por dois policiais sisudos, e alguns filhos

olhem por dentro. Está na hora! O sol já se põe no A viagem mais longa da minha vida.

- Tudo o que precisares…

co. Tenho medo! - Olha, o hotel já se avizinha. Consegues vê-lo?

Não sabia em qual dos grupos me encaixaria melhor.

- Sim. Podemos parar?

- Chegámos. Estás pronto?

à noite.

Mais!

ravilha destes cumes és tu. Uma nova lenda nascerá amanhã. Iniciaste a sua narrativa há dez próximos

horizonte, já adormece atrás das ondas do Atlânti-

pródigos que regressam para as férias da Páscoa. - Preciso que venhas comigo até às Sete Cidades logo

te assassinar… Aqui encerrarei este capítulo! A suprema oitava ma-

- Então estou perdoado? - Se houvesse algo a perdoar, estarias!

anos…. Era uma vez, há muito tempo atrás, uma princesa chamada Marta…. Almejei descobrir açores no céu, ou milhafres, ou eu próprio; almejei redescobrir as cores e os odores, os

Não deveria ter regressado. Ou deveria.

- Oh Mateus, não faças isso.

- Mas não estavas com pressa?

- Não devem estar em casa…

A tranquilidade chegou!

Aos poucos, nos instantes coloridos, percebo, nas

- Tem que ser. Vens ou não?

- Isso pode esperar! Será que ainda tem cães de guar-

- Agora que cá estamos vais carregar imediatamen-

Vivi enjaulado, prisioneiro da incerteza, recluso de

relevos e os declives. Almejei reavivar as recorda-

gotas de suor bafiento que escorregam nas fiéis

- Que remédio…

te naquela campainha. Se queres a verdade, já evi-

mim próprio. Duvidei! Desconfiei de mim…. E, por fim,

ções, o som da tua voz, a cor rosácea dos teus lábios,

taste este encontro tempo demais.

desconheci-me. Encontrei-me nas vozes desgasta-

o manear da tua fronte, o sabor do teu beijo. Reen-

das de uma razão velha, mas plena de experiência.

contrei o meu nome, o meu corpo, o meu sentir.

Esse ardor que senti na minha pele atacava pela

Eu estou aqui, para sempre, aqui!

avelhentadas rugas da minha testa, que não sou

da? - Veremos! Duvido muito meu amigo, duvido muito! Já

mais livre do que o homem cabisbaixo no último ban-

A conversa com o Sandro correu melhor do que an-

não há que guardar! Nada há a defender.

co, seu provisório trono.

tecipava. Já estava à espera de um chorrilho incon-

Hoje, sairei do hotel pela primeira vez. O carro alu-

tornável de questões, dos sobrolhos franzidos, dos

Se algum dia me perguntarem o motivo pelo qual

gado levar-me-á onde preciso. É hora de destruir os

suspiros intermináveis e constantes, de cantos la-

abandonei este chão tecido de lava, responderei

receios que me corroem.

biais que se apertam para não me atirarem palavras

que tanto verde e esta imensidão de azul infetavam

Trim!

calada e deixava-se ficar, descansar, permanecer,

Estou em casa!

- Só isso? Carrega com mais força!

agrilhoando o meu ser, como o nevoeiro abandona

Cheguei!

- Está calado, pá! Eu sei como se faz! Vai para o carro!

as Cumeeiras e toma de assalto as freguesias dis-


10. #

.11

82 FEVEREIRO ‘13

#

82 FEVEREIRO ‘13

Garrafas de Cerveja Uma Garrafa e Meia de Cerveja por cada hectare de Fundo do Mar

Fazendo Ciência

No primeiro estudo sobre lixo deposi-

praia ou costa rochosa, ser comido por

identificando e quantificando os que

tado num monte submarino, investi-

algum ser marinho ou depositar-se no

materiais estranhos que aí ocorrem.

leitos marinhos junto a zonas povoa-

gadores do DOP-IMAR da Universida-

fundo do mar.

As estimativas superaram as especta-

das. O impacto do vidro é desconhecido, e

apresenta menos detrítos que outros

de dos Açores, revelam que no Condor

Ora sabe-se muito pouco sobre o lixo

tivas. Com uma densidade de cerca de

além dos aparelhos de pesca, são as

existente no leito do mar costeiro ou

1500 itens por km2, as de garrafas de

inferior ao dos pneus e outros deriva-

garrafas de cerveja que mais ocorrem

profundo (assim como da maioria das

cerveja atingem 160 garrafas por km2.

dos do petróleo, a sua rápida deposi-

sobre o fundo.

espécies que lá habitam): quanto há,

O que significa 1 garrafa de cerveja por

ção e forma familiar devem servir para

Se deitar lixo ao mar, ele irá degradar-

onde se acumula, que tipo de lixo é

cada área equivalente a um campo de

nos lembrar que o fundo do mar está

mais frequente?

futebol!

hoje mais perto (e poluído) do que imaginamos.

-se um dia, mas durante aqueles 500 anos que o plástico por exemplo (ma-

Para responder a estas questões,

Note-se que são apenas estimativas

terial semelhante ao de uma linha de

jovens

utilizaram

(não exactas), e para o topo do mon-

pesca), pode levar para desaparecer,

imagens de submarinos que mergu-

te, diminuindo aparentemente com a

é certo que irá encalhar em alguma

lharam para estudar o monte Condor,

profundidade. Ainda assim, o Condor

investigadores

Fazendo Crítica JNGP

Arquipélago Life and Marine Sciences Fazendo Ciência

A Arquipelago - Life and Marine Scien-

ou produção de cosméticos. Oito no-

ces nº 29 saiu, também está online,

vas espécies de algas desconhecidas

plena de contribuições exclusivas de

na região dos Açores são ainda repor-

excelência, que se estendem desde a

tadas por Léon-Cisneros et al. (UAç)

bioquímica em algas dos Açores, a re-

nesta edição.

gistos de espécies no Senegal. Um jor-

Wirtz e Duarte demonstram que uma

nal a cores, livre de encargos para au-

espécie de ouriço do mar (Arbacia lixu-

tores e leitores. Visite-nos em www.

la) se afasta das zonas onde os seus

arquipelago.info.

conspecíficos são predados, reagindo à presença de compostos na água

Em terra

que resultam da destruição da sua

Pereira et al. (UAç) demonstram que

carapaça. Riera et al. (CIMA, Canárias)

sementes

endémicas

demonstra como as comunidades de

guardadas há 18 anos podem ser ger-

espécies que habitam os sedimentos

de

plantas

minadas com sucesso, utilizando a

costeiros podem reflectir alterações

germinação in vitro.O grupo da biodi-

ambientais.

versidade de artrópodes da Madeira reporta novos dados de distribuição

No Mar

espacial para 33 espécies endémicas

Vasconcelos et al. (DRP Madeira) re-

de escaravelhos, incluindo grandes

vela épocas de reprodução, tamanho

áreas de floresta nativa (um trabalho

e idades de primeira maturação para

liderado por Boieiro, UL). Ben-Dov et al.

a cavala (Scomber colias) na Madeira.

(ARO, Israel) apresentam dados sobre

Gomes-Pereira et al. (UAç) descreve a

4 insectos-escama (Hemipterídeos,

associação de peixes demersais a um

maior parte parasitas de plantas), dois

recife artificial oportunista, filmado

deles novos para os Açores.

após um ano no topo do monte sub-

Na zona costeira

sete novos registos de peixes na ilha

dois trabalhos da Universidade dos

de NGor (Senegal, tema de capa), in-

Açores, Paiva et al. e Barreto et al.

cluíndo uma possível nova espécie de

marino Condor. Wirtz (UAlg) reporta

demonstram potencialidades antio-

castanheta, e Rodrigues (GIRM) regis-

xidantes de macroalgas comuns nos

ta cinco novas ocorrências nas ilhas

Açores, com aplicações que se esten-

das Berlengas.

dem da medicina, à indústria alimentar

José Nuno Pereira e Helen Martins

Jogo do Petróleo

Fazendo Publicidade

Se pensa que lhe proponho uma reflexão sobre a

encontrei no verso da caixa era de peso: “Vai conse-

Não resisti a imaginar: Que casas (de jogo) poderão

indústria petrolífera ou uma lavagem cerebral sobre

guir tornar-se um barão do petróleo? Ou vai deixar-

existir para dar mais emoção à coisa? “Casa Maré

os seus malefícios, pode ficar descansado. O títu- -se afundar? Leve (...) os seus ziliões no fascinante

Negra: Oh que chatice. A sua companhia provocou

lo do artigo não se trata de uma metáfora batida e

negócio do petróleo e passe a fazer parte da elite

um destastre ambiental. Terá de pagar 5 ziliões de

deve ser lido no seu sentido mais literal. O “Jogo do

que explora a principal fonte de energia do planeta

indeminização. Uma vez sem jogar”, Ou a “Casa Gre-

Petróleo” é de facto um jogo. De tabuleiro. Do géne-

(...).” Abaixo, seguia-se a lista de itens do jogo:

enpeace” que lhe impede de explorar determinada área protegida mas riquíssima no combustível fóssil.

ro Cluedo, Trivial ou Party and Company. Mas em vez

72 Cartas de prospecção de jazidas

de testarmos a nossa inteligência ou criatividade,

12 Depósitos do petróleo

Mas a pior de todas seria a “Casa das energias alter-

atestamos barris de petróleo.

52 Torres de prospecção

nativas: Ou não! Tem de se converter às energias al-

É verdade, estou a falar sem conhecimento de causa

60 Barris de petróleo

ternativas e perder todo o seu império!”

porque nunca joguei o dito jogo. Pude apenas apre-

1 Conjunto de notas de ziliões

Talvez fosse um golpe duro demais para um meni-

ciar a sua caixinha azul marinho e ler a sua “sinopse”

(...)

no de 9 anos zilionário. Ter menos em prole de um

pois a curiosidade era, de facto, muita. Como poderia

Ziliões. É que mesmo que não quisesse, o jogo não

bem maior, são conceitos complicados e chatos de

a empresa fazer valer o seu marketing? Como pode-

me permite ser despromovida para milionária ou coi-

se incutir numa criança. Bom bom é deixá-la sonhar,

ria cativar potenciais compradores (pais) e lidar com

sa que o valha porque as notas do jogo são em ziliões.

nem que apenas de vez enquando, que o mundo do

um mercado tendencialmente (espero eu!) virado

Deve ser uma espécie de monopólio mas a um nível

petróleo é azul marinho e que não há nada que uma

para uma maior consciência ambiental e energetica-

muito mais avançado. Não adquiro imóveis nem

nota de zilião não possa comprar.

mente alternativo?

cobro rendas, compro barris e exploro plataformas

A resposta não tardou a chegar e o argumento que

petrolíferas.

Lia Goulart

Duplas Cidade da Horta - 1852 versus 2013

Fazendo Comparação


.13

12. #

82 FEVEREIRO ‘13

#

Fazendo Poesia

Fazendo Literatura

Calendário

82 FEVEREIRO ‘13

+info em : ) www.luzarou.blogspot.com Fazendo Ambiente

Lajido 40 desígnio de talhadas relheiras,

Para Sempre, em Círculo

segredo maior de um colosso,

Ser para sempre, em círculo

O taxista revela em canada, travejes, antigos abrigos, longos currais, lajes de lava com sulcos de rodas,

adegas, poças de maré, bagacinas,

Para sempre, hoje - o objectivo de ser ou o propó-

solarengas ermidas abandonadas,

sito para o estar e fazer simultâneos que preenche

arco sem nuvens ali desenhado,

quotidianos.

o chão de rola pipas impressiona,

Pretende-se perpetuar a alma, obter a imortalidade

dá tom e piso ao rubro afastamento,

pela transformação.

delicado júbilo na véspera de domingo.

Uma declaração de amor cravada no tronco de uma árvore ou homens que deitam abaixo estátuas: Fa-

Fernando Nunes

zer. Faz-se no tempo e deixa-se que o eco se funda e

A Viagem

perturbe as coisas. Elas mexem-se. Deixam entrar o rumor e mudam de forma - de den-

Terra. Viajei então interiormente e

tro para fora. Alimentam-se e dão de alimentar.

partilhava com o Mondego uma longa

São o aparelho auditivo e o som que o faz vibrar.

descida até à foz.

São as fontes e os riachos que delas brotam.

Navegando encontrei livros tão extraordinários que pensei que não existiam e ainda mais ao longe Appolo e Dafne recordaram-me a Vida e a Morte. Novamente viajei. Abrindo muito os olhos reconheci outros rostos e alguns tão amigos que a Viagem assumiu um sentido. Quando voltar a acordar não estarei mais Graça Patrão

ilustração: Isabel Sampaio

descobri Coimbra que ao longe

na Terra!

Quando Semear

Revolvem, excitam-se, rebolam.

Um dia acordei e estava na

Milho até São João se semeia o Pão Couves

Pedras nas paredes que levantam.

no vazante da Lua

Pontos adimensionais com presença omnidimensional.

Salsa

Consequências que colidem consecutivamente

no vazante da Lua

com contíguas consequências reverberando

(sexta-feira santa)

incomensoravelmente. A máquina não pára.

A Sereia Arrependida

Ervilhas e Feijão

O movimento não teve ínicio.

no enchente da Lua

O movimento não encerra. O caminho que ainda não percorremos limpa as pe-

Melão, Melancia e Abóbora

gadas que no caminho deixámos.

no enchente da lua e vazante da maré

A rota apaga o rasto. A origem e o destino conso-

Ao princípio não era assim.

mem-se.

Saudade...

Eu não sentia tanta falta daquela metade impossí-

Olhamos em frente, para o desconhecido, e na né-

vel de mim.

voa distinguimos traços familiares que não reconhe-

Tinha trocado o impossível do meu mundo pelo pos-

cemos. Não

Sou alguém com poucas certezas absolutas na vida!

sível do teu.

nos lembramos.

O saber é pouco, imensa a dúvida.

Naquele que foi o meu último mergulho.

Os sentidos percebem texturas que a razão não al-

Mas o que realmente sinto são saudades,

O meu amor por ti.

cança. As formas encerram conteúdos que fizemos

Não consigo definir onde, no meu ser…

Um amor-de-água.

questão de

Saudades do tempo do crescer, do vivido,

Um amor-apneia.

esquecer.

conhecido,

Hoje sei que me falto a mim mesma.

segado. Escutámos e observámos o seu mergulhar

Saudades das liberdades; do que fui e não mais se-

E que há mais de mim do que aquilo que vejo.

e as ondas

rei…Saudades!

Do que aquilo que vês.

que desse ponto rapidamente se espalhavam. Nun-

Sentimento de perda reprimido.

Mais do que aquilo que trago todos os dias para casa.

ca entendemos que essas pequenas perturbações

Saudades da alegria; dos medos em enfrentar o des-

Em criança, na praia, enviámos pedras ao mar sos-

Perda continua, o ganhar esporádico no viver,

seguiam

Sebenta de exercícios Fazendo Saúde

Em adulto dar, em pequeno receber.

Há mais azul.

sozinhas, e interagiam, segundo as leis da física, com

É difícil avaliar o conseguido neste meu caminhar…

Há mais prata.

outras ondas de outras pedras, de outras praias com

Vou marcando os meus pés na areia.

Paulo Bicudo

outras crianças.

Nesta confusão do eu que tento organizar,

E à noite quando durmo a teu lado o meu corpo mo-

O tempo passa, sentamo-nos agora à beira mar num

A forma, o como está a tardar.

ve-se sem querer.

continente diferente e contemplamos o rebentar de

Mas, ante a saudade tudo se reduz,

As pernas cruzam-se e os pés esticam-se.

outras

Saudade dos sentimentos sentidos!

E as mãos nas coxas sentem de novo o frio metálico

ondas. Aí, nesse rebentar, os sentidos reconhecem

Elevação Frontal dos Braços

Projecção dos Braços para trás

O meu peito habituou-se às tormentas e bonanças,

das escamas.

distintamente o bocado que lhes pertence mas per-

Pés paralelos à largura dos ombros e braços ao longo do corpo com as mãos pou-

Pés paralelos à largura dos ombros e braços ao longo do corpo com as mãos pou-

Caminho alimentando esperanças…

Por uns instantes volto ao mar.

mitem que

sadas na face externa das coxas. Eleve simultaneamente os dois braços em fren-

sadas na face externa das coxas. Projecte em simultâneo, e de forma controlada,

Perante esta realidade do sentir presente,

Regresso a casa e ao ser de água que ainda existe

a razão pasme, num misto de surpresa e beldade.

te à altura do peito de forma controlada e lenta e depois baixe os dois braços em

os braços para trás, abrindo bem o peito e inspire. Expire trazendo os dois braços

Equilibro o passado e o hoje constantemente.

em mim.

Continuamos a fazer - queremos ser para sempre.

simultâneo e controladamente, voltando a pousar as mãos na face externa das

de forma controlada ao longo do corpo e pouse as mãos na face externa das co-

Alcançar a imortalidade no eco, sem dela dar conta.

coxas. Quando eleva os braços inspire e quando baixa expire. Repita 10 vezes o

xas. Repita 10 vezes o movimento

Por saturação, esse fazer implodirá, e no fim, ser-se-

movimento.

Enfim, o que penso serão banalidades… Mas no meu peito o que vibra são as saudades Fernando Manuel Resende

Pitta

-à só por estar.

Pedro Lucas, 2008

Orlanda André ilustrações da Pantera cor-de-rosa


14. #

.15

82 FEVEREIRO ‘13

#

Entrevista com o Morcego

82 FEVEREIRO ‘13

Agenda Fevereiro ‘13 vai.se.fazendo@gmail.com Exposição

Orlanda Goulart André

Concerto

Crianças

Workshop

Aniversário Artista

Roda do Conto

Fábrica de Ideias

Faialense 155 anos

Histórias e Jogos

Vamos construir reciclando

Sociedade Amor da

Biblioteca Lajes do Pico

Biblioteca Lajes do Pico

Pátria

Data: 22 Fevereiro

Data: 25 de Fevereiro

Data: 16 de Fevereiro

Hora: 15h30

Hora: 15h30

Fazendo Artigos Fazendo Agenda Fazendo Leitores Fazendo Publicidade vai.se.fazendo@gmail.com

Hora: 21h

Concerto

Expressões - Pinturas

Nome: Orlanda Goulart André Idade: 53

O que é que pequeno-almoçaste?

de Helena Krug

O mesmo de quase sempre, bem à portuguesa.

Biblioteca Pública da

Recital de Guitarra

Horta

Alunos Escola Música

Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias?

Data: até 16 de Março

Auditório Lajes do Pico

Cenário improvável, os condes não se misturam com a plebe…

Hora: 9h ás 19h - sáb.

Data: 22 Fevereiro

9h30 às 12h

Hora: 20h30

Workshop

Cinema

Profissão: Enfermeira

Feira

Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial? O canal. Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer?

Escrita Criativa

À procura do sol.

como ferramenta

Na escola que outra “disciplina” deveria ser obrigatória?

com Susana Moura

Pedreira

Não sei que nome se poderia dar à “disciplina” ou “discipli-

Biblioteca da Madalena

Canada do Monte /

nas”…. mas ajudar as crianças a desenvolverem mais compe-

Data: 16 Fevereiro

Criação Velha

tências do domínio do saber fazer e saber estar, através de

Hora: 15h

Data: 17 Fevereiro

pedagógica II

diferentes linguagens e metodologias diversificadas e indivi-

Feira Rural da

Hora: 11h30 às 16h30

dualizadas, parece-me um bom contributo.

Cinema

Porque é que tens alguns projectos na gaveta?

Argo

Que projectos?! Qual gaveta?! A cabeça? … lembrei-me agora

Realizador: Ben Affleck

Aniversário da

Realizador: Peter Jackson

mesmo que guardei um projecto antigo, muito antigo ….ma-

Lajes do Pico

Reconstrução do

Teatro Faialense

nuscrito, dentro de um livro de receitas, será que ainda lá

Data: 15 Fevereiro

Teatro Faialense

Data: 23 Fevereiro

está?!

Hora: 21h

10 anos

Hora: 17h e 21h30

Teatro Faialense

Teatro Faialense

Lajes do Pico

O que é que mais odeias na internet?

Data: 16 e 17 Fevereiro

Data: 17 Fevereiro

Data: 24 Fevereiro

Ter que ficar sentada em frente a um ecrã.

Hora: 21h30

Hora: 21h30

Hora: 21h

Concerto

Que forma de arte é que te aguça os caninos? Todas… desde que me agucem os sentidos. O que é que gostavas de ter nascido? Menina. Gostavas de ir morrer longe? Nunca se morre longe.

O Hobbit

Gatafunhos Os Açores e os Seres Humanos têm a mesma idade

Tomás Melo


Horários

Índice 82

.2

Fazendo Arquitectura

.3

Horta — ­ Madalena

Volta à Ilha em

7h30 10h30 13h15 15h15 17h15

Namoradeiras Fazendo Crónica

.3

Gin Fazendo Literatura

.4

In Folio Fazendo Artes Plásticas Madalena — Horta

.5

Helena Krug

8h15 11h15 14h00 16h00 18h00 Fazendo Cinema

.6

Os Filmes que por cá se fazem .7

Fazendo Música Pézinhos dos Bezerros Cedros — Horta

Horta — Cedros

P. Norte — Horta

Horta — P. Norte

7h00; 12h45; 16h00;

11h45; 15h20 (Hospital);

7h00; 12h45;

11h45; 17h30;

Sábados: 8h00

18h15;

Sábados: 8h00

Sábados: 13h15

Sábados: 13h15

.7

Fazendo Cinema Pour la suite du monde .8

Fazendo Literatura Re(Descobrir) Açores Piedade — S. Roque — Madalena

Madalena — S. Roque

Piedade — Lajes

Madalena — Lajes

— Piedade

— Madalena

— Piedade

6h15; 13h30;

10h00; 17h45;

5h45; 12h55;

10h00; 17h45;

Domingos e feriados: 13h15

Domingos e feriados: 9h30

Domingos e feriados: 12h55

Domingos e feriados: 9h30

.10

Fazendo Ciência Garrafas de Cerveja .10

Fazendo Ciência Arquipélago .11

Fazendo Crítica Jogo do Petróleo .11

Fazendo Comparação Duplas .12

Fazendo Literatura Fazendo Poesia .13

Fazendo Ambiente Calendário .13

Fazendo Saúde Sebenta de exercícios .14

Fazendo Entrevista Com o Morcego .15

Gatafunhos .15

Agenda


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