MULTIPARENTALIDADE E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: BREVES APONTAMENTOS À LUZ DA DOUTRINA CIVILISTA E DA

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Alexs Gonçalves Coelho Mestrando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense (ESMAT). Escrivão judicial e assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJ/TO).

Vinicius Pinheiro Marques Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado Profissional) em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

MULTIPARENTALIDADE E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: BREVES APONTAMENTOS À LUZ DA DOUTRINA CIVILISTA E DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA MULTIPARENTALITY AND SOCIO-AFFECTIVITY PATERNITY: BRIEF EXPLANATIONS IN THE LIGHT OF CIVILIST DOCTRINE AND BRAZILIAN JURISPRUDENCE MULTIPARENTALIDAD Y PATERNIDAD SOCIOAFECTIVA: BREVES APUNTES A LA LUZ DE LA DOCTRINA CIVILISTA Y DE LA JURISPRUDENCIA BRASILEÑA Resumo: Este trabalho tem o propósito de tecer breves considerações acerca da multiparentalidade e da paternidade socioafetiva, institutos jurídicos relativamente recentes que, em função do processo de constitucionalização do Direito Civil, ganharam enorme importância e têm sido objeto de abordagem por parte da doutrina civilista contemporânea e da jurisprudência pátria. Para tanto, são trazidos os conceitos de multiparentalidade e de paternidade socioafetiva fornecidos pela doutrina civilista. Além disso, neste trabalho, tais institutos jurídicos são estudos à luz de julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Este trabalho tem como base o método dedutivo, caracteriza-se por ser uma pesquisa de abordagem qualitativa, com finalidade exploratória e, para a sua consecução, se vale de pesquisa bibliográfica. Ao final, concluiu-se que multiparentalidade e, por consequência, a parentalidade socioafetiva são institutos jurídicos que, apesar de não encontrarem previsão legal expressa no ordenamento positivo brasileiro, estão consolidados na doutrina civilista e na jurisprudência que se formou em torno da matéria. Palavras-chave: Multiparentalidade, paternidade socioafetiva, afetividade. ALEXS GONçALVES COELHO / VINICIUS PINHEIRO MARqUES

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Abstract: This work has the purpose of elaborating brief considerations regarding multiparentality and socio-affective paternity, relatively recent juridical institutes that, from the process of constitutionalisation of Civil Law, have gained gigantic importance and have been subject to the approach of both contemporary civilist doctrine and homeland jurisprudence. As such, the concepts of multiparentality and of socio-affective paternity provided by civilist doctrine are rescued. Moreover, in this work, such legal institutes are studied in the light of adjudications promoted by the Superior Court of Justice and the Supreme Federal Court. This work has as foundation the deductive method, is characterized by being a research of qualitative approach, with exploratory finality and, for its attainment, utilizes bibliographical research. Lastly, it was concluded that multiparentality, and, by consequence, socioaffective paternity are juridical institutes that, despite not meeting legal prevision that is expressed on the brazilian's positive ordainment, are consolidated into the civilist doctrine and the jurisprudence that has formed revolving the matter. Keywords: Multiparentality, socio-affective paternity, affectivity.

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Resumen: Este trabajo tiene el propósito de tejer breves consideraciones acerca de la multiparentalidad y de la paternidad socioafectiva, institutos jurídicos relativamente recientes que, en función del proceso de constitucionalización del Derecho Civil, ganarom enorme importancia y han sido objeto de abordaje por parte de la doctrina civilista contameporánea y de la jurisprudencia patria. Como tal, se traen los conceptos de multiparentalidad y de paternidad socioafectiva suministrados por la doctrina civilista. Además, en este trabajo, tales institutos jurídicos son estudiados a la luz de juzgados del Superior Tribunal de Justicia y del Supremo Tribunal Federal. Ese trabajo se basa en el método deductivo, se caracteriza por ser una búsqueda de abordaje cualitativo, con finalidad exploratoria y, para su consecución, se vale de búsqueda bibliográfica. Al final, se concluyó que multiparentalidad y, por consiguiente, la paternidad socioafectiva son institutos jurídicos que, a pesar de no encontrarem previsión legal expresa en el ordenamiento positivo brasileño, están consolidadas en la doctrina civilista y en la jurisprudencia que se formó en la materia. Palabras clave: Multiparentalidad, paternidad socioafectiva, afectividad.

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INTRODUÇÃO O direito de família brasileiro (ou “direito das famílias”, como preferem alguns civilistas) passou por significativas transformações ao longo do século XX. Dentre essas mudanças, pode-se citar o surgimento de novas modalidades de entidades familiares, em contraposição à forma tradicionalista de família até então vigente e caracterizada pelo casamento civil entre homem e mulher. A Constituição Federal (CF) atualmente vigente, promulgada no ano de 1988, é um marco divisor no ordenamento jurídico, no que diz respeito à proteção dos direitos das famílias contemporâneas, sobretudo porque codificou valores já sedimentados e que até então não eram expressamente previstos no ordenamento positivo brasileiro. Ademais, o novo texto constitucional reconheceu a evolução pela qual passou a sociedade brasileira ao longo do século XX no campo das relações familiares ao proteger as mais diversas formas de entidades familiares (todas elas marcadas pelos laços de afeto), em manifesta contraposição ao supracitado modelo tradicionalista de família até então vigente e que era regulamentado pelo Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916). Dentre essas inovações no direito de família brasileiro, pode-se citar a multiparentalidade, caracterizada pela coexistência de mais de um pai ou de uma mãe e a parentalidade socioafetiva, que ocorre quando a maternidade e/ou a paternidade se dá pelo vínculo afetivo, e não pelo biológico. Diante desse cenário, este trabalho aborda, em linhas gerais e à luz da doutrina civilista e da jurisprudência pátria, os institutos jurídicos da multiparentalidade e da paternidade socioafetiva. No primeiro item, são tecidas considerações acerca da evolução do conceito de “família”, notadamente ao longo do século XX e após o advento da CF de 1988. No segundo item, são trazidos os conceitos de multiparentalidade e de paternidade socioafetiva fornecidos pela doutrina civilista, bem como é abordada a posse de estado de filho, condição esta imprescindível para a comprovação da paternidade socioafetiva. No mesmo item, é tratado do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à multiparentalidade e quanto à paternidade socioafetiva, bem como é apontada a ação judicial cabível para a discussão da paternidade socioafetiva. Este trabalho é desvestido do pretensioso propósito de esgotar o estudo do assunto analisado. Pelo contrário: tem o desiderato de trazer breves apontamentos sobre tão relevantes institutos jurídicos do Direito Civil contemporâneo. Por fim, registre-se que este trabalho tem como base o método dedutivo e, para a sua consecução, se vale de pesquisa exploratória (bibliográfica).

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A FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE E NA CF DE 1988 Nos últimos tempos, notadamente a partir do início do século XX, o conceito de família sofreu uma evolução substancial e passou a ser compreendido em sentido amplo, tendo em vista que saiu do conceito tradicional, iniciado com o casamento civil entre homem e mulher, para outras modalidades, algumas delas caracterizadas pela informalidade. Por exemplo, a união estável (casal que convive sem qualquer formalidade), família monoparental (quando apenas um dos pais arca com as responsabilidades de criar os filhos), família anaparental (unida por algum parentesco, porém sem a presença dos pais) e família homoafetiva (constituída por pessoas do mesmo sexo e que são unidas por laços afetivos). A partir do século XX, a característica comum que passou a prevalecer tanto nas famílias tradicionais quanto nas novas entidades familiares é a união de indivíduos pelos laços afetivos ou pela afetividade, e não mais somente pela consanguinidade. Wambier (1993, p. 83) leciona que: A cara da família moderna mudou. O seu principal papel, a que nos parece é de dar suporte emocional ao indivíduo foi substituída por um grupo menor, em que há flexibilidade e eventual intercambialidade de papéis e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos.

Da mesma forma, Pereira (2011, p. 193) destaca que:

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A família hoje não tem mais seus alicerces na dependência econômica, mas muito mais na cumplicidade e na solidariedade mútua e no afeto existente entre seus membros. O ambiente familiar tornou-se um centro de realização pessoal, tendo a família essa função em detrimento dos antigos papéis econômico, político, religioso e procriacional anteriormente desempenhados pela “instituição”.

Pereira (2011, p. 194) pontua que, na atualidade, sequer é possível falar em família sem a coexistência do afeto: Sem afeto não se pode dizer que há família. Ou, onde falta o afeto a família é uma desordem, ou mesmo uma desestrutura. é o “afeto que conjuga”. E assim, o afeto ganhou status de valor jurídico e, consequentemente, logo foi elevado à categoria de princípio como resultado de uma construção histórica em que o discurso psicanalítico é um dos principais responsáveis, vez que o desejo e amor começam a ser vistos e considerados como verdadeiro sustento do laço conjugal e da família.

Uma das principais características da afetividade que deve permear as relações familiares é o cuidado que um indivíduo de determinada entidade familiar tem com o outro, tanto em casa quanto perante a sociedade. A propósito, conforme leciona Boff (1995, p. 35): [o cuidado] representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestruturase, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana.

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No campo do direito de família, a afetividade assumiu tamanha relevância que alcançou o status de “princípio”. Nesse sentido, Calderon (2011, n. p.) pontua que: Parece possível sustentar que o Direito deve laborar com a afetividade e que sua atual consistência indica que se constitui em princípio no sistema jurídico brasileiro. A solidificação da afetividade nas relações sociais é forte indicativo de que a análise jurídica não pode restar alheia a este relevante aspecto dos relacionamentos. A afetividade é um dos princípios do direito de família brasileiro, implícito na Constituição, explícito e implícito no Código Civil e nas diversas outras regras do ordenamento.

A CF é um marco importante na proteção dos direitos das famílias contemporâneas, notadamente porque codificou valores já sedimentados e que não eram expressamente previstos no ordenamento positivo, além de reconhecer a evolução pela qual passou a sociedade brasileira ao longo do século XX no campo das relações familiares, com a instituição de diferentes entidades familiares (todas elas marcadas pelos laços de afeto), em manifesta contraposição ao modelo tradicionalista até então vigente e que era previsto no Código Civil de 1916. Nesse sentido, Rocha (2009, p. 1) discorre que: No Brasil, embora os novos princípios tenham ganhado espaço, paulatinamente, durante todo o século XX, a Constituição da República de 1988 é o marco dessas transformações, por ter consagrado a igualdade dos cônjuges e a dos filhos, a primazia dos interesses da criança e do adolescente, além de ter reconhecido, expressamente, formas de famílias não fundadas no casamento, às quais estendeu a proteção do Estado.

Diante desse panorama, é evidente a importância do afeto para o direito brasileiro, em específico para o direito de família, tendo em vista que as relações familiares transcenderam, ao longo do século XX, do modelo tradicional (patriarcal) para a formação de novas entidades familiares, cuja principal característica é a existência de laços afetivos entre seus integrantes. MULTIPARENTALIDADE E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA O pluralismo das formas de família, surgido notadamente em razão do fortalecimento da afetividade como laço de união entre indivíduos, permitiu o surgimento de uma nova figura jurídica, qual seja, a da “multiparentalidade” ou “pluriparentalidade”, compreendida como sendo a possibilidade de coexistência de mais de um vínculo parental materno e/ou paterno. Vale dizer, o indivíduo passa a ter mais de um pai e/ou de uma mãe. Nesse sentido, Pereira (2015, p. 307) assim conceitua a “família multiparental”: é a família que tem múltiplos pais/mães, isto é, mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Geralmente, a multiparentalidade se dá em razão de constituições de novos vínculos conjugais, em que padrastos e madrastas assumem e exercem as funções de pais biológicos e/ou registrais, ou em substituição a eles e também em casos de inseminação artificial com material genético de terceiros. é o mesmo que família pluriparental.

Como visto, a multiparentalidade pressupõe a existência de mais de um pai e/ou de uma mãe, sendo um deles (pai ou mãe) biológico e o/a outro/a socioafetivo/a.

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A partir daí é que surge a figura da “parentalidade socioafetiva”, gênero do qual são espécies a paternidade e a maternidade socioafetivas. A propósito, Cassettari (2017, p. 10) leciona que “parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas”. A paternidade socioafetiva (cujo estudo é o que efetivamente interessa nesta oportunidade), modalidade que é de parentalidade socioafetiva, não encontra previsão legal expressa e, portanto, trata-se de construção jurisprudencial e doutrinária relativamente recente. Entretanto, apesar de a paternidade socioafetiva não encontrar previsão legal, temse admitido a aplicação, a referido instituto jurídico, de forma analógica, da legislação civil, no que forem cabíveis as regras que orientam a filiação biológica. é plenamente possível o reconhecimento de paternidade em razão do vínculo afetivo que as partes possam ter desenvolvido entre si. Evidentemente, a convivência leva ao surgimento da figura jurídica da “posse de estado de filho” (que será estudada em tópico próprio), com a consequente consolidação da paternidade socioafetiva, que pode prevalecer sobre o aspecto biológico.

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Acerca do tema, é pertinente trazer à colação as lições dos civilistas Farias e Rosenvald (2013, p. 691): A filiação socioafetiva não está lastreada no nascimento (fato biológico), mas em ato de vontade, cimentada, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em xeque, a um só tempo, a verdade biológica e as presunções jurídicas. Socioafetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de um tratamento em mão-dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas pessoas, de fato, são pai e filho. Apresentase, desse modo, o critério socioafetivo de determinação do estado de filho como um tempero ao império da genética, representando uma verdadeira desbiologização da filiação, fazendo com que o vínculo paterno-filial não esteja aprisionado somente na transmissão de gens.

Por seu turno, Carvalho (2012, p. 107) traz importantes considerações acerca da paternidade socioafetiva: A definição da paternidade e da maternidade leva em conta, igualmente, conceitos reveladores de um vínculo socioafetivo, construído na convivência familiar por atos de carinho e amor, olhares, cuidados, preocupações, responsabilidades, participações diárias. Investe-se no papel de mãe ou pai aquele que pretende, intimamente, sê-lo e age como tal: troca as fraldas, esquenta a mamadeira, dá-lhe de comer, brinca, joga bola com a criança, ensina andar de bicicleta, leva-a para a escola e para passear, cuida da lição, ensina, orienta, protege, preocupa-se quando ela está doente, leva ao médico, contribui para a sua formação e identidade pessoal e social.

A paternidade socioafetiva, por não ser contemplada expressamente na legislação civil brasileira, tem encontrado amparo em dispositivos de uma envergadura ainda maior, a exemplo dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da REVISTA DO MINISTéRIO PúBLICO DO ESTADO DE GOIáS


proteção da família pelo Estado (art. 226, CF) e do melhor interesse da criança e do adolescente (arts. 227, caput, CF). Destarte, a parentalidade socioafetiva consiste na filiação que parte do pressuposto afetivo, isto é, caracteriza-se pelo vínculo biológico, permeado pela afetividade, que deve ser evidenciada não só no ambiente familiar, mas também perante a sociedade. Evidentemente, não há uma fórmula específica que possa ser utilizada para a identificação do vínculo afetivo. Entretanto, há certos elementos que podem ser utilizados para chegar a tal conclusão, a exemplo do tempo de convívio familiar, afetividade, comportamentos e vontade de ser pai ou mesmo da figura jurídica da “posse de estado de filho”.

Da posse do estado de filho A posse de estado de filho é um dos fatos geradores da parentalidade socioafetiva. O conceito de tal instituto jurídico é bem fornecido por Boeira (1999, p. 60): A posse do estado de filho é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação diante de terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai.

Para Fujita (2009, p. 113), a posse de estado de filho: Se traduz pela demonstração diuturna e contínua da convivência harmoniosa dentro da comunidade familiar, pela conduta afetiva dos pais em relação ao filho e vice-versa, pelo exercício dos direitos e deveres inerentes ao poder familiar, visando ao resguardo, sustento, educação e assistência material e imaterial do filho.

Por sua vez, Fachin entende que “apresentando-se no universo dos fatos, a posse de estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade” (FACHIN, 1996, p. 70). A posse de estado de filho não encontra previsão expressa no ordenamento positivo brasileiro. Entretanto, considerando sua relevância enquanto fato gerador da paternidade socioafetiva, a tal instituto jurídico pode ser aplicado o disposto no art. 1.605, inciso II, do Código Civil vigente, que assim prevê: Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: […] II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos (BRASIL, 2002, p. 158).

O civilista Peluso (2013, p. 1.782) corrobora a ideia de que tal dispositivo legal também é aplicado à filiação socioafetiva: A primeira observação a ser feita é a de que a norma se refere a qualquer filiação – genética, socioafetiva, inseminação etc. –, não estabelecendo qualquer espécie de restrição. Desse modo, a prova da filiação pode resultar de uma situação fática, e não apenas do registro de nascimento.

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Para parte da doutrina civilista, capitaneada por Pontes de Miranda (1971, p. 46-47), a posse de estado de filho consiste no gozo do estado e da qualidade de filho e das prerrogativas que derivam de tal situação e que pode ser sintetizada em três palavras: nomen (nome); tractatus (trato) e reputatio (fama). A primeira expressão (nomen ou nome) exige que o indivíduo use o nome da pessoa a quem atribui a paternidade; a segunda (tractatus ou trato) preconiza que os pais (inclusive o socioafetivo) devem tratar o indivíduo como filho e, para tanto, lhe dedicarem educação, cuidados e meios de subsistência. Por fim, por “fama” (reputatio) entende-se como a situação em que a sociedade considera o indivíduo como filho do pai socioafetivo. Por outro lado, é importante lembrar que parte significativa da doutrina civilista, a exemplo de Cassettari (2017, p. 37), entende que, para a configuração da posse de estado de filho, é desnecessária a demonstração do requisito nomen/nome, sendo relevante tão somente o “trato” e a “fama”, uma vez que é costume que os filhos sejam reconhecidos por seu prenome, e não pelo nome de família (patronímico). A relevância da posse de estado de filho como elemento hábil à comprovação da paternidade socioafetiva é evidenciada a partir, dentre outros aspectos, do Enunciado n. 519 do Conselho da Justiça Federal (CJF), que assim dispõe: Enunciado 519/CJF. O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse de estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais.

120 Da mesma forma, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que reúne alguns dos mais proeminentes nomes da doutrina civilista brasileira contemporânea, aprovou, durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, dentre outros, o Enunciado n. 7, que dispõe que “a posse de estado de filho pode constituir a paternidade e maternidade”. Os tribunais brasileiros têm entendido que a posse de estado de filho é elemento apto a evidenciar a paternidade socioafetiva. A título de exemplo, confira-se o seguinte julgado extraído do acervo jurisprudencial da Terceira Turma do STJ, que bem exemplifica a questão: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE. DEMONSTRAçÃO. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. […] 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. 4. Não demonstrada a chamada posse do estado de filho, torna-se inviável a pretensão. 5. Recurso não provido. (BRASIL, 2011, n. p.).

Destarte, a posse de estado de filho constitui relevante instrumento para a comprovação, sob o aspecto fático, da paternidade socioafetiva, uma vez que, aliada à comprovada

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existência de fortes laços de afetividade, evidencia a relação de indivíduos que, apesar de não terem “laços de sangue”, tratam-se como se fossem pai e filho biológicos.

Entendimento do STF acerca da multiparentalidade e da paternidade socioafetiva O estudo da pluralidade de vínculos familiares, da multiparentalidade e da paternidade socioafetiva – institutos jurídicos esses já sedimentados na doutrina civilista – evoluiu significativamente com o reconhecimento jurídico, pelo STF e em sede de repercussão geral (tema 622), da plena possibilidade de coexistência, sem qualquer hierarquia, das paternidades biológica e socioafetiva. No julgamento do recurso extraordinário (RE) nº 898.060/SC, afetado sob a sistemática de repercussão geral, na forma do art. 102, § 3º, da CF, o Plenário do STF reconheceu a afetividade como juridicamente relevante para fins de comprovação da paternidade social (não biológica). Nesse sentido, por maioria e, nos termos do voto do relator (Ministro Luiz Fux), o Pleno do STF fixou a seguinte tese em repercussão geral (tema 622): A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (BRASIL, 2017, n. p.).

O acórdão do supracitado RE n. 898.060/SC recebeu a seguinte ementa: EMENTA: Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, CRFB). Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. (BRASIL, 2017, n. p.)

Diante desse cenário, o STF, no RE nº 898.060/SC, admitiu que o direito ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, à míngua de previsão legal infraconstitucional específica, decorre da aplicação do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, CF), do princípio da paternidade responsável (art. 227, § 6º, CF) e do direito à busca pela felicidade (inerente à dignidade da pessoa humana). O entendimento firmado pelo STF nesse RE veio sacramentar e corroborar os precedentes judiciais que já vinham surgindo no STJ e nos tribunais estaduais, além de confirmar o entendimento firmado pela doutrina civilista acerca da matéria.

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Ação judicial cabível para a pretensão de reconhecimento da paternidade socioafetiva A paternidade biológica é reconhecida, no âmbito jurídico, por meio da procedência da pretensão deduzida na “ação de investigação de paternidade”, geralmente movida pelo/a suposto/a filho/a em desfavor do pretenso pai. Entretanto, há enorme discussão nos campos doutrinário e jurisprudencial quanto à ação judicial que deve ser movida por aquele que busca, no Poder Judiciário, o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Em percuciente trabalho, Giorgis (2012) entende que a ação cabível a ser movida pelo indivíduo que busca o reconhecimento da paternidade socioafetiva é a “declaratória de paternidade socioafetiva”. Diz o autor supracitado: é absolutamente razoável e sustentável o ajuizamento de ação declaratória de paternidade socioafetiva, com amplitude contraditória, que mesmo desprovida de prova técnica, seja apta em obter veredicto que afirme a filiação com todas suas consequências, direito a alimentos, sucessão e outras garantias (GIORGIS, 2012, n. p.).

No mesmo sentido, Cassettari (2017, p. 78) também entende que: Para aumentar a chance de êxito do processo caminhar naturalmente, sugerimos que, se a ação judicial for proposta pelo filho, seja utilizada a via da investigatória, que é personalíssima, e na hipótese de o pai ou a mãe desejar propor a ação com esse desiderato, que a escolha recaia na ação declaratória de paternidade (ou maternidade) socioafetiva.

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Por outro lado, em razão de o instituto jurídico da paternidade socioafetiva ser relativamente recente e, em decorrência disso, por se tratar de uma construção doutrinária e jurisprudencial (sem expressa previsão no ordenamento positivo), não é razoável exigir formalismo exacerbado quanto ao instrumento processual adequado para a tutela do direito almejado por aquele que busca o reconhecimento da paternidade socioafetiva. A criação de obstáculos desnecessários à apreciação do direito material em razão da mera não utilização do nomen juris correto da ação judicial pode resultar em malferimento do princípio constitucional de acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF. Em seu voto prolatado no recurso especial (REsp) nº 1.189.663/RS, a relatora, Ministra Nancy Andrighi, assim abordou a matéria: A questão relativa ao mecanismo processual adequado para o reconhecimento de possível filiação socioafetiva merece ser analisada com menos rigidez formal, porquanto a relação socioafetiva, como elemento único na formação de vínculos de filiação, é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada expressamente pela legislação vigente, mas à qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica (BRASIL, 2011, n. p.) .

Da mesma forma, Cassettari (2017, p. 76), apesar de sugerir o manejo de “ação declaratória de paternidade socioafetiva” por aquele que almeja o reconhecimento de tal condição (paternidade socioafetiva), entende que a não utilização do nomen juris correto da ação judicial jamais pode prejudicar a parte na busca pelo direito material da qual se diz detentora. Diz o autor:

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Independentemente da via judicial utilizada, não devemos esquecer que o Judiciário não pode se negar de reconhecer o vínculo afetivo que existe ou existiu entre duas pessoas apenas porque não foi proposta a ação correta. Há que se reconhecer uma fungibilidade em tais demandas, pois o mais importante é o Estado-Juiz dizer o direito que é almejado (CASSETARI, 2017, p. 76).

Portanto, para o fim de reconhecimento da paternidade socioafetiva, é recomendável que aquele que busca tal pretensão proponha a competente “ação declaratória de paternidade socioafetiva”. Entretanto, a inobservância de tal técnica processual não pode servir como subterfúgio para fulminar o direito de ação da parte, sob pena de se violar o princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF. Por fim, considerando que o instituto jurídico da paternidade socioafetiva é relativamente recente e, portanto, não encontra disposição expressa em lei, é de se esperar maior parcimônia dos tribunais no sentido de relevar eventual equívoco na nominação da ação judicial proposta pela parte que busca o reconhecimento da paternidade socioafetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo desenvolvido ao longo deste trabalho permite chegar a profícuas conclusões; dentre elas, a de que a multiparentalidade e, por consequência, a parentalidade socioafetiva são institutos jurídicos que, apesar de não encontrarem previsão legal expressa no ordenamento positivo brasileiro, estão consolidados na doutrina civilista e na jurisprudência que se formou em torno da matéria. No ponto, cumpre mencionar que o entendimento firmado pelo STF no RE n. 8.98.060/SC sacramentou e corroborou os precedentes judiciais que já vinham surgindo no STJ e nos tribunais estaduais no sentido do reconhecimento da paternidade socioafetiva. Diante desse cenário, o STF, no RE n. 898.060/SC (BRASIL, 2011), reconheceu que o direito ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, à míngua de previsão legal infraconstitucional específica, decorre da aplicação do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, CF), do princípio da paternidade responsável (art. 227, § 6º, CF) e do direito à busca pela felicidade (inerente à dignidade da pessoa humana). A par dessas considerações, também é possível concluir que é plenamente possível o reconhecimento, pelo Poder Judiciário, da paternidade socioafetiva, notadamente quando há fortes vínculos afetivos entre as partes, evidenciados tanto no seio familiar quanto perante a sociedade, sobretudo quando caracterizada a situação jurídica denominada de “posse de estado de filho”, que consiste na relação afetiva, íntima e duradoura (trato/tractatus), cuja principal característica é a reputação (fama/reputatio) perante a sociedade, da relação dos indivíduos como se pai e filho efetivamente fossem, inclusive com o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai. Por fim, registre-se que, a fim de buscar o reconhecimento da paternidade socioafetiva, recomenda-se que o pretenso pai ajuíze uma “ação declaratória de paternidade socioafetiva”. Entretanto, a designação de nomen juris diferente à ação judicial a ser proposta não ALEXS GONçALVES COELHO / VINICIUS PINHEIRO MARqUES

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pode representar obstáculo à apreciação do direito material deduzido pela parte autora, sob pena de resultar em malferimento do princípio constitucional de acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF.

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