No ponto cego sheyla smanioto são paulo

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Voyeurismo e barbárie Embora o vocábulo voyeurismo consista, em sua primeira acepção, na prática da observação sistemática da vida íntima de outros, o fato é que hoje sua utilização pode ser indiscriminadamente aplicada tanto aos aparelhos celulares e webcams quanto às câmeras de vigilância empregadas em espaços públicos. Tal fenômeno decorre da cada vez mais acelerada indeterminação entre vida pública e privada, que, em um contexto de sociedade disciplinar, também se converte, graças à proliferação do uso e da fruição de imagens, em uma sociedade do espetáculo. Em No ponto cego, texto da paulista Sheyla Cristina Smanioto, a atividade de vigilância por meio de câmeras é o motor da ação. Como explica Paraíba, “O trampo é basicamente esse: assistir essa TV sem graça”. À exceção da rápida entrada do guarda Pereira, Paraíba e Nilsão são protagonistas absolutos de um texto, cuja eficácia dramática é obtida quase que inteiramente das reações desses personagens frente às imagens vistas no monitor da TV. Afinal, emulando ironicamente os grandes dramas de uma nação que se vê – e se reconhece – no monitor dos televisores, os protagonistas de No ponto cego pouco se diferenciam dos inúmeros espectadores que se extasiam com a teledramaturgia brasileira. Na cena em questão, que se desenvolve ao longo de um único ato, tem-se o treinamento de um funcionário convocado a substituir aquele que resolveu largar o seu posto logo na véspera de um clássico de futebol. Todo

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