Artigo 22 final layout 1

Page 1

Winicius Wentura Silva Souza* Ativismo JudiciAl: A efetividAde dAs normAs constitucionAis no estAdo contemporâneo JUDiCial aCtiviSm: the effeCtiveneSS Of COnStitUtiOnal nOrmS in the mODern State aCtiviSmO JUDiCial: la efiCaCia De laS nOrmaS COnStitUCiOnaleS en el eStaDO mODernO

Resumo: O trabalho procura demonstrar os contornos da atual discussão a respeito do ativismo judicial, principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Expõe o desenvolvimento do constitucionalismo ao longo da história até se chegar ao neoconstitucionalismo, demonstrando o seu papel na consolidação de Estados Democráticos, como o Brasil, além de explanações sobre características e importância do princípio da separação dos poderes. É realizada também uma relação entre a efetividade das normas constitucionais e o ativismo judicial. E, por fim, os problemas que alguns estudiosos enxergam nessa postura proativa do Poder Judiciário. Por meio da pesquisa realizada, buscou-se elucidar ao leitor os principais pontos desse tema tão controverso, seguindo a ideia de que o ativismo judicial traz diversas vantagens à democracia. Abstract: The work aims to show the contours of the current debate about judicial activism, especially in the context of the Supreme Court. Exposes the development of constitutionalism throughout history until reaching the neoconstitutionalism, demonstrating its role in consolidating democratic states, such as Brazil, plus explanations of features and importance of the principle of separation of powers. It also held a relationship between the effectiveness of constitutional norms and judicial activism. And finally, the problems that some scholars see this proactive stance of the Judiciary. Through the survey, we *

Graduado em Direito pela PUC-GO.

133


sought to elucidate the reader the main points of this issue so controversial, following the idea that judicial activism brings several advantages to democracy. Resumen: El trabajo tiene como objetivo mostrar los contornos del debate actual sobre el activismo judicial, especialmente en el contexto de la Corte Suprema. Expone el desarrollo del constitucionalismo a lo largo de la historia hasta llegar al neoconstitucionalismo, lo que demuestra su papel en la consolidación de los estados democráticos, como Brasil, además de las explicaciones de las características y de la importancia del principio de separación de poderes. También llevó a cabo una relación entre la eficacia de las normas constitucionales y el activismo judicial. Y, por último, los problemas que algunos estudiosos ven en esta postura proactiva del Poder Judicial. A través de la encuesta, hemos tratado de dilucidar el lector de los principales puntos de este tema tan controvertido, a raíz de la idea de que el activismo judicial trae varias ventajas a la democracia. Palavras-chaves: Direito constitucional, neoconstitucionalismo, separação de poderes, efetividade das normas constitucionais. Keywords: Constitutional law, neoconstitutionalism, separation of powers, effectiveness of constitutional norms. Palabras clave: Derecho constitucional, neoconstitucionalismo, separación de poderes, la eficacia de las normas constitucionales.

134


introduÇÃo O presente trabalho se presta a tecer considerações a respeito do ativismo judicial e de sua influência na efetividade das normas constitucionais, mais especificamente no Brasil, com a atuação do Supremo tribunal federal. O interesse em discorrer a respeito de tal tema surgiu da observação dos diversos casos polêmicos julgados pela Corte nos últimos anos. em tais casos, o que se percebeu foi uma mudança de postura na jurisprudência, saindo de uma autocontenção para um ativismo judicial. O Supremo tribunal federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no artigo 102 da Constituição federal. Possui diversas atribuições, como a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição. e ainda, em grau de recurso, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção. embora o Brasil seja um país de raízes positivistas, esses institutos excetuam esse paradigma e conferem força de lei a decisões do Poder Judiciário. atualmente, o Poder Judiciário vem sofrendo duras críticas com relação à sua crescente mobilização em proferir decisões com força normativa, o que suplementa a ausência da norma legal, mas que por outro lado, interfere na alçada do Poder legislativo. O objetivo deste artigo é desenvolver estudos referentes à atuação do Supremo tribunal federal no atual cenário democrático brasileiro, levando-se em conta a evolução histórica do constitucionalismo, o surgimento do neoconstitucionalismo no estado contemporâneo, e a relação do princípio da separação dos poderes com a manutenção da democracia. Pretende-se, ainda, avaliar a efetividade das normas constitucionais, bem como as críticas ao ativismo judicial.

135


o constitucionAlismo ao longo de toda a história, o ser humano sempre buscou se organizar em sociedade. Seja pelo instinto comum de sobrevivência, seja pela racionalidade peculiar à espécie, o fato é que, concomitantemente à necessidade de viver em grupo, surgia também a necessidade, indubitavelmente instintiva, de que algum daqueles membros deveria conduzir os caminhos a serem trilhados por todos os outros. Dessa forma, o homem pré-histórico se fortalecia amparado pelo grupo e as chances de sobrevivência aumentavam consideravelmente, haja vista ser esse o bem comum visado por aquela sociedade primitiva. Graças a essa vida em grupo, aos poucos o ser humano galgou avanços no modo de se comunicar, nas técnicas de subsistência, bem como na própria forma de se organizar. a evolução no modo de organização da sociedade deu origem ao estado, sendo a monarquia uma das suas primeiras formas de governo, na qual apenas um homem detinha o poder de reger e coordenar as regras norteadoras da sociedade. não obstante as vantagens asseguradas aos administrados, tal modelo logo se mostraria insustentável. isso porque as várias brechas desse modelo de governo existentes no começo da história deram ensejo a uma forma de poder não fundamentada no Direito, a tirania, que não levava em conta o interesse geral, tampouco o bem comum. Diante desse contexto, para conter as arbitrariedades experimentadas pelo homem, surge o constitucionalismo, que, num primeiro momento, trata-se, conforme ensina lenza (apud tavareS, 2012, p. 56), de uma referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas, destinado principalmente a limitar esse poder arbitrário do monarca. até aqui, o constitucionalismo mostrava uma face basicamente liberal. Preocupava-se apenas, e tão somente, com aquilo que o estado “não” deveria fazer, numa referência aos direitos de liberdade, de propriedade, etc. Posteriormente a essa primeira acepção, Canotilho (2008, p. 52) visualiza o constitucionalismo moderno como sendo uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos, mais especificamente como 136


[...] o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século Xviii, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político.

Para Bulos (2010, p. 64), o termo constitucionalismo pode ser dividido: em sentido amplo, que diz respeito ao fato de “todo estado possuir uma constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado ou do perfil jurídico que se lhe pretenda irrogar”; e em sentido estrito, que remete à técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século Xviii, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus direitos e garantias fundamentais, sem que o estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio.

Dessa forma, extrai-se que a principal finalidade do constitucionalismo foi estabelecer, positivamente, uma forma de delimitar a atuação do Poder Público, assegurando direitos aos, agora, cidadãos, e impondo, no plano político, o exercício do “governo das leis e não dos homens”. neoconstitucionalismo não obstante o triunfo do constitucionalismo como limitador do poder estatal, um novo quadro passou a se afigurar. a partir do início do século XXi, principalmente após a Segunda Guerra mundial e a era do positivismo jurídico, percebeu-se que o constitucionalismo por si só era incapaz de coibir o surgimento de regimes totalitários e, consequentemente, evitar violações a direitos fundamentais. a busca por uma maior eficácia da Constituição se tornou o foco principal do movimento constitucional e, a partir daí, tem-se então o que a doutrina convencionou chamar de neoconstitucionalismo. Conforme ensina moraes (2010, p. 310), hodiernamente, a limitação do poder político é implementada, dentre outros mecanismos, pela afirmação dos direitos fundamentais e do

137


controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, bem assim pela operacionalização do federalismo e dos freios e contrapesos.

lenza (2012, p. 62) ensina que, dentro dessa nova realidade, o texto constitucional deixa de ter um caráter meramente retórico e passa a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais. O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um estado Democrático Social de Direito. (idem, ibidem)

Os aspectos mais marcantes desse novo constitucionalismo, na visão de mendes (2010, p. 127), são: “a) mais Constituição do que leis; b) mais juízes do que legisladores; c) mais princípios do que regras; d) mais ponderação do que subsunção; e) mais concretização do que interpretação”. Já para Barroso (2005, p. 5), o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.

entretanto, é importante salientar que essa visão a respeito do neoconstitucionalismo como sendo um movimento totalmente inovador no âmbito do Direito Constitucional não é unânime. Bulos (2010, p. 80) considera o neoconstitucionalismo como “a evolução de certos aspectos provenientes da cultura 138


constitucional contemporânea. É, portanto, o constitucionalismo contemporâneo com outro nome”. em que pese a sua postura contrária à doutrina majoritária, o referido autor aponta em seu estudo uma série de características do neoconstitucionalismo, as quais ele defende pertencerem ao constitucionalismo contemporâneo: (i) equivale a uma nova teoria do Direito Constitucional; (ii) promoveu a decodificação do Direito, cujos ramos saíram da órbita infraconstitucional, passando para o campo constitucional; (iii) inaugura um novo período da hermenêutica constitucional; (iv) reflete a pujança da força normativa da Constituição; (v) corresponde a uma nova ideologia ou método de análise do Direito; (vi) retrata o advento de um novo sistema jurídico e político; (vii) inaugura um novo modelo de estado de Direito; e (viii) reúne novos valores que se prenunciam vigorosamente. (BUlOS, 2010, p. 80)

Dessa forma, ainda que presentes as controvérsias doutrinárias a respeito da configuração de uma nova espécie de constitucionalismo, mostra-se lídimo o caráter inovador desta atual etapa de interpretação das normas constitucionais. após a efetivação dessa nova realidade constitucional, ficou mais que evidente a considerável ampliação da jurisdição constitucional, trazendo para o bojo do texto constitucional temas até então dissociados em leis esparsas, bem como direitos e garantias fundamentais aos cidadãos. Juntamente com esses novos princípios materiais, outros, de natureza instrumental, ganharam forma, tais como o da supremacia da Constituição, da efetividade das normas, da interpretação conforme a Constituição, etc. A atual separação de poderes Conforme exposto, a principal proposta do constitucionalismo foi limitar o poder político do governo pelas mãos dos governados. Com esse propósito foram criados diversos mecanismos, dentre eles a teoria dos freios e contrapesos. Sobre esse ponto, ramos (2010, p. 111) sintetiza de forma interessante ao dizer que “dado o êxito do constitucionalismo, esse estado submetido ao direito 139


se tornou sinônimo de estado constitucional, em que uma das peçaschave, inquestionavelmente, é o princípio da separação dos Poderes”. essa teoria foi esboçada pela primeira vez por aristóteles, na obra Política, sendo posteriormente detalhada por John locke e rousseau. mas foi a partir de O espírito das leis, de montesquieu, que a técnica ganhou a feição clássica tal como a conhecemos. O estado, na lição de Silva (2010, p. 107), como grupo social que visa a ordenar as relações entre os indivíduos entre si, é dotado do chamado poder político, que por sua vez é uno, indivisível e indelegável. Diante disso, parece impróprio falar-se em divisão de poderes, uma vez que se caracteriza tão somente a mera divisão de “funções” do poder político. Se num primeiro momento a ideia de uma separação rígida das funções do estado representava a garantia de “proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um governante onipotente”, no Direito Constitucional Contemporâneo já se entende que essa fórmula, se interpretada com rigidez, torna-se inadequada para um estado que assumiu a missão de fornecer o bem-estar ao seu povo (mOraeS, 2011, p. 428). Para moraes (2010, p. 312), o sistema de freios e contrapesos provoca a limitação do poder político na medida em que estabelece a interpenetração das funções estatais e o controle recíproco entre o executivo, o legislativo e o Judiciário, com a finalidade de impedir potenciais excessos dos Poderes do estado, funcionando como condição de legitimidade do Governo. foi baseado nesse novo paradigma que a Constituição brasileira de 1988 adotou a expressão “poderes independentes e harmônicos entre si”, o que significa a colaboração e controle recíprocos, destinados a garantir que um “poder” não irá usurpar atribuições ou tentar dominar o outro. no presente estudo, a relação entre a separação de poderes e o ativismo judicial é bastante estreita. isso porque, como ensina ramos (2010, p. 116), ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo.

140


e continua, esclarecendo que o ativismo judicial implica a “descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes”. O chamado “ativismo judicial”, na visão de uma parcela considerável de operadores do Direito, representa uma ameaça a esse princípio tão caro à sociedade, tal qual a separação de poderes.

o Ativismo JudiciAl após a análise anterior, percebe-se que o estado contemporâneo, marcado pela presença do imponente neoconstitucionalismo, representa nada menos do que um triunfo daqueles primeiros movimentos tendentes a limitar o poder dos governantes e do próprio estado. Pode-se dizer que o marco inicial desse estado constitucional foi a condução do estado e da sociedade tendo como instrumento normativo maior a constituição federal. nos estados contemporâneos, ela se conforma como sendo analítica e repleta de princípios, os quais ganham respaldo a partir da distinção destes com as regras. Conforme ensina lenza (2012, p. 66), “o pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto”. e continua, “procura empreender uma leitura moral do Direito”. Ocorre que, numa visão geral, as constituições contemporâneas têm por objetivo conduzir sociedades complexas, as quais contam com diversos problemas em aberto, tais como o direito à vida, o acesso à saúde, à educação etc. Os princípios, em verdade, surgem dotados de generalidade, tratando-se de conceitos jurídicos indeterminados que ora aparecem no texto constitucional. É em virtude dessa amplitude de atribuições do estado e, paralelamente, do extenso rol de princípios, ambos positivados no texto constitucional, que começa a ganhar destaque o ativismo judicial.

141


origem e conceito a respeito do ativismo judicial, o primeiro ponto a chamar a atenção reside no fato de ele ter surgido antes mesmo do recente neoconstitucionalismo. Suas origens remetem à Suprema Corte dos estados Unidos, entre as décadas de 1950 e 1960. Barroso (2008, p. 7), ensina que “foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial e para a invalidação das leis sociais em geral”, até a inversão do quadro com a produção de uma “jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais”, citando diversos casos de destaque na época. O ativismo judicial, segundo Barroso (2009, p. 10), consiste numa “participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”. Somente haverá espaço para o ativismo judicial se houver o descumprimento, por parte de algum dos Poderes, de uma obrigação imposta constitucionalmente. É o oposto da chamada “autocontenção judicial”, onde o Judiciário procura abster-se de interferir nas ações dos outros Poderes. esses dois fenômenos distintos são peculiares aos países que adotaram, em suas estruturas judiciais, tribunais constitucionais ou supremas cortes competentes para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do poder público. essa postura proativa característica do ativismo judicial se dá principalmente no tocante às matérias que versam sobre políticas públicas, campo historicamente ignorado pela grande maioria dos governantes. ramos (apud KelSen, 2010, p. 119) atenta para a evolução ocorrida no âmbito da hermenêutica, em que “a aplicação do Direito é simultaneamente produção do Direito”, numa tentativa de caracterizar o ativismo judicial como sendo mera consequência do exercício jurisdicional. É importante salientar que o ativismo judicial não se confunde com o fenômeno da “judicialização”. este, conforme ensina Barroso (2008, p. 3), é uma circunstância decorrente do modelo constitucional adotado, no qual questões de grande repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, 142


e não um exercício deliberado de vontade política. no caso brasileiro, três grandes pontos são apontados como causas da judicialização, sendo elas: a redemocratização do país, com a Constituição de 1988; a constitucionalização abrangente dessa Carta, trazendo para seu bojo várias matérias antes manejadas apenas pelo legislador ordinário; e o híbrido sistema de controle de constitucionalidade, responsável pela análise de diversos temas importantes nos últimos anos. A efetividade das normas constitucionais Com o êxito do constitucionalismo e a consequente consagração do agora “estado constitucional”, a constituição passou a ter um valor diferente, dotada de um status de norma jurídica. O neoconstitucionalismo surge na busca por um sentido à constituição, nas palavras de lenza (2012, p. 84), “superando o seu caráter meramente retórico, encontrando mecanismos para a real e efetiva concretização de seus preceitos”. a exemplo dos princípios, todos os demais comandos presentes no texto constitucional representam os fins públicos a serem perseguidos pelo estado. no caso brasileiro, essa busca pela concretização das normas constitucionais encontra respaldo no “princípio da efetividade”. Segundo Silva (2010, p. 88), a efetividade é “a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados”, representando assim, a aproximação “entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”. Ou seja, no atual momento pós-positivo em que o país se encontra, as normas jurídicas são analisadas além dos tradicionais planos de existência, validade e eficácia, consagrados pela doutrina clássica. tais ponderações só ganham sentido porque, consoante doutrina majoritária, encabeçada por José afonso da Silva, as normas constitucionais, com relação à produção de seus efeitos jurídicos, podem ser classificadas em: normas constitucionais de eficácia plena, que produzem efeitos a partir da entrada em vigor da Constituição; normas constitucionais de eficácia contida, que têm os efeitos condicionados a certos limites impostos pelo legislador constituinte originário; e normas constitucionais de eficácia limitada, que necessitam 143


da atuação do legislador ordinário para normatizar a sua matéria, ficando, até lá, sem produzir seus efeitos. Dessa forma, é importante entender que, como ensinou Silva (2007, p. 27) ao dizer que “não há norma constitucional alguma destituída de eficácia”, existe tão somente uma medida de produção de seus efeitos jurídicos. o ativismo no stf Diante do atual contexto neoconstitucional brasileiro que busca a concretização de um estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário tem desempenhado papel importante nos últimos anos. Diversos são os casos de grande repercussão que demonstram que o Supremo tribunal federal, no intuito de garantir a efetividade das normas constitucionais, abandonou uma antiga postura de autocontenção judicial e optou pelo ativismo judicial. isso porque, nos primeiros anos da Constituição de 1988, o remédio constitucional destinado à supressão das eventuais omissões legislativas, qual seja, o mandado de injunção, não conseguia cumprir os fins a que era destinado. ao se deparar com a ausência de normatividade, o Stf apenas declarava a mora e comunicava a decisão ao legislativo, o que em nada adiantava para o detentor da pretensão, que iria continuar sem poder exercer o direito resguardado constitucionalmente. esse posicionamento de autocontenção derivou muito do respeito ao princípio da separação dos poderes, pelo qual a Corte entendia não ser possível interferir na esfera de competência daquele Poder. Confundia-se muito a ideia de proferir sentenças normativas, que acabariam por coibir a omissão e sanar o vício, com a atividade de legislar. após quase dezoito anos com esse mesmo posicionamento, uma mudança de entendimento, explicitada no julgamento do mi 283/Df, do mi 284/Df e do mi 232/rJ, começou a modificar os rumos da jurisprudência do Stf. essas três decisões representaram tentativas frustradas de conferir efeitos ao mandado de injunção, isso porque naquele momento elas ainda não possuíam a força normativa adotada posteriormente. 144


Barroso (2008, p. 8) sintetiza alguns precedentes de destaque associados a essa postura ativista, quais sejam: a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, como se passou em casos como o da imposição de fidelidade partidária e o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição, de que são exemplos as decisões referentes à verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; e c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador – como no precedente sobre greve no serviço público (mi 795/Df) ou sobre criação de município – como no de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as decisões sobre direito à saúde. em todos esses casos citados, a latente omissão do Poder legislativo contribuiu, e muito, para que o Stf saísse da sua tradicional linha de não interferência em questões pendentes de regulação legislativa e passasse, com o único intuito de garantir a efetividade de direitos fundamentais, a proferir decisões com caráter normativo. nesse sentido, lenza (2012, p. 1056) ressalta que, não se incentiva um Judiciário a funcionar como legislador positivo no caso da existência de lei, mas, havendo falta de lei e sendo a inércia desarrazoada, negligente e desidiosa, dentro dos limites das técnicas de controle das omissões, busca-se a efetivação dos direitos fundamentais, seja pelo mandado de injunção, seja pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

A problemática do ativismo não obstante as positivas ponderações elencadas até aqui sobre o ativismo judicial, principalmente aquelas tecidas a respeito de sua importância na efetividade das normas constitucionais nos 145


estados Democráticos de Direito, muitas são as críticas negativas a seu respeito. isso porque, conforme ensina ramos (2010, p. 116), ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes.

há ainda quem argumente que o sistema híbrido de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil favorece a expansão do fenômeno ativista. O simples fato de qualquer juiz poder declarar a inconstitucionalidade de uma lei é visto como uma grande ameaça à separação de poderes, uma vez que o intérprete da norma poderia, sob o escudo fundamentado de algum princípio constitucional, deixar de aplicar ao caso concreto uma lei plenamente válida e eficaz. nesse sentido, Bonavides (2009, p. 159) ressalta que, competiria pois a esse princípio desempenhar ainda, conforme entendem alguns de seus adeptos, missão moderadora contra os excessos desnecessários de poderes eventualmente usurpadores, como o das burocracias executivas, que por vezes atalham com seus vícios e erros a adequação social do poder político, do mesmo passo que denegam e oprimem os mais legítimos interesses da liberdade humana.

Barroso (2008, p. 10) aponta que “as críticas se concentram nos riscos para a legitimidade democrática, na politização indevida da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário”. Com relação à legitimidade democrática, a discussão reside no fato de não terem os membros do Judiciário sido eleitos pelo povo, o que daria ensejo a uma inobservância da vontade, democrática, da maioria. 146


tal situação é conhecida como “teoria da dificuldade contramajoritária”, que critica justamente a possibilidade de agentes públicos não investidos pela via eleitoral, invalidarem decisões daqueles que exercem mandato popular. essa teoria não possui bases muito sólidas, uma vez que a própria Constituição, expressão maior da democracia brasileira, resguarda ao Poder Judiciário papel importante no sistema de “freios e contrapesos” adotado. É evidente que, por se tratarem de seres humanos, juízes e tribunais não serão capazes de atuar de forma totalmente isenta de falhas. Barroso (2008, p. 11) é categórico ao afirmar que, na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, coparticipantes do processo de criação do Direito.

Outra crítica que merece destaque é a de que os juízes, ao serem investidos de tamanho poder de decisão, poderiam politizar a justiça e dar a ela contornos partidários, bem como atender a interesses de grupos mais influentes da sociedade. Dados os mais variados princípios que devem nortear as decisões dos magistrados e os meios de controle disponíveis no texto constitucional, vê-se que as suas atuações devem ser condizentes com a busca da paz social, respeitados os limites do caso concreto. Quanto à capacidade institucional do Poder Judiciário, há de se observar que em determinados casos, nos quais a complexidade da matéria em questão pode gerar impactos desastrosos para a sociedade, a ponderação e a cautela devem se fazer constantemente presentes nas decisões, sob pena de comprometer todo o organismo estatal. Como lembra Barroso (2008, p. 17), “ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em autolimitação espontânea, antes eleva do que diminui”.

147


conclusÃo O presente estudo partiu de uma análise a respeito do ativismo judicial e de sua influência na efetividade das normas constitucionais, mais especificamente no âmbito brasileiro, com a atuação do Supremo tribunal federal. Pretendeu-se, com este trabalho, desenvolver estudos referentes à atuação do Supremo tribunal federal no atual cenário democrático brasileiro, levando-se em conta a evolução histórica do constitucionalismo, o surgimento do neoconstitucionalismo no estado contemporâneo, e a relação do princípio da separação dos poderes com a manutenção da democracia. na oportunidade, também foi avaliada a importância do ativismo judicial com relação à efetividade das normas constitucionais, bem como as críticas existentes a respeito do fenômeno. a pesquisa mostrou que o constitucionalismo teve importância fundamental no modo de organização da sociedade, limitando o poder do estado e garantindo diversos direitos que antes inexistiam. Percebeu-se também que, com o advento do neoconstitucionalismo, o direito e a filosofia passaram a caminhar juntos, numa nova concepção da função que exercem os princípios perante as regras positivadas. nesse sentido, foram tecidas considerações a respeito do princípio da separação dos poderes, demonstrando que a sua interpretação hodierna difere, e necessita ser diferente, do modelo clássico proposto por montesquieu, haja vista a interdependência, a colaboração e o controle recíprocos entre as três esferas do Poder. ao adentrar no tema ativismo judicial, buscou-se compreender seu conceito e sua origem na Suprema Corte norte-americana. Por meio da pesquisa, ficou demonstrada a importância que esse fenômeno representa para se conferir efetividade às normas constitucionais, suprindo, assim, a ausência de meios para a concretização de direitos assegurados constitucionalmente. em última análise, abordou-se a atuação do Supremo tribunal federal durante a vigência da Constituição de 1988, que num primeiro momento defendia uma autocontenção judicial, abstendo-se de interferir em questões de cunho político, mas que depois de algum tempo resolveu adotar a postura proativa, conferindo efetividade ao 148


remédio constitucional do mandado de injunção. e, por fim, os problemas enxergados por alguns segmentos da sociedade com relação a essa mudança de postura, como os riscos para a legitimidade democrática, a politização indevida da justiça e os limites da capacidade institucional do Judiciário, restando explicitadas as razões pelas quais não prosperam tais argumentos. Diante de todas as considerações feitas, uma dúvida ganha corpo: sob qual aspecto deve-se enxergar a Constituição? Se ela deriva da expressa manifestação do Poder Constituinte Originário, deve-se afirmar que o texto contido em seu bojo nada mais representa senão a vontade do titular desse Poder, o povo. Dada a separação meramente funcional do Poder político, quando o Judiciário extrapola sua alçada natural de competência, pode-se dizer que é o povo, valendo-se de um dos órgãos a seu dispor, quem está buscando essa invasão de esferas para que se resguardem as disposições constitucionais. apesar de tal distinção se encontrar positivada na Carta magna, o Poder estatal é um só, não representando, o ativismo judicial, nenhuma forma de usurpação deste, garantindo, apenas, a sua mais concreta efetividade. O posicionamento adotado pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, ante o clamor da sociedade pela efetividade na garantia de seus direitos mais basilares, representa tão somente a assunção, por parte de alguns expoentes do poder popular, da responsabilidade que fora conferida ao Poder legislativo. embora não caiba, expressamente, ao Judiciário dispor a respeito de matérias que sequer se encontram regulamentadas pelo legislativo, é mais que evidente o caráter meramente excepcional do ativismo judicial, visto que, num estado Democrático de Direito, a única finalidade desse fenômeno é atingir o bem-estar social e garantir a efetividade dos direitos assegurados pela Constituição.

149


referÊnciAs BarrOSO, luís roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_ supremacia_judicial_11032010.pdf> acesso em: 14 jul. 2012. ______. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 453 p. ______. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> acesso em: 13 jul. 2012. ______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547/neoconstitucionalismo-econstitucionalizacao-do-direito> acesso em: 01 set. 2012. ______. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 2009. 410 p. Bittar, eduardo Carlos Bianca. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática da monografia para os cursos de Direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 285 p. BOnaviDeS, Paulo. Ciência política. 16. ed. São Paulo: malheiros, 2009. 550 p. ______. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. atual. São Paulo: malheiros, 2010. 835 p. BUlOS, Uadi lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. de acordo com a emenda Constitucional n. 64/2010. São 150


Paulo: Saraiva, 2010. 1653 p. CanOtilhO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional: e teoria da constituição. 7. ed. 6. reimpr. Coimbra: almedina, 2008. 1522 p. ferreira filhO, manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. 398 p. lenZa, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. 1312 p. menDeS, Gilmar ferreira; COelhO, inocêncio mártires; BranCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. 1616 p. mOraeS, alexandre de. Direito constitucional. 27. ed. rev. e atual. até a eC n. 67/10 e Súmu. São Paulo: atlas, 2011. 944 p. mOraeS, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: atlas, 2010. PaUla, Gil César Costa de. Metodologia da pesquisa científica. Goiânia: vieira, 2010. PaUlO, vicente; aleXanDrinO, marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 7. ed. niterói: método, 2011. 1085 p. ramOS, elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. 333 p. Silva, José afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 33. ed. rev. e atual. até a emenda Constitucional n. 62/2009. São Paulo: malheiros, 2010. 923 p.

151


152


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.