Minas Faz Ciência 74

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O caminho certo para empreender e inovar em Minas Gerais!

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MINAS FAZ CIÊNCIA Diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Alessandra Ribeiro, Álvaro Pétrus, Lorena Tárcia, Luana Cruz, Luiza Lages, Mariana Alencar, Maurício Guilherme Silva Jr., Regiane Garcia, Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Vanessa Fagundes, Verônica Soares Direção de arte: Felipe Bueno Editoração: Fatine Oliveira Montagem e impressão: GlobalPrint Editora Gráfica ltda. Tiragem: 25.000 exemplares Capa: Fatine Oliveira Ilustração: Fatine Oliveira Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Fernando Pimentel SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Evaldo Ferreira Vilela Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda Beirão Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha Conselho Curador Presidente: Clélio Campolina Diniz Membros: Esther Margarida Bastos, Eva Burger, João dos Reis Canela, Luiz Roberto Guimarães Guilherme, Marcone Jamilson Freitas Souza, Michele Abreu Arroyo, Nilda de Fátima Ferreira Soares, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Valentino Rizziioli Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

Imagino que muitos de vocês possam se perguntar, por vezes: “De onde vêm e como são escolhidos as pesquisas e os temas abordados em Minas Faz Ciência?”. As reuniões de pauta da equipe são momentos singulares de debate e partilha de saberes. Afinal, trata-se de dar vazão a um de nossos mais acalentados objetivos: aproximar as próprias experiências científicas dos leitores ao multifacetado universo da pesquisa, da inovação e da tecnologia, nas mais diversas áreas do conhecimento. Ao pensar nas reportagens para cada edição da revista, buscamos investigar, jornalisticamente, os processos, as características e os resultados da produção científica mineira, além de, ao mesmo tempo, estimular o debate público em torno de tais práticas, teorias, produtos e serviços. Para isso, averiguamos os bancos de dados da FAPEMIG, mantemos contato com inúmeras instituições de pesquisa, recebemos sugestões de pesquisadores e leitores e, claro, conservamos nossos olhos e mentes abertos à produção científica no Brasil e no mundo. A revista que agora chega a suas mãos deixa clara nossa preocupação com a diversidade de mecanismos e teorias do saber. Que o diga a reportagem especial desta edição, na qual as repórteres Alessandra Ribeiro e Lorena Tárcia analisam as novas facetas da Educação, com o intuito de discutir o modo como, em campos distintos, a tecnologia tem redefinido – tanto em solo brasileiro quanto em outros países – as relações, os métodos, os ideais e as conformações éticas do processo de ensino-aprendizagem. Para além do “território” educacional, Minas Faz Ciência abre espaço ao Paisagismo, à Administração Pública, ao Direito (e à Aviação, ao Meio Ambiente, à História, à Engenharia...). Tem ciência, enfim, para todos os interesses, afetividades e gostos! Aqui, você saberá, por exemplo, que, por meio de estudo interdisciplinar, pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla) investigam a contribuição socio-histórica das praças ao desenvolvimento de municípios mineiros. De outro modo, ficará por dentro da tecnologia de pilotagem autônoma, que, assim como nos carros, passa a ser testada em aviões. A tecnologia também tem auxiliado no aumento da produtividade no campo: programas de incentivo e aplicativos desenvolvidos por startups estão dando cara nova ao agronegócio. Enquanto isso, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadores desenvolvem interfaces simples para melhorar a qualidade dos sons nas criações musicais. Neste multifacetado ambiente de discussões e debates chamado Minas Faz Ciência, gostaria de destacar, ainda, a entrevista com a Fernanda Staniscuaski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acerca de assunto bastante caro a nosso tempo: a relação entre ciência e maternidade. Segundo levantamento conduzido pelo projeto Parent in Science, a maior parte das mulheres sente efeitos negativos na carreira após a maternidade. A questão de gênero também é explorada na seção “Contemporâneas”, em que a jornalista Mariana Alencar trata de projetos empenhados em atenuar a disparidade de gênero no “universo” do empreendedorismo, da tecnologia e da inovação. Há muito mais relatos e reportagens instigantes nas páginas a seguir. Essa é apenas uma pequena parte da ciência aqui revelada, debatida, analisada, estimulada, problematizada, e – o mais importante – compartilhada! Bem-vindos, portanto, a este riquíssimo caleidoscópio de curiosidades humanas e produção do conhecimento. Ótima leitura! Vanessa Fagundes Diretora de Redação

AO LEI TO R

E XP E DI EN TE


ÍNDICE

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ENTREVISTA

Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fernanda Staniscuaski comenta relação entre ciência e maternidade

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PAISAGISMO

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MÚSICA

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Estudo interdisciplinar analisa contribuição socio-histórica das praças ao desenvolvimento de municípios mineiros

Na UFMG, pesquisadores constroem interfaces de fácil acesso, capazes de melhor qualidade do som em composições musicais

QUÍMICA

Resíduos da indústria moveleira de Ubá (MG) resultam em biocarvão com múltiplas funções

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RIO DOCE

Nesta segunda parte do dossiê especial, Mariana Alencar revela pesquisas que buscam melhorar a qualidade das águas para consumo

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INOVAÇÃO

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ENGENHARIA ELÉTRICA

Startups investem em inovações capazes de melhorar rotina e mecanismos de gestão do agronegócio

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Especialistas comentam os novos tempos da educação, área em que as possibilidades tecnológicas redesenharam modos e rotinas

LINGUÍSTICA

Laboratório da Faculdade de Letras da UFMG organiza arquivos com textos de português brasileiro falado de maneira espontânea

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HIPERLINK

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CONTEMPORÂNEAS

ELETRÔNICA

Na Unifei, pesquisadores desenvolvem tecnologia para visualização de eletrocardiograma em smartphone

ESPECIAL

Profissionais do Cefet/MG investem no desenvolvimento de técnicas para transmissão de energia sem fios

AVIAÇÃO

Já presente em pesquisas com veículos terrestres, tecnologia de pilotagem autônoma passa a ser testada em aviões

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HISTÓRIA

Pesquisadora da UFMG dedica-se à análise e à conservação de manuscritos mineiros adornados no século XVIII

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Divulgação científica, educação transmídia, recordes de audiência e novas ideias para as mídias sociais do projeto “Minas Faz Ciência”

Série de projetos pretende diminuir disparidade de gênero no ramo do empreendedorismo, da tecnologia e da inovação

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Modelo mineiro de parceria público-privada no sistema prisional é foco de pesquisa da Fundação João Pinheiro


CIÊNCIA ABERTA

De que modo

as escolas

devem incorporar

novas

tecnologias ? à sala de aula

“As escolas devem incorporar tecnologias na medida em que compreenderem quais delas fazem sentido ao processo da aprendizagem. As tecnologias não são o centro de tudo.” Polyana Irs Via Facebook

“Sempre penso que, em nosso País, as escolas públicas andam tão sem verba que incorporar tecnologias é algo muito difícil, pois demanda dinheiro e tecnologias de ponta. É ilusão acharmos que boa parte dos brasileiros tem internet em casa, ou TV a cabo. Acho que uma das saídas para as aulas de Ciência/Biologia seria a agricultura familiar: ensinar a plantar e a criar hortaliças nos quintais.” Mário Alex Rosa Via Facebook

atividades e funções. Relacionar aparatos tecnológicos com saberes políticos, culturais, sociais e afins é mais inclusivo e torna a tecnologia mais ‘amiga’ de docentes e discentes. Além do mais, tal metodologia pode ajudar a promoção da consciência ao uso das próprias tecnologias.” Leonardo Amorim Via Facebook

“De forma geral, quanto menos leitura dentro de sala, melhor: menos sono e menos dispersão. Nem sei qual dispositivo tecnológico faria isso, mas o chamamento à discussão e à execução das ideias me parece muito mais atraente.” Letícia Porto

“A escola precisa parar de vomitar conteúdo. É preciso que professores se tornem incentivadores da pesquisa autônoma dos alunos. Ao invés de lições, missões: ‘Classe, vocês têm até terça para resolver tal problema. Gostaria que compartilhassem comigo as evoluções que forem tendo ao longo do caminho. Estou disponível para qualquer dúvida’. Não adianta botar o livro didático no iPad e achar que isso é moderno.” Vítor Colares Via Facebook

“Penso que faz mais sentido trabalhar a tecnologia de maneira interdisciplinar, pois, na atualidade, ela permeia boa parte de nossas

Via Facebook

“Acredito que a tecnologia deva estar sempre acompanhada de discussões de cunho sociológico, para construção de um pensamento crítico sobre o modo como a ela se relaciona com as práticas da vida. Metodologicamente, a aprendizagem por projetos parece um modo que une a transdisciplinaridade a uma abordagem de disciplinas (cognitivas e emocionais) que parecem cada vez mais necessárias para viver no mundo: trabalho em equipe, criatividade, abertura ao novo etc.” Ronei Sampaio Via Facebook

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017

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ENTREVISTA

Ciência e maternidade Mãe, professora, pesquisadora e idealizadora do projeto "Parent in Science", Fernanda Staniscuaski comenta os desafios de ser mulher cientista no Brasil Alessandra Ribeiro Oito em cada dez docentes pesquisadoras das universidades brasileiras percebem impactos negativos em suas carreiras depois de se tornarem mães. É na faixa etária dos 32 anos que as mulheres cientistas têm o primeiro filho – em média, 2,8 anos depois de serem contratadas. Os dados espelham as primeiras impressões obtidas a partir de questionário respondido por mais de mil pessoas de várias partes do Brasil, iniciativa do projeto "Parent in Science", criado para apoiar mulheres que passam por situação semelhante. Em inglês, a palavra parent remete a pais e mães: a escolha de nome estrangeiro para a iniciativa diz respeito à intenção de também abranger homens que se dedicam ao cuidado com os filhos. A pesquisa mostra, porém, que eles ainda são minoria: em 54% das respostas, apenas a mãe cuida das crianças quando elas estão fora da escola ou da creche. Os cuidados são divididos entre mãe e pai – não necessariamente de forma igual – em menos de 40% dos casos. O projeto foi idealizado por Fernanda Staniscuaski, mãe, professora e pes-

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quisadora do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – ela se apresenta nesta ordem. No laboratório, a bióloga investiga o mecanismo de ação de proteínas vegetais com atividade inseticida. Sua atual linha de pesquisa concentra-se em um tipo específico de proteína, as aquaporinas, e seu papel nas respostas das plantas a diferentes tipos de estresse. Em 2015, logo após o nascimento do segundo filho, Fernanda constatou que o meio acadêmico-científico não oferece suporte às mulheres no momento em que precisam conciliar trabalho e maternidade. Ela ainda estava no início do período de licença quando foi cobrada pelo envio do relatório de um financiamento obtido, requisito para se candidatar ao recebimento de novas verbas. Envolvida com os cuidados de um recém-nascido e de outra criança de dois anos, não foi possível atender ao prazo naquele momento, o que, posteriormente, dificultou a retomada da carreira. Em um sistema de fomento pautado pela produtividade dos pesquisadores, e

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reconhecido como ambiente extremamente competitivo, quem precisa desacelerar acaba em desvantagem. Nesta entrevista a MINAS FAZ CIÊNCIA, Fernanda Staniscuaski fala dos desafios de ser mulher cientista e analisa os primeiros dados já sistematizados sobre maternidade e ciência no Brasil. No ambiente profissional, em que momentos você se sentiu em desvantagem por ser mulher? Até me tornar mãe, não me lembro de ter percebido desvantagens por ser mulher. Talvez, porque esteja em área que não é dominada (numericamente) por homens. De maneira nenhuma, contudo, isso quer dizer que eu não tenha experimentado o machismo que existe em nosso meio. Nunca me esqueci do comentário de um colega, no início da faculdade, ao insinuar que eu havia sido escolhida para um estágio porque o entrevistador era homem e tinha se interessado por mim. É muito comum associarem nossos méritos a outros aspectos, que não nossa capacidade intelectual.


Arquivo pessoal

Fernanda Staniscuaski, com os filhos Bruno (à esquerda) e Samuel MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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"Nunca me esqueci do comentário de um colega, no início da faculdade, ao insinuar que eu havia sido escolhida para um estágio porque o entrevistador era homem e tinha se interessado por mim. É muito comum associarem nossos méritos a outros aspectos, que não nossa capacidade intelectual."

Qual seu principal objeto de pesquisa? Desde minha iniciação científica, trabalhei, sob orientação da doutora Célia Carlini [pesquisadora 1A do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências], com foco nas ureases vegetais. Ainda mantenho essa linha de pesquisa, e a parceria com Célia, em meu laboratório. No entanto, desde que retornei do pós-doutorado, na Universidade de Toronto, meu foco principal é a pesquisa com as aquaporinas. Após dez anos de trabalho com as ureases, desejava iniciar um trabalho independente de minha ex-orientadora. Só não imaginava que seria um desafio tão grande: foram muitos “nãos” em pedidos de financiamento. Segundo os avaliadores, eu não tinha experiência na área. Essa foi a minha primeira frustração com o modo como a ciência é conduzida no Brasil. Não há estímulo para que os jovens pesquisadores se arrisquem e inovem. Se os pedidos de financiamento tivessem sido feitos com a linha das ureases, certamente, seriam aprovados, mesmo que isso significasse sobreposição aos projetos conduzidos pelo grupo da doutora Carlini. Felizmente, porém, temos conseguido implementar a linha das aquaporinas no laboratório. Três projetos estão em andamento, para investigar o papel dessas proteínas na resposta da soja e do arroz ao alumínio e ao arsênio, bem como na absorção e no metabolismo da ureia. O "Parent in Science" é um projeto recente. Qual o balanço do trabalho desenvolvido até agora? A repercussão corresponde às expectativas iniciais? Nunca imaginamos que o projeto cresceria tanto quanto cresceu neste ano. Eu, particularmente, tinha muitas ressalvas sobre como ele seria recebido, mas nos surpreendemos com tudo o que aconteceu. Primeiramente, com a receptividade: muitas portas se abriram para nos receber e conversar sobre o assunto. Encontramos, é claro, caras fechadas e narizes torcidos, mas na minoria dos casos. Houve grande engajamento por parte das pessoas, e não só das que têm filhos. Constantemente, recebemos convites para palestras, entrevistas, artigos em jornais e revistas. Portanto, os resultados superaram nossas expectativas. Tudo isso serviu para mostrar o quanto é importante o assunto em nosso meio,

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e o quanto as pessoas esperavam por um canal onde pudesse discuti-lo. A pesquisa conduzida pelo "Parent in Science" foi elaborada como projeto de pesquisa, submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFRGS. Tal formalização garante mais credibilidade à iniciativa? A formalização em projeto de pesquisa e a submissão ao CEP foram imposições “do sistema”. Não tínhamos experiência com este tipo de trâmite, e até liberamos os questionários sem aprovação prévia pelo comitê, em meados de 2016. Entretanto, logo fomos advertidos de que não poderíamos divulgar os questionários dentro das universidades se não tivéssemos a aprovação. Tivemos, então, que formalizar tudo, o que foi bom, pois certamente dá mais credibilidade ao projeto e às nossas ações. Houve estranhamento, por parte da comunidade acadêmico-científica, pelo fato de uma pesquisadora da área de Ciências Biológicas propor estudo comportamental? Com certeza. Mesmo que se não se admita, ou se fale abertamente sobre isso, nosso meio tem certo preconceito sobre o que é ciência “de verdade”. Ouvi várias vezes que eu deveria estar focada em minha carreira científica, ao invés de dedicar tanto tempo ao "Parent in Science". O que estamos fazendo, contudo, é ciência, sim. Estudamos um problema, temos hipóteses e desenvolvemos metodologia para testá-las. Nossos resultados serão publicados em uma revista científica. Quais eram as principais questões a investigar? Nosso principal objetivo com os questionários era avaliar se, de fato, há queda na produção científica depois da maternidade. E se isso afeta a obtenção de financiamento por parte das cientistas que são mães. Os questionários foram elaborados por nosso grupo, formado por mim e mais seis cientistas – incluindo um homem. É um questionário bem direto: trabalhamos, basicamente, com números. Também incluímos questões mais amplas, sobre como a mãe percebe a maternidade no universo acadêmico-científico, além de haver espaço aberto a qualquer comentário.


Foi muito bom ver que a grande maioria das participantes tinha algo a nos dizer, além de dividir experiências e dar sugestões. É possível traçar um perfil das pessoas que responderam ao questionário? Houve maior engajamento local ou também participaram pessoas de outras partes do Brasil? O público foi bastante diverso. Nossos alvos iniciais eram docentes mulheres, com filhos nascidos a partir de 1º de julho de 2007, e docentes mulheres sem filhos, contratadas a partir de 1º de janeiro de 2002. Obtivemos respostas de professoras com idade variada, de instituições públicas e privadas de todas as regiões do País. Ficamos satisfeitos porque houve participação nacional – se compararmos a quantidade de respostas com o número de pesquisadores cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por região, temos distribuição regional bem parecida. Ou seja, teremos visão de abrangência nacional em nossa pesquisa. No final de 2017, passou a vigorar no Brasil a lei que prorroga os prazos de vigência das bolsas de estudo, concedidas por agências de fomento, à pesquisa, nos casos de maternidade e de adoção. Como podemos comparar a situação brasileira em relação à realidade mundial? Ainda não é possível avaliar os efeitos diretos desta lei. Contudo, tanto o CNPq quanto a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) tinham normas internas que garantiam a prorrogação do prazo das bolsas em decorrência da maternidade, há algum tempo. A grande vitória foi ter transformado isso em lei e tirar a decisão da mão das agências. Agora, elas têm que cumprir, independentemente de decisões internas. Em qualquer lugar do mundo, não existem muitos estudos quantitativos sobre o impacto da maternidade na carreira científica. Mas, nos estudos qualitativos, assim como nas entrevistas e nos depoimentos que lemos, é possível perceber que a situação brasileira se repete em outros países.

Até agora, que resultados mais chamaram a atenção? Um dado que nos chamou bastante a atenção revela que, em mais de 50% das respostas, a mãe se declarou como única cuidadora da criança, fora do período em que ela está na escola ou na creche. Não esperávamos por isso. Achávamos que a maioria dividia os cuidados com o pai. As consequências disso são muito importantes. Primeiramente, porque limita o tempo que a mãe tem, quando não está na universidade, para desenvolver atividades relacionadas à ciência. Todos, em nosso meio, sabem que não trabalhamos das 9h às 17h. A dedicação vai muito além desse horário. Se não tivermos tempo extra, nosso rendimento diminui. Isso ficou claro quando perguntamos se as mães conseguiam desenvolver atividades em casa, relacionadas à ciência. Novamente, mais da metade delas disseram que não. Alta porcentagem dos entrevistados também disse ter perdido prazos (para submissão de projetos, pedidos de bolsa, entrega de relatórios etc.), em decorrência das obrigações com a maternidade. Este cenário afeta a competitividade da mulher-mãe na busca por recursos. E, sem dinheiro, não conseguimos produzir.

"Um dado que nos chamou bastante a atenção revela que, em mais de 50% das respostas, a mãe se declarou como única cuidadora da criança, fora do período em que ela está na escola ou na creche. Não esperávamos por isso. Achávamos que a maioria dividia os cuidados com o pai. As consequências disso são muito importantes." Flávio Dutra - Jornal da Universidade/UFRGS

Fernanda Staniscuaski e os filhos, no laboratório onde a pesquisadora desenvolve seus estudos MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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PAISAGISMO

As mesmas flores, o mesmo jardim? Símbolos das cidades do interior, praças são objetos de estudo interdisciplinar sobre relações sóciohistóricas ligadas ao desenvolvimento dos municípios Verônica Soares

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Estudos sobre Floricultura e Paisagismo têm muito a contribuir com o entendimento da história e das relações socioculturais entre pessoas e cidades. Em Minas Gerais, especialmente, vivenciamos a praça como espaço público central à vida em diversas localidades, formatada por afetos, memórias e relações capazes de impactar a vida dos moradores e fomentar o desenvolvimento dos municípios. Por isso, o desenho e a ornamentação de tais espaços tornaram-se preciosos objetos de estudo para pesquisadores interessados em compreender e documentar as dinâmicas que ali se materializam. Conhecer e compreender a história de praças de cidades da Estrada Real permitiu à pesquisadora Patrícia Duarte de Oliveira Paiva, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), evidenciar a evolução de tais espaços e os vários movimentos que levaram os municípios a instituí-los. “Análise da evolução paisagística e sociocultural de praças da região da Estrada Real com ênfase em cidades históricas de Minas Gerais” é um trabalho inédito, que também colaborou com a investigação da história da arte de jardins no Brasil. Desde 2008, Patrícia desenvolve a linha de pesquisa responsável pela análise da trajetória das praças. Para cada estudo realizado, foi possível reconstruir a história do lugar, desde seu nascimento, assim como analisar a evolução do espaço até hoje. Os trabalhos relacionados ao tema resultaram em pelo menos seis disserta-

ções de mestrado e publicações da coleção “Praças da Estrada Real”, lançada pela Editora Ufla. “É comum termos conhecimento sobre a história de uma cidade ou de personalidades que lá nasceram, mas as praças, mesmo sendo importantes espaços públicos, são muitas vezes negligenciadas. Trata-se, porém, de áreas intrinsecamente relacionadas à evolução dos municípios”, destaca a professora, ao lembrar que, até então, não existia tal tipo de estudo em muitas localidades, sobretudo naquelas que marcaram um período muito importante da história brasileira: no caso, os Já foram retratadas as histórias das praças em duas séries: “Cidades históricas” – Gomes Freire (Mariana); Tiradentes (Ouro Preto); Jardim da Avenida Tancredo Neves (São João del-Rei); Largo das Forras (Tiradentes); Praça da Basílica de Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas); João Pinheiro (Serro); Dr. Salatiel (São João del-Rei); Dr. Paulo Teixeira (São João del-Rei); Carlos Gomes (São João del-Rei); Severiano Rezende (São João del-Rei) e Praça dos Expedicionários (São João del-Rei) – e “Caminhos dos bandeirantes” – Praça do Campus Histórico UFLA (Lavras); Barão de Queluz (Conselheiro Lafaiete); Dr. José Esteves (Lavras) e Monsenhor Domingos Pinheiro (Lavras).

Fotos: divulgação

Passado e presente: a praça da Escola de Agricultura da Ufla em 1942 e na atualidade, depois de reformada MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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municípios localizados ao longo da Estrada Real. “Os resultados contribuem para a maior valorização do contexto histórico, social e ambiental das praças das cidades históricas”, conclui.

Passo a passo

A primeira fase da pesquisa consistiu de estudo de campo em cidades mineiras, com o objetivo de identificar o significado histórico – a partir de resgates paisagísticos e culturais – das praças Carlos Gomes e Severiano Resende, em São João del-Rei, e Dr. José Esteves, em Lavras (MG), além de jardins do Serro. “A primeira abordagem contou com levantamentos documentais, pesquisas bibliográficas, arquivológicas, iconográficas e entrevistas”, detalha a professora. No que diz respeito à bibliografia, realizou-se leitura de registros escritos, consulta a memoriais descritivos de projetos, relatos de viajantes, jornais, revistas e outros periódicos, assim como buscaram-se arquivos oficiais municipais, estaduais e federais. No que se refere à iconografia, analisaram-se pinturas, fotografias e cartões-postais em museus, bibliotecas, coleções particulares e instituições responsáveis pelo patrimônio artístico, cultural e histórico de cada localidade. A pesquisa de campo contou, também, com a realização de entrevistas com poetas, pintores, escritores, historiadores, bem como cidadãos idosos ou pessoas que conheceram antigos usuários, ou frequentaram jardins e praças no passado e no presente. Além da pesquisa de caráter histórico, foi verificado o atual estado de cada praça. Procurou-se identificar a legislação incidente sobre a área, nas instâncias municipal, estadual e federal, considerando monumentos culturais e históricos. Os especialistas também analisaram o último projeto de ajardinamento ou as propostas de reforma, para identificar plantas, equipamentos, mobiliário, obras ornamentais, pontes, estátuas, fontes, chafarizes, dentre outros itens que compõem o espaço. “O entorno, a evolução e a preservação também foram considerados e analisados. Realizamos amplo registro fotográfico de todo o estudo, com detalhamento dos

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A praça João Pinheiro, no Serro, durante a década de 1950...

principais elementos e levantamento físico, para constituição da planta do local”, esclarece a professora.

Interdisciplinaridade

Aspecto interessante da pesquisa de Patrícia Paiva, desenvolvida no Departamento de Agricultura da Ufla, está em seu caráter interdisciplinar. Formada em Agronomia, a professora fez mestrado e doutorado em Fitotecnia, na área de propagação de plantas ornamentais, que trata, por exemplo, da composição dessas espécies em jardins. Mas, em relação aos resultados da pesquisa sobre praças, ela reconhece que são mais amplos: “A interdisciplinaridade reforça o impacto social do estudo, devido ao envolvimento com a comunidade, que se deu ao longo das investigações”. Ligada ao Programa de Pós-graduação em Fitotecnia, do qual é, atualmente, coordenadora, Patrícia teve oportunidade de orientar estudantes em diferentes áreas da Floricultura e do Paisagismo. Para atender a interesses específicos dos projetos, desenvolveu pesquisas que incluem estudos de história dos jardins e análise de áreas verdes. “Nesse processo, sentimos que havia grande carência na literatura nacional e elaboramos livros que pudessem relatar os conhecimentos específicos para a realidade brasileira, e que servissem de referência àqueles que também se dedicam a esses estudos”, conta. Dentre os títulos publicados, estão: Cultivo de flores de Corte (vol. 1); Cultivo de Flores de Corte (vol. 2) e Paisagismo – conceitos e aplicações.

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Uma das áreas da Agronomia é a Horticultura, que inclui subáreas como Fruticultura, Olericultura, Plantas Medicinais e Condimentares e Plantas Ornamentais, sendo a última também denominada Horticultura Ornamental – que, por sua vez, se divide em Floricultura, Paisagismo e Gramados (o que inclui os esportivos). “A área de paisagismo envolve a história dos jardins, a produção de plantas ornamentais, além de projeto, implantação e manutenção de jardins, dos residenciais aos comerciais e às áreas verdes. As praças são áreas verdes públicas”, explica Patrícia Duarte.


e hoje em dia

Em relação aos estudos sobre jardins históricos, Patrícia e seu grupo de pesquisa compreenderam a necessidade de divulgação dos conhecimentos adquiridos a um público mais amplo, principalmente a pessoas que vivenciaram a evolução desses espaços, usuários das praças e visitantes – daí surgiu a já citada coleção “Praças da Estrada Real”, que atualmente, conta com 15 títulos publicados: “Ela não está finalizada porque ainda há muitas praças e histórias a serem contadas”, destaca a professora.

Resgate histórico

O levantamento das praças de Minas Gerais indica que elas tiveram origens diversificadas, desde finalidades político-militares, como a Tiradentes (Ouro Preto) e a dos Expedicionários (São João del-Rei); religiosas, a exemplo da praça da Basílica de Bom Jesus do Matosinhos (Congonhas) e Carlos Gomes (São João del-Rei); e comerciais – João Pinheiro (Serro) e Severiano Rezende (São João del-Rei). Tais espaços também foram criadas para compor áreas de grande importância e circulação de pessoas nas cidades, como é o caso das “praças de estação”, como a Dr. José Esteves, em Lavras. “Interessante observar que a religiosidade sempre esteve muito presente nessas áreas, seja pela proximidade ou pela origem junto a igrejas. Também os fatos e interesses políticos nortearam as intervenções sofridas nessas áreas, especialmente

pela realização de reformas, pela introdução de monumentos, como bustos, e pelas alterações de nomes, o que chamamos de toponímia”, explica Patrícia. No ver da professora, o grande desafio da pesquisa está nas limitações e nas dificuldades de acesso aos materiais necessários para construção da história de cada lugar. “Os registros e as memórias de nossa história são restritos. Nem sempre encontramos documentos específicos sobre as praças, projetos de ajardinamento ou indicações dos responsáveis pela elaboração e pela implantação dos jardins”, detalha. Em função disso, o estudo da evolução histórica centrou-se nas transformações morfológicas do espaço ocupado pelas praças e na representação social no inconsciente coletivo da população de cada cidade. Para que se avance no estudo socio-histórico das praças de Minas Gerais, a preservação da memória é fundamental. “Há, no Brasil, indicações de como proceder com a reforma de jardins históricos, o que deve ser respeitado. Alterações ou manutenções, normalmente, de responsabilidade do poder público, mas realizadas sob coordenação de paisagistas, devem considerar a história do lugar. O conhecimento sobre a origem e a evolução do espaço é fundamental para nortear as intervenções, de forma a preservar características”, conclui a professora, ao alertar para o perigo de ações que destroem e modificam os espaços públicos em nome da construção de ambientes absolutamente novos e sem história.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Análise da evolução paisagística e sociocultural de praças da região da Estrada Real com ênfase em cidades históricas de Minas Gerais COORDENADOR: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Lavras (Ufla) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 19.635

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MÚSICA

Som em movimento Pesquisa da UFMG promove construção de interfaces de fácil acesso, que permitem melhoria da qualidade do som em composições artísticas

Mariana Alencar

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A partir do momento em que o cinema deixou de se estruturar apenas na captura e na exibição de pequenas cenas cotidianas, de modo a narrar histórias completas, surgiu a necessidade de desenvolver linguagens próprias, que dessem conta daquela complexidade. Por isso, o som tornou-se elemento fundamental à produção cinematográfica, e, ao longo do tempo, modernizou-se bastante, a ponto de garantir experiências únicas, aos espectadores, nas salas de projeção. Tanto na descrição sonora dos filmes quanto nos aparelhos caseiros, a exemplo dos home theaters, é comum a presença de números que indicam a qualidade do som: 5.1, 7.1 etc. Tais números revelam, basicamente, as fontes sonoras existentes, de forma independente, em um mesmo sistema. O algarismo da esquerda representa a quantidade de falantes comuns do mecanismo − os aparelhos de som caseiros, por exemplo, usam dois canais distintos de áudio; já o equipamento que reproduz áudios no cinema pode chegar a ter sete canais independentes. Por sua vez, o algarismo à direita se refere ao número de caixas de som que reproduzem frequências muito baixas – as sonoridades mais graves. Logo, em um home theater 5.1, por exemplo, há cinco canais para caixas comuns, capazes de gerar sons médios e agudos, e uma para reprodução dos graves. Os sistemas são exemplos de espacialização sonora, tema da pesquisa “Construção de interfaces de espacialização sonora”, desenvolvida por João Pedro Paiva de Oliveira, compositor, pesquisador e professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Elemento basilar da música eletroacústica, a espacialização é um parâmetro cuja manipulação está na base da criação de várias técnicas e ferramentas. Segundo Oliveira, a espacialização sonora corresponde a formas e métodos de fazer com que o som se desloque entre fontes sonoras, de modo a dar a impressão, a quem escuta, de que ele está se movendo no espaço. “O exemplo mais simples de espacialização é a esterofonia, que cria, no

ouvinte, a ilusão de deslocamento do som entre os altifalantes da esquerda e da direita (ou vice-versa). Essa ilusão pode ser ampliada para outros altifalantes, em espaços distintos, de maneira a permitir a ilusão de que o som se desloca à volta do ouvinte, mudando de posição, dentro da sala, ou percorrendo trajetórias previamente estabelecidas pelo compositor”, define. A ideia da pesquisa surgiu a partir da própria carreira do pesquisador. Compositor com especialização em música eletroacústica, João Pedro sempre teve, como parâmetro fundamental em suas composições, a ideia de movimento do som no espaço. Contudo, não existem softwares de fácil acesso para fazer espacialização sonora. Daí a motivação para o estudo. Realizada em colaboração com um aluno de doutorado, a proposta principal foi a construção e o teste de diversas interfaces de espacialização sonora, além de sua integração em um laboratório de pesquisa. Desse modo, seria possível implementar e sistematizar diversas práticas para codificação do “movimento do som no espaço”, tendo, como finalidade artística, a composição de obras nas quais tal fator tivesse papel preponderante. “Trata-se, portanto, da construção de interfaces de uso fácil e acessível, que permitam, aos compositores, integrar o parâmetro do espaço em seu pensamento composicional”, explica. O fato de não existir um sistema padrão para a concepção de obras com espacialização sonora é problema amplamente discutido pelos compositores da área. “Dessas discussões, resultou, portanto, a necessidade da implementação de interfaces de espacialização suficientemente abertos, que se adaptassem, facilmente, a ambientes e espaços diversos, ao mesmo tempo em que permitissem aprendizagem fácil e intuitiva, de modo a promover sua aplicação nas composições eletroacústica e mista [com instrumentos e eletrônica]”, esclarece o pesquisador.

Obras premiadas Com a execução da pesquisa, os resultados foram surpreendentes! Segundo

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João Pedro, além de publicações em revistas e congressos, as interfaces construídas renderam um grande investimento, conforme modelo proposto pelo Qualis Artístico, para produção de obras eletroacústicas e mistas, com apresentação em festivais e concursos, além de gravações em CD. O compositor explica que toda a produção artística gerada em decorrência de seus estudos foi tomada conscientemente, considerando as características exigidas por um projeto na área das Artes. Para além da relevância acadêmica, os estudos de Oliveira correspondem a uma maneira de unir a produção artística à universidade. “Materiais artísticos têm ganhado ênfase e importância nos meios acadêmico e científico, e podem mesmo complementar a produção mais tradicional”, defende. As obras do projeto resultaram em mais de 150 apresentações musicais no mundo. Algumas das obras foram, inclusive, premiadas internacionalmente, em concursos da especialidade. No total, receberam-se 15 prêmios. Dentre as obras, oito foram gravadas em CD por editoras nacionais e internacionais. Após a bem-sucedida etapa da pesquisa, João Pedro dá continuação aos estudos sobre aplicação da espacialização na composição musical. O objetivo é tentar aplicar os conceitos na relação entre imagem e som. “Neste momento, estamos em fase de término de novo projeto de espacialização em 3D, com uso de várias camadas de altifalantes, dispostos verticalmente na sala, de modo a permitir a ‘deslocação’ do som no eixo horizontal (à volta do ouvinte), mas, também, no eixo vertical (acima do ouvinte)”, explica o compositor.

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O Qualis Artístico foi implementado, em 2007, pela Capes, com o objetivo de incorporar, ao processo de avaliação da pós-graduação, a produção artística diretamente relacionada aos cursos de pós. A iniciativa consiste, portanto, na valorização de ações que articulem pesquisa acadêmica com a criação de obras artísticas.

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PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Construção de interfaces de espacialização sonora COORDENADOR: João Pedro Paiva de Oliveira INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 25.550


QUÍMICA

De rejeito a descontaminante Projeto estuda produção e usos do biocarvão, a partir de resíduos da indústria moveleira do município de Ubá Luiza Lages

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Obtido por pirólise de biomassa a altas temperaturas (300 a 600ºC), o biocarvão é mais estável do que a matéria orgânica não pirolisada, e se degrada mais lentamente, ao criar grande estoque de carbono no solo, em longo prazo. Trata-se, assim, de sistema de sequestro de carbono eficiente, com potencial de minimização das alterações climáticas.

Processo de decomposição da matéria orgânica, ao ser submetida a condições de altas temperaturas e ambiente desprovido de oxigênio. Mecanismo endotérmico, exige fornecimento externo de calor, em reator pirolítico. Na pirólise, ocorrem importantes reações químicas, como fusão, volatilização e oxidação, e são retirados vários subprodutos, como álcoois e alcatrão. O método é aplicado na carbonização da biomassa, com o propósito de geração de biocarvão.

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Quarto elemento químico mais abundante no universo, o carbono está presente em todo o reino animal e vegetal, de modo a formar compostos essenciais à vida. Longas cadeias carbônicas são a base para plásticos, celuloses, alimentos e, também, de nosso DNA. Na atmosfera, combinado ao oxigênio, o elemento químico forma o CO2 (dióxido de carbono), importante para o crescimento das plantas, por meio da fotossíntese, e, também, principal gás do efeito estufa. Em cenário de aquecimento global associado à queima de combustíveis fósseis e ao aumento da emissão de gases, tornam-se importantes as soluções capazes de fixar carbono ao solo, como forma de reduzir a quantidade de gás carbônico na atmosfera. Eis a proposta associada à produção de biocarvão, também conhecido como biochar. Material rico em carbono, o produto é obtido a partir da queima da biomassa – como madeira, palha, esterco ou folhas – com pouco ou nenhum ar. “O biocarvão pode ser produzido a partir de qualquer tipo de biomassa, como resíduos agrícolas e resíduos florestais, sendo ideal que não haja competição direta com alimentos. O método usado é a pirólise, a queima com quantidade limitada de oxigênio”, explica a professora Teresa Cristina Fonseca da Silva, da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), em Ubá (MG). O Brasil se apresenta, hoje, como principal produtor mundial de biocarvão. “Além de reduzir os efeitos de mudanças climáticas globais, o produto pode ser aplicado para resolver outros problemas ambientais e na agricultura. Isso ocorre com a fixação de mais carbono, e a melhoria de características químicas, físicas e biológicas dos solos, por meio da reciclagem de nutrientes e do aumentdo a produtividade das culturas”, afirma a professora. O produto pode ser combinado, ainda, com fertilizantes, de modo a melhorar a eficiência de tais substâncias. A superfície porosa do biocarvão funciona como ambiente favorável à proliferação de fungos e bactérias que ajudam as plantas a melhor absorver nutrientes do solo. Por se tratar de material rico em carbono, com elevada área superficial es-

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pecífica e grande presença de cargas elétricas, o biocarvão também é usado como adsorvente, ao reter contaminantes dos solos e da água. “Nesse caso, pode-se potencializar tal capacidade adsortiva por meio de pré-tratamento químico da biomassa. O aumento do potencial também é interessante para a ciclagem de nutrientes no ambiente, aspecto essencial ao estabelecimento de um modo de vida sustentável”, diz Teresa Silva. O biocarvão torna-se hábil, assim, à limpeza de águas contaminadas com determinados nutrientes, que podem ser reutilizados na agricultura.

Indústria moveleira

Teresa Cristina coordenou projeto de produção e avaliação de biocarvão a partir de resíduos da indústria moveleira na mineira Ubá, principal polo do setor no Estado e um dos principais do Brasil, com grande produção de restos de serragem de madeira e MDF [Medium-Density Fiberboard, no termo em inglês, ou, em tradução livre, “painel de fibra de média densidade”]. “A produção do biocarvão levaria à transformação de resíduos em novos produtos, de modo a gerar mais renda e a reduzir o impacto ambiental da indústria para a região”, comenta. Produziu-se o biocarvão usado no projeto apenas para realização do experimento científico, em condições controladas. A pesquisa foi conduzida em parceria com o Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa (UFV), responsável pela infraestrutura de produção e caracterização do material. “O método é bastante similar à produção de carvão comum usado em churrascos, padarias e pizzarias, ou na indústria, em especial, na siderurgia”, conta a professora. Após tal processo, conduziram-se experimentos de adsorção nos laboratórios da UEMG, em Ubá.

Espécie química que fixa, em sua superfície, outra espécie, por meio de processos físico-químicos. O biocarvão conta com diversas propriedades, como a grande área superficial formada por matriz de carbono, que o tornam interessante para fixar, retirar e controlar contaminantes no ambiente.


Para descontaminação de águas contaminadas com fósforo, o biocarvão magnético, quimicamente modificado, mostrou resultados promissores, com retenção de poluentes cerca de cinco vezes maiores que o material sem pré-tratamento. “Adicionalmente, suas características magnéticas são bastante interessantes, pois permitem que ele seja misturado em um corpo d’água para tratamento, além de ser facilmente removido do com auxílio de ímãs”, explica a pesquisadora.

O carvão carregado com fósforo e ferro, usado na produção do material magnético, pode também ser empregado como fertilizante na agricultura. “A reutilização do fósforo é especialmente importante para o contexto nacional. No Brasil, com presença de solos altamente intemperizados, trata-se do nutriente limitante à produção de biomassa vegetal”, completa o professor Leonardus Vergutz, do Departamento de Solos da UFV.

Rochas e minerais alterados, física e quimicamente, em função do clima e do relevo. O solo sofre processos de desagregação e/ou decomposição

Múltipla ação Confira as vantagens da produção de biocarvão a partir de resíduos da indústria.

1.

Redução do impacto ambiental industrial, com aproveitamento de rejeitos.

4.

Aumento dos estoques de carbono no solo, com diminuição da quantidade do elemento na atmosfera.

2.

3.

Despoluição de contaminantes presentes em águas/solos, pela adsorção dos poluentes no biocarvão magnético.

5.

Reciclagem de nutrientes no ambiente.

Uso do biocarvão nos solos, para aumento da produtividade agrícola.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Produção e avaliação de biocarvão a partir de resíduos da indústria moveleira na capacidade de sorção de fosfato e arsenato COORDENADORA: Teresa Cristina Fonseca da Silva INSTITUIÇÃO: Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 14.500,00

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AVIAÇÃO

Apertem os cintos: o piloto vai sumir!

Após desenvolvimento de carros autônomos, que já são uma realidade, pesquisas investem em aviões não tripulados Téo Scalioni

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Segundo a máxima, existem dois tipos de pessoas: as que têm medo de avião e as... mentirosas! A verdade é que voar nas máquinas idealizadas por Santos Dumont, embora a experiência possa proporcionar ganho de tempo, comodidade e conforto, causa temor em muitos indivíduos. Imagine, então, se não for mais necessário um ser humano para pousar, decolar e controlar o avião! Sim, falo da criação de aeronaves completamente automatizadas, posto que comandadas por robôs, por meio do uso de inteligência artificial. E aí, teria coragem de embarcar? Saiba que se trata de realidade já estudada inclusive com pesquisas realizadas também no Brasil, relativas a tecnologias usadas em aeronaves não tripuladas. Para os próximos 10 ou 20 anos, estima-se que já existirão aviões com altíssimo nível de automação, quase-autônomos, no que diz respeito à execução de um conjunto de tarefas. Serão os robôs, em suma, a também tomar conta dos céus. Tal tipo de operação é possível porque muitas tarefas requeridas para operar aeronaves podem ser executadas de modo automático. Modernos sistemas mecânicos, eletroeletrônicos e digitais, instalados nos aviões, são capazes de realizar complexas tarefas de voo, como navegar entre dois pontos no espaço aéreo ou realizar pouso de maneira automática. Dessa forma, as máquinas têm se transformado, elas mesmas, em robôs aéreos, cuja missão é transportar cargas e passageiros, com segurança, entre duas localidades. A execução de um voo hoje, no entanto, ainda requer intervenção humana, seja para definir os objetivos da missão, seja para garantir a segurança da operação – especialmente, no caso da ocorrência de eventos inesperados em voo, a exemplo de uma forte tempestade. Desse modo, a princípio, ainda é necessária a presença de pessoas capazes de supervisionar a execução do voo, a bordo da aeronave ou remotamente. Neste caso, tal supervisão poderia ser realizada por meio de estação no solo, mas, é claro, com limitações. Segundo o coordenador do curso de engenharia aeronáutica da Universidade

Fumec, professor Rogério Botelho Parra, atualmente, as mais modernas aeronaves fazem quase tudo automaticamente, desde que programadas para tal. De acordo com o professor, já é possível que de 80 a 90% do voo seja programado, ou seja, controlados por uma máquina. “Decolam, sobem, navegam, descem pousam e taxiam no piloto automático, dependendo somente da programação do homem”, afirma ele, observando que obviamente o acompanhamento de um piloto ainda é necessário para possíveis anormalidades. Para verificar a possibilidade de aviões sem piloto, basta observar a crescente evolução das tecnologias de carros autônomos. São muitos os testes em veículos sem motoristas. Em certas localidades, muitos deles já estão em operação. A passagem dos veículos terrestres aos aviões, porém, não é tão simples assim. Isso porque há várias e importantes diferenças quanto à complexidade da operação, e, também, em relação a aspectos de segurança operacional. Enquanto o carro se move sobre um plano único, o solo, o avião tem liberdade para se movimentar nas três dimensões do espaço aéreo. Basta observar que sobre o solo, os obstáculos são muitos, diversificados, e representam importante risco de colisão para os carros. No espaço aéreo, há menor número de obstáculos, mas o avião está sujeito a cair e a se chocar contra o solo. “As diferenças entre carros e aviões sem o controle humano são poucas considerando a ideia geral, mas muitas considerando a tecnologia embarcada. Devemos observar que os aviões levam muito mais passageiros que os carros”, acredita o professor da Fumec..

Menos acidentes?

Por mais que pareça uma ideia quase que maluca, entrar em um avião pilotado por máquinas pode fazer com que os índices de acidentes aéreos, já baixíssimos, diminuam ainda mais. Isso porque, de acordo com pesquisa realizada pelo Escritório de Registro de Acidentes Aéreos (Acro, em inglês), de Genebra, na Suíça, cerca de 68% das causas dos problemas acontecem por falha humana. O erro técni-

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ca aparece em segundo lugar, com 20,72%, e o mau tempo, em terceiro, com 5,95%. Se pensar por essa lógica, a regra é simples: quanto menos pilotos humanos, menores os equívocos. Isso pode demonstrar estatisticamente que a automação de certas tarefas, requeridas para a execução do voo, reduz o número de acidentes com aeronaves.Um exemplo típico diz respeito ao desenvolvimento dos sistemas de alarme para colisão contra o solo. Em geral, é correto afirmar que, sem dúvidas, a automação de tarefas operacionais da aeronave trouxe maior segurança ao voo. “Cerca de 80% a 90% dos acidentes são provenientes de falhas humanas. Certamente as falhas diminuiriam, pois as chances dos sistemas de robô falharem é bem menor, além de serem duplos ou triplos e monitorados”, reforça Rogério. Entretanto, segundo o engenheiro de desenvolvimento tecnológico especializado na área, Jose Ricardo Parizi Negrão, o excesso de sistemas automatizados também produz um efeito adverso: a falta de entendimento pelo homem quanto ao comportamento da máquina, especialmente em eventos ou situações inesperadas de voo. “Estudos relativos ao projeto de automação de sistemas propuseram um princípio de projeto, denominado ‘automação centrada no homem’. Tal princípio, em oposição à autonomia completa das máquinas, procura definir a participação do ser humano na condução de processos automatizados”, acredita. Assim, segundo o engenheiro, mesmo com a inteligência artificial, responsável por grande parte da operação, é interessante que o homem, em solo, seja responsável pela supervisão dos trabalhos. Quando o assunto é aviação não tripulada, José Ricardo é categórico: “Como usuário e passageiro de aeronaves comerciais, eu preferiria saber que a condução do voo estivesse, no mínimo, sendo monitorado por um ser humano, mesmo que remotamente”.

pesquisas na área, à cata de uma das tecnologias mais promissoras da atualidade. Em resumo, trata-se de mais de 30 anos de pesquisas e experimentos, que possibilitaram avanços e têm transformado carros sem motoristas em realidade. Impulsionado pelos avanços do sistema de navegação, por meio de sensores e acesso à internet, um carro autônomo é capaz, na atualidade, de identificar o ambiente à sua volta e navegar sem qualquer interferência humana. Desse modo, espera-se reduzir a emissão de poluentes, assim como diminuir acidentes de trânsito e congestionamentos. No início de 2018, a Fiat Chrysler Automobilis (FCA) anunciou que fornecerá unidades de minivans para lançamento do serviço de táxis sem motorista da Waymo, subsidiária do Google, em Phonexix, nos EUA, ainda no decorrer deste ano. Em seguida, o serviço será estendido a outros estados americanos, de modo a chegar a 25 cidades onde a tecnologia já foi testada. Volkswagen e Hyundai planejam ter seus próprios carros autônomos, nas ruas, até 2021. Outras montadoras, como Ford, GM, Nissan, Mercedes-Benz e Toyota, também têm projetos na área.

Em busca da autonomia

Hoje, observa-se que empresas de tecnologia e montadoras de automóveis vivem numa verdadeira corrida em busca do carro autônomo ideal. São várias as

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Os avanços revelam-se tantos que, na edição do Pint of Science no ano passado – evento que discute ciência e inovação em bares do Brasil e de outros vários países –, o experiente professor Nívio Ziviani, ao falar sobre automação, algoritmos e robôs, foi taxativo em observar que “o futuro não precisa de nós”. Formado em Engenharia Mecânica, com mestrado em Informática e doutorado em Ciência da Computação, pela University of Waterloo (1982), o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e, também, pesquisador e empreendedor, comenta que, hoje, certas tecnologias conseguem, sozinhas, identificar as muitas diferenças, por exemplo, entre lápis e canetas. Nem tudo, porém, são flores. Um carro autônomo da Uber atropelou e matou uma ciclista, em março deste ano, no Arizona, nos Estados Unidos. O acidente chamou a atenção, pois o veículo, um Volvo XC90, além de contar com supervisor humano, estava acima do índice de velocidade. As investigações querem desvendar se o erro foi realmente da máquina ou do “colega” humano. Por via das dúvidas, a Uber suspendeu todos os seus testes com carros autônomos, tanto nos EUA quando no Canadá.


ELETRÔNICA

Imagens do coração A evolução do eletrocardiograma, do filme fotográfico à tela do smartphone Alessandra Ribeiro Semelhante a um curativo adesivo, a etiqueta eletrônica capta sinais cardíacos da pessoa e os transmite, por meio de rede sem fio, ao smartphone. Com o auxílio de aplicativo, é possível ver, na tela do aparelho, o eletrocardiograma, traçado correspondente aos batimentos do coração. O telefone, conectado à internet móvel, permite acionar o médico, que, por sua vez, tem acesso, de forma rápida, a informações atualizadas sobre o estado de saúde e a localização do usuário, por meio de GPS. Com base no conceito de Monitoramento Remoto do Paciente (RPM, na sigla em inglês), que consiste na ampliação do acesso a cuidados médicos fora de clínicas e hospitais, a tecnologia está em desenvolvimento na Universidade Federal de Itajubá (Unifei). “A escolha do smar-

tphone se deu em razão da capacidade de comunicação com outros dispositivos eletrônicos e da disponibilidade junto ao paciente. O aparelho já está integrado à rotina da maioria das pessoas, inclusive de idosos”, justifica Luis Henrique de Carvalho Ferreira, professor do Instituto de Engenharia de Sistemas e Tecnologia da Informação e coordenador do projeto. Ele explica que a principal inovação está no modo de captação dos sinais elétricos produzidos pelo músculo cardíaco. No lugar dos tradicionais eletrodos de prata, descartáveis, os pesquisadores desenvolveram dispositivos que não precisam ser substituídos, pois funcionam de maneira contínua – o que também pode gerar economia. “Um dispositivo eletrônico é composto por componentes MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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montados sobre uma placa de circuito impresso. No caso de nosso eletrodo, a própria placa serve como substrato para captação do sinal cardíaco. Ela, em si, não é o eletrodo, mas a composição formada pela placa de circuito impresso, associada à eletrônica de condicionamento de sinais e ao algoritmo de processamento de dados”, descreve. Na fase inicial, o sistema funciona no formato de um minieletrocardiógrafo portátil. A próxima etapa prevê a criação de um pro-

tótipo do curativo adesivo. Duas solicitações de patentes relacionadas ao projeto estão em análise no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI). “Buscamos parcerias com empresas e profissionais de saúde, para que possamos adequar o hardware e o software sob o ponto de vista dos usuários, sejam pacientes, enfermeiros, médicos etc., e não apenas em relação ao profissional de tecnologia”, revela o coordenador.

Pai da eletrocardiografia

A plataforma em desenvolvimento na Unifei foi batizada de OpenEinthoven, em referência a Willem Einthoven, fisiologista radicado na Holanda que inventou o eletrocardiógrafo, em 1902 (veja linha do tempo). Antes disso, ele criou o galvanômetro de corda, instrumento que permitiu o primeiro registro eletrocardiográfico fidedigno, sem necessidade de correção matemática. “O invento de Einthoven consistia de

No tempo... A eletrocardiografia propiciou o desenvolvimento de novas aplicações clínicas, tais como os testes ergométricos e eletrofisiológicos, o holter e a tecnologia de alta resolução. Apesar de suas limitações, a metodologia pioneira ainda pode identificar alterações patogênicas antes que ocorram mudanças detectáveis por outros métodos diagnósticos. Além disso, trata-se do passo inicial para o estabelecimento de condutas médicas. Confira a evolução do procedimento!

1842

O físico italiano Carlo Matteucci demonstra que cada contração cardíaca era acompanhada de corrente elétrica.

1843

O fisiologista alemão Emil DuBois-Reymond, considerado o fundador da Eletrofisiologia, descreve o potencial de ação e confirma a descoberta de Matteucci, em coração de sapo.

1889

1856

Os fisiologistas Rudolph Von Koelliker e Heinrich Muller registram o primeiro potencial de ação cardíaco.

Waller demonstra sua técnica de registro de potenciais elétricos cardíacos no Primeiro Congresso Internacional de Fisiologistas, em Basel, na Suíça. O evento estimulou Einthoven e outros pesquisadores a trabalhar com o eletrômetro capilar de Lippman, para aperfeiçoá-lo.

1870

1902

O físico francês Gabriel Lippman inventa o eletrômetro capilar, composto por um fino tubo de vidro, com uma coluna de mercúrio embaixo de ácido sulfúrico. A partir das variações dos potenciais elétricos, a movimentação do mercúrio pode ser observada com microscópio.

1878

A partir da invenção de Lippman, os fisiologistas britânicos John Burdon Sanderson e Frederick Page descobrem duas fases do ciclo cardíaco: despolarização e repolarização.

1887

O fisiologista Augustus D. Waller registra o primeiro eletro-

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cardiograma humano, resultado de experimentos com o eletrômetro capilar de Lippman. Ao conectar eletrodos no tórax, Waller demonstra que cada batimento cardíaco é acompanhado por oscilação elétrica. Provou, assim, que a atividade elétrica precede a contração cardíaca.

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Einthoven desenvolve o primeiro eletrocardiógrafo.

1909

Thomas Lewis visita o laboratório de Einthoven e retorna a Londres estimulado a estudar as arritmias, a partir do eletrocardiograma. Considerado o sucessor de Einthoven, Lewis contribui para elucidar mecanismos de funcionamento cardíaco, ainda sem embasamento científico.

1910

Os médicos russos W.P. Obrastzow e N.D. Straschesko publicam a primeira descrição das características típicas do infarto agudo do miocárdio.


um finíssimo filamento de quartzo recoberto por prata, esticado num campo magnético criado por um eletroímã. Mesmo a corrente elétrica fraca de um potencial cardíaco seria capaz de mover o filamento. A oscilação deste dependia da magnitude e direção da corrente elétrica. As sombras geradas pela movimentação do fio de quartzo eram projetadas num filme fotográfico, que rodava à velocidade de 25 mm/s, como nos eletrocardiógrafos atuais”, descrevem os médicos Rodrigo Tobias Giffoni

e Rosália Morais Torres, no artigo “Breve história da cardiografia”, publicado na Revista Médica de Minas Gerais. Segundo os autores, o aparato de Einthoven pesava cerca de 270 quilos e demandava cinco pessoas para ser operado. O aparelho estava instalado no laboratório da Universidade de Leiden, na Holanda, a mais de um quilômetro do hospital universitário. Para registrar os eletrocardiogramas dos pacientes internados, o cientista recorreu à sugestão do colega Johannes

Bosscha e conectou o instrumento à linha telefônica, de modo a transmitir os impulsos elétricos dos pacientes do hospital até seu laboratório. O experimento, realizado em 22 de março de 1905, é considerado o primeiro tele-eletrocardiograma, que inaugurou a telemedicina. Em 1924, Einthoven ganhou o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, pelo desenvolvimento do galvanômetro de corda e de suas aplicações.

Década de 1920 Amplia-se o papel do eletrocardiograma como instrumento diagnóstico. Além da caracterização das anormalidades de formação do impulso cardíaco, condução à detecção de hipertrofias atriais e ventriculares, os pesquisadores reconhecem sua importância no infarto agudo do miocárdio.

Década de 1930 A invenção dos eletrocardiógrafos com registro direto em papel, sem o processamento fotográfico, contribui com a popularização dos aparelhos de eletrocardiografia.

1931 Frank N. Wilson prova ser possível registrar a atividade elétrica do coração em qualquer parte do corpo.

Segunda metade do século XX

Fonte: GIFFONI, Rodrigo Tobias; TORRES, Rosália Morais. Breve história

da eletrocardiografia / Brief history of the electrocardiography. Revista Médica de Minas Gerais; 20(2), abr.-mai. 2010.

O desenvolvimento de exames de imagem desafia a primazia do eletrocardiograma como instrumento clínico. Aprimora-se a eletrofisiologia cardiovascular, com destaque para o monitoramento por holter, além dos estudos eletrofisiológicos invasivos (mais conhecidos como cateterismos), do eletrocardiograma de alta resolução e do mapeamento intracardíaco. Também se destacam os registros eletrocardiográficos em pacientes submetidos a esforço, os testes ergométricos.

Década de 1960 O holter, monitoramento eletrocardiográfico ambulatorial, torna-se cada vez mais sofisticado. Os dispositivos ficam mais leves e compactos, a tecnologia digital confere maior confiabilidade à gravação da eletrocardiografia e elimina as distorções provocadas pelas fitas magnéticas e pela necessidade de reprodução (playback).

Década de 1990 Surgimento dos primeiros discos rígidos com tamanho reduzido e custo viável, posteriormente substituídos pelos cartões de memória instantânea (flash). A qualidade dos registros avança a ponto de oferecer a eletrocardiografia de alta resolução. Torna-se possível fazer gravações mais prolongadas, edição e armazenamento em computador, além de envio de dados pela internet. A interpretação computadorizada do eletrocardiograma possibilita a análise mais rápida, por médicos capacitados.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Desenvolvimento de um microssistema de eletrocardiografia para o monitoramento e o apoio a diagnóstico remoto de pacientes cardiopatas INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Itajubá (Unifei) COORDENADOR: Luis Henrique de Carvalho Ferreira CHAMADA: Programa Pesquisador Mineiro VALOR: R$ 50.400,00

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ESPECIAL

? ! s s e o d n m e de r p n a e r u T ap s ó N de des s a rõe tivid d pa s, a XI e s tiva lo X a i log ecta sécu o cn exp no e t , a os finem aul t i e e nc rede la d o c a os ento da s v No nam inas iro ibe t R o i ra ac e ro and l s s e le r A

“Por favor, liguem os celulares”. O aviso costuma aparecer no primeiro slide das aulas do professor Nelson Pretto, coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC), vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “A conexão que estimulo dentro de sala leva o que fazemos ao mundo e traz o mundo ao que fazemos”, apregoa. No dia 22 de março de 2018, Nelson foi convidado a abrir o seminário anual do projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil”, com o tema “Mídias, educação e espaço público”, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na semana anterior, a vereadora Marielle Franco havia sido assassinada no Rio de Janeiro. O palestrante dedicou a conferência a ela e ao motorista Anderson Gomes, outra vítima do atentado. A charge do cartunista mineiro Quinho, que viralizou nas redes sociais digitais, foi a imagem escolhida para abertura da conferência: a ativista é retratada como uma planta que se regenera em inúmeros novos galhos.

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Nelson Pretto é autor de Educações, culturas e hackers: escritos e reflexões (EDUFBA, 2017), cujo conteúdo está integralmente disponível na internet. Ainda em 1996, o pesquisador publica Escola sem/com futuro: educação e multimídia, tese de doutorado transformada em livro, defendida pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). À época, ele já propunha a superação do uso meramente instrumental das tecnologias, ou, mais especificamente, do vídeo, nas salas de aula. Em 2013, na apresentação da oitava edição, hoje oferecida, na internet, com acesso livre, o autor considerava atuais as reflexões de “um livro dos anos 1990 do século passado”, uma vez que a presença da “enorme parafernália tecnológica”, formada por notebooks, tablets e smartphones, não foi acompanhada das “necessárias radicais transformações da educação”. Não que a instituição de ensino da atualidade seja a mesma do século XX: “A escola se transformou muito, e se transforma cotidianamente, por força, em grande medida, do trabalho de professoras e professores que estão no cotidiano da educação. O problema é que a sociedade se modificou em velocidade muito maior”, comenta o professor. Uma das principais mudanças apontadas pelo especialista diz respeito, justamente, ao papel do educador: antes, um líder que centralizava a função de prover as informações; hoje, relegado à simples execução de tarefas. “Talvez ele seja o que tem menos informações, em função das condições de trabalho e de salário, de formação e de infraestrutura nas escolas”, afirma. “Ele precisa aprender a dialogar com todas essas tecnologias, sendo usuário ou não, de forma a permitir que a escola deixe de ser um centro consumidor de informações e se torne espaço produtor de culturas e conhecimentos”, diz. No mais, “programe ou será programado”, completa Nelson, em referência ao título – Program or be programmed – do livro de Douglas Rushkoff, teórico norte-americano de mídia. No ver do professor brasileiro, educação e comunicação são áreas intimamente ligadas. Além disso, os educadores deveriam conduzir a ocupação das mídias tradicionais com novas narrativas. Para tanto, as escolas precisam desenvolver webradios, ter canais de vídeo e se transformar em “espaços de fazedores”. “Tal cenário já era imaginado por Anísio Teixeira em 1963, quando o intelectual – defensor da educação pública e gratuita – projetava a escola do futuro como algo semelhante a uma estação de televisão”, explica.

Ler ou navegar?

A formação de professores e alunos programadores, produtores ou autores de conteúdos, independentemente da nomenclatura, passa, necessariamente, pela alfabetização e pelo letramento digitais. O primeiro processo consiste em saber usar ferramentas tecnológicas, programas, aplicativos etc. O segundo é mais complexo, pois envolve senso crítico, justamente, quanto ao uso desses recursos. Para Adriana Bruno, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e líder do Grupo de Pesquisa e Aprendizagem em Rede (Grupar), a alfabetização é um processo de decodificação dos recursos tecnológicos digitais. “O letramento envolve a reflexão sobre o uso dos dispositivos: em quais contextos? Com quais objetivos e a serviço de quem? Para que haja letramento digital, é preciso ser alfabetizado digitalmente e ter conhecimento dos recursos”, esclarece. MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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A professora é crítica quanto ao uso de aplicativos e programas pagos em escolas da rede pública. “Há ótimos apps e recursos tecnológicos gratuitos, que deveriam ser incorporados em tais instituições”, defende. “Refletir o porquê de usar o software livre na educação pública, por exemplo, implicaria a necessidade do letramento digital, ou seja, a compreensão das políticas que envolvem essas opções”, analisa. O conceito de software livre foi criado na década de 1980, pelo hacker e ativista Richard Stallman, nos Estados Unidos, e engloba programas computacionais que concedem, ao usuário, liberdade para executar, copiar e distribuir, bem como para estudar, mudar e melhorar tais programas, segundo suas necessidades. Também adepto do movimento, Nelson Pretto esboça tal cotidiano escolar: “Ao interagir com as tecnologias, professores e alunos hão de produzir conhecimentos e traquitanas, além de consertar e criar. À medida que isso acontece, os conhecimentos estabelecidos da ciência tradicional passam a se relacionar com outros saberes da sociedade”. O letramento digital promove engajamento político, no entendimento de Carla Coscarelli, professora da Faculdade de Letras da UFMG. Ela propõe educar as pessoas, para que saibam o que e como postar algo nas redes sociais digitais. “É preciso empoderá-las, para que façam blogs, por exemplo, com ações transformadoras, que terão resultado na comunidade”, comenta. Outras tantas competências elementares, contudo, precisam ser desenvolvidas, ainda no âmbito da alfabetização digital. “O computador e o smartphone demandam a vida de todos, independentemente de classe social, de uma inscrição ao imposto de renda e à compra de ingressos. É necessário, portanto, saber usar”, completa. Organizadora e autora do livro Tecnologias para aprender, no qual contrapõe a leitura e a navegação como coisas distintas, Carla acredita que, embora os dois processos sejam complementares – posto que, ao navegar, também lemos –, eles levam a resultados diferentes: enquanto a leitura foca na compreensão aprofundada do texto, a navegação está fortemente associada à busca de informações.

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A pesquisadora lembra que se, antes, o professor escolhia um texto, ou livro de referência, para os estudantes – os quais, por sua vez, recorriam às enciclopédias –, várias são, hoje, as fontes de informação. Cabe ao professor, agora, ensinar estratégias e habilidades de navegação, que permitam ao aluno distinguir o que é confiável, à forma de um “detetive”. “Fica cada vez mais difícil saber o que é verdade. As fake news estão mais realistas”, constata. Diante de tal cenário, Nelson Pretto aponta a necessidade da formação de “leitores desconfiados”. “Precisamos formar cidadãos que desconfiem de tudo o que leem. Falo de leitores que olhem, com estranhamento, cada uma das coisas postas nas redes sociais e nos blogs. Assim, minimizo o problema das chamadas notícias falsas, pois elas são, de um lado, armadilhas nas quais o bom leitor não cairá. De outro, trata-se de leituras de mundo absolutamente possíveis, que demandarão mais atenção de cada um”.

Smartphone liberado?

Em Minas Gerais, a proibição do uso dos smartphones nas escolas quase virou lei, pois chegou a ser aprovada, em dois turnos, na Assembleia Legislativa. A regra, porém, acabou derrubada por veto do governador Fernando Pimentel, em janeiro de 2018. As instituições de ensino podem ainda não estar preparadas para o uso em período integral, mas, ao mesmo tempo, na avaliação da professora Carla Coscarelli, é preciso diminuir a resistência

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ao aparelho. “A máquina é maravilhosa e não pode ficar ‘de fora’, assim como a escola deixou o rádio, a TV, a música e as artes”, destaca. A pesquisadora sugere que o smartphone seja tratado como outro material didático qualquer, a exemplo de livros ou calculadoras, que demandam o “aprender a usar”. Seria interessante, pois, fazer textos para ambientes distintos, com vídeos, áudios, animações, e, assim, explorar novas linguagens. “A preocupação maior, porém, é ensinar o aluno a escrever textos de uma página para o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]”, lamenta. Na visão de Carla, para muito além da mera etiqueta, a “educação digital” passa por uma espécie de ética de uso. “No cinema, muitos atrapalham os outros, com a luz do aparelho acesa. No elevador, conversam alto. Há quem filme pessoas e poste sem autorização, atravesse a rua de olho no celular ou dirija a manusear o aparelho. Na escola, é preciso discutir: posso postar a foto de um colega em situação constrangedora?”, provoca. Adriana Bruno tem opinião semelhante. “Os dispositivos móveis são grandes potencializadores para a aprendizagem, principalmente, a um estudante, que, hoje, tem acesso a todo e qualquer conhecimento produzido no mundo. O que falta, uma vez mais, é formação, para que professores e escolas estejam preparados a usar tais dispositivos e recursos em prol da aprendizagem”. Ela acredita que, alheios aos mecanismos de proibição, os estudantes continuarão “com os celulares escondidos em suas roupas”, conectados às timelines, enquanto poderiam estar envolvidos, com uso mais qualificado, na pesquisa ou na produção, por exemplo, de videodocumentários. “Proibir o uso do celular é estigmatizar a tecnologia como algo ruim. Quando assumimos essa postura, perdemos a oportunidade de dialogar com o jovem, a criança, e de entender o que eles acessam, pensam ou gostam. A aprendizagem só é possível quando tenho vínculos e promovo interação com o outro”, reflete.

Educação a distância

O conceito de Educação a Distância (EAD) foi institucionalizado, no Brasil, em 2005, com a publicação do Decreto nº 5.622, que a define como a modalidade educacional na qual a “mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”. Embora a definição seja recente, a prática de atividades remotas de ensino não é de agora, como lembra Adriana Bruno. “Trata-se de educação muito antiga, que passou por várias fases, desde o material impresso, por correspondência, até chegarmos aos ambientes online, mediados pela internet e pelas tecnologias disponíveis”, contextualiza. Tal história, no Brasil e no mundo, é sistematizada em artigo publicado no 10º volume da revista da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), assinado pela professora Lucineia Alves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2011. A primeira iniciativa em solo nacional data do início do século XX, quando o Jornal do Brasil publicou o anúncio de um curso profissionalizante de datilografia na página de classificados, em 1904. Quase duas décadas depois, em 1923, Roquette-Pinto inaugurou a educação a distância pelo rádio. Na década de 1970, surgiram as primeiras iniciativas com uso de material televisivo, no Ceará, e foi criado o Sistema Nacional de Teleducação. “Fazer a distância não significa inovar”, afirma a professora da UFJF, ao destacar que a EAD incorporou as tecnologias disponíveis à medida que elas foram desenvolvidas, mas isso não significou, necessariamente, a transformação do tipo de educação oferecida, uma vez que a didática e a docência foram pouco alteradas. “Muitas vezes, o intuito está em realizar certa transposição didática, processo que acaba por reafirmar os problemas que já temos em outros contextos, e não apenas relacionados à distância”, analisa. Em março de 2018, o Ministério da Educação (MEC) foi forçado a vir a público para desmentir o envolvimento do governo

na proposta de converter 40% da carga horária do ensino médio em conteúdos oferecidos a distância. Diante da repercussão negativa, o MEC esclareceu que a sugestão foi feita no âmbito do Conselho Nacional de Educação, um órgão independente, e que nenhuma medida seria tomada sem antes ser submetida a consulta pública. “Coincidentemente, esses 40% correspondem ao percentual anunciado pelo MEC nas reformas da base nacional curricular do ensino médio, os chamados ‘itinerários pedagógicos’, que são uma desresponsabilização do Estado com a elaboração de políticas que garantam a formação de boa qualidade a todos”, ironiza Nelson Pretto. “É fundamental dizer que sou favorável à educação a distância, pois ela é uma grande possibilidade. Não se trata, porém, do modo como vem sendo feito por muitos, ao se transformar em formas baratas de oferecer educação, de má qualidade, para nossa juventude”, enfatiza. Adriana Bruno levanta a questão das condições laborais e da formação dos professores. “Temos percebido a precarização do trabalho docente, por vezes, com uso de profissionais em papel de tutoria, recebendo salários indignos e com trabalho excessivo”, afirma. “Não é possível pensar em educação de boa qualidade da noite para o dia. Sou radicalmente contra a proposta de qualquer porcentagem, no ensino médio ou em qualquer outro contexto, sem que haja discussão e estudo intenso”, completa. Para Carla Coscarelli, da UFMG, o entendimento do conceito de EAD ainda é banalizado. “Há preconceito com o ensino a distância, que exige conhecimento do universo digital e experiência no uso das plataformas. Não se trata de coisa trivial, pois demanda formação de professores. É preciso fazer curadoria do conteúdo e dar feedback ao aluno. As coisas não podem ser feitas a toque de caixa”, conclui. Por outro lado, Carla pondera que, com planejamento, os resultados podem se revelar surpreendentes. “Falo de um projeto bem definido, com roteiro e entrega de produto final, para que haja engajamento do aluno. Como exemplo, pensemos em um projeto particular, sobre a história do jazz, ou dos quadrinhos, que misturasse diversos conteúdos de História, Geografia, Música etc.”, sugere, ao frisar que tal formato pode-

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ria ser a oportunidade de “flexibilizar a escola, sair da abordagem conteudista, e da concepção do aluno sentado, parado, ouvindo o professor falar. É possível torná-la mais particularizante, para que atenda às demandas das comunidades, dos alunos, e trabalhe com as diferenças”. Na acepção de Nelson Pretto, falta muito para que as potencialidades da EAD sejam efetivamente exploradas, e para que os cursos oferecidos não se restrinjam ao “envio de PDFs a serem lidos e

respondidos com questões de múltipla escolha”. Ele destaca que a disponibilidade das tecnologias nas escolas está muito aquém do mínimo necessário, a começar pelo acesso à banda larga. “No Brasil, há grande diferença no convívio com a informação. Muita gente nasceu no ambiente digital, mas não teve acesso”, enfatiza Carla Coscarelli, ao relativizar o termo “nativo digital”, cunhado pelo norte-americano Mark Prensky: “Que todas as escolas tenham computadores, tablets, acesso à internet e wi-fi”.

Alfabetização transmídia A aprendizagem para muito além dos espaços convencionais Lorena Tárcia Desde a expansão dos computadores pessoais, nos anos 1980, o desenvolvimento da World Wide Web, na década seguinte, e a explosão das plataformas relacionais e da mobilidade, na década de 2000, as redes sociais digitais e os dispositivos móveis têm sido catalizadores de mudanças nas sociedades contemporâneas. Ainda que, nas últimas décadas, as instituições escolares tenham realizado esforços para se adaptar a estas novas condições sociotecnológicas, a percepção geral é de que a vida social dos jovens gira em torno de um conjunto de tecnologias e práticas ainda distantes dos processos educativos. Nos últimos anos, propuseram-se muitos conceitos para nomear as novas formas de alfabetização: “digital (Digital Literacy); “em internet” (Internet Literacy) ou “em novos meios” (News Media Literacy). Dentre tais propostas, está a alfabetização transmídia (Transmídia Literacy), definida como “um conjunto de habilidades práticas, valores, sensibilidades e estratégias de aprendizagem e intercâmbio desenvolvidas e aplicadas em contexto das novas culturas colaborativas.” Tal categoria de aprendizado parte de uma leitura diferente da realidade dos adolescentes, na medida em que amplia – e complementa – os postulados da alfabetização midiática característica da década de 1960, baseada no pensamento de que os meios, especialmente a televisão, tinham efeito negativo sobre crianças e jovens. Assim, cabia às escolas alfabetizá-los, no sentido de neutralizar ou resistir às suas influências perniciosas – assim como, hoje, buscam preveni-los dos riscos nas relações com a web, os videogames, as redes sociais e os dispositivos móveis. Para além dessa perspectiva, a alfabetização transmídia foca no uso dos meios pelos jovens, considerando-os como prosumidores (“produtores + consumidores”), sujeitos potencialmente capazes de gerar e compartilhar conteúdos de diferentes tipos e níveis de complexidade. Embora não negue a necessidade de educar os jovens a desenvol-

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ver as competências vinculadas aos meios, a metodologia propõe-se a ampliar esta visada, para incluir investigações sobre as atividades midiáticas realizadas pelos estudantes fora das instituições educativas, além de resgatar conhecimentos e competências como insumos importantes à formação escolar. Com base em tais questões, nasce o projeto “Transmedia Literacy”, coordenado pelo professor Carlos Scolari, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. O esforço está incluído no projeto “Horizonte 2020”, maior programa de investigação e inovação da história da União Europeia (UE). A iniciativa financia descobertas, avanços e lançamentos mundiais, com vistas a transferir ideias inovadoras dos laboratórios para o mercado, em três pilares: excelência científica, liderança industrial e desafios societais. A pesquisa teve início em 2015 e foi concluída em março de 2018, após 36 meses de trabalho, que envolveu oito países (Espanha, Austrália, Colômbia, Finlândia, Itália, Uruguai, Portugal e Reino Unido), com o objetivo de contribuir para melhor entendimento sobre os modos como adolescentes consomem, produzem, compartilham, criam e aprendem em ambientes digitais. A partir do diagnóstico, criou-se um mapa das estratégias apuradas, com apresentação de uma série de recursos, aos professores, para aplicação em sala de aula. Na conferência de encerramento do projeto – uma mesa-redonda com professores dos oito países envolvidos –, discutiram-se os principais resultados, a partir da perspectiva cultural de cada país. Confira, abaixo, as principais afirmações dos pesquisadores, proferidas durante a conferência, assim como nos registros das pesquisas realizadas. Uma visão ampliada dos resultados das pesquisas encontra-se no site do projeto (https://transmedialiteracy.org) e no livro Jovens, mídia e culturas colaborativas: explorando as competências transmídiaticas na sala de aula, editado pelo professor Carlos Scolari.


“O currículo escolar provê diversas oportunidades para promover a expressão criativa e a participação ativa dos estudantes. Entretanto, em algumas áreas, tende a propor habilidades mais conectadas às tecnologias – as quais, embora importantes, precisam ser complementadas e reforçadas com o desenvolvimento de habilidades comunicacionais e o encorajamento ao engajamento cívico, a partir de preceitos éticos”.

“Quando se responsabilizam por autoadministrar seus próprios compromissos com os meios, os jovens demonstram relações complexas, estratégicas e fortuitas com o próprio ser e com as tecnologias. Alguns adolescentes australianos demonstram compromisso crítico entre públicos diferenciados e aquilo que podem fazer em relação a distintos perfis. Entretanto, nem todos os jovens experimentam, igualmente, a vida midiatizada. A idade e os gêneros são determinantes nessas diferenças.” Heather Horst (Universidade de Sydney, Austrália)

Sara Pereira (Universidade do Minho, Portugal)

“A administração individual e as competências sociais, em particular, passam por forte desenvolvimento no período da adolescência. Encontramos diferenças significativas no nível dessas habilidades entre os grupos de jovens analisados. Os temas relacionados às gestões social e individual são também bastante sensíveis e podem causar tensionamento. Particularmente, na gestão das redes sociais, há muita pressão e fortes expectativas para seguir padrões. A dificuldade cresce quando as regras se chocam com as normas e os valores sociais mais tradicionais, como o tempo compartilhado com a família.” Rayne Koskimaa (Universidade de Jyvaskyla, Finlândia)

“Selfies, gifs, memes, videogames, histórias no Wattpad e outros conteúdos digitais, que circulam no Facebook, constituem recursos lúdicos e afetivos importantes às vidas dos adolescentes, pois refletem os âmbitos e referências da sociabilidade nas redes sociais, suas práticas de consumo, gestos e sensibilidades, e, também, seus códigos de comunicação e estratégias simbólicas de afirmação, distinção e inclusão dos pares. Os adolescentes encontram sentido nas práticas transmidiáticas, quando situadas dentro de contextos culturais específicos, nos quais estão, por exemplo, as culturas gamer e youtuber. O desafio educativo está em como recontextualizar, sem descontextualizar, ou seja, em como propiciar espaços pedagógicos nos quais os estudantes possam recontextualizar essas habilidades na escola, de modo a não se desconectarem dos significados e valores culturais de seus contextos originais. Se consideramos os contextos locais, as estratégias de pôr em diálogo essas duas lógicas requerem didática de sentidos convergentes, que também considerem diferenças e condições socioculturais.” Rosalía Winocur (Universidad de la República, Uruguai)

“Muitas das competências que implicam recursos transmidiáticos afetam as ‘competências sociais’, ou seja, habilidades mais ou menos transversais, não pertencentes a campos disciplinares específicos ou a áreas de conhecimento concretas. Em muitos casos, a tentativa de traduzir o domínio das competências midiáticas, que interessam aos jovens, a um contexto formal – inclusive o escolar, relativo a disciplinas como Matemática, História ou línguas estrangeiras –, pode parecer artificial ou ‘escolástico’ para os estudantes. Apesar disso, é justamente a partir da criação de um entorno emocional e da prática colaborsativa que os professores podem sintonizar os alunos.”

“YouTube é uma plataforma na qual as competências transmidiáticas estão se desenvolvendo fora dos entornos formais de aprendizagem. A natureza dual dos conteúdos do YouTube estabelece a coexistência entre temas educativos e de entretenimento. A particularidade da plataforma é a criação de formatos narrativos específicos, que guardam seus próprios tons e estéticas. Seus discursos estão orientados ao simples, ao reconhecível e ao pragmático. É por meio da participação que se constrói a inteligência coletiva do YouTube. Assim, a educação informal e as estratégias detectadas deveriam ser desenvolvidas como fundamento para educar usuários com critério e competências de aprendizagem proativas e participativas.”

Silvia Amici (Universidade de Torino, Itália)

Eduardo Gutiérrez (Pontífica Universidade Javeriana)

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HISTÓRIA

Livros, textos e outros tantos documentos gráficos, adornados nas Minas Gerais do século XVIII, conservam, página a página, o espírito de seu tempo Luana Cruz

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Quando a humanidade migrou da tradição oral à cultura escrita, na Idade Média, os manuscritos passaram a materializar a história. A pena e o pincel misturavam caligrafia e pintura para guardar as expressões de sensibilidade de cada época. Assim, documentos ajudaram na construção de memória coletiva, ao funcionar como instrumentos de registro e obras de arte. O prazer sensorial de reviver textos antigos e resgatar significados faz parte do trabalho de historiadores e restauradores. É o caso de Márcia Almada, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo gosto por papéis, livros, desenhos e pinturas transformou-se em profissão. Ela reúne, desde a década de 1980, os interesses intelectuais e as habilidades manuais, ao trabalhar com a conservação de documentos gráficos e pesquisar a tradição medieval dos manuscritos. Em um dos trabalhos, a historiadora estudou a produção de documentos adornados no século XVIII, em Minas Gerais. Dedicou-se, pois, a dezenas de manuscritos, com o desafio de desenvolver e divulgar uma metodologia que valorize os aspectos materiais e visuais dessas produções. A missão é fazer com que os textos sejam vistos como fonte de informações preciosas para a pesquisa histórica, e não apenas no campo da História da Arte, mas, também, em abordagens sociais e econômicas. “Os historiadores, em geral, estão preocupados apenas com o conteúdo do texto. Talvez porque não estejam preparados para isso. Muitas vezes, nem prestam atenção na largura das margens, na qualidade do papel, no local da assinatura, nas dobras, nos resíduos de selos e nas manchas de uso”, explica Márcia. Grande historiador do livro, Robert Darnton sempre se preocupou com as questões materiais, com vistas a compreender os processos de produção e circulação dos textos, mas, segundo Márcia Almada, tal metodologia não fica evidente no estilo de escrita do autor. Já o historiador espanhol Fernando Bouza Álvares deixa antever, na narrativa, a metodologia de análise que privilegia o visual e o material.

Márcia Almada preocupa-se em sistematizar uma metodologia de análise material que seja útil à pesquisa histórica. A pesquisadora faz isso por meio do estudo dos processos de trabalho de historiadores do livro, principalmente, a partir de um olhar renovado para antigas disciplinas, como a Paleografia. “Desde que assumi a importância da questão material em minhas investigações, já exercitei a metodologia em várias análises. Os resultados sempre surpreendem”, afirma.

Trata-se do estudo das antigas formas de escrita, o que inclui datação, decifração, origem e interpretação. É uma forma de decodificar normas de escrita para compreensão dos usos e apropriações dos manuscritos, já que estão inseridos em dada prática histórica.

Calígrafos O estudo com documentos ornados em Minas Gerais revelou traços únicos de três calígrafos que viveram no Estado, nos tempos em que a região ainda era chamada de “capitania”. Um dos escribas tinha um discípulo, também identificado durante a pesquisa de Márcia Almada. Com tal constatação, concluiu-se que o aprendizado e a atividade de adornar livros manuscritos poderiam se desenvolver de forma privada, tal como o trabalho de outros artistas no período colonial. Descobriu-se, ainda, que havia grande trânsito de informações entre a Europa e o interior da América portuguesa. Assim, os modelos de manuscritos ornamentais europeus não demoravam a ser aplicados em Minas Gerais para atender ao gosto refinado das elites, que se manifestou desde a formação das primeiras vilas. “Também pude responder a uma curiosidade minha e de várias pessoas: quanto tempo era necessário para a ornamentação de um livro com cerca de 20 folhas? É claro que o tempo variava de acordo com a habilidade do executante, a presença de ajudantes e o esmero da pintura. Um dos meus calígrafos favoritos, porém, executava uma obra dessas em cerca de quatro meses”, conta a pesquisadora. Outra curiosidade diz respeito aos materiais disponíveis para tal tipo de trabalho – o que inclui capas luxuosas – nas Minas setecentistas. A pesquisa mostrou que existiam encadernadores, papéis de alta qualidade, folhas metálicas, pigmentos e corantes naturais e sintéticos para abastecer os produtores de textos. MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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Instituição de guarda: Arquivo Público Mineiro (Belo Horizonte)

Caminhos entre adornos A motivação de Márcia Almada para as pesquisas surgiu durante seus 15 anos de trabalho como restauradora em Belo Horizonte. Nesse período, recuperou documentos, livros e obras de arte sobre papel de acervos em instituições públicas e privadas. Um dos trabalhos mais desafiadores, segundo a pesquisadora, foi a implantação da política de preservação do acervo de obras raras da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, na capital mineira, feito com financiamento público-privado, por meio das Leis de Incentivo à Cultura. Equipe interdisciplinar trabalhou para conservar, pesquisar, organizar, catalogar e disponibilizar a coleção de obras raras. “Muitas experiências boas aconteceram ali. A mais importante foi a possibilidade de manusear todos aqueles livros. Na Luiz de Bessa, aprendi quase tudo o que sei sobre obras raras e antigas”, explica. De acordo com a pesquisadora, a preservação do acervo bibliográfico e arquivístico é um trabalho permanente, que parece invisível para a maior parte da população. “Os documentos são, em geral, manuscritos e únicos. Eles são fontes para a pesquisa de nossas histórias. Não nos interessa apenas a informação, mas, também, a estrutura material por meio da qual a informação foi transmitida e perpetuada no tempo. Perdida uma folha, perde-se parte das fontes de reflexão sobre sociedades antigas”, afirma Márcia. Depois da experiência na Biblioteca Pública Estadual, a historiadora voltou à universidade para pensar melhor a atividade de restauração e objetos de trabalho. Segundo a professora, uma das grandes paixões dos restauradores gráficos são os documentos pintados entre os séculos XVII e XIX. “Muitas irmandades e confrarias, as grandes patrocinadoras das artes durante o período colonial, mandavam adornar uma cópia de seus estatutos. Quando escolhi o tema para pesquisa de mestrado em História, não podia fugir desta paixão”. No mestrado, a historiadora trabalhou com 11 “livros de compromisso”, feitos por irmandades de Minas Gerais.

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Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja Paroquial de Santo Antônio da Vila de São José, de 1722

“Os chamados livros de compromisso são os estatutos que regiam as irmandades, associações que assumiram importância indiscutível na organização da sociedade colonial. Continham normas que procuravam regular as condutas de congregados, bem como as principais atividades desenvolvidas: festas, procissões, assistência a irmãos doentes ou carentes e acompanhamentos fúnebres”, escreve a professora Márcia Almada em trecho de sua dissertação de mestrado.

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Procurou entender os estilos e as técnicas de execução da pintura e da caligrafia. Ao final, várias perguntas ainda estavam por ser respondidas, e a pesquisadora ingressou no doutorado para continuar a investigação. O trabalho se aprofundou na busca por compreender o papel da escrita adornada no século XVIII. Era preciso entender as formas de aprendizado e transmissão das técnicas, além do status social dos calígrafos e pintores de manuscritos. Márcia Almada esteve por um ano em Lisboa, em Portugal, para pesquisar documentos de interesse. Fez o registro fotográfico das obras, para estudá-las, e, assim, acumulou mais de duas mil fotografias de, aproximadamente, 50 livros manuscritos pintados. Após o doutorado, a professora permaneceu a completar o inventário visual e o estudo material e iconográfico. Fez viagens ao interior de Minas Gerais, em busca de documentos pintados, com ênfase nos de irmandades, em arquivos públicos e paroquiais. “Nem sempre fui bem atendida ou tive acesso aos textos. Mesmo assim, consegui aumentar o número de documentos inventariados, registrados e estudados. Uma das emoções mais fortes foi acessar os materiais de irmandades que estão sob a guarda do Arquivo Histórico da Arquidiocese de Mariana”, conta a historiadora. Ela já havia solicitado autorização para consultá-los dez anos antes, durante a pesquisa do mestrado, mas não teve sucesso à época. Com aquele acervo, conseguiu fechar pontas soltas da pesquisa. Márcia fez um site com o acervo coletado e, assim que tiver autorização de todas as instituições, para publicação das imagens, fará a divulgação do banco de dados, com o intuito de que outros pesquisadores possam se beneficiar das informações.

fância, o trajeto da rua, aquela casa, aquela praça ou aquele rio. Podem também ser a xícara que eu via na casa de minha avó, os bonecos do Giramundo ou a escultura de Aleijadinho. Há, ainda, os documentos históricos, que permitem a reflexão sobre nosso passado, ou os livros novos, antigos, raros ou correntes, que uma biblioteca oferece à população, que, de outra forma, não poderia ter acesso a esses bens”, esclarece. A pesquisadora comenta que, nos últimos 30 anos, houve melhorias, a exemplo de incentivos públicos descentralizados e da capacitação de pessoal para trabalhos de preservação. Tudo isso, porém, ainda é insuficiente. Márcia Almada julga tardia a criação do primeiro curso de graduação em conservação e restauração de bens culturais, inaugurado, em 2008, na UFMG. Antes existiam apenas cursos técnicos ou de pós-graduação. “O mais importante eu não vi: instituições públicas contratarem, com condições atrativas de trabalho, pessoal capacitado permanente. A preservação, afinal, é uma atividade contínua e invisível, e não pode ficar à mercê de financiamentos fragmentados. Isso se torna, porém, uma utopia cada vez mais distante”, conclui.

Acervos raros É muito difícil fazer com que as autoridades públicas reconheçam a importância social da preservação de elementos que nos conectem com a realidade e a história. “Essas coisas podem ser a árvore da inMINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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DOSSIÊ RIO DOCE

Em águas limpas Pesquisadores da UFMG e da Ufop promovem pesquisas que visam à recuperação da qualidade das águas do rio Doce para uso da população Mariana Alencar

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Três anos e meio se passaram desde que o mar de lama e rejeitos de minério invadiram as águas da bacia do rio Doce. Para além dos moradores do quadrilátero ferrífero, os impactos socioambientais resultantes do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, fizeram com que populações de 38 cidades precisassem adaptar e redefinir vidas e rotinas cotidianas. A lama tóxica viajou 600 km, do afluente Gualaxo do Norte, em Minas Gerais, à foz do rio Doce, no Espírito Santo, para, então, desaguar no oceano Atlântico. No caminho dos rejeitos, estava a tribo Krenak, que abriga cerca de 400 pessoas, em quatro mil hectares, à margem esquerda do rio Doce, próximo ao município de Resplendor. Desde o início do século XX, os Krenak passaram por diversos processos de desterritorialização: em 1905, por exemplo, deixaram o vale do rio por conta da construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Eles só poderiam retornar ao local na década de 1950. Atualmente, os dramas enfrentados pelos indígenas são outros: se antes, as práticas de caça, pesca e irrigação eram cotidianas às 126 famílias da tribo, após o desastre, não têm mais acesso ao “Uatu” – “rio Doce”, em linguagem Krenak –, a pesca deixou de ser opção e as plantas cultivadas para consumo próprio pararam de crescer, devido à contaminação da água e dos solos. “O impacto é muito grande. Tudo em nosso cotidiano foi comprometido. Não tem como pescar, pois não há peixes. Não podemos caçar, pois os animais tomam água contaminada. Não podemos realizar nossos rituais, tomar banho no rio nem usar as plantas que cresciam ali, para fazer nossos chás. Isso deixou toda a população em situação muito complicada”, lamenta Shirley Krenak, moradora da tribo. Desde o início do ano, contudo, a realidade da aldeia Atorã – uma das sete que compõem a tribo – tem se modificado, por conta do sistema chamado pelos índios de “Bok’ererre”, ou “peixe bom”. Desenvolvido por pesquisadores da Escola de Veterinária, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o projeto “Aquaponia como alternativas para a retomada da

qualidade de vida das populações economicamente dependentes da pesca no Rio Doce” busca ajudar a população de três maneiras: ao fornecer peixe para alimentação, e plantas para produção de chás e remédios, além de reintegrar a comunidade ao meio ambiente. A aquaponia consiste em unificar a criação de espécies aquáticas – principalmente, de peixes – ao cultivo de plantas. “Em um tanque, ficam os peixes, que produzem o nitrogênio capaz de nutrir as plantas. Já as espécies vegetais diminuem a carga de amônia da água, onde vivem os cardumes. Todos ficam, portanto, em simbiose”, explica Lilian Viana, coordenadora do projeto e professora dos cursos de Veterinária e Aquacultura da UFMG. A elaboração começou no fim de 2016, quando os pesquisadores instalaram um projeto-piloto na Universidade. Na ocasião, o sistema foi pensado para consumo de uma família pequena, e apresentou muitos problemas, consertados antes da apresentação à tribo. Resolvidas Acervo pessoal

Sistema de aquaponia instalado na tribo dos Krenak, em Resplendor

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DOSSIÊ RIO DOCE Acervo pessoal

as dificuldades, Lilian entrou em contato com Leomir Krenak, cacique da aldeia, para que o mecanismo fosse levado aos indígenas. Após a negociação, a equipe de pesquisadores foi à região com o intuito de instalar os tanques e orientar a todos quanto aos cuidados com a ferramenta. Após meses de funcionamento, o sistema de aquaponia começou a apresentar resultados. Plantaram-se espécies de bálsamo, tomilho, camomila, melissa, manjericão, hortelã e menta − de todas elas, apenas o tomilho apresentou problemas de desenvolvimento e não vingou. Importante ressaltar, porém, que um dos maiores benefícios do sistema, à população, está na manutenção da saúde mental dos moradores. “Tínhamos relação muito próxima com nosso Uatu. Depois da lama, muitas pessoas desenvolveram depressão. Esse projeto da professora é bom porque faz com que seja desenvolvido um cuidado com os peixes e as plantas. É preciso que o responsável olhe diariamente como está o sistema, o que permite nova relação com a natureza. O ideal seria ter nosso Uatu de volta, mas, como isso não é possível, vamos realizar nossa pesca em tanques”, comenta Shirley. Com o sucesso do sistema na aldeia Atorã, a ideia dos pesquisadores é levar o projeto a outras regiões do Estado, inclusive a áreas não afetadas pelo rompimento. “Nosso maior desafio será trabalhar, também, em meio urbano. Temos tentado fazer com que o sistema seja instalado na cidade de Barra Longa. Como o público é muito diferente, será algo desafiador”, afirma Lilian Viana.

Algas faxineiras

A água é peça fundamental para garantia da instalação e do funcionamento do sistema de aquaponia. Entretanto, com a contaminação do rio Doce pelos rejeitos da mineração, a água usada no projeto não vem do rio Doce, mas, sim, de caminhões-pipa, o que deixa a população dependente de recursos hídricos externos à comunidade. Para sanar o problema, Lilian e sua equipe trabalham para que

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Equipe de pesquisad ores que trabalhou na instalação do sistem a de aquaponia


seja retirado, das águas da região, o ferro que as contamina. Por meio do processo de biorremediação, técnica na qual seres vivos (ou seus componentes) são usados para recuperar áreas contaminadas, o ferro contido na água é absorvido por microalgas implantadas no local. A pesquisadora explica que, após tal absorção do ferro, o local torna-se livre de metais pesados. “Ainda não sabemos quais deles podem ser encontrados naquela parte do rio Doce, e, por isso, não há como precisar quais serão retirados pelas microalgas. Temos ciência, porém, de que o ferro é um problema, e que ele pode ser retirado”, esclarece a pesquisadora. Apesar disso, a equipe enfrenta certos problemas: a primeira cepa de microalgas usada foi contaminada por fungos. Por isso, os especialistas tiveram que descartá-la. “Conseguimos nova cepa, mas, no momento, estamos sem equipamento para que as análises sejam realizadas. Caso o processo dê certo, a água do rio poderá ser usada na aquaponia, o que será muito bom para a comunidade”, explica Lilian.

Limpeza completa

É comum o uso de microalgas para remoção de metais pesados de águas contaminadas por rejeitos de mineração (efluentes). Diversos artigos científicos e trabalhos comprovam a eficácia do processo, principalmente, em relação ao uso da espécie Chlorella vulgaris. Um dos estudos é resultado do trabalho de pesquisadores do Laboratório de Bio & Hidrometalurgia, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Desde 2001, há, no laboratório, uma linha de pesquisa que visa ao tratamento de efluentes da indústria da mineração. Após o rompimento da barragem da Samarco, Versiane Albis Leão, docente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental e Engenharia de Materiais da Ufop, uniu-se a outros pesquisadores para desenvolver o projeto “Remoção de Manganês e Arsênio de águas da Bacia do Rio Doce como estratégia para uso humano e animal”. Trata-se de um dos elementos químicos mais abundantes na crosta terrestre. Ele é altamente importante às funções

vitais de certos animais, assim como ao crescimento das plantas. Para a indústria e a mineração, o elemento é comumente usado na produção de ferro e aço. Segundo o pesquisador, o teor de manganês que se pode encontrar nas águas é muito baixo. Entretanto, à época do desastre, as taxas do elemento nas águas subiram quase mil por cento, o que inviabilizou o uso das águas para consumo humano e animal. Os pesquisadores verificaram que, com o aumento do pH da água (índice que indica a acidez, a neutralidade ou a alcalinidade de uma substância; quanto mais alto o pH de um composto, mais alcalino ele é), tornava-se mais fácil a remoção do manganês. Com a inserção de microalgas na água contaminada, viu-se que, ao realizar a fotossíntese, elas sequestravam CO2 da atmosfera e, consequentemente, aumentavam o pH, de modo a propiciar a retirada do metal. Os primeiros resultados, realizados em regiões contaminadas nos arredores de Ouro Preto, revelaram-se positivos, e o grupo de pesquisadores trabalha, agora, com a possibilidade de retirada do manganês em águas cujo teor do elemento é ainda mais alto. Em relação ao arsênio, o processo é audacioso e complexo. Isso porque, além da retirada do elemento, os pesquisadores buscam a produção de energia elétrica em pequena escala. Tal fase de desenvolvimento da pesquisa conta com a participação da doutoranda Isabel Rodrigues, que investiga o uso de células de energia microbianas na remoção do arsênio e na geração de energia elétrica. A pesquisadora explica que os estudos sobre esse tipo de célula e sua adoção são relativamente recentes: há pouco mais de uma década, a técnica tornou-se promissora, tanto para descontaminação quanto por suas propriedades energéticas. Segundo Isabel, o projeto parte da descoberta de que o metabolismo microbiano pode gerar energia sob forma de corrente elétrica, de maneira a contribuir com a produção de energia em baixa escala. Além disso, o processo é boa alternativa de biorremediação, pois é capaz de degradar a matéria orgânica presente nos efluentes, descontaminando-os.

“Quando os seres vivos se alimentam, ou seja, metabolizam um substrato, a energia é obtida pela oxidação de compostos ingeridos. Isso gera a liberação e a transferência de elétrons, o que faz com que os organismos liberem energia. A partir da construção de um sistema com microrganismo, todo esse processo acontecerá. A ideia, portanto, é aproveitar os elétrons gerados na oxidação da matéria orgânica para gerar energia. Isso também facilita a retirada do arsênio da água contaminada”, explica a pesquisadora. Sobre o desenvolvimento do projeto, Versiane Albis Leão e Isabel Rodrigues defendem que se trata de processo longo, com origem em outros trabalhos desenvolvidos pelos cientistas. A pesquisa conta, agora, com participação de nove pessoas, entre professores e estudantes, além de parceria desenvolvida com a Universidade de São João Del Rei (UFSJ). Nas próximas etapas do estudo, o propósito é refinar os métodos e ampliar a aplicação dos sistemas pesquisados.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Aquaponia como alternativas para a retomada da qualidade de vida das populações economicamente dependentes da pesca no Rio Doce COORDENADORA: Lilian Viana INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) CHAMADA: Tecnologias para a recuperação do rio Doce VALOR: R$ 19.897,50 PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Remoção de manganês e arsênio de águas da bacia do rio Doce como estratégia para uso humano e animal COORDENADOR: Versiane Albis Leão INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) CHAMADA: Tecnologias para a recuperação do rio Doce VALOR: R$ 178.761,83

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INOVAÇÃO

Colheita digital Inovações tecnológicas chegam ao campo, de maneira a revolucionar rotinas e processos de gestão dos produtores rurais Téo Scalioni

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Não é de hoje que a inovação e a tecnologia têm sido grandes parceiras, em diversas frentes, do setor agrário brasileiro. Tais iniciativas permitem que o País obtenha ótimos resultados, tanto na agricultura quanto na pecuária. Não é à toa que o agronegócio foi o setor que desconheceu, por completo, os movimentos da crise, e, no ano passado, tornou-se responsável, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por contribuir com 23,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – maior participação em 13 anos. Na atualidade, as inovações do campo – antes a cargo de grandes produtores, que investiam em pesquisa ou importavam tecnologia estrangeira – vêm ganhando a companhia de outro ator do segmento: as startups. Por isso, são muitas as empresas iniciantes, principalmente, de base tecnológica, com projetos relacionados ao agronegócio. De olho nesse mercado, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) lançou, em 2018, o “NovoAgro 4.0”. Trata-se de programa composto por um conjunto de iniciativas do Sistema Faemg, com vistas a aproximar e fomentar o ecossistema de inovação reunido em startups e universidades.

Busca-se, assim, a geração de tecnologias aplicadas, que promovam o desenvolvimento do agronegócio. Objetivo? Criar ambiente institucional e empresarial de apoio à inovação, para desenvolvimento do agronegócio, além de identificar e catalisar iniciativas que gerem tecnologias de ponta, inovadoras e aplicáveis ao setor. Dentre os principais focos do programa, está a digitalização do campo no País, revestida de grandes desafios técnicos, operacionais e humanos. Espera-se, por exemplo, difundir tecnologias de informação e comunicação, ao pensar em infraestruturas com acesso à internet, já que muitas áreas de Minas Gerais não têm, sequer, rede de telefonia celular. Também almeja-se preparar os agricultores a receber e usar, ao máximo, as novas tecnologias. “O universo agrícola é muito extenso e diversificado, e comporta produtores em todo o mundo, que se encontram nos mais variados estágios de desenvolvimen-

to e adoção de tecnologias. Por isso, esse será um grande desafio”, acredita Pierre Santo Vilela, superintendente do Instituto Antônio Ernesto de Salvo (Inaes), braço de desenvolvimento de projetos e pesquisa do Sistema Faemg. Segundo ele, há dicotomia entre os agricultores, que usam os mais rudimentares instrumentos na produção, mas são importantes para o fornecimento de alimentos, nas regiões onde atuam, e os produtores que já adotam os mais sofisticados equipamentos e softwares para gestão de atividades. “Todos são essenciais nos mercados em que estão. Há, contudo, regiões onde fatores naturais, locacionais ou econômicos demandam que tecnologias de ponta sejam constantemente adotadas, para a própria sobrevivência do negócio”, observa o superintendente, ao salientar que, sem produtividade alta e máxima eficiência para uso de recursos, certamente, a agricultura não existiria ali.

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Por isso, uma das frentes do programa busca apoiar o pequeno produtor. Pierre não é contra as tecnologias, mas acha que elas precisam adequar-se, ou estar acessíveis, à realidade do trabalhador. “Um dos gargalos enfrentados pelos pequenos produtores é a deficiência da assistência técnica e a extensão rural no País, fatores que os alijam das oportunidades que as novas tecnologias podem trazer à sua atividade”, lamenta. O programa está atento a tais necessidades, pois muitas – e importantes – atividades desenvolvidas em Minas Gerais têm, predominantemente, pequenos e médios agricultores à frente do desenvolvimento agrícola, em áreas como cafeicultura, fruticultura, olericultura e pecuária de leite, dentre outras. “Dessa forma, priorizamos projetos que se adequem ou pretendam atender a esse público”, garante. Na prática, o programa NovoAgro 4.0 pretende apoiar

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iniciativas, em estágio mais avançado de desenvolvimento, para, posteriormente, buscar ideias novas ou ações que suplementem deficiências, e ainda não foram apresentadas ao mercado. O programa não tem caráter típico de aceleração. Apesar disso, usam-se estratégias semelhantes para apoiar e desenvolver os bons projetos apresentados. “Mentorias de vasta e diversificadas equipes do Sistema Faemg, assim como de produtores rurais experientes, podem ajudar muito na fase de modelagem e de adaptação dos projetos”, destaca Pierre. O Espaço NovoAgro 4.0 também é o ambiente de interação das empresas e empreendedores com as equipes do Sistema Faemg e de parceiros do programa. O diferencial são as fazendas espalhadas por todo o Estado, laboratórios vivos que apoiarão o desenvolvimento e a melhoria dos projetos.


Rural e digital

O programa tem chamado a atenção de empresas de tecnologia, que observam, no NovoAgro 4.0, uma oportunidade de crescimento. Uma delas é a startup Agrodez Gestão, que produz software de gestão agrícola para culturas convencionais e orgânicas. A plataforma web e o aplicativo contam com mais de 15 recursos capazes de possibilitar, ao produtor rural, realização de gestões financeira por meio de planejamento, fluxo de caixa, relatórios de custos e apontamento dos maiores gastos. Além disso, também permite a execução técnica, por meio de ordem de serviço, da organização de safra, do cadastro de pragas e da análise de solo e folhas. A plataforma realiza, ainda, o gerenciamento de fluxo de produtos no estoque, a gestão de maquinários (próprios e alugados) e de funcionários (CLT e terceirizados), a agenda de contatos e o calendário virtual. “Dessa maneira, garantimos que os produtores realizem toda a gestão necessária e obtenham resultados práticos, acessíveis por meio de relatórios de gráficos e lista”, observa Maria Glória do Nascimento Younes, CEO e fundadora da Agodez Gestão. Estudante de Engenharia Agronômica, Maria pertence a uma família de produtores rurais. Segundo ela, a ideia surgiu a partir da análise das dificuldades de gestão de produtores rurais, que contam, no mercado, com soluções muito difíceis. “Passamos pela troca de gerações, em que pais transmitem aos filhos, que, por sua vez, necessitam e sobrevivem com tecnologia, e não mais com ‘papel e caneta’. Nossos clientes, portanto, são produtores mais jovens, que começaram a atuar nos negócios da família”, explica. Na visão da CEO, a inovação cresce exponencialmente no agronegócio. A cada dia, startups inovam com tecnologias jamais esperadas em curto e médio prazos. “Sem dúvidas, as inovações estão em alta, e as startups são grandes detentoras dessa inovação”, acredita a jovem, ao salientar que a aceleração, por meio de programas como o da Faemg, abre vasto leque de validação da ideia, com aumento do alcance do produto que já está no mercado.

Boi bonito na foto

Um dos temas mais discutidos, no que tange à relação entre startups e agronegócio, é a pecuária, que avança a passos largos. “Campo promissor passa pela biometria, por meio de sensores que informam o status corporal, o desenvolvimento e o desempenho dos animais, assim como problemas sanitários ou de saúde”, lembra Pierre, ao frisar que equipamentos e produtos desenvolvidos para a saúde humana poderão ser adaptados à Medicina Veterinária. Outra novidade fica por conta da startup Boidez. Já imaginou informar a quantidade de carne de boi apenas por meio de simples fotografia? Eis a solução idealizada pelo pecuarista Antônio Gouveia, CEO da empresa, que imaginou o projeto a partir de demandas próprias e de conversas com outros produtores. “O grande problema na pecuária é que as análises animais são, normalmente, ‘feitas no olho’, o que as torna pouco confiáveis, inexatas e não padronizadas”. Segundo Antônio, na pecuária, o que há de mais inovador são as certificações que têm surgido, com uso de inteligência artificial e de blockchain – tecnologia que visa à descentralização como medida de segurança –, para oferecer melhor controle sobre os animais e maior segurança às transações. “A inovação no agronegócio avança rapidamente. Ela é extremamente necessária para facilitar processos produtivos e ajudar o produtor rural. O objetivo das startups é levar as novas tecnologias, de forma útil e acessível, ao produtor rural”, defende. Algumas das dificuldades de tal movimento, no ver de Antônio, são o distanciamento entre produtores rurais e tecnologia e a falta de internet no campo. Por isso, programas como o da Faemg são excelentes e necessários para despertar interesses nos produtores rurais em usar novos métodos, assim como gerar interesse, nas empresas de tecnologias, para desenvolvimento de soluções para o agro.

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ENGENHARIA ELÉTRICA

Energia pelo ar Entra em cena outro ótimo aliado ao time das alternativas renováveis: o eletromagnetismo Tatiana Pires Nepomuceno

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Um dos desafios que sempre chamaram a atenção da comunidade científica refere-se à possibilidade de transmitir energia elétrica sem uso de fios, assim como na transferência de dados. Embora o problema não seja novo, no início do século XX, Nikola Tesla, cientista sérvio conhecido como “o pai da eletricidade”, conduziu trabalhos com tal objetivo. Foi quase um século depois das investigações iniciais, porém, que surgiram os primeiros resultados positivos. Destaque para a experiência conduzida pela equipe de pesquisadores coordenada por Úrsula do Carmo Resende, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG). O projeto consiste no desenvolvimento de uma rectena, que capta a energia eletromagnética disponível no ambiente e a disponibiliza para alimentação de cargas de baixo consumo energético. Segundo a pes-

Dispositivo composto por uma antena e um circuito retificador.

quisadora, o sistema pode oferecer potencial energético suficiente para alimentar a bateria de um celular ou de cargas como sensores, microcontroladores, lâmpadas de LED, micromotores e dispositivos de comunicação. Imagine, portanto, que a bateria de seu celular jamais fique sem carga, até mesmo, nos lugares mais remotos! Úrsula Resende afirma que isso poderá ser possível, já que várias rectenas, ao operar em conjunto, podem multiplicar a capacidade de fornecimento de energia. “Para que isso aconteça, é preciso que o aparelho celular tenha uma rectena integrada ou ligada à sua estrutura”, esclarece.

Mas, afinal, como funciona o dispositivo de reaproveitamento de energia eletromagnética e de transmissão de carga energética sem fios? No primeiro caso, a antena realiza a captação da energia eletromagnética disponível no ambiente, enquanto o retificador converte o sinal em alta frequência, para, por exemplo, alimentar uma carga. É bastante promissor o desenvolvimento de tal tipo de aplicação por meio da rectena. Ocorre que, segundo a pesquisadora, a quantidade de energia eletromagnética disponível no ambiente está crescendo, devido à tendência de maior uso de meios sem fio para comunicação. “Roteadores de internet de alto ganho, que operam sob o protocolo wi-fi, já são uma realidade em vários ambientes internos e externos, enquanto redes de antenas de celulares cobrem cidades inteiras, de modo a ofecerer, ininterruptamente, sinais eletromagnéticos em grandes áreas. Se ali se propagam ondas eletromagnéticas, existe densidade de potência disponível a ser reaproveitada”, esclarece. Quanto à transmissão, usa-se um gerador de energia dedicado à produção do sinal a ser enviado. O aparelho é ajustado para operar em frequência única e prover valores mais elevados de potência. Conectado à antena transmissora, o gerador envia onda eletromagnética à antena receptora da rectena. “Como a potência no ambiente é maior e a frequência de opeMINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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ração é fixa, o projeto do circuito retificado é simplificado. Por isso, maiores valores de distância de transmissão e potência podem ser alcançados”, esclarece.

Multipossibilidades

A gama de possibilidades, contudo, segue muito além! Imagine se tal tecnologia é potencializada, a ponto de se tornar energia alternativa e sustentável? “Com baixa potência, claro, pois, se comparada à energia solar, por exemplo, sua capacidade tem representatividade de menos de 5%”, explica Úrsula Resende. Poderiam ser milhões de brasileiros beneficiados pela energia do campo eletromagnético, desde que respeitadas suas limitações e potencialidades. Afinal, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 300 mil de domicílios não têm energia elétrica no País. O número parece pequeno, mas, se considerarmos média de 5 pessoas por moradia, a repre-

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sentatividade é significativa: 1,5 milhão de brasileiros permanecem no escuro. O panorama de escassez, porém, não é exclusividade do Brasil. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que aproximadamente 1,3 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a eletricidade, assim como cerca de 2,7 bilhões dependem de madeira, carvão ou resíduo animal para cozinhar e se aquecer. Sim, a pré-história ainda se apresenta no século XXI. Para alterar esse cenário, e, ao mesmo tempo, acompanhar a tendência internacional de usode fontes limpas e renováveis, os cientistas mineiros empenham-se nas investigações acerca das várias potencialidades disponíveis no ambiente para a geração de energia elétrica.

Eletromagnetismo

Atualmente, para atender à crescente demanda mundial por energia, certas fontes alternativas ganham notoriedade, apesar de as fontes fósseis ainda serem os principais meios empregados para geração de potencial elétrica. No Brasil, onde a matriz energética é majoritariamente hidroelétrica, a tendência por fontes alternativas deve ser intensificada. Tal fato se justifica, principalmente, após a publicação do relatório emitido pelo Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (“World Water Assessment Programme”, em inglês), da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Segundo o documento, até 2030, o Planeta enfrentará déficit de água próximo a 40%. Ainda segundo o relatório, medidas devem ser tomadas pelas autoridades, para garantir o futuro da água. Trata-se de ações como limitar o desenvolvimento de usinas de energia térmica, que, atualmente, produzem 80% da eletricidade e consomem grandes quantidades de H2O. Nesse contexto, diferentes tipos de fontes de energia têm sido propostos e investigados para atender a grandes blocos de consumo: solar (fotovoltaica e aquecimento), eólica, geotérmica, marítima, via biogás

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ou fusão nuclear, dentre outras. Ocorre que, para o emprego de tais fontes, grandes somas de recursos humanos e financeiros são requeridas, o que gera necessidade de programas governamentais de incentivo, além da participação de consórcios bem estruturados para sua construção. Pesquisas sobre outros tipos de fontes energéticas, fundamentalmente projetadas para atendimento a pequenos blocos de carga, também têm ganhado destaque. Uma das novas possibilidades diz respeito ao reaproveitamento de energia eletromagnética disponível no ambiente. “Apesar de apresentar pequena quantidade de potência, ela é capaz de alimentar cargas de baixíssimo consumo, com pouco aporte financeiro para execução. E ela está aí, disponível no ambiente para ser reaproveitada”, comenta Úrsula Resende.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Desenvolvimento de sistemas para transmissão de energia sem fio plano COORDENADORA: Úrsula do Carmo Resende INSTITUIÇÃO: Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG) CHAMADA: Programa Pesquisador Mineiro VALOR: R$ 50.400


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Alternativa promissora Você sabia que Minas Gerais é o primeiro estado brasileiro a aderir à parceria público-privada (PPP) para gestão do sistema prisional? Regiane Garcia

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Segundo a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), Minas Gerais tem 205 unidades prisionais gestadas por meio de parceria público-privada (PPP), , a exemplo de presídios, penitenciárias, casas de albergados, hospitais judiciários e de um centro de referência à gestante privada de liberdade. Os estabelecimentos são mantidos pela gestão do sistema tradicional, e o serviço de alimentação é terceirizado, à exceção do Complexo Penal de Ribeirão das Neves. Trata-se do primeiro e único presídio, no Brasil, em regime de PPP . Motivados pelo pioneirismo na gestão, o Núcleo de Estudos em Segurança Pública da Diretoria de Políticas Públicas (Depp), da Fundação João Pinheiro, desenvolveu a pesquisa “Parceria público-privada no sistema prisional: a experiência de Minas Gerais”. Quem coordenou a equipe foi o professor Marcus Vinícius Gonçalves da Cruz, que explica: “Há experiências similares apenas nos Estados Unidos e na Europa. Por ser a primeira no País, quisemos desvendá-la, da construção ao acompanhamento dos processos”. Além do pioneirismo da atividade em PPP, os desafios do novo tipo de gestão foi um dos estímulos para desenvolvimento da pesquisa. O Complexo Penal recebe

apenas presos do sexo masculino. Todos eles passaram por pré-seleção, antes do início das atividades. Cruz exemplifica que os “presos com periculosidade muito alta, ou que pertencem à liderança de facções, também não fazem parte do público destinado à PPP”. A equipe liderada pelo professor Marcus Vinícius acompanhou todo o desdobramento da parceria público-privada no sistema prisional, da licitação ao desenvolvimento das atividades, iniciadas em janeiro de 2013. Depois de contar com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPEMIG, as análises tornaram-se mais rigorosas, para obtenção dos primeiros resultados da experiência, principalmente no que diz respeito às funcionalidades da gestão no sistema prisional e na inovação institucional.

Diferenças

“O sistema tradicional é gerenciado, em todas as suas fases – construção, operação e controle –, pelo Estado, por meio de instrumentos administrativos. Em tal modelo, a custódia, os processos de ressocialização e a segurança interna e externa são realizadas pelo governo”, explica o professor. Já no sistema em parceria público-privada, a construção e a operação interna são feitas pelo ente

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privado. Ou seja, educação, alimentação e cuidados com a saúde, dentre outras atividades, ficam por conta do parceiro da iniciativa privada. A segurança externa e a direção do presídio, por sua vez, permanecem sob responsabilidade de servidores públicos. “Enquanto, na unidade tradicional, há guarda prisional na movimentação interna, nos atendimentos internos da PPP, existe um monitor. O treinamento é diferente”, esclarece o professor. Importante ressaltar que a parceria público-privada não significa a privatização da entidade. No caso do Complexo Penal de Ribeirão das Neves, fez-se apenas, como indica o nome da iniciativa, uma “parceria” com o governo de Minas Gerais. Quando se privativa de modo tradicional, ao contrário, a instituição é vendida a um grupo empresarial, que dela se torna proprietário, de forma definitiva.

Efeitos

A análise feita pela equipe de pesquisadores da Fundação João Pinheiro identificou pontos positivos e negativos na PPP. Um dos principais benefícios

diz respeito às novas formas de gestão, se se leva em conta todo o processo, das obras ao início do funcionamento do presídio. Marcus Vinícius da Cruz destaca que “a construção foi toda pensada sobre um novo projeto arquitetônico. Por isso, há parâmetros de habitabilidade muito interessantes na gestão”, destaca. O complexo tem capacidade para dois mil detentos. Por ter gerenciamento eficiente, destaca-se a inexistência de superlotação na unidade, o que torna melhores as condições de habitação dos cidadãos infratores. “Às vezes, as pessoas esquecem que o preso não vem de outro planeta. Ele é um indivíduo da própria sociedade. Logo, ao tratá-lo bem, presto um serviço à população, no que diz respeito ao processo de ressocialização”, comenta o professor. Outro fator de destaque se refere aos pagamentos. Segundo o coordenador da pesquisa, “o Estado não desembolsa grandes valores durante a construção, ainda que tenha que pagar por isso e amortizar ao longo do tempo”, explica Marcus Vinícius, ao lembrar que o sistema é vantajoso, já que o governo deve “dar garantias à empresa que vai operacionalizar o sistema. Ela vai receber, ao longo de 28 anos, no caso da PPP do sistema prisional, os pagamentos devidos por seu investimento”,

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afirma. Ao término de tal período, a concessão poderá ser transmitida ao Estado, ou, então, renovada a partir de novo edital. Da mesma forma que outros tipos de PPP, corre-se o risco de a iniciativa não ser tão adequada ao cidadão, como no caso da concessão rodoviária da MG 050, que passa por diversos tipos de problemas relacionados à boa prestação do serviço para a população e ao relacionamento com o Estado. A parceria no sistema prisional também precisa ser checada a cada período. Marcus Vinícius afirma, porém, que ainda é muito cedo para tal avaliação. “São apenas cinco anos por um equipamento tão robusto e inovador em termos de política pública”. Não é preciso perder as esperanças com as PPPs no serviço de concessão rodoviária, porém. Também existem casos positivos, a exemplo da parceria relacionada à BR 381, no sentido Sul – que liga Belo Horizonte a São Paulo. “Neste caso, são bons os resultados, tanto para o cidadão quanto para o governo”, comenta. Apesar de tantas vantagens, o coordenador da pesquisa afirma que a parceria público-privada no sistema prisional é muito recente para falar de resultados concretos sobre sua efetividade. “Em termos de política pública, precisamos de um pouco mais de tempo para verificar se realmente o processo é vantajoso, pois há vários aspectos envolvidos. Ainda há desafios como o processo de ressocialização do preso, a interação com as famílias e/ou a recuperação por meio do trabalho e do ensino”, completa.

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PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Parceria público-privada no sistema prisional: a experiência de Minas Gerais COORDENADOR: Marcus Vinícius Gonçalves da Cruz INSTITUIÇÃO: Fundação João Pinheiro CHAMADA: Bolsa de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, destinada a servidor público estadual VALOR: R$ 13.380


LINGUÍSTICA

Nuances da fala Laboratório de Estudos Empíricos e Experimentais da Linguagem, na UFMG, desenvolve bancos de textos (corpora) do português brasileiro falado de forma espontânea Alessandra Ribeiro

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Que diferença há entre as vozes de um humano e de uma máquina? Para o filósofo e escritor suíço Paul Zumthor (1915-1995), estudioso da oralidade na poesia medieval, quando o computador começasse a falar, a abstração vocal seria tamanha que já não se trataria de gravação, mas, sim, de “voz fabricada”. O autor morreu pouco antes de testemunhar a onipresença de tal fabricação no cotidiano do século XXI – da navegação guiada por aplicativos de trânsito à recepção em cancelas de shoppings, ou, ainda, nos indesejáveis serviços de atendimento telefônico. Para além da ausência de corporeidade, apontada por Zumthor na mediação eletrônica, falta aperfeiçoar, nas vozes fabricadas, a prosódia, reunião de características como entonação, volume e duração, além de segmentação. Tais parâmetros diferenciam, por exemplo, o sentido de duas frases com a mesma estrutura informacional: dizer “Marcos chegou” não é o mesmo que “Marcos, chegou”. O segundo caso supõe a chegada de algo ou de alguém, que não seja Marcos. Isso é facilmente perceptível na leitura, mas se torna muito mais complexo de apreender na fala espontânea. “A depender do modo como segmentamos, uma mesma sequência muda de significado. Qualquer máquina deve dar conta disso para fazer boa interpretação ou reprodução da fala”, afirma Tommaso Raso, professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele coordena, ao lado da professora Heliana Mello, o Laboratório de Estudos Empíricos e Experimentais da Linguagem (Leel). O laboratório conduz o projeto C-Oral Brasil, financiado pela FAPEMIG, dedicado ao estudo da fala espontânea do português brasileiro, por meio da compilação de um corpus, ou seja, de um conjunto de textos, orais, produzidos em contexto natural. O processo consiste na gravação de falas em diferentes situações, que, depois, são transcritas por pesquisadores treinados a identificar a segmentação e outros critérios pré-estabelecidos. Trata-se de trabalho minucioso, submetido a múltiplas revisões, com auxílio de programas específicos, que permitem ler e ouvir o material simultaneamente, com alta precisão acústica. No Leel, são usados o WinPitch e o Praat.

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“Não é qualquer fala que se comporta da mesma maneira. A de todo dia, nosso objeto de estudo, é diferente da que se pronuncia numa conferência. A monológica é uma coisa; a dialógica, outra. Vozes de homens e mulheres podem ter parâmetros acústicos diferenciados, mas ainda não o sabemos”, comenta Tommaso Raso. Até o momento, os especialistas analisaram as fronteiras (elementos que separam um segmento do outro na fala) em cerca de 1,5 mil palavras, somente de vozes masculinas, no formato monológico. Pode parecer pouco, mas esse universo textual gera quantidade de dados exponencialmente maior. Em conjunto com o Grupo de Estudos de Prosódia da Fala, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os pesquisadores desenvolveram um software que analisa a segmentação das frases a partir de 111 parâmetros sonoros diferentes, sílaba a sílaba, com base na segmentação realizada por 14 humanos. A ferramenta identifica posições nas quais ao menos metade das pessoas usou uma “fronteira” – elemento que separa um segmento do outro na fala. O resultado é comparado, então, a referências estatísticas. “Nessa primeira etapa, conseguimos um reconhecimento, por parte do modelo, de 80% das fronteiras terminais”, revela o professor. Ele avalia que os resultados são satisfatórios, pois se equiparam aos obtidos em trabalhos voltados à fala lida, que é menos complexa. “Para segmentar 300 mil palavras, precisamos de anos. Na fala, um milhão de palavras já é big data. Na escrita, estamos em trilhões de palavras”, diz. Tais bancos de dados, os chamados corpora (plural de corpus), oferecem repertório para programar a fala computadorizada, dentre outras aplicações. “Não é possível implementar máquinas que façam diálogo mais complexo com o usuário sem a segmentação correta”, explica o professor. Agora, o foco da pesquisa está no refinamento dos resultados, para que, depois, seja ampliada a base de informações.

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Esquizofrenia

Em outra vertente de estudo, os pesquisadores da UFMG iniciaram a produção de um corpus de fala de pacientes com esquizofrenia, atendidos pelo Instituto Raul Soares (IRS), hospital psiquiátrico vinculado à Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig). O foco da análise é a prosódia. Busca-se compreender como essas pessoas organizam a fala quanto às ações e à estrutura informacional. “Quando falamos, realizamos ações sobre um interlocutor. Posso perguntar, dar uma ordem, chamar, ou manifestar surpresa, por exemplo. A primeira coisa importante de decodificar, quando se fala com alguém, é que ação essa pessoa está realizando”, descreve Tommaso. Segundo o professor, pesquisas indicam prosódias diferentes entre as pessoas com esquizofrenia. “Não existe, porém, um estudo sobre como os esquizofrênicos usam a prosódia para estruturar a informação na fala”, explica. Outro aspecto inovador diz respeito ao protagonismo dos próprios pacientes na pesquisa. “Até agora, boa parte dos estudos sobre a fala dos esquizofrênicos baseia-se em material escrito: o psiquiatra que transcreve ou toma nota da fala, em ação absolutamente impressionística”, avalia o professor, ao explicar que as gravações serão feitas com uso de pequenos microfones de lapela, de alta qualidade acústica, que garantem o “mínimo de invasividade”. Em projeto-piloto realizado por colaboradores da pesquisa em Nápoles, na Itália, observou-se que eles tinham menor capacidade de uso da prosódia para fins informacionais.“O repertório do esquizofrênico parece muito reduzido, se comparado ao do falante padrão”, observa Tommaso, a partir dos resultados preliminares. Para que se tenha percepção ampliada dessa característica, será necessário analisar um corpus de fala de, ao menos, 40 pacientes. Caso a hipótese se confirme, um novo elemento poderá contribuir para antecipar o diagnóstico da doença.

O distúrbio afeta a capacidade da pessoa de pensar, sentir e se comportar com clareza. Pensamentos ou experiências que parecem não ter contato com a realidade, fala e comportamento desorganizados, além de participação reduzida nas atividades cotidianas são comportamentos característicos, assim como a dificuldade de concentração e de memória. A doença não tem cura e o tratamento costuma ser necessário por toda a vida. Geralmente, combina medicamentos, psicoterapia e outros cuidados especializados.

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PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Análises de corpora de fala espontânea: a segmentação, consequências linguísticas e verificabilidade computacional COORDENADOR: Tommaso Raso INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 49.409,85


HIPERLINK

Divulgação científica

A revista eletrônica ComCiência publicou, em abril, o dossiê “Divulgação Científica”, com 11 artigos, sete reportagens, além de resenha, entrevista, poema e seção de humor. Dentre os temas, destaque para discussões sobre jornalismo de dados, divulgação ao público infanto-juvenil, ciência na TV brasileira e letramento científico. O endereço é http://www.comciencia.br.

Lorena Tárcia

Transmídia

O projeto “Transmedia Literacy”, citado na reportagem especial desta edição (páginas 26 a 31), oferece, online, dezenas de planos de aula inspirados em metodologias transmidiáticas e destinados ao engajamento de alunos dos ensinos fundamental e médio. Como se trata de projeto colaborativo, também é possível fazer upload de novas propostas. O kit do professor mostra as habilidades de comunicação em múltiplas plataformas como repertório característico da chamada “cultura da convergência”. O professor pode recorrer a elas para trabalhar em parceria com os estudantes. Há propostas de uso de realidade aumentada, memes, gamificação e mídias sociais, dentre outras. Acesse: http://transmedialiteracy.upf.edu.

Recordes de audiência

A boa notícia do projeto “Minas Faz Ciência”, em sua versão digital, é que os sites destinados aos públicos infantil e adulto, hospedados no portal Uai, bateram novos recordes de acessos, de modo a atingir mais de 29 mil visualizações em um mês, no infantil; e 23 mil, no "Minas Faz Ciência". As reportagens mais acessadas, nos primeiros meses de 2018, foram, respectivamente, “O que é o Dia do Pi e por que celebramos em 14 de março?” e “Vírus gigante mais longo do planeta é descoberto por pesquisadores mineiros”. Outras duas publicações de destaque foram o trabalho dos cientistas para evitar a extinção do rinoceronte branco do Norte e as dicas de estudo com a metodologia de mapas mentais. Perdeu alguma delas? Basta acessar www. minasfazciencia.com.br.

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Estamos experimentando novas linguagens e conteúdo diferenciado em nossos perfis de redes sociais. Entre lá e dê sua opinião. Veja se está bom e o que podemos melhorar! Também realizamos pesquisa online para saber o que pensam sobre nossas publicações. Logo, logo, divulgaremos os resultados! Facebook/ minasfazciencia & Instagram: @minasfazciencia

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CONTEMPORÂNEAS

Coisa de mulher Projetos que buscam diminuir disparidade de gênero no ramo do empreendedorismo, da tecnologia e da inovação, ganham cada vez mais força Mariana Alencar

O primeiro algoritmo de que se tem notícia foi criado por uma mulher. Matemática e escritora, a inglesa Ada Lovelace desenvolveu-o em 1842, e, hoje, é considerada a mãe da programação. Outra mulher, Grace Hopper, criou o primeiro compilador para uma linguagem de programação. Atualmente, o YouTube é coordenado por Susan Wojcicki, executiva norte-americana responsável por ampliar, de 24% para 30%, a contratação de mulheres na empresa. Ainda que existam importantes nomes femininos ligados à tecnologia e à inovação, tal campo é predominantemente masculino. Dados do estudo “Diversity in Tech 2017” – que avaliou a participação de mulheres no quadro de empregados de gigantes da tecnologia, como a Microsoft – revelam que, em tais corporações, há apenas 26% de funcionárias.

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Outra pesquisa, desenvolvida pela Female Founders Fund, mostrou que somente 8% das vagas de desenvolvedores de todo o mundo, e 11% dos cargos executivos das empresas de tecnologia no Vale do Silício (EUA), são ocupados por mulheres. Paralelamente, no Brasil, o número de cursos de computação cresceu 586% nos últimos 24 anos, enquanto o índice de mulheres matriculadas caiu de 34,89% para 15,53%. São muitos os motivos para números tão negativos: como o campo da tecnologia e da inovação é majoritariamente masculino, as mulheres acabam por enfrentar problemas, de salários inferiores, em relação aos homens, a assédio recorrente em alguns desses ambientes. Desse modo, tornam-se cada vez mais necessárias ações que busquem diminuir a disparidade entre gêneros e, consequentemente, promovam a inser-

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ção feminina no universo da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo. Um exemplo de esforço na redução das desigualdades de gênero é a She’s Tech, cujo objetivo principal é fortalecer a presença feminina no setor de tecnologia. A comunidade conta, atualmente, com mais de 600 membros, entre CEO’s, desenvolvedoras, empreendedoras, lideranças femininas e agentes de aceleração do San Pedro Valley, em Belo Horizonte. A proposta da comunidade é inspirar, engajar e capacitar mulheres a empreender em carreiras e negócios com base tecnológica. Em um momento no qual se discute muito o empoderamento feminino na sociedade, o movimento fundado e coordenado por Ciranda de Morais trabalha para desmistificar a tecnologia como “setor masculino”. Isso é feito, segundo ela, por meio de três pilares de atuação: a repre-


sentatividade, com a visibilidade às mulheres que já estão no setor; a conscientização do mercado, por meio de eventos e workshops que tratam do comportamento das empresas e do empreendedor feminino; e a autoaceleração. “Acreditamos que o engajamento em uma rede faz com que a troca de conhecimento e de experiências torne-se um meio de potencializar a presença e as ações de cada uma no setor”, afirma. Na opinião de Ciranda, existem diversas barreiras culturais a serem ultrapassadas, para que se minimizem as disparidades entre homens e mulheres. Desde a infância, comenta, garotas são afastadas da tecnologia, assim como dos brinquedos que estimulam a lógica e as Ciências Exatas. Ao longo do tempo, os computadores tornaram-se “coisas” de meninos, enquanto as garotas continuaram relegadas a casinhas, bonecas, vassouras ou fogões: “Meninas e meninos devem ser tratados como iguais desde a escola. Além disso, estudantes de cursos ligados à Ciência da Computação, por exemplo, sofrem preconceito durante a graduação. Até mesmo professores as perguntam sobre como conseguiram chegar ao 4º período do curso, ou por que ainda não desistiram”. A coordenadora do She’s Tech acredita, portanto, que é de responsabilidade da sociedade reverter essa desvantagem, a partir do estímulo de outras habilidades nas meninas, para que, nas próximas gerações, as mulheres ocupem, culturalmente, desde cedo, seu espaço no setor de tecnologia. “Precisamos de políticas públicas que fomentem o interesse feminino por campos como a tecnologia e a inovação, mas, também, precisamos trabalhar a conscientização do mercado, para evitar que as barreiras citadas continuem a se perpetuar”, finaliza.

A vez delas

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), existem, hoje, no Brasil, cerca de 7,9 milhões de empreendedoras. De acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2016, realizada por meio de parceria entre o Sebrae e o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), a taxa de empreendedorismo feminino entre os novos empreendedores – aqueles que possuem um negócio com até 3,5 anos – é de 15,4%, enquanto a masculina revela-se de 12,6%. Entretanto, mesmo que os números sejam promissores, as mulheres enfrentam barreiras que podem comprometer sua permanência no mundo do empreendedorismo. Ao pensar em tais entraves, e, principalmente, na desigualdade de gênero no ambiente técnico-científico, a FAPEMIG lançou, recentemente, o programa “Desafio de Empreendedorismo do Legado Acadêmico – Dela FAPEMIG”. Com o intuito de promover formação empreendedora para as bolsistas do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PAPG), de forma a complementar suas habilidades e aproximá-las tanto do empreendedorismo e quanto da inovação, a iniciativa busca, também, promover o aumento da empregabilidade das mestrandas e doutorandas do PAPG; incentivar a inserção das mestras e doutoras no ambiente empresarial; estimular a transformação da ciência em empreendimentos; e desenvolver habilidades empreendedoras.

SAIBA MAIS

Manifesto feminino

Empresária norte-americana e chefe operacional do Facebook, Sheryl Sandberg investiga as razões de o crescimento das mulheres na carreira estar há tantos anos estagnado. A autora busca identificar a raiz do problema, além de oferecer soluções práticas e sensatas para que elas atinjam todo o seu potencial. A obra é dedicada tanto a mulheres quanto a homens que desejam pensar os impasses e as questões de gênero no mundo do trabalho. LIVRO: Faça acontecer – Mulheres, trabalho e a vontade de liderar AUTORA: Sheryl Sandberg EDITORA: Companhia das Letras PÁGINAS: 288 ANO: 2013

Convite para agir

O livro apresenta exemplos de mulheres bem-sucedidas, confiantes, determinadas, persistentes e apaixonadas pelo que fazem. Trajetórias diferentes e incríveis são narradas para mostrar que é possível que vontades sejam transformadas em ação. LIVRO: Empreendedoras de alta performance AUTORES: Andréia Roma, Tatyane Luncah, Vanessa Cotosck EDITORA: Leader PÁGINAS: 346 ANO: 2016

História de sucesso

Voltado a mulheres que pensam em entrar no mundo da tecnologia, ou àquelas que já estão em um cargo técnico e querem levar sua carreira ao próximo nível, o livro combina conselhos práticos de carreira a histórias pessoais de mulheres de sucesso. ÁUDIOLIVRO: Women in Tech: Take Your Career to the Next Level with Practical Advice and Inspiring Stories AUTORA: Tarah Wheeler EDITORA: Audible Studios DURAÇÃO: 7 horas ANO: 2016

O Dela está sendo executado em seis fases distintas, da pesquisa para reconhecimento da intenção da empresa à premiação final de três projetos selecionados e avaliados. O programa tem sido realizado em conjunto com o Sistema Mineiro de Inovação (Simi) e conta com a parceria do projeto “Mulheres por Minas”, da Secretaria de Estado de Casa Civil e Relações Institucionais (Seccri-MG), do She’s Tech e da Comissão de Direito para Startups da OAB-MG. MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018 Rodney Costa

Bacharel em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Rodney Costa é pós-graduado em “Jornalismo e práticas contemporâneas”, também pelo UniBH – onde, atualmente, é professor dos cursos de Fotografia, Jornalismo, Produção Multimídia e Publicidade e Propaganda. Fotógrafo freelancer da Agência Elven (RJ), também colabora com a Barcroft Media, dos Estados Unidos.


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PARA USO DOS CORREIOS MUDOU-SE

DESCONHECIDO RECUSADO FALECIDO AUSENTE

NÃO PROCURADO END. INSUFICIENTE CEP

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