Minas Faz Ciência 70

Page 26

Há, por exemplo, ruínas de antigos povoados que serviam como postos de observação do céu, ou como expressão da harmonia e do controle de um povo sobre o universo. As constelações são exemplos das diferentes interpretações e usos conferidos ao firmamento. “Agrupamos as estrelas de tal forma que tudo remonta à cultura, a partir do que é importante para nós. Quando Cabral chegou por aqui, os indígenas brasileiros tinham as próprias constelações, e viam o céu de forma completamente diferente”, conta Las Casas. Os antigos astrônomos usavam as constelações, que surgiam ou desapareciam no horizonte, para marcar eventos meteorológicos, períodos de enchentes, épocas para atividades de plantio e caça e rituais diversos. Uma das que mais se destacava no Hemisfério Sul é a de Escorpião, conhecida, segundo a etnia Desana, (grupo com origem no Alto Rio Negro, às margens do rio Tiquié, próximo à fronteira com a Bolívia), como “constelação da Jararaca”. Ela se relacionava aos períodos de cheias ou vazantes na Amazônia. Quando os desanas a viam em determinada posição no céu, sabiam que se iniciaria um período de muitas serpentes, e de poucos peixes e frutas. Além das constelações, diversas são as expressões sociais e culturais derivadas da relação humana com o Cosmos. Trata-se de elementos múltiplos, dos calendários e da marcação do tempo às religiões e aos questionamentos sobre a criação; da busca por vida fora da Terra ao folclore e à mitologia dos astros. “É comum vermos pessoas religiosas que acreditam na Astronomia como forma de encontrar Deus. Outras acreditam em seres extraterrestres, vindos à Terra. Para elas, os estudos astronômicos são uma forma de abreviar tal contato. Nossa cultura determina a forma como olhamos para o céu e nossas expectativas ao observá-lo”, completa Renato Las Casas. Ao apontar, pela primeira vez, o telescópio para o céu, o astrônomo e físico italiano Galileu Galilei deu início a uma série de observações, de modo a transformar, para sempre, a maneira de fazer Astronomia e de enxergar o Universo. Isso se deu graças à invenção do instru-

26

mento óptico, em 1608, pelo holandês Hans Lippershey, fabricante de óculos. Sem a ferramenta, ainda estaríamos presos à Astronomia do século XVI. Segundo Las Casas, reconhecer que a Terra não é o centro do Universo foi um dos grandes passos da humanidade. Em um fólio (livro numerado por folhas) de seis páginas, Nicolau Copérnico, astrônomo e matemático polonês, revolucionou a Astronomia ao dizer que “nos movemos ao redor do Sol como qualquer outro planeta”. Afinal, segundo Las Casas, “faz muita diferença vivermos pensando que o Universo foi feito em nossa função, e que somos o centro, em relação ao que sabemos hoje: somos apenas um planeta entre incontáveis outros”. Tal mudança de paradigma só foi possível, e comprovada, quando começou-se a olhar o céu com o telescópio. “Não paramos aí. Hoje, estamos próximos a grandes descobertas sobre o universo. Em algumas décadas, descobrimos a existência da matéria escura, e, mais recentemente, passamos a teorizar sobre a energia escura. O progresso da humanidade está intimamente ligado ao ato de olhar para o céu”, conclui o professor.

Cenário brasileiro

Apenas 30 anos após a criação e a descoberta do telescópio, o Brasil teve seu primeiro observatório astronômico instalado, em 1639, no palácio Friburgo, no Recife, pelo astrônomo holandês Georg Markgraf. O espaço, no entanto, acabou destruído em 1643, durante a expulsão dos holandeses. Depois de quase um século, em 1730, os jesuítas instalaram outro na cidade do Rio de Janeiro, local onde, atualmente, funciona o Observatório Nacional. Apesar das ações pontuais, a Astronomia só começou a se consolidar, no País, nas décadas de 1960 e 1970, com a construção de telescópios e o investimento em formação na área. Na mesma época, iniciou-se a construção do Observatório do Pico dos Dias (OPD), no Sul de Minas Gerais, no qual foi inaugurado, em 1981, o maior telescópio em solo brasileiro, com 1,60 metros, operado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). A partir dele, pela primeira vez, foi possível garantir, aos

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2017


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.