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André Wagner Melgaço Reis* AINDA SOBRE A PRESCRIÇÃO VIRTUAL: FUNDAMENTOS E IMPLICAÇÕES STILL ON THE VIRTUAL PRESCRIPTION: RATIONALE AND IMPLICATIONS AúN SObRE LAS PRESCRIPCIONES VIRTUALES: FUNDAMENTOS y CONSECUENCIAS

Resumo: A prescrição virtual, embora não prevista em lei, tem por fundamento a falta de interesse de agir (uma das condições da ação), dando-se início ou prosseguimento a um feito que desde logo já se sabe que, ao seu final, tendo em vista a provável pena a ser aplicada, fatalmente estará fulminado pela prescrição, donde se evidencia a flagrante falta de justa causa para a dedução da pretensão punitiva ou mesmo para o prosseguimento da persecutio criminis in iudicio. Há duas soluções para respaldar o “arquivamento” do feito (inquérito ou ação penal): a primeira se pauta em um critério de natureza penal, qual seja, a extinção da punibilidade com base na prescrição virtual, havendo resolução de mérito; a segunda solução ancora-se em um critério de natureza processual, qual seja, falta de uma das condições da ação, in casu, interesse de agir, elemento indispensável ao regular exercício do direito de ação, que, diga-se de passagem, deve existir durante todo o iter processual, não havendo, nesse caso, a resolução de mérito. Abstract: Virtual prescription, though not prescribed by law, is founded in the lack of interest in acting (one of the causes of action), giving beginning or continuing a feat that immediately we know that, at the end, taking into consider the probable penalty to be applied, is fatally struck by prescription, where it shows the blatant lack of good cause for punitive claim the deduction or even for further criminis in iudicio persecutio. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba-PR. Promotor de Justiça do MP-GO.

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There are two solutions to support the "filing" of the deed (investigation or prosecution), the first criterion is guided in a criminal, namely the extinction of criminal liability based on virtual prescription, with resolution of merit; the second solution is founded on a procedural criterion, namely, the absence of one of the conditions of action, in casu, the advantages of acting, indispensable to the regular exercise of the right of action , which, by the passing element must exist throughout the procedural iter, there are, in this case, the resolution of merit . Resumen: La prescripción virtual, aunque no prevista por la ley, se fundamenta en la falta de interés en la actuación (una de las causas de la acción), dando inicio o continuando una hazaña que desde siempre sabemos que, al final, teniendo en consideración la pena probable que se aplicará, está fatalmente golpeada por la prescripción, donde se muestra la flagrante falta de una justa causa para reclamar la deducción de la pretensión punitiva o incluso para la continuación de la persecutio criminis in iudicio. Hay dos soluciones para apoyar al "archivamiento" del hecho (de la investigación o del enjuiciamiento): el primer criterio es guiado por un criterio de naturaleza criminal, es decir, la extinción de la responsabilidad penal con base en la prescripción virtual, con la resolución de mérito; la segunda solución se basa en un criterio de procedimiento, a saber, la ausencia de una de las condiciones de la acción, in casu, el interés de actuar, elemento indispensable para el ejercicio regular del derecho de acción, que debe existir en todo el procedimiento, no ocurriendo, en ese caso, la resolución de mérito. Palavras-chaves: Prescrição, pena hipotética, falta de interesse de agir, ausência de justa causa, arquivamento. Keywords: Prescription, hypothetical penalty, lack of interest in acting, absence of just cause, discontinuance. Palabras clave: Prescripción, pena hipotética, falta de interés en la actuación, sin causa, archivamiento. 78


AINDA SOBRE A PRESCRIÇÃO VIRTUAL: FUNDAMENTOS E IMPLICAÇÕES A prescrição virtual (ou hipotética ou em perspectiva ou antecipada) nada mais é do que o reconhecimento da própria prescrição retroativa (que tem previsão legal), antes da sentença, com base na pena hipotética a que o réu seria condenado, evitando, assim, o desperdício de tempo na apuração de coisa nenhuma (inutilidade do processo), pois já se sabe, antecipadamente, que o resultado será a extinção da punibilidade. Aliás, esta prescrição – concebida pela doutrina vanguardista e amplamente aplicada pelos Magistrados de primeira instância – evita o emprego de esforços desnecessários, movimentando-se a custosa máquina do Judiciário, já tão abarrotada de processos, para não se chegar a qualquer resultado. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes (2005, p. 174), a máquina judiciária não pode ser movimentada para se chegar a nada. O provimento jurisdicional, nesse caso, é inútil. Não conta com utilidade. Não há, portanto, interesse de agir, que exige utilidade do provimento, necessidade e adequação.

Impende ressaltar que a prescrição virtual, embora não prevista em lei1, tem por fundamento a falta de interesse de agir (uma das condições da ação), dando-se início ou prosseguimento a um feito que, desde logo já se sabe que, ao seu final, tendo em vista a provável pena a ser aplicada, fatalmente estará fulminado pela prescrição, donde se evidencia a flagrante falta de justa causa para a dedução da pretensão punitiva ou mesmo para o prosseguimento da persecutio criminis in iudicio. Há quem sustente, embora de forma minoritária, que o fundamento do reconhecimento da referida prescrição está no princípio O STF e o STJ (Súmula n. 438) não admitem a aplicação da prescrição virtual ao cômodo argumento da ausência de previsão legal, olvidando-se de analisar a quaestio sob o enfoque principiológico, hermenêutico, da interpretação sistêmica ou mesmo do bom senso. No entanto, e de certa foram até contraditória, referidas Cortes têm reiteradamente reconhecido a incidência do princípio da insignificância, que igualmente não tem suporte legal, decorrendo, sim, de uma construção doutrinária fundada em valores da política criminal (Roxin), na tipicidade material e no princípio da lesividade.

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da economia processual (p. ex., Edilson Mougenot bonfim e Fernando Capez, 2004, p. 866), o que aqui se menciona apenas para fim de registro. Com base no primeiro e real fundamento (falta de interesse de agir e consequente ausência de justa causa para a ação penal), a doutrina se divide em duas soluções para respaldar o “arquivamento” do feito. A primeira se pauta em um critério de natureza penal, qual seja, a extinção da punibilidade com base na prescrição virtual. Observe-se que, embora o fundamento para seu reconhecimento seja a falta de interesse de agir, o pedido será efetivamente a declaração da extinção da punibilidade em virtude da prescrição (CP, artigo 107, IV) com a consequente resolução do mérito (veja-se que o artigo 269, IV, do CPC, dispõe que haverá resolução de mérito quando o juiz pronunciar a prescrição), e não um simples pedido de “arquivamento” do feito por falta de uma das condições da ação (seja do inquérito policial, seja do processo, em ambos, frise-se, sem resolução do mérito). A título de ilustração, cita-se o magistério dos seguintes autores, que se mostram favoráveis a essa corrente: Luiz Flávio Gomes (2007, p. 928-929), Paulo Queiroz (2011, p. 494-495), René Ariel Dotti (2006, p. 159/171), Edison Aparecido brandão (1994, p. 391) etc. Por todos, confira-se a lição de Paulo Queiroz (2011, p. 494), que, aliás, com muita propriedade afasta as críticas ao instituto em questão, in verbis: Contra a assim chamada prescrição antecipada ou em perspectiva, sempre se alegou, em síntese, o seguinte: falta de previsão legal, violação ao princípio do estado de inocência, fundamentação em dado aleatório, possibilidade de mudança do libelo etc. Mas, sem razão, porque, em primeiro lugar, o fato de não existir previsão legal – argumento próprio de quem confunde a lei com o direito e supõe um sistema jurídico hermético e sem lacunas – não impede que se reconheça, por analogia (analogia in bonam partem), tal possibilidade, desde que compatível com as garantias inerentes ao direito e processo penal. Em segundo lugar, porque, interessando a prescrição (pouco importando se antecipada ou não) ao próprio agente, não há falar de violação à garantia da presunção de inocência, que é instituída em favor do indivíduo e não

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do Estado, a quem não interessa, ao menos em tese, o reconhecimento da prescrição. Em terceiro lugar, porque o juiz deveria reconhecê-la fundamentadamente, valendo-se de fatos, dados e circunstâncias que dessem como certa a inevitabilidade da prescrição; não se baseando em dado aleatório. Finalmente, porque a possibilidade da mudança de libelo é aplicável a toda e qualquer modalidade de prescrição. Não seria, pois, irrazoável decretar-se a prescrição antecipadamente quando inevitável, uma vez que em tais casos o titular da ação careceria de interesse de agir, haja vista que a intervenção penal, como ultima ratio do controle social formal, somente deve ter lugar em casos de absoluta necessidade para a segurança dos cidadãos, o que não se verifica em semelhante contexto, por se estar diante de uma persecução penal natimorta, inteiramente inútil. (destacamos)

René Ariel Dotti (2006, p. 159/171), por sua vez, acrescenta que enquanto essa emergente causa extintiva da punibilidade não ingressar no sistema positivo, o movimento liderado por escritores lúcidos e decisões sensatas constitui uma reação adequada aos excessos danosos que se cometem em nome e através da Justiça Criminal.

Nessa linha de entendimento, na qual se admite a extinção da punibilidade com base na prescrição virtual, pode-se citar os seguintes julgados de diversos Tribunais de Justiça: TJSP, RSE 001359443.2002.8.26.047, 12ª Câm. de Direito Criminal, j. 12/1/2011, Rel. João Morenghi; TJMG, Ap. Crim. 1.0439.03.018790-0/001(1), 5ª Câm. Crim., j. 23/11/2010, Rel. Maria Celeste Porto; TJMS, RSE 2010.007470-7, 1ª Turma Criminal, j. 6/5/2010, Rel. João batista da Costa Marques; TJRS, Ap. Crim. 70022451389, 5ª Câm. Crim., 30/1/2008, Rel. Amilton bueno de Carvalho; TJRS, Ap. Crim. 7003306657, 6ª Câm. Crim., 10/12/2009, Rel. Nereu José Giacomolli etc. Confira-se, a propósito, a ementa deste último julgado: PRESCRIÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DO PROCESSO PENAL. INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA SITUAÇÃO PROCESSUAL. DENúNCIA RECEbIDA HÁ MAIS DE TRÊS ANOS. 1. A prescrição penal atinge o direito de punir do Estado, em face do transcurso do tempo e tem por base a ausência de resposta

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punitiva do Estado no prazo razoável, o que torna desnecessária a incidência do ius puniendi. 2. Possível é o reconhecimento da prescrição, antecipadamente quando, dos autos, houver demonstração inequívoca de que, mesmo havendo condenação, em face da pena aplicada, esta resultaria sem utilidade. Ausência de punibilidade concreta. 3. Desaparece o interesse de agir do Estado quando o processo é utilizado para instrumentalizar o nada, o vazio, o inócuo e para maquiar situações em que não há trabalho útil. É dever do magistrado julgar antecipadamente o feito e prestar uma jurisdição útil, que atinja a sociedade. 4. Mesmo após ter sido afirmada a ação em juízo e viabilizado seu trâmite, pela inutilidade superveniente da situação processual, é de ser extinto o processo, na medida da perda do interesse processual e do interesse público prevalente. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. (destacamos)

A segunda solução se pauta em um critério de natureza processual, qual seja, falta de uma das condições da ação, in casu, interesse de agir, consubstanciado na inocuidade de toda a instrução processual de uma ação fadada ao insucesso. Assim, essa corrente defende que o Ministério Público deve promover o arquivamento do inquérito policial. Caso não o faça, deve o Juiz rejeitar a denúncia. No entanto, se a ação penal já estiver em curso, deve o Magistrado extinguir o processo sem resolução de mérito, cabendo, ainda, a impetração de habeas corpus para o trancamento da ação. Tudo para se evitar ou colocar fim a uma demanda inútil. Em duas palavras, para essa linha de entendimento, não é o caso de se declarar extinta a punibilidade pela prescrição virtual, mas sim de se fulminar o feito com base na falta de interesse de agir, condição indispensável ao regular exercício do direito de ação, que, digase de passagem, deve existir durante todo o iter processual. Nesse caso, não haveria a resolução de mérito (veja-se que o artigo 267, VI, do CPC, dispõe que haverá extinção do processo sem resolução de mérito quando não concorrer qualquer das condições da ação, dentre as quais, o interesse processual). Nesse sentido o escólio dos seguintes autores: Guilherme Nucci (2011, p. 1245-1246), Eugênio Pacelli de Oliveira (2006, p. 85), André Estefam (2008, p. 321), Rogério Greco (2003, p. 832/834), dentre outros. 82


Enfim, qualquer que seja a posição que se adotar – seja a solução de caráter penal (extinção da punibilidade pela prescrição), seja de cunho processual (falta de uma das condições da ação, mais especificamente, o interesse de agir) – o resultado será inevitavelmente a extinção do feito, ficando a diferença na natureza da decisão, que poderá ser com ou sem resolução de mérito, consoante dito alhures. Por fim, a própria natureza mista da prescrição – o transcurso do tempo interfere no ius puniendi do Estado, tornando a pena desnecessária (aspecto material) e a dificuldade probatória com a consequente possibilidade de decisões equivocadas (aspecto processual) – realça tudo o que foi até aqui exposto. Senão vejamos. berner dizia que o fundamento dos fundamentos da prescrição é o tempo. Hugo Meyer afirmava que o tempo fazia cair a justiça da pena e sua adequação e sentido. C. J. A. Mittermaier sustentava que o poder do tempo apaga a lembrança do delito da consciência do povo e modifica a personalidade do autor, de modo que a pena não exerceria coação psicológica nenhuma (cf. Teoria da Lembrança Apagada do Fato). Na mesma linha: Ludwig Von bar, Robert Von Hippel e Karl Stooss (apud ZAFFARONI, 2006, p. 24-25). Schönke também reconhecia que depois de certo tempo se perde o interesse estatal na punição. No entanto, frisava que o decurso de tempo tornaria difícil, ou mesmo impossível, a persecução penal em virtude da dificuldade probatória. Vale dizer, seria impossível reunir as provas para um processo penal depois de haver transcorrido um longo período. Nesse sentido: Karl binding (apud ZAFFARONI, 2006, p. 24-25). Winfried Hassemer (2005, p. 323) também faz menção a ambos os critérios, a saber: o jurídico-material (extinção da necessidade da pena pelo decurso do tempo) e o jurídico-processual (pela deterioração das condições probatórias e pelo perigo de decisões incorretas). Reinhart Maurach, Karl Heinz Gössel e Heinz Zipf (1995, p. 968), de forma muito elucidativa, consignam, litteris: a prescrição de um fato punível se justifica por razões de direito tanto material quanto processual. É certo que o mero transcurso

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do tempo não pode levar a considerar um fato simplesmente como não ocorrido; mas, em geral, o direito penal não encontra mais motivo para sua intervenção. O decurso do tempo morigera a necessidade de castigar os membros de uma comunidade, sempre limitada no tempo em alguma medida. […] Do mesmo modo, também é possível que as necessidades de prevenção especial concorrentes frente a um crime podem decair ou mesmo errar sua meta: quem é condenado por um fato ocorrido há muito tempo e esquecido, sente-se como entregue ao nudum ius, i.e., não sente intimidação, mas sim amargura. Por isso, a delimitação temporal da possibilidade de persecução da pena estatal coincide basicamente com a convicção jurídica da população. Também, desde um ponto de vista processual, a prescrição se justifica com o avanço do tempo, pois a investigação do fato e da culpabilidade se tornam mais difíceis e maior o perigo de decisões equivocadas. (tradução livre, destacamos)

Assim também preleciona Hans Welzel (2002, p. 308) ao dizer que o transcurso do tempo extingue o interesse estatal na persecução do delito. E o decurso de tempo igualmente faz com que a persecução de fatos muito antigos se torne cada vez mais difícil ou praticamente impossível. E. R. Zaffaroni (2006, p. 26) afirma que o fundamento comum de toda a prescrição é a inutilidade da pena, seja a imposta (prescrição da pena), seja a cominada (prescrição da ação). Menciona, o penalista e Juiz da Suprema Corte da Argentina, o magistério de Schultz, que assevera que, transcorrido considerável tempo entre o fato e o julgamento, o homem diante do Tribunal não é o mesmo que cometeu o delito. Tal se passa também quando transcorrido considerável tempo entre a sentença e a execução da pena. O sujeito que está diante do órgão de execução penal tampouco é a pessoa que foi condenada. Juan bustos Ramírez e Hernán Hormazábal Malarée (2006, p. 576-577) afirmam ser irrelevante perquirir se a prescrição tem caráter substantivo penal ou processual penal, tendo em vista que ambas são inseparáveis, pois dizem respeito ao poder punitivo do Estado. Em seguida, sustentam que o problema da natureza da prescrição está ligado ao princípio da necessidade da pena e o tempo transcorrido afeta diretamente a faculdade punitiva estatal. 84


Enfim, após esse breve excursus teórico e considerando a própria natureza mista da prescrição – o transcurso do tempo interfere no ius puniendi do Estado, tornando a pena desnecessária (aspecto material) e a dificuldade probatória com a consequente possibilidade de decisões equivocadas (aspecto processual) – a outra conclusão não se pode chegar senão a de que qualquer feito (inquérito ou ação penal), no qual já se vislumbra de antemão que o reconhecimento da prescrição será inevitável, deve ter seu curso imediatamente interrompido. Nesse ponto, calha registrar os ensinamentos de Carlos Maximiliano (2003, p. 49-50, 138) acerca da aplicação da lei (rectius, do Direito) pelo Magistrado, litteris: Existe entre o legislador e o juiz a mesma relação que entre o dramaturgo e o ator. Deve este atender às palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo; porém, se é verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil: dá vida ao papel, encarna de modo particular o personagem, imprime um traço pessoal à representação, empresta às cenas um certo colorido, variações de matiz quase imperceptíveis; e de tudo faz ressaltarem aos olhos dos espectadores maravilhosas belezas inesperadas, imprevistas. Assim o magistrado: não procede como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos; porém como órgão de aperfeiçoamento destes, intermediários entre a letra morta dos códigos e a vida real, apto a plasmar, com a matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade. Não o consideram autômato, e sim, árbitro da adaptação dos textos às espécies ocorrentes, mediador esclarecido entre o direito individual e o social. (destacamos)

Adiante conclui que “o excesso de juridicidade é contraproducente; afasta-se do objetivo superior das leis; desvia os pretórios dos fins elevados para que foram instituídos; faça-se justiça, porém do modo mais humano possível, de sorte que o mundo progrida, e jamais pereça”. Ou, nas palavras do sempre lembrado Juiz da Suprema Corte Norte America, benjamin Nathan Cardozo (apud MATHIASCOLTRO in Apel. Crim. n. 1.005.495/9, Rel. Mathias Coltro, TACRIMSP, julgado em 10.4.1996), em conferência proferida na Universidade de Columbia, no ano de 1927, in verbis: 85


Algumas vezes nos dizem que a mudança deve ser obra da lei e que a função do processo judicial é simplesmente de conservação. Historicamente isso não é verdade e se o fosse seria uma desgraça. O direito tem fórmulas e métodos de julgamento apropriados à conservação e fórmulas e métodos apropriados à mudança. O jurista não pode confinar-se num positivismo árido e seco e só o idealismo jurídico pode torná-lo realmente grande. Os sentimentos de justiça não podem ser banidos da teoria do direito nem de sua administração. Pode-se acorrentar o direito com toda a sorte de cadeias e grilhões. O juiz sábio arranja sempre um meio de libertar a vítima. Isso é verdadeiro ainda nos sistemas baseados em códigos. É certamente mais verdadeiro num sistema como o nosso.

Enfim, à vista do incontornável reconhecimento da prescrição virtual do ius puniendi estatal, que importa na falta de interesse de agir ante a inviabilidade da ação penal, deve o MINISTÉRIO PÚBLICO, na condição de dominus litis, requerer a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal, com o consequente ARQUIVAMENTO dos autos (inquérito policial ou ação penal). E caso anteveja eventual não acolhimento do pedido precedente, deve requerer, subsidiariamente, o arquivamento do inquérito policial ou, caso já tenha deduzido uma pretensão punitiva, havendo, pois, uma ação penal em curso, a extinção do processo sem resolução de mérito, em ambos os casos por falta de uma das condições da ação (interesse de agir), elemento este indispensável ao regular exercício do direito de ação, que deve existir durante todo o iter processual, com o consequente ARQUIVAMENTO do feito (inquérito policial ou ação penal).

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