Revista Literária CONDOREIRA

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JOÃO CABRAL DE MELO NETO

EDIÇÃO #01 - 2019

2 0 A NO S DE S A UDA D ES

COLUNA LITERATA

Entrevista com Suelany Ribeiro

RUBEM FONSECA

A linguagem cinematográfica e o pânico como elementos de construção do conto O Exterminador

LITERATURA NEGRA EM FOCO

Resenha do conto As mãos dos pretos, Luís Bernardo Honwana

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REVISTA LITERÁRIA DIGITAL

CONDOREIRA FICHA TÉCNICA APOIO

Curso de Letras da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda

IDEALIZAÇÃO Érika Cavalcanti Márcia Lira Joseildo H. Conceição

COORDENAÇÃO Frederico Machado

CORPO EDITORIAL Érika Cavalcanti Ester Lyssa Gustavo Nunes Joseildo H. Conceição Márcia Lira Vitória Prazeres Vivian Millena Costa

CAPA E PROJETO GRÁFICO Joseildo H. Conceição

EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Joseildo H. Conceição

REVISÃO Ester Lyssa Marcia Lira

https://www.facho.br/ @facho_olinda revistacondoreira@gmail.com @revistacondoreira

JOÃO CABRAL DE MELO NETO 20 ANOS DE SAUDADES

A R E V I S TA

Carta do Editor Joseildo H. Conceição Editor-chefe

Caro leitor, esta é a primeira edição da Revista Literária Digital Condoreira (a primeira de muitas) e, antes de iniciar a leitura propriamente dita, introduzo alguns pontos sobre este caderno literário. Para esta primeira abordagem, traçamos uma edição afim de torná-la uma singela homenagem ao nosso poeta, engenheiro das palavras, construtor de versos: João Cabral de Melo Neto.

A escolha do autor como principal figura que permeia esta edição é pautada na perspectiva de que a poesia cabralina merece ser abordada de maneira diferente da crítica literária que reforça a hermética dos versos de Cabral. É unânime a opinião de que os versos do poeta de autor de “Cão sem plumas” necessitam de uma leitura acentuada e atenta para interpretá-los, mas quando emolduramos seus poemas e penduramos na parede destinada às poesias difíceis de serem lidas, inconscientemente geramos uma barreira de repulsa e aversão no leitor, principalmente se levarmos em consideração que estamos na era da informação fácil, que já vem mastigada, sem que precisamos pensar muito para decifrar o código.

Nesta edição, além de abordar e poética Cabralina, trazemos também conteúdos literários diversos. Na sessão de resenhas, você encontrará uma abordagem sobre as nuances interpretativas e a representação da criança solitária no livro “Coraline” de Neil Gaiman; uma fala necessária sobre literatura

negra com uma resenha sobre o conto “As mãos dos pretos”, de Luís Bernardo Honwana, e a subjetividade e intimidade presente nos livros de Iandê Albuquerque.

Na sessão “A Literatura”, Istárlet de Melo traz um desabafo sobre sua experiência, durante a graduação, com círculos sociais que subjugam o que é a literatura e tentam hierarquizar os textos literários em superiores e inferiores. Há também uma análise do conto O exterminador, de Rubem Fonseca e como a narrativa é construída utilizando como técnica o pânico e a linguagem característica do cinema.

Você irá se deparar na “Coluna Literata” com a autora e professora Suelany Ribeiro em uma conversa sobre seu livro Os cachinhos de Cecília, a cena de escritores locais, ensino e maternidade. Logo após temos uma seleção de textos (poemas, poesias, contos e crônicas) submetidos à revista

Aproveite cada linha presente nas próximas páginas e que possamos contribuir com o meio literário local tornando estas 58 páginas em mais um canal de divulgação, debate e reflexão.

Boa leitura!

A R E V I S TA

Agradecimentos Érika Cavalcanti Redatora

A concretização deste projeto não se deve apenas ao corpo editorial da revista, mas antes a todos aqueles que se envolveram de forma direta ou indireta. Foi constante a partilha. Partilhamos dúvidas, incertezas, conquistas e muito aprendizado que nos tornaram confiantes para a publicação desta edição e cientes do trabalho duro que enfrentaremos na concepção das próximas edições.

Agradecemos em especial ao Prof. Dr. Frederico Machado, coordenador do projeto, que com o seu grande apoio, dedicação, orientação e confiança nos ajudou a construir o caminho que percorremos desde a idealização do projeto até a concretização desta 1ª edição.

Passamos a agradecer ao Curso de Letras da FACHO e ao corpo docente pelos conhecimentos transmitidos no ambiente acadêmico, que foram de suma importância para o desenvolvimento do projeto.

Agradecemos também a todos os participantes que submeteram seus textos à revista e por acreditarem no objetivo da Condoreira.

Por fim, nosso agradecimento especial ao nosso editor-chefe, Joseildo Henrique Conceição, pelo pontapé inicial na idealização deste projeto.

Que possamos tornar este ambiente literário (pensado de maneira orgânica e colaborativa) em um projeto relevância.

CONTEÚDO

O HOMENAGEADO

10

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JOÃO CABRAL DE MELO NETO: VIDA, OBRA E INFLUÊNCIAS Joseildo H. Conceição

A LITERATURA

5 POEMAS (COMENTADOS) DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO Joseildo H. Conceição Érika Cavalcanti

26 INQUISIDORES DA LITERATURA

Istárlet de Melo 28

A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E O PÂNICO COMO ELEMENTOS DE CONSTRUÇÃO DO CONTO O EXTERMINADOR, DE RUBEM FONSECA Mayse Cosmo

RESENHAS 31

LITERATURA ENGAJADA Vinícius Lira

33 IANDÊ ALBUQUERQUE E SEUS ESCRITOS LITERÁRIOS SOBRE

SUBJETIVIDADE E INTIMIDADE

Gustavo Nunes 35 RESENHA CRÍTICA DO LIVRO CORALINE, DE NEIL GAIMAN

Ester Lyssa Galhardo

COLUNA LITERATA

38 SUELANY RIBEIRO: ESCRITA, ATIVISMO, ENSINO E MATERNIDADE

Vivian Millena Costa

POESIAS SUBMETIDAS

42 DE TODOS

Ivson Laurenço 43 ALMA TRANSPARENTE

Ágatha Suellen 43 SIGA AS INSTRUÇÕES

Ágatha Suellen 44 DEUS

Vinícius Lira

44 UM PEDIDO

Vinícius Lira 45 O PODER DAS PALAVRAS

Camila Bargo 46 SONETO DE SOBREVIVÊNCIA

Joseildo H. Conceição 47

O BRT É O PAU DE ARARA DA CIDADE Istárlet de Melo

48 HINO MORAL

Léo Nazaré 48 PISA

Tiakuru 49 PROCURA

Pedro Andrade 49 EU FLERTO COM A NOITE POIS O SOL ME LEMBRA ADEUS

Daniel Jonathan 50 VOCÊ É ARTE

Vítor Lima 50 PARA POUCOS

Vitor Lima

CONTOS E CRÔNICAS

52 MÃE DE UM POEMA

Istárlet de Melo 53 O VOO DE ETHAN

Emanuelle Alves 54 RETICÊNCIAS

Zentrix

O HOMENAGEADO

Estátua de João Cabral de Melo Neto na Rua da Aurora Foto por: Ivson Laurenço

João Cabral de Melo Neto: vida, obra e influências Joseildo H. Conceiçao¹

O HOMEM

relação com as letras vinha de muito cedo: era protagonista nas reuniões familiares aos 2 anos por conseguir distinguir as letras nos jornais.

Após ter aprendido a ler, gastava seu tempo lendo romances de cordel da época para os trabalhadores do engenho da família.

Aos 10 anos, mudou-se para o Recife.

Era época da revolução de 1930 e seu pai estava sendo perseguido por estar ligado ao governo de Estácio Coimbra. Longe do engenho, estudou no colégio São Luís e gastava seu tempo jogando futebol em terrenos baldios e admirando o rio Capibaribe, que possuirá presença marcante em sua poesia.

Aos dezessete, pensava em ser crítico literário. Por se achar ainda imaturo para

João Cabral de Melo Neto (1920-1999): poeta pernambucano que escrevia fora dos padrões tradicionais da poesia brasileira da primeira metade do século XX. Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão Cabral de Melo, irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo, primo do poeta Manuel Bandeira e do Sociólogo Gilberto Freire.

Nasceu em Recife, mas logo mudou-se para São Lourenço da Mata. Viveu grande parte de sua infância no engenho da família, o Poço do Aleixo. Pode-se perceber a influência desse período em sua vida em poemas como Menino de Engenho e Descoberta da Literatura. Sua 10

O HOMENAGEADO

escrever críticas, começou a escrever poesias para a produzir alguma coisa. Após concluir os estudos, passou a frequentar a casa de Willy Levi² e se deparou com autores franceses modernos.

Na década de 40, aos 20 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde conheceu Joaquim Cardozo, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade. Em seguida, por não possuir um curso universitário, prestou concurso para o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público). Nesse período já tinha na bagagem o lançamento de Pedra do Sono e O Engenheiro.

Além de poeta, atuou como diplomata, sendo nomeado em 1945. Nesse período, precisou conciliar sua vida de poeta com suas ocupações. Trabalhou como cônsul, conselheiro e embaixador. Serviu cinco vezes na Espanha e trabalhou nas embaixadas brasileiras na Inglaterra, França, Suíça, no Senegal, Paraguai, Equador e Portugal. Em 15 de agosto de 1968, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras³ na vaga de Assis Chateaubriand, e tomou posse no dia 6 de maio de 1969, ocupando a cadeira número 37.

concebido na organização das palavras dentro do poema. Para Cabral, o texto poético precisava atingir a “simetria”, como ele dizia. “Simetria” seria a forma adequada e criativa que o texto iria atingir: qualquer pessoa pode escrever sobre questões sociais, mas o escrito só se tornará uma obra de arte a partir de um trabalho rigoroso de criação de uma linguagem poética e, para isso, é necessário que haja a consciência autocrítica que Cabral tinha.

O autor também se colocava contra a subjetividade individualista do poeta, que provém do romantismo. Em suas obras, ao invés de tornar obscuro os fatos que seriam apresentados no poema, ele preferia imitar as configurações reais que os fatos possuíam na realidade. O poeta deixava a mostra as estruturas, sendo chamado diversas vezes de “o arquiteto das palavras”. Cabral também tendia a minimizar os traços individuais, pois não há a emoção tradicional extravasada Secchin4 aponta duas expectativas5 na obra de Cabral: a poesia para voz alta (para

A POESIA

Com sua estética poética única, valendose de uma escrita meticulosa e hermética, Cabral tornou-se, involuntariamente, símbolo da literatura difícil de ser lida. O antilirismo do poeta abriu espaço para muitas interpretações distorcidas e, devido aos leitores não separarem o autor da obra, Cabral geralmente é taxado pelo grande público, erroneamente, como um autor “não sentimental”.

Homem de escrita consciente, era um severo autocrítico de suas obras, sempre revendo seus textos. O poeta rompeu o mito de que o escritor precisa de inspiração para escrever poesia, pois o sentimentalismo pode ser

Colagem por: Joseildo H. Conceição

11

O HOMENAGEADO

Eu não acredito em inspiração e nem sou poeta inspirado. O ato de criação para mim é intelectual. Minha poesia trabalha a criação e a construção. Na composição de um poema, primeiro me ocorre um tema e eu tomo nota.

Depois vou estudando-o e desenvolvendo-o.6 ser ouvida) e a poesia para o leitor solitário (reflexiva). Cabral não entendia por que os poetas da época, meados da década de 1950, com o advento de grandes meios de comunicação (TV e cinema brasileiro), não levavam em consideração a grande massa ouvinte desses meios.

Assim, Morte e Vida Severina é exemplo da vertente de poesia para voz alta. A obra é uma peça teatral, mesmo escrita em versos. Acontece que o leitor mais simples, ao ler Morte e Vida Severina, acredita que conseguirá ler outras obras do poeta com a mesma facilidade, o que não acontece. A expectativa que o leitor tem para com a poesia é quebrada ao se deparar com os textos de Cabral.

A crítica especializada também influenciou na legitimação do aspecto difícil da poesia. O leitor, ao não entender o texto por si só, recorre ao texto crítico, que, por sua vez, também possui linguagem tão complexa quanto os poemas. Esse aspecto pode ser utilizado como desculpa pelo desinteresse pela leitura.

que romperam os padrões modernistas (que pregavam a identidade tupiniquim nas manifestações artísticas), explorando a forma literária e conteúdos inovadores.

Também havia um dilema7 no meio literário, sobre se João Cabral pertencia ou não à Geração de 45. Cabral resolveu o dilema de forma simples: “Cronologicamente pertenço a ela, já que todos hão de pertencer a alguma”.

ALGUMAS OBRAS

PEDRA DO SONO

Em seu primeiro livro, Pedra do Sono, com epígrafe de Mallarmé8 e dedicatória aos seus pais, a Levin e a Drummond, Cabral buscou seu próprio caminho poético, bebendo na fonte do surrealismo construtivista, trazendo poemas curtos e com versificação regular.

Solitude, récif, etoile...

Mallarmé

Logo em seu título, temos algo que remete à exatidão e ordem: pedra; porém, a rigorosidade do autor ainda é pouca, como a crítica costuma apontar. Antônio Candido9 define que as imagens oníricas (pescadas nos sonhos) criadas pelo poeta conduzem os poemas à valorização plástica das palavras.

A GERAÇÃO DE 45

O movimento em questão marcou o início da Guerra Fria e o fim da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o período foi marcado por Getúlio Vargas no poder, a repressão, censura e o avanço da ditadura. Foi nesse cenário que surgiu a terceira fase modernista, com escritores 12

O HOMENAGEADO

O ENGENHEIRO

A obra O Engenheiro traz a poética cabralina como um projeto de idealização geométrica, seguindo a racionalidade do amigo Joaquim Cardozo (também poeta e engenheiro). O livro inicia com uma epígrafe de Le Corbusier10: “… machine à émouvoir…”.Em tradução, “máquina de comover”.

O trecho escolhido por Cabral como epígrafe deixa clara a sua intenção com sua obra: textos escritos programados para causar emoção estética no leitor. Le Courbusier, assim como João Cabral, não possuía formação acadêmica.

MORTE E VIDA SEVERINA

Morte e Vida Severina foi o projeto responsável por alavancar o nome de Cabral.

Em 1956, dirigido por Roberto Freire e Silnei Siqueira, o espetáculo foi visto por mais de 100.000 pessoas em São Paulo e Rio de Janeiro.

“É a primeira vez que a poesia tem alguma utilidade em minha carreira.”12

O livro traz a história de Severino e seu percurso de vida e morte, indo do sertão ao litoral em busca de uma melhor condição de vida. O caráter social e político da obra colaborou para marcar o livro como uma obra prima da poesia brasileira. Morte e Vida Severina traz recursos usados nos autos medievais15 (subgênero da literatura dramática).

O CÃO SEM PLUMAS

Escrito em Barcelona, (Espanha), O Cão Sem Plumas possui grande ênfase sociológica.

Nas linhas do poema, o homem e a natureza se misturam traduzidos na natureza desplumada, sem enfeites.

O livro é dividido em quatro partes: I. Paisagem do Capibaribe; II. Paisagem do Capibaribe; III. Fábula do Capibaribe e IV. Discurso do Capibaribe. A partir dessa divisão, observa-se várias relações: o rio com a cidade, o homem com o rio e a cidade com o homem.

Através dessas relações, poeta constrói uma obra sem descrições saudosistas da natureza (comum aos românticos).

Em 2017, a coreógrafa Deborah Colker11 adaptou o poema Cão sem plumas para um espetáculo.

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI — O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:

Foto: Deborah Colker/Divulgação

13

O HOMENAGEADO

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

A Educação Pela Pedra pode ser apontada como a realização da linguagem poética de Cabral e sua metalinguagem. A obra traz 48 poemas e é dividida em 4 partes: a, A, b e B. Nas minúsculas, poemas curtos versando sobre o Nordeste; nas maiúsculas, poemas longos não versando sobre o Nordeste. Os textos trazem um a linguagem seca, precisa e contida, apresentando a rigorosidade do poeta que sempre esteve em xeque.

se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte Severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar alguns roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.

INFLUÊNCIAS

“Li muito Valérry, Mallarme, Baudelaire, todos esses autores que não acreditam em inspiração. A poesia e a arquitetura andam juntas. A estrutura de um poema tem que ser arquitetada.”13

Cabral mostrou-se explicitamente influenciado por Carlos Drummond de Andrade. Em entrevista a Secchin, João Cabral cita Drummond como sendo “o maior poeta brasileiro” e que o poema “Alguma poesia” o convenceu a ser poeta. Dois de seus livros foram dedicados ao autor de “Poema de Sete Faces”: Pedra do Sono e O Engenheiro.

Willy Lewin foi outra personalidade que influenciou Cabral. Ele possuía uma biblioteca riquíssima de literatura francesa moderna e, através disso, o poeta tomou conhecimento do surrealismo que marca seu primeiro livro, Pedra do Sono.

Poetas modernos com alta consciência das possibilidades e limites da língua trazem por trás marcas de pensamento de Valery e Baudelaire. Ao afirmar que costuma ler essas personalidades e, reafirmando sua opinão sobre estrutura e composição poética, João Cabral mostra que há influência deles em suas obras.

Mallarmé também teve certa influência nos trabalhos de Cabral. A negação da inspiração

(Trecho inicial de Morte e Vida Severina) 14

O HOMENAGEADO

e o exercício dos aspectos metapoéticos, são pontos contínuos na poesia de Melo Neto e podem ser atribuídas à influência do poeta e crítico francês.

Graduando em letras - Português e Inglês pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

1

Willy Lewin (1908 – 1971). Intelectual crítico pernambucano, especialista em literatura anglo-americana. Influênciou a formação cultural de vários poetas.

2

1º CONGRESSO DE POESIA DO RECIFE

As frequentes reuniões na residência de Rego Monteiro14 foram o ponto de partida para a idealização do 1º Congresso de Poesia do Recife, que aconteceu em abril de 1941. Dentre os participantes, estavam João Cabral, Ledo Ivo, Willy Lewin, Rangel Bandeira, Benedito Coutinho, Cláudio Tavares, entre outros. As intenções do congresso foram esboçadas em um artigo. O intuito dos organizadores era debater problemas relacionados à poética e seu amplo sentido.

Além dos artistas locais, o evento contou com a participação do venezuelano Franciquez Gusman e seu livro de poemas, recente na época, Gritos. O congresso foi bastante divulgado pela revista Renovação que publicou dois textos de Rego Monteiro: “1° Congresso de Poesia do Recife” e “Banco Turístico do 1° Congresso de Poesia do Recife”, expondo os pormenores do evento.

Discurso disponivel em: < http://www. academia.org.br/academicos/joao-cabral-demelo-neto/discurso-de-posse>

3

Poeta e ensaísta carioca Antônio Carlos Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

4

O próprio poeta também demostra sua preocupação em relação a essas duas vertentes quando, no volume intitulado Duas Águas, agrupa, na primeira água, Pedra do Sono, O Engenheiro, Psicologia da Composição, O Cão sem Plumas, Uma Faca só Lâmina e Paisagens com Figuras e, na segunda água, Os Três Mal-Amados, O Rio, Morte e Vida Severina e Auto do Frade

5

Em entrevista a Gerson Camaroti - Correio Braziliense, 18/01/1998

6

Vide Antologia da Nova poesia Brasileira (1992), organizada por Fernando Ferreira de Loanda; Razão do Poema (1965), de José Guilerme Merquior; História da poesia modernista (1991), de Maria Lúcia Pinheiro Sampaio.

7

CONCLUSÃO

João Cabral de Melo Neto produzia poesias estranguladas e de tropeço. Estranguladas porque o poeta forçava as palavras ao máximo, lapidando-as até chegar à forma desejável, impecável; de tropeços porque ler seus poemas não é deslizar por entre os versos e as ideias, é tropeçar em cada linha, em cada lógica construída a partir da objetividade

Stéphane Mallarmé (1842 - 1898) foi um poeta e crítico literário francês, autor de uma obra poética ambiciosa e difícil que promoveu uma renovação da poesia na segunda metade do século XIX.

8

Antonio Candido (1918-2017) foi um sociólogo, crítico literário, ensaísta e professor brasileiro, figura central dos estudos literários no Brasil.

9

Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido pelo pseudónimo de Le 10

15

O HOMENAGEADO

MELO NETO, João Cabral de. O engenheiro. ed. 1. Amigos da Poesia, 1945

Corbusier (1887 - 1965), foi um arquiteto, urbanista, escultor e pintor. Criador da Unité d’Habitation, conceito sobre o qual começou a trabalhar na década de 1920.

MELO NETO, João Cabral de. Cão sem plumas. ed. 1. Alfaguara, 2007.

Deborah colker é uma bailarina e coreógrafa brasileira, conhecida por seus balés aclamados pela crítica, nacional e internacional.

11

DEBORA COLKER TRAZ CÃO SEM PLUMAS A BRASILIA. Correio Braziliense. Disponível em: <https://www. correiobraziliense.com.br/app/noticia/ diversao-e-arte/2017/08/12/interna_diversao_ arte,617098/deborah-colker-traz-cao-semplumas-a-brasilia.shtml> Acesso em: 15 de out.

2019.

Disponível no livro João Cabral de Melo Neto: Literatura Comentada (1982), de José Fulanete de Nadai, at al.

12

Em entrevista a Gerson Camaroti - Correio Braziliense, 18/01/1998 13

Vicente do Rego Monteiro (1899 - 1970), foi um pintor, desenhista, escultor, professor e poeta brasileiro.

CONGRESSO DE POESIA DO RECIFE. Antonio Miranda. Disponível em: <http:// www.antoniomiranda.com.br/ensaios/1o.%20_ congresso_de_poesia_do_recife.htm> Acesso em: out. 2019

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NUNES, Benedito. João Cabral de Melo Neto. Petrópolis, Vozes, 1974.

14

SOUZA, Helton Gonçalves de. A poesia crítica de João Cabral de Melo Neto. - São Paulo: Annablume, 1999.

VASCONCELOS, Selma. João Cabral de Melo Neto: retrato falado do poeta. Recife.

Ed. do autor, 2009. 238 p.

MIRANDA, Antonio. Metapoesia de João Cabral de Melo Neto. - Natal, RN: Sol Negro Edições, 2013. 88 p.

LINHARES, Marcos. Cartas ao poeta dormindo: João Cabral de Melo Neto.

Brasília: Thesaurus, 2013.

NADAI, José Fulaneti et al.. Literatura comentada – João Cabral de Melo Neto.

Abril, 1982 SECCHIN, Antônio Carlos. João Cabral: uma fala só lâmina. ed. 1. Cosac Naify, 2014. 448 p.

MELO NETO, João Cabral de. Pedra do sono.

Recife, ed. do autor. 1942.

MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. ed 1. Tuca, 1955.

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Colagem por: Joseildo H. Conceição

Estรกtua de Joรฃo Cabral de Melo Neto na Rua da Aurora - Recife/PE Foto por: Ivson Laurenรงo

O HOMENAGEADO

Colagem por: Joseildo H. Conceição

5 poemas de João Cabral de Melo Neto Érika Cavalcanti¹ Joseildo H. Conceição²

No útimo mês de outubro (2019), fez-se exatamente 20 anos de morte do nosso poeta engenheiro das palavras e diplomata. A fim de elucidar algumas possíveis interpretações de seus textos, fizemos uma seleção de 5 poemas presentes no livro A Educação Pela Pedra (1966), do autor pernambucano e, em seguida, tecemos alguns comentários.

A Educação Pela Pedras (1966) - João Cabral de Melo Neto

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O HOMENAGEADO

Ouriça

A educação pela pedra

Se o de longe esboça lhe chegar perto, se fecha (convexo integral de esfera), se eriça (bélica e multiespinhenta): e esfera e espinho, se ouriça à espera.

Mas não passiva (como ouriço na loca) nem só defensiva (como se eriça o gato); sim agressiva (como jamais o ouriço), do agressivo capaz de bote, de salto (não do salto para trás, como o gato): daquele capaz do salto para o assalto.

Uma educação pela pedra: por lições; para aprender da pedra, freqüentá-la; captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas).

A lição de moral, sua resistência fria ao que flui e a fluir, a ser maleada; a de poética, sua carnadura concreta; a de economia, seu adensar-se compacta: lições da pedra (de fora para dentro, cartilha muda), para quem soletrá-la.

2

*

Se o de longe lhe chega em (de longe), de esfera aos espinhos, ela se desouriça.

Reconverte: o metal hermético e armado na carne de antes (côncava e propícia), e as molas felinas (para o assalto), nas molas em espiral (para o abraço).

Outra educação pela pedra: no Sertão (de dentro para fora, e pré-didática).

No Sertão a pedra não sabe lecionar, e se lecionasse, não ensinaria nada; lá não se aprende a pedra: lá a pedra, uma pedra de nascença, entranha a alma.

Ouriça, termo criado por Cabral, representa aqui a mulher e como ela reage a aproximação de alguém. Nota-se que há duas possibilidade de reação devido a conjunção “se”.

Na primeira possibilidade (primeira estrofe), se perante a aproximação ela se sentir ameaçada, se fecha como uma esfera, fica atenta e torna-se bélica usando suas “armas” disponíveis para a defesa. Confirmando que a personagem é feminina, vê-se uma comparação com o animal ouriço que, mesmo em estado de defesa, não age de maneira totalmente passiva.

Na segunda possibilidade (segunda estrofe), caso não se sinta ameaçada durante a aproximação, torna-se receptiva, “reconverte de metal à carne”.

O poema tem o mesmo nome do livro, lançado por João Cabral de Melo Neto em 1965, que reúne 48 poemas. É considerado um dos livros mais importantes da literatura brasileira.

Neste poema a pedra deixa de ser um ser inanimado sem nenhuma qualidade e passa a ensinar ao homem. O eu lírico traz algumas lições que podem ser aprendidas através da pedra: uma delas diz respeito ao exercício da linguagem e ao fazer poético; outra refere-se a ler e interpretar na pedra as lições de dureza e resistência. Cabral também compara a pedra com a dura realidade do povo nordestino brasileiro, à geografia do sertão nordestino e ao estado “árido” do homem sertanejo.

O meta-poema mostra que a relação com a linguagem requer além de conhecimento muito exercício.

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O HOMENAGEADO

Duas bananas & a bananeira

contrário do mandacaru, não possui espinhaço, vive submissa, perde sua altura e a capacidade de se desenvolver, tornando-se impotente.

A bananeira dá a banana que as pessoas querem enquanto o mandacaru dá a “banana” que a hegemonia merece.

Entre a caatinga tolhida e raquítica, entre uma vegetação ruim, de orfanato: no mais alto, o mandacaru se edifica a torre gigante e de braço levantado; quem o depara, nessas chãs atrofiadas, pensa que ele nasceu ali por acaso; mas ele dá nativo ali, e daí fazer-se assim alto e com o braço para o alto; Para que, por encima no mato anêmico, desde o país eugênico além das chãs, se veja a banana que ele, mandacaru, dá em nome da caatinga anã e irmã.

Para a Feira do Livro Folheada, a folha de um livro retoma o lânguido vegetal de folha folha, e um livro se folheia ou se desfolha como sob o vento a árvore que o doa; folheada, a folha de um livro repete fricativas e labiais de ventos antigos, e nada finge vento em folha de árvore melhor do que o vento em folha de livro.

Todavia, a folha, na árvore do livro, mais do que imita o vento, profere-o: a palavra nela urge a voz, que é vento, ou ventania, varrendo o podre a zero.

* A bananeira dá, luzidia de contente Nos fundos de quintal, com despejos Com monturos de lixo: fogueira fria E sem fumo, mas fumegando mau cheiro; E mais daria se o dicionário omitisse, Banana, gesto de rebeldia e indecente; Se além da banana fruta, Registrasse banana Coisa sem espinhaço somente.

Daí a bananeira dobrar como impotente A ereção do mangará de crua macheza; E daí conceber as bananas sem caroços Fácil de despir com carne de rameira.

* Silencioso: quer fechado ou aberto, Incluso o que grita dentro, anónimo: só expõe o lombo, posto na estante, que apaga em pardo todos os lombos; modesto: só se abre se alguém o abre, e tanto o oposto do quadro na parede, aberto a vida toda, quanto da música, viva apenas enquanto voam as suas redes.

Mas apesar disso e apesar do paciente (deixa-se ler onde queiram), severo: exige que lhe extraiam, o interroguem e jamais exala: fechado, mesmo aberto.

Nesse poema podemos observar uma abordagem social de Cabral através de um “humor”. O poeta traz a fruta banana com significado ambíguo: na primeira estrofe observamos um mandacaru humanizado que desponta na caatinga com “a torre gigante e de braço levantado” defendendo o sertão dando uma “banana” para aquele que nasceu da nobreza e não precisa encarar as dificuldades do bioma nordestino; na segunda estrofe traz a ideia de que a bananeira do quintal do povo eugênico, ao

Na primeira estrofe o poema faz uma comparação do movimento de ir e vir das páginas de um livro com o vento batendo nas folhas de uma árvore, trazendo assim o mesmo som.

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O HOMENAGEADO

Na segunda estrofe o livro somente ganha vida através do leitor, não só em mantêlo aberto, mas interpretando-o, extraindo o conhecimento necessário e até o interrogando.

Graduanda em Letras - Portugês e Inglês pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

1

Tecendo a manhã

Graduando em letras - Português e Inglês pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

2

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.

2.

E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Neste poema a temática é a ordem social e as relações estabelecidas entra as pessoas.

Nada acontece sozinho, há sempre a presença de outros indivíduos, direta ou indiretamente.

O eu lírico esquematiza o surgimento da manhâ através do canto do galo como uma sequência de relações interpessoais: o homem é representado pelo animal e seu canto simboliza a nossa voz e nossas ações.

O poema também pode ser interpretado como mais uma metalinguagem do poeta. Um verso não é construído sozinho, ele se constitui do seu significado e da sua relação com os demais.

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Estรกtua de Joรฃo Cabral de Melo Neto na Rua da Aurora - Recife/PE Foto por: Ivson Laurenรงo

As retinas do olhar lancinante

Repletos de apego e intimidade

Miram rua, ponte, rio e poema

Mentalmente uma ode Ă cidade

A L I T E R AT U R A

Colagem por: Joseildo H. Conceição

Inquisidores da Literatura Istárlet de Melo¹

“Você não sabe escrever”, “Isso não é Literatura”. Estas frases evidenciam um percurso sem volta no curso de Letras. A vontade de tornar suas escritas públicas também vai ganhando espaço em um canto da gaveta. O desencorajamento provocado pelos inquisidores da literatura, catedráticos narcisistas, que são verdadeiros puristas de suas preferências literárias, desanimam qualquer escritora em começo de carreira.

Foi o que aconteceu comigo durante minha formação no curso de Letras. Eu sempre fui daquelas que via no curso a oprtunidade de ler escritores consagrados da Literatura.

A oportunidade de também ver e entender o mundo a partir de lentes distintas, mas isso não

A teoria pode ser um pesadelo para o estudante de Letras. A falta de uma definição específica de o que é literatura e dos critérios de literariedade podem deixar qualquer escritor inseguro em relação aos textos que produz.

Em “Os Inquisidores da Literatura”, Istárlet de Melo, graduada em Letras pela UFRPE, professora de Língua Portuguesa e Espanhola e mestranda em Estudos da Linguagem - UFRPE, conta um pouco sobre sua trajetória com a escrita, comentando os anseios e receios de todo jovem escritor ao se deparar com a temerosa teoria e seus subjetivos critérios de classificação de um texto na categoria de literário ou não.

Nota da revisora Marcia Lira 26

A L I T E R AT U R A

histeria de palavras sentida por quem escreve, aquele burburinho aqui dentro da mente, que teima em permanecer com você até achar um papel e uma caneta, ou um teclado e uma tela.

Que o acompanha na sua ida de ônibus para o trabalho, na sua volta. No banheiro, quando está cozinhando ou antes de dormir. É preciso sentir a inquietação das palavras para poder ser uma escritora, e não ler meia dúzia deles e já achar que pode sair por aí escrevendo.

Não ouça os inquisidores, eles nunca tiveram razão de nada, está aí a história para confirmar.

Ouça a sua voz interior, o seu anseio em buscar nas palavras a tradução para as experiências da vida. A personificação em narrativas dessa nossa existência, da nossa reflexão curiosa e metafísica. Parafraseando Drummond, com licença poética: “Não forces a escrita a desprender-se do guia. Penetra surdamente no reino das tuas palavras”.

era a tentativa frustrada de ser igual a algum deles. Nunca quis a imitação, na verdade, tenho horror a esse tipo de coportammento de algumas pessoas.

Na minha adolescência, já perto dos 20 e poucos anos, escrevia contos, rabiscava uns poemas e sempre guardei comigo a inquietude de também torná-los públicos. Mas aí vem a repentina frase: “isso não é Literatura”! Não era referente ao que eu escrevia, mas aos textos de algumas pessoas próximas subjugados de baixa literatura.

Escutava isso apavorada e incutia em mim a ideia de que eu precisava escrever igual a fulaninho de tal, porque isso sim era literário. Que eu precisava ler certos escritores, se pensava em ser também escritora. Concordo que precisamos ler os escritores consagrados de nossa língua e de outras também, mas não só eles. Precisamos ler os que estão colocados no index. Aquela lista preenchida dos autores que você não deve ler.

A frustração de tentar escrever igual a determinado escritor me provocou a angústia de nunca poder ser igual a ele. Sim, não podemos.

O que resulta é uma barata imitação, desajeitada e sem essência. Sim, sem a provocação daquela

¹ Mestranda em Estudos da Linguagem UFRPE, Especialista em Linguística Aplicada a Práticas Discursivas, revisora e preparadora de textos, MBA em jornalismo digital.

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Colagem por: Joseildo H. Conceição

A linguagem cinematográfica e o pânico como elementos de construção do conto O exterminador, de Rubem Fonseca Mayse Cosmo¹

Em O Exterminador, Rubem Fonseca apresenta o Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro, em um cenário futurístico, perceptível por falas como “O treinamento dos Exterminadores para enganar e matar era tão elaborado e difícil quanto o dos antigos astronautas².” (FONSECA, 2015. p. 294) e distópico, marcado pelo horror, pela apatia e banalização da violência extrema.

A narrativa é dividida em microcenas numeradas, que se aproxima da estrutura de roteiros para cinema³, sendo no total 11. O conto inicia no meio de uma ação, como em romances e filmes policiais, onde o leitor é apresentado a dois personagens, chamados Exterminador e Cacique, apresentando a missão que o Cacique delega ao Exterminador.

Este conto foi publicado em 1969, em uma coletânea do autor, intitulada Lúcia McCartney, com o título de O quarto selo (Fragmento) e foi escrito no período da ditadura militar, um pouco depois do AI-5 (Freitas, 2015). O conto ironiza a linguagem utilizada pelos militares na ditadura, por meio do uso exagerado de siglas, e de certa forma critica a apatia e a violência exacerbada da época (Freitas, 2015).

O conto inicia com o exterminador recebendo a missão de matar o G.G.4, e em seguida apresenta ao leitor o cenário da época, na medida em que a história é contada. A cena de número dois mostra o G.G. em seu local de trabalho e introduz dois novos personagens, nos deteremos a Pan Cavalcanti, que no decorrer do conto se mostra alguém de confiança do G.G., 28

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embora o seu nome já seja sugestivo, por ser do deus grego cujo nome originou a palavra pânico5, por conta de suas façanhas. Pan recebe uma grande responsabilidade por parte de G.G., que é comandar um departamento e encontrar o Cacique, e no diálogo entre os dois se torna mais evidente a banalização da violência e a desumanização, quando o G.G. afirma que as explosões urbanas são rotina.

As cenas seis, sete e oito nos mostram mais desse contexto de horror. Na cena seis, oito mil mortos em uma semana é considerado uma quantidade pequena de perdas segundo sociólogos; na sete, mostra como os corpos são removidos em caminhões de lixo para serem cremados, e o que mais choca é quando um dos guardas é atingido por um atirador e seus colegas de trabalho simplesmente removem o corpo junto com os demais, sem demonstrar nenhum sentimento; a cena oito apresenta um guarda mais velho ensinando um mais novo a utilizar um aparelho de tortura e aconselha-o: “Agarre esta oportunidade com unhas e dentes.

Aqui você tem um bom emprego para o resto da vida. Enquanto a índole do nosso povo for essa você está garantido. E mudar a índole do nosso povo é impossível, você não acha?”

(FONSECA, 2015. p. 299). A fala traz um tom de desesperança, mostrando que o cenário apocalíptico do país é irreversível.

O formato do conto se aproxima em alguns momentos do texto cinematográfico.

Um dos elementos que remontam esse gênero é a numeração das cenas que, em uma primeira leitura, pode passar a impressão de que o texto é muito fragmentado. Porém, em uma leitura mais atenta, é possível perceber que existe uma narrativa que perpassa todo o texto, sendo perceptível no desfecho. A descrição curta e sintética das ações na cena três e o diálogo igualmente curto da cena 11 também remontam um roteiro cinematográfico, que precisa ser objetivo e claro, e os diálogos curtos dinamizam

o texto, causando um efeito de ação, como em filmes desse gênero. Algumas descrições de cenário, dão ideia de movimento: “A câmara e o microfone de TV, operados na sala do G.G., aproximaram-se do rosto do chefe” (FONSECA, 2015. p. 299). A cena se assemelha a uma orientação para que a câmera grave em superclose. Esses elementos criam a sensação de urgência do conto e contribuem para a atmosfera de pânico que o autor constrói.

O conto inteiro é marcado por cenas de violência, tortura e frieza, mesmo na cena que descreve um ato sexual, na qual os personagens recorrem à violência para encontrar o prazer. O surpreendente do conto é o desfecho, quando se descobre que Pan é, na verdade, o Exterminador que aparentemente só havia aparecido na primeira cena, ou seja, o texto todo constrói sua narrativa para, ao final, o personagem cumprir sua missão. O papel de agente duplo corrobora para a construção de duas narrativas no conto, a de Pan, agente de confiança do G.G., e a do Exterminador, que está na verdade cumprindo uma missão para o lado inimigo. Se observamos, essa personagem é responsável por parte do pânico que é instaurado na narrativa, pois age como se ajudasse a deter um inimigo que está por vir, quando na verdade ele é o próprio e está trabalhando para executar a sua missão.

Esta obra de Rubem Fonseca mostra-se em consonância com a tese de Piglia (2004), de que o conto possui duas histórias, uma visível que esconde uma secreta, que é contada de modo fragmentário.

Rubem Fonseca constrói, em O Exterminador, um cenário que, embora apresente-se como futurístico, se aproxima do contexto histórico da época, estabelecendo uma crítica ao regime ditatorial. A forma inusitada que o autor utiliza para escrever o texto pode confundir um pouco o leitor em uma primeira leitura e até causar uma rejeição, mas em uma leitura atenta é possível perceber a riqueza 29

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

na forma como foi construída a estrutura, a linguagem e a crítica sutil.

FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro: Objetiva: 2001.

¹ Graduada em letras - Português e Inglês -

pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); pós graduanda em literatura brasileira pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE).

FONSECA, Rubem. O exterminador. In: O conto brasileiro contemporâneo. Org. Alfredo Bosi. São Paulo: Cultrix, 2015. p. 293-302.

FREITAS, Gabriel Domício Medeiros Moura.

Rubem Fonseca e o selo do terror. Boletim de Pesquisa NELIC , v. 14, p. 51-67, 2015.

Disponível em: <https://www.researchgate.net/ publication/276264227_Rubem_Fonseca_e_o_ selo_do_terror>. Acesso em: 18 jul. 2019

² Grifo nosso. ³ Syd Field, em seu livro Manual do roteiro, afirma que “alguns escritores simplesmente listam uma série de cenas na página numerando-as[...]” (2001. p. 140)

MALDONATO, Mauro. À beira do nada.

Revista Viver Mente & Cérebro, n. 160, p.

50 - 55, 2005. Disponível em: <https://www. researchgate.net/profile/Nelson_Maldonato/ publication/269037795_A_beira_do_nada/ links/57180cbb08aed8a339e5b319/A-beira-donada.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2019

Uma das siglas utilizadas no conto que significa Governador Geral.

4

“O termo pânico deriva do nome do deus grego Pan. Estudiosos ligam-no a paien, que em grego significa “pastar”. Com o passar do tempo o termo grego pan, por extensão semântica, passou a significar “o todo”, que também compreende o deus oculto da floresta, do abismo e da profundidade. Além do pastoreio, Pan governa o timor panico. O mito narra que o deus Pan não suportava ser perturbado durante seu descanso vespertino.

Quando isso acontecia, soltava berros apavorantes, que desencadeavam, precisamente, o timor panico.”

(MALDONATO, 2005. p. 50.)

5

PIGLIA, Ricardo. Formas breves. São Paulo: Companhia das letras, 2004.

RODRIGUES, Chris. O cinema e a produção.

2. ed. Rio de Janeiro: DP&A: Faperrj, 2005.

Consiste em um “close fechado do rosto do ator, enquadrando o queixo e o limite da cabeça.” (RODRIGUES, 2005. p. 30)

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RESENHAS

Colagem por: Joseildo H. Conceição

Literatura Engajada Vinicus Lira¹

Luís Bernardo Honwana é um escritor africano, autor do livro “Nós matamos o cão tinhoso”.Que nos presenteia com uma coletânea de contos, abordando temáticas que o cercam o continente África. Em especial, “Às mãos dos pretos” traz uma perspectiva sobre o que define racismo. Em primeiro momento, ele apresenta uma criança curiosa sobre o porquê dos pretos terem a palma da mão mais clara que o restante do corpo. A partir disso, inicia a pequena aventura do garoto por sua cidade, onde ele indaga seus conhecidos sobre a questão que o incomoda. Mesmo obtendo respostas, nenhuma foi capaz de convencê -lo. Por fim, apenas sua mãe conseguiu suprir a dúvida que pairava em seu peito.

Esse é o tipo de literatura que não existe

apenas por ser literatura. Honwana consegue evidenciar a luta de seu povo sofre contra a injustiça, preconceito, desigualdade... entre tantas outras consequências da sociedade líquida que acabamos por acolher. Falar sobre cultura africana é extremamente importante, pois dessa forma poderemos resgatar os valores culturais que foram tomados a força por uma raça colonizadora mania de grandeza. Valorizar a diversidade singular de todo o continente, afinal, África não é um país, mas sim um continente gigantesco e plural.

O papel performático que a figura do negro assume neste conto, pode ser confundido com uma piada, mas na verdade é uma crítica direta a sociedade racista que coisifica o negro, tratando-o apenas como um animal. Como é 31

RESENHAS

dito pela Dona Dores “Eles têm a palma das mãos mais claras para não sujarem as comidas que servem aos seus patrões”, essa é mais uma prova que isso nos fere estruturalmente. Essa personagem, é uma senhora de idade, portanto, culturalmente sua carga de vida possui história verídica. E em sua fala, encontramos vestígios de perseguição contra uma raça que fora escravizada e reduzida a nada.

Vivemos numa sociedade que diz estar correndo atrás da equidade, mas continua a propagar preconceito racial revestido com falso moralismo. A necessidade da existência de um padrão é tão frágil, que ao encontrar uma prática que difere dos demais passa a ser considerada como ameaça ao “equilíbrio”. Esse que já fora perturbado há séculos. Desde o momento em que a raça branca fora elegida por ela mesma como “superior”. Hoje, em pleno século XXI o movimento negro ainda é tido como “mimimi”, mas na verdade é apenas a tentativa da criação de uma ponte com nossas origens. Aimé Césaire define negritude como reencontro com nossa história roubada de nós pela miscigenação em massa. Em prol disso, a Literatura Africana pode ser caracterizada como instrumento intimamente ligado à realidade que busca por condições melhores.

Livro: Nós Matamos o Cão Tinhoso Autor: Luís Bernardo Honwana Editora: Kapaluna Idioma: Português Páginas: 148 Ano: Novembro de 2017

¹ Graduando em letras - Português e Inglês -

pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

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RESENHAS

Imagem disponível na internet

Iandê Albuquerque e seus escritos literários sobre subjetividade e intimidade Gustavo Nunes¹

Iandê Albuquerque é um escritor pernambucano de 27 anos que reside na cidade de Recife e que vem ganhando popularidade nos últimos anos por causa de sua escrita melódica, sincera, subjetiva e íntima. Usuário de redes sociais como o Instagram, Facebook e Twitter, o autor usa estes meios de comunicação e informação como um mecanismo de exteriorização de ideias e pensamentos, além de serem uma maneira de aproximação de seus fãs e leitores. Além de escritor de sua página virtual pessoal, é também colunista do Superela.

Além disso, o escritor atualmente escreve diversos artigos, para o site para o qual trabalha e para o seu próprio, sobre relacionamentos, responsabilidade afetiva, autoestima e superação amorosa.

Recentemente, em 2018 mais especificamente, o literato lançou seu livro “Onde não existir reciprocidade, não se demore” pela Editora Outro Planeta. O livro atingiu uma relativa popularidade, principalmente entre o público mais jovem, que se identificou com a escrita intimista e as experiências descritas pelo escritor, além de terem ficado fascinados pela maneira que ele apresentava possíveis soluções ou melhores maneiras de lidar com a dor e o sofrimento causado por uma pessoa querida.

O livro, como já diz o título, retrata situações contemporâneas em relação aos relacionamentos, mas não só os afetivos-sexuais, os afetivos-amistosos também se adéquam ao enredo da obra. A produção literária aborda a possível incapacidade do ser humano em deixar 33

RESENHAS

uma pessoa querida partir quando esta demonstra diversas vezes não querer mais ficar, o que acarreta em ondas de autoculpabilização, ciclos viciosos e baixa autoestima. Iandê Albuquerque, nesse livro, também fala de relacionamentos abusivos, temas abordados atualmente por grupos sociopolíticos como o feminista e outros grupos não-ocidentalizados. Mais adiante, nos deparamos com uma escrita sobre como permanecemos inertes e plácidos diante de uma situação amorosa ou amistosa cujo sentimento apenas existe unilateralmente. Por fim, em suma, o livro propõe ao leitor um trabalho árduo de autoidentificação ou heteroidentificação que faz com que percebemos que a melhor demonstração de amor é a libertação afetiva do companheiro, pois quem ama não prende, ademais, também é proposto uma melhor autoanálise de si mesmo, ou seja, um trabalho em relação ao amadurecimento subjetivo para que situações assim não se tornem corriqueiras e que possamos parar de ser ingênuos quanto às expectativas que depositamos em outrem.

Outra obra do autor é “Para todas as pessoas intensas”, lançada em 2019 também pela Editora Outro Planeta. O livro não é uma sequência do seu antecessor, mas os temas e a maneira que ele aborda o sentimentalismo humano são parecidos e se complementam de acordo com a disponibilidade do leitor em interpretar e interligar ambas as temáticas. O feito fala basicamente sobre a intensidade das pessoas, sendo generalizadamente retratado de maneira bilateral: vemos os lados de ambas as pessoas que compartilham um relacionamento.

Albuquerque diz que em nossa vida surgirão pessoas que não irão suportar as nossas diferentes intensidades e que irão fugir assim que tiverem a oportunidade, pois não compreendem nossa maneira de enxergar o amor, de maneira demonstrativa, forte, profunda, além de abordar a liquidez dos relacionamentos hoje em dia ao dizer que nem todos vão nos querer da

mesma forma que os queremos ou da forma que merecemos, e que o melhor a se fazer é não deixar de ser uma flor só porque narizes sensíveis não suportam nosso forte cheiro, que não devemos deixar de ser quem somos porque uma ou duas pessoas não irão saber apreciar nosso jeito de amar e nossa vontade de sermos correspondidos na mesma intensidade. Para todas as pessoas intensas é uma obra muito mais íntima do que a anterior, pois dialoga com o leitor de maneira mais direta e propõe exercícios introspectivos que valorizam o modo único que cada ser humano tem de compartilhar o que sente de forma boa e sincera.

¹ Graduando em letras - Português e Inglês -

pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

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RESENHAS

Adaptação cinematográfica de Coraline (2009) - Henry Selick

Resenha crítica do livro Coraline, de Neil Gaiman Ester Lyssa1

Neil Gaiman é autor de livros de fantasia, ficção científica e mistério, consagrado por obras como “American Gods”, “Norse Mythology” e “Stardust”, que entretêm leitores de variadas idades.

Ao escrever “Coraline”, livro que lhe rendeu dois prêmios no mesmo ano de publicação, o escritor apresenta os tradicionais recursos de uma boa história de terror: uma criança curiosa (ou, nas palavras da própria Coraline, “exploradora”), pais que trabalham muito e dão pouca atenção à filha e uma antiga casa que implora para ser investigada, dados o tempo de sua existência e a quantidade de portas e passagens. Além disso, também há os vizinhos não muito “normais”, que insistem em chamá-la de “Caroline”.

Assim como em sua outra obra de sucesso, “Sandman”, Gaiman desdobra a história da menina Coraline em uma atmosfera tensa que atinge o terror. As ilustrações exibidas nas páginas do livro deixam claro que, apesar da história ser sobre uma criança, ela não é nem um pouco infantil. Outra evidência é a pequena obsessão que a garota desenvolve pela passagem murada depois de descobrir “a porta” e, em seguida, o mundo paralelo.

Diferente da adaptação cinematográfica, a narração mostra uma criança que, quando finalmente está sozinha em casa — após sua mãe se recusar a comprá-la o tão desejado par de luvas —, se empenha em explorar “a porta” novamente, e que, ao invés de uma parede de tijolos, dá de cara com um corredor escuro, 35

RESENHAS

frio e com cheiro de mofo. Apesar de ter sido alertada pelos camundongos do sr. Bobo a não passar pela porta, e ter tido as folhas de chá lidas pelas ex-atrizes Spink e Forcible, e escutado delas que estava correndo perigo, Coraline não atenta para os conselhos dos vizinhos e atravessa a passagem, indo parar numa sala idêntica à de sua casa.

É nesse ponto que o ambiente do livro passa de tenso para tenebroso: quando ela conhece a sua outra mãe, cujos olhos são botões negros. Na verdade, todos os seres desse outro mundo possuem botões no lugar dos olhos, exceto o gato que ela encontra tanto em seu próprio mundo quanto no novo mundo fantasmagórico, em quem a única diferença é o fato dele falar, já que a altivez e arrogância sempre o acompanham.

A princípio, apesar do clima pesado que se abate sobre o outro mundo, tudo parece bom e correto; os outros pais da Coraline dão a ela a atenção que tanto deseja, vizinhos que parecem fazer mais sentido e ela tem atividades para realizar; quando, porém, Coraline se vê encurralada pela Bela Dama, que raptou os seus pais e devorou as almas das crianças-fantasmas, ela precisa lutar para libertar todos da prisão construída por sua outra mãe — o “amor”.

“Coraline” merece ser lido porque conta a história de uma criança que se sentia solitária e que, por isso, desobedeceu aos pais e abriu “a porta”; porque mostra a visão de uma criança que, embora tenha se encantado com um mundo falso e sinistro, compreendeu que seu lugar era no mundo imperfeito, mas real; que guerreou até o fim de suas férias para reparar suas falhas.

Além disso, a partir da análise dos pontos principais da obra de Gaiman, comparações podem ser feitas e aplicadas a outras situações fora do livro; pode-se ilustrar, por exemplo, a realidade das drogas: filhos desamparados que encontram um escape para a solidão através da “porta”; o encontro de um mundo lúgubre, mas

confortável. Só que, diferente da história de Coraline, o desfecho pode não ser tão tranquilo.

Graduanda em letras - Português e Inglês pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

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Livro: Coraline Autor: Neil Gaiman Editora: Rocco Tradutora: Regina de Barro Carvalho Páginas: 92 36

Coluna Literata

A coluna Literata é um espaço destinado para conhecer melhor o atual cenário literário local através de uma bate-papo com alguns autores escolhidos pela equipe editorial.

Nesta edição, convidamos Suelany Ribeiro. Confira como foi essa conversa nas páginas seguintes.

L I T E R ATA

Suelany Ribeiro Foto: Arqivo pessoal da autora

Suelany Ribeiro: escrita, ativismo, ensino e maternidade Vivian Millena Costa¹

quanto nas escolas, apresenta um livro categorizado como infantil. Não era de sua pretensão abordar apenas crianças, mas também pais, como o público adulto consumidor e professores, que devem se reciclar e inovar sua didática a cada dia para acompanhar as perspectivas sociais atuais.

Escrevendo sobre o racismo e trazendo bastante essa discussão em suas aulas, e também em projetos que ela mesma desenvolve, foi questionado o seguinte: sabendo do contexto atual onde o movimento negro tem ganhado destaque e voz, existiria um lugar de fala a ela? Suelany diz que não, porque esse lugar é diretamente ligado a experiências das pessoas que compõem esse meio. Mas a professora aborda esse assunto porque, sendo escritora, tem licença poética para escrever sobre o que

Ao querer trabalhar e destacar autores locais, a Condoreira entrevistou a escritora e professora Suelany Ribeiro, que possui dois livros publicados e é uma pessoa ativa em causas que envolvem as minorias.

Conversando sobre a origem do primeiro livro dela, “Os cachinhos de Cecília”, a autora fala que teve a inspiração em seu próprio campo familiar: sua irmã crespa mostrava dificuldades de se ver como criança negra, e, notando como o racismo a afetou e afeta tantas crianças hoje, Suelany viu a necessidade de um livro que abordasse as negras de uma boa forma, uma vez que a nossa sociedade costuma representar negras e negros de modo negativo e marginalizado na literatura.

A autora, a fim de apaziguar as relações racistas com as crianças, tanto em suas casas 38

L I T E R ATA

desejar, e na ficção é possível criar e contar uma história sobre o que preferir.

Por trabalhar, em seu segundo livro com a editora Castanha Mecânica, Suelany foi perguntada sobre sua opinião em relação a editoras independentes versus as grandes editoras. A escritora disse que as grande editoras desenvolvem um grande papel que é atender ao mercado editorial, porém com isso nasce a possibilidade de ter textos muito bons que não são vendidos e textos muito bons que são muito vendidos. Para ela, as grandes editoras não dão muitos diretos a seus autores, e um exemplo citado foi o fato de algumas editoras publicarem livros e comprarem os direitos autorais, mas enquanto o livro estiver sendo publicado o autor não receberá lucro pelas vendas. Aos que não trabalham desse modo, o processo de espera acaba sendo muito demorado e cansativo.

Com isso, Suelany passou a ver as editoras independentes como uma saída desse tipo de mercado que, nas palavras dela, “seleciona o que quer, publica o que quer, de acordo com o que ele quiser”. Ela diz que quem escreve algo não deve o esconder por muito tempo. As editoras alternativas são defendidas por ela por causa de seu posicionamento, por influenciar autores locais e impulsionar a escrita e leitura criativa.

Ainda abordando sobre as produções locais, foi perguntado sobre quem seriam, em sua opinião, os principais autores. Fred Caju, Bell Puã e Odailta Alves foram os nomes citados, sendo a última a de maior destaque, e o apoio a ela foi justificado por sempre ser surpreendida na escrita e na poesia de Puã, e em seu modo de gerenciar tudo. Também por sua força em alguma causa e sua luta constante contra o racismo.

E como poderíamos usar essas influências nas salas de aula? Suelany responde que há diversas formas. Os autores discutem temáticas atuais que têm haver com a realidade do público infanto-juvenil, então pode-se pensar

em como os poemas deles podem cultivar uma escrita criativa na sala de aula. A professora deu algumas sugestões, sendo elas: releituras dos poemas, preparação de uma aula apresentando poemas de um dos autores e expondo seu tipo de escrita, e depois desenvolvendo textos do mesmo estilo ou mesma temática. Ela também destaca que na sala de aula é possível ver esses poetas como desconstrutores do cânone literário, pois são autores que “furam a curva de um sistema regrado literário e subvertem esse sistema, fazendo os próprios livros e ressignificando o objeto do livro”, e ainda afirma que isso pode ser levado em diferentes classes, independente do público-alvo. Por exemplo, seus alunos do 6° ano do ensino fundamental ficam muito animados com os formatos de livros de Fred Caju, o que mostra que eles já compreendem o processo de ressignificação do livro. Trabalhar com esses autores não implica apenas em abordar a desconstrução do cânone ou ressignificação, mas em falar sobre desigualdade social, racismo, homofobia e machismo, ou seja, implica em um diálogo interdisciplinar.

Para Suelany, esses autores têm destaque por alguns motivos. Fred Caju, por sua produção intensa, sempre tendo algo novo para publicar, seja a nova edição de um livro ou algo no Instagram. Ele é protagonista por produzir muito e por produzir muito bem, sem contar com sua perspectiva de que tudo é narrativa: a capa do livro, a contracapa, o prólogo e até a dedicatória. Já Odailta e Bell ganham ênfase por suas temáticas étnico-raciais e, sobretudo, como retratam isso.

Esses destaques trazem um declínio à literatura no estado? Para ela, muito pelo contrário. Eles estão impulsionando a literatura e a consequência disso será o crescimento da literatura pernambucana, tendo eles como influência. Nas palavras dela, “Quando eu digo que você pode publicar seu livro, você mesmo pode fazer seu livro, você pode tirar o poema 39

L I T E R ATA

da sua gaveta. Eu estou influenciando outras pessoas a publicarem mais, e à medida que as pessoas publicam, outras pessoas vão surgindo, sendo elas boas e ruins”. A prova que sustenta seu argumento sobre a literatura estar crescendo é o aumento no mercado editorial da publicação independente, que tem apresentado muitas publicações de boa qualidade.

Ao ser perguntada sobre novos projetos, a escritora fala que possui alguns envolvendo a Castanha Mecânica e outro envolvendo a sua nova vida: a vida de mãe. Um outro trata da desumanização do homem, e também existe um livro infantil que já está pronto, mas esse livro envolve outra editora (que não é grande, mas também não é independente). A editora se interessou por esse livro porque trabalha o campo da oralidade Por fim, há outro livro de contos, que Suelany define como “um livro da mulher contemporânea” que “tem que levar o trabalho em um lado do braço, a casa do outro lado do braço, o bebê no meio e segurar e ser boa, na casa, no trabalho e em ser mamãe”.

Por fim, a poetisa fala sobre também estar se descobrindo no universo indígena, voltando à sua ancestralidade indígena e procurando sobre sua história. Suelany com certeza ainda trará muitas boas novidades ao mundo literário e em seus projetos, e basta apenas aguardar por essas novidades.

Livro: Os cachinhos de Cecília Autora: Suelany Ribeiro Editora: Prazer de Ler Idioma: Português

¹ Graduanda em letras - Português e Inglês - pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO).

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Poesias Submetidas

POESIAS SUBMETIDAS

De todos Ivson Laurenço Assanhada, Carnívora, Chega sem ao menos perceber.

Mata Com fome!

Entra na presença disfarçada De anjo bom, Que às vezes nem se vê.

Espalha Minhas louças e minhas pratas Herdadas Da mais alta elite.

Leva-me!

Desgraçada Meu último sorriso De saúde.

Morte Amaldiçoada Infame Deverias Ser dos humildes.

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POESIAS SUBMETIDAS

Alma transparente

Siga as instruções

Ágatha Suellen

Ágatha Suellen

Uma imensidão Com corpo de espinhos, Pintados de cores vivas, Representam a vida que se pode ver.

Siga as instruções: Pegue um espelho E se observe Aprecie E leia.

Nesse exato momento Você Na tua frente A tua alma Serena Clara Pequena Pura Rara.

Permita-me lhe apresentar A simplicidade O lado meigo do universo Sim, Possuis o brilho do universo És a lua As estrelas Os planetas E o sol Radiante Obra de arte Gratificante Traz a bondade no olhar E a cada instante Confirmação determinante A beleza Maravilhosa de se admirar.

Profundamente, Quem permite, sente Alma transparente Transbordando flores.

A esperança é pela transparência Que reflete a aquarela Desenvolvida no respeito, Seja ele qual for.

O que verdadeiramente importa É o amor genuíno Que cada alma possui Sem ao menos perceber.

Que se entreguem puramente E definitivamente observem Que a mistura de culturas e raças Um arco-íris pode ser.

Por meio dos gestos simples, Afeto e gratidão, Ao aprender que a diferença é nada mais nada menos Que a melhor forma de se aprender.

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POESIAS SUBMETIDAS

Deus

Um pedido Vinícius Lira

Vinícius Lira

Desenhado por deuses, padrão Wakanda Aqueles que temem minha cor Não sabem o que sinto e o que sou Não sabem quem passou um dia o terror E por aqui ficou

Escrevo, mas nada sinto Ando corrido, mas não saio do lugar Penso, mas nada concluo Expresso sorriso, mas continuo a chorar Digo verdades, mas só mentiras me alcançam Perdido, mas sei onde estou Tenho dormido, mas não descansado

E desde então, meu povo vive com pavor Congelando o que de singular Consegui, um dia sentir

Meu peito queima, mas nenhum médico consegue curar Minha alma transcende ao sonhar E encolhe quando a realidade insiste em falar

Já não sei por onde ando, por onde vou Sinto as marcas da dor, essa cadência Infiel à origem, que um dia meu povo [orgulhou-se em contar

Me sinto bem Me sinto mal Já não consigo definir Nesse jogo sentimental Sentir já não é mais objetivo

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POESIAS SUBMETIDAS

O poder das palavras Camila Bargo Palavra no olhar, palavra aprendida, palavra dita, palavra sentida.

Palavra que avisa, palavra que protege, palavra para mostrar, palavra para encontrar.

Palavra que ajuda, palavra que espalha, palavra amiga, palavra que agita.

Palavra que atiça, palavra que acaricia, palavra que te domina, palavra que alucina.

Palavra não dita, palavra que mente, palavra que choca, palavra que provoca.

Palavra medida, palavra amada, palavra que te transforma, palavra que você adora.

Palavra certa, palavra que alivia, palavra que afaga, palavra que você guarda.

Palavra da salvação palavra que te desperta ou não, palavra que desenvolve palavra que você absorve.

Palavra errada, palavra ofendida, palavra odiada, palavra devorada.

Palavra escrita, palavra que rima palavra cantada, palavra falada.

Palavra que afronta, palavra que amedronta, palavra que grita, palavra descrita.

Palavras matinais, palavras em sinais, palavras iniciais, palavras finais.

Palavra que prepara, palavra estudada, palavra ignorada, palavra adiada.

De palavra em palavra, com palavras-chave, palavreados e palavrões o ser humano conta sua própria história, faz suas escolhas e monta sua trajetória.

Palavra chorada, palavra marcada, palavra que entristece, palavra que adormece.

Suas memórias, duras ou puras, seus tropeços e suas vitórias, com a voz ou com as mãos, com a mente e com o coração.

Palavra em outra língua, palavra que dissemina, palavra que chega até a esquina, palavra que vai até a China.

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POESIAS SUBMETIDAS

Soneto de sobrevivência Aos poucos vai ficando para trás a caatinga.

Avançando firme vamos sem ao menos uma pausa a dor, pois, é grande, a fome é chaga e minério escasso é a tal da água.

Corpos esqueléticos com chifres e couro, fissuras quase tectônicas no barro pisante, períodos incontáveis de chuva ausente...

Motivos para entender por que eu corro.

Anos e anos de vida dolente.

O sol pinando ao meio dia quente é o menor dos males perante um filho doente.

Essa gente cai de voar mas bate as asinhas no chão, bate fraco, bate forte, mas não pode cansar.

Joseildo Henrique Conceição

POESIAS SUBMETIDAS

O BRT é o pau de arara da cidade aperto. empurrões. portas. janelas. motores.

O percurso é feito em linha reta mas estamos geometricamente desalinhados.

15 por metro quadrado. abre a porta de vidro de aparência sofisticada mas sem a sofisticação a manada do velho gado novo entra outros tantos tentam sair vejo braços por todos os lados amarelos, pretos e brancos pra que tantos braços, meu deus diz o meu grito de socorro a minha consciência diz: precisamos resolver esse naufrágio se revoltar se rebelar gritar NÃO DÁ!

Café com pão Café com pão Café com pão café com pão, não, seu motorista É pão e circo É imposto todo dia É tudo aumentando e a classe proletária segue seu rumo rumo ao fracasso.

Istarlet de Melo

POESIAS SUBMETIDAS

Hino Moral

Pisa Léo Nazaré

Tiakuru

Ouviram, é verdade: O brado da suposta liberdade Poeticamente retumbante, Das mansas águas do Ipiranga.

Mãe, sei que sou teu filho, Mas não vejo mais teu brilho, A lama cobriu teu nome, Meu estômago estremeceu.

Teu filho adoeceu Quando conheceu a fome.

Evaporo-me em dor, Sinto muito calor Da seca que te come, Joga-me teu manto d’água, Vem curar, Mãe, essa mágoa Desse jeito a dor some.

Quando olho para o rio Eu sinto um vazio Por ter dado poluição, Queimadas assombram minha mente A água de tua nascente Dissolveu-se em plantação.

Não nado, posso me afogar Na mancha que há no mar Que mancha o teu pulmão.

Não jogo a culpa em ninguém, Mas se quiser culpar alguém, Culpe a mim, tua criação.

Mas responde-me, ó! Pátria Idólatra e idolatrada, Se teus filhos se espelham Na grandeza cruel de tua dura realidade.

Me diz, ó Grande e despetalada pátria!

Florão da América Que preguiçosamente vive — Deitada eternamente em berço esplêndido...

Se és furtada, ou se és mesmo iluminada Ao causticante sol do novo mundo, Usurpando teus lindos campos, Nossas vidas, nossos amores.

Não temeis, é verdade...

— A própria morte.

Pois ela já anda manchando com sangue Os filhos deste solo, de gentileza vil.

Manchada sim: e perdida, Com a paz do futuro não encontrada Pela estúpida glória do passado Terra dourada; de gente sofrida e humilhada.

Sei que andas maltratada, Sei que estás devasta, Mas me perdoe de uma vez.

O homem a cada dia mais te mata,

Mas se ergueres mesmo de justiça, Verás que teus filhos morrem na luta, No braço forte e injusto da labuta, Perante o mar e a luz do céu profundo. És belo, és forte, impávido osso Roído pelos cães: entre outros mil.

Pobre pátria servil, amada e sonolenta...

Brasil!

Por favor, Mãe, não me bata, Sou humano e isso fui eu quem fez.

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POESIAS SUBMETIDAS

Procura

Eu flerto com a noite pois o sol me lembra adeus

Pedro Andrade

Daniel Jonathan

Parei para ver a garota que passava falavam de uma garota com uma pedra uma pedra que me ajudariam a encontrá-la quando encontrei a garota disse que iria me mostrar a pedra a Pedra só se eu ficasse lá, lá na hora qual a pedra sobe e é o luar quase já podia ver uma gota o piscar ou aurora da garota que chegaria com a pedra (só me mostraria se eu ficasse ali, parado, e não fosse embora na hora) na hora eu estava lá e ela ria, ria, ria, eu não via – quando vi? – a pedra que eu queria encontrar era ela a pedra, naquele lugar, era ela: a pedra sempre esteve lá.

Flerto com a noite Essa que abraça como nenhuma outra o fez Espero ansiosamente O por do sol, o frio que toma conta Desejo chuva, minha amante Não entenda mal O sol também é Deus Mas ele me lembra adeus Adeus que eu tive que dar A Deus, o destino tive que entregar Contemplo a luz A sedução no fim do tunel Mas é no escuro onde me encontro É o que faz sentido A luz vem mas nos deixa Então o escuro, o frio Ah, esse é presente melhor amigo Eu flerto com a noite pois o sol me lembra adeus

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POESIAS SUBMETIDAS

Você é arte Vítor Lima Você é a escultura que Michelangelo não fez, A pintura que Van Gogh não pintou, A música que Beethoven não escreveu, O poema que Shakespeare não recitou.

Como a arte, Você é incompreensível se observada superficialmente, Mas extraordinária quando se é sentida verdadeiramente.

Para poucos Vitor Lima Como explicar o sentimento de um pintor ao terminar o seu melhor quadro?

Como explicar o sentimento de um escultor após terminar sua mais perfeita obra?

Como explicar a sensação de um maestro ao ouvir seu próprio conjunto de notas, que ele se dispôs a criar?

Como explicar a sensação de um poeta ao recitar seu mais belo poema?

Desse mesmo jeito é o amor. Você não pode simplesmente observá-lo em outras pessoas, filmes ou livros na esperança de entender o que ele é de fato. É necessário sentir na pele, experimentar cada sensação que ele nos proporciona em cada momento da forma mais singular. Quando você tiver realmente sentido o amor, palavras não lhe serão suficientes para explicá-lo.

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Contos e CrĂ´nicas

CONTOS E CRÔNICAS

Mãe de um poema Istárlet de Melo

forma sutil que ele chegou vivo aqui. Quando vi sua feição, fiquei comovida, chorosa, mais sensível a coisas verdadeiramente belas.

Eu quis logo pegá-lo nos braços, claro, aninhei-o! Lia-o horas e horas, a fim de ver cada detalhezinho, cada coisinha tão sua e tão minha. Sorveu meu leite. O alimentei mais ainda, eram horas a fio dando a ele interpretações diversas, comparações, releituras, reinterpretações... Ah, é mesmo um milagre!

Mãe, eu o pegava nos braços, ninava-o.

Agora tá aí, solto no mundo, independente de mim... o querem, e ele, a todos! Cresceu, evoluiu, libertou-se!

E foi assim, mãe, que fui mãe de um poema.

Olha mãe, vem ver o que eu fiz: Eu fiz um poema! Sim, um poema! Ele se gerou calmo, nas horas de um dia tranquilo... senti seus impulsos, o bater do coraçãozinho aqui dentro. Nem precisou de ultrassom pra saber se era um poema. Era sim, em suas vestes temperamentais. Era ele vivo, infantil no brincar das palavras... eu sabia! Também não precisou de ultrassom pra saber qual sexo, não tinha gênero definido e eu já sabia disso.

E sua forma... coisa mais linda! O gerei durante uns meses, mas também não nasceu prematuro, já sabia a hora certa de seu nascimento perfeito. Ele cresceu! Como era grande... quando estava cá dentro, em formação, eu não me dava conta dessa sua grandeza. Às vezes, de noite, quando seu pé me dava uns empurrõezinhos, eu sabia de sua força, sabia de sua vontade de nascer.

Me alimentava muito bem para que nascesse saudável, várias horas de infindáveis leituras!

Cada palavra ia sendo por ele absorvida, ele estava se nutrindo. Como é bonito!

Nunca pensei em trazer tanta beleza pra esse mundo. E na hora do parto? Momento sofrido... eu fazia força pra que aquilo acabasse logo, pra que ele viesse logo, mas ele era relutante, só ele sabia a hora certa de chegar, de vir, e com mais calma, percebi isso, aí deixe-me ao sabor de sua presentificação aqui em cada instante. Era mesmo o atravessar de outra dimensão, ele vinha delicado... percebi que não adiantava forçar nada, nem chorar a dor de o querer logo fora de mim, estava mais intrínseco que tudo! Foi dessa 52

CONTOS E CRÔNICAS

O vôo de Ethan Emanuelle Alves

A transformação sempre acontecia ao meio dia, porque era o momento em que o sol entrava no ponto mais quente do ano, e o calor faria as asas se esticarem e crescerem até um certo ponto, e naquele dia seria o último. Ethan não sabia dizer exatamente o que sentia.

Quando enfim chegou o momento, Ethan, posicionado, fechou os olhos e esperou.

Primeiro, as asas foram ganhando um peso muito maior do que carregava antes, e ele não conseguia imaginar até onde elas iriam. Assim que abriu os olhos para olhá-las, chorou. Cada ponto das asas era belo, a textura, o balançar.

Acabado o momento do sol, e a finalização da obra, ele emocionado, começou a treinar o balanço do peso novo, e a mirar o ponto de chegada na imensidão a fora. Ao colocar os pés perto do abismo entre o chão e o céu, sentiu a tensão quando viu o ponto escuro imenso que o esperava embaixo se caísse. Fechou os olhos, inspirou, expirou e saltou. “Todo voo é complicado, filho, encontre um horizonte e o alcance. Sei que vai conseguir”, as palavras do seu pai ecoaram nele. Procurou um lugar de vida no céu azul, procurou, procurou e encontrou um pedacinho de nuvem que parecia uma asa em seu formato, e soube mais do que nunca que era esse o lugar da sua vida. Fez o maior impulso que conseguiu e voou para aquela asa de algodão, bateu suas asas contra o vento e se lançou para aquele que seria o ponto final de seu ciclo.

Ethan acordou de madrugada, e, naquela noite, o ponto de luz na saída da caverna brilhava incessantemente. Aquela luz inundou a escuridão da caverna, o que o fez direcionar seu espírito aflito para aquela paz, na qual ele ficou admirando aquilo que sempre desejou alcançar: o ponto mais alto da liberdade.

Estava perto do décimo quinto dia de seu nome, o dia que o seu ciclo seria completo. Nesse dia, as suas asas ficariam no seu ponto perfeito, na medida exata, assim como acontecera com seu pai. Todo ano, nesse dia, as asas dos “diferentes” cresciam. Começavam a crescer a partir do terceiro dia do seu nome, com um pequeno ponto nos dois lados das costas e um curto vestígio de plumas. Ethan havia desenhado suas asas em seus tamanhos diferentes durante a infância na parede da caverna, no ponto claro que o sol fazia todas as tardes, para comparar os comprimentos. A cada ano elas ficavam maiores, mais fortes, e Ethan ficava mais perto do ponto de partida para a imensidão fora da caverna.

Os “diferentes” eram seres separados da raça humana. “A humanidade nunca gostou do desconhecido”, dizia seu pai quando ele perguntava por que moravam na escuridão. Ele já havia se conformado com a sua realidade, não desejava mudar o exílio injusto dos diferentes, mas apenas alcançar a ação própria deles. Seu pai havia voado da caverna há alguns dias, na caça de mais alimentos para os próximos tempos, e provavelmente não veria o momento especial de Ethan: o seu primeiro voo. Portanto, quando Ethan voltou a dormir naquela madrugada, na véspera do grande dia, só sonhou com o ponto almejado que iria transpassar.

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CONTOS E CRÔNICAS

Reticências Zentrix

‘atividades’ não são permitidas aqui!”, por sorte não os demitiu nem contou para os outros do envolvimento, mas pediu que aquilo não se repetisse ( e de fato não repetiram) e ambos passaram a agir de forma mais discreta, só após o expediente e o mais longe da empresa o possível.

Os dias foram se passando da mesma forma: monótona e demorada, porém tinham os consolos dos finais de semana/feriados, com cinema ou passeios no parque, enquanto ela lia algum romance no colo dele, recebendo carinho nos cabelos, ainda curtos, pelo menos era assim que ele costumava se lembrar...

Vinham caminhando pela calçada de mãos dadas, ela tinha se queixado do calor por duas vezes, já ele não ligava muito; virando a esquina soltaram as mãos, tudo ainda estava muito recentee não queriam revelaraos colegas do trabalho sobre o relacionamento, mesmo porque as pessoas ao redos sabiam dos respectivos envolvimentos anteriores.

Ao entrarem, a colega Tânya foi perguntando “chegaram juntos?” com aquele olhar que misturava certa malicia e curiosidade, mas foi respondida com um “nos encontramos no portão” dela e um “ foi por acaso” dele, sempre mais enrolado pra disfarçar, mais reclamações sobre o calor e “bom trabalho pra vocês”. O dia se arrastava devagar, quando ele ouviu a porta batendo: “entre” e lá estava ela, radiante como sempre, entrou e se sentou no birô dele, perguntou levemente “tá ocupado?” e meio segundo depois estavam envolvidos em um beijo; ela tocava seu abdômen, não para o empurar mas sim para “procurar” uma das muitas tatuagens no corpo, enquanto ele passava a mão em sua nuca, agora nua, ainda estranhando um pouco o recente corte de cabelo, além da volta de ruivo pra preto natural, ficaram nesse estado por cerca de um minuto, quando ela soltou um “nossa!” e ele respondeu com “ não consigo parar”, e retornaram a beijar, tão intensamente quanto o primeiro... até que sem aviso o supervisor entrou na sala,totalmente desavisado e flagrou os dois funcionários que, no susto, se afastaram e ficaram de cabeças baixas...

O supervisor os questionara “ e se fosse outro funcionário?”, seguido de “tais 54

Colagem por: Joseildo H. Conceição

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Esta revista, com fotografias de Ivson Laurenço e colagens de Joseildo H. Conceição, foi produzida com o apoio da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda, Olinda/PE, em novembro de 2019 por alunos do curso de Letras.

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