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Reuder Cavalcante Motta* A (IN)COMPREENDIDA ADVOCACIA PÚBLICA MUNICIPAL tHE (NO)COMPREHENSION OF tHE MUNICIPAL PUBLIC ADVOCACY LA (IN)COMPRENDIDA DEFENSORÍA PÚBLICA DE LOS PUEBLOS

Resumo: A Advocacia Pública tem destacado assento na Constituição Federal de 1988. No entanto, seu papel tem sido tão incompreendido, que, a título de exemplo, se observa que, passados mais de 25 anos da CF88, em significativos números, município há que sequer conta com o órgão “Advocacia Pública” em suas leis. Este trabalho tem por objetivo trazer à lume mais uma vez o tema, a fim de despertar aos agentes públicos do sistema de integridade brasileiro e ao cidadão da importância da criação e estruturação das advocacias públicas nos municípios em cumprimento ao mandamento constitucional. Em seguida, ainda na defesa da Advocacias Públicas Municipais, expõem-se as não incomuns ilegalidades decorrentes da contratação de escritórios de advocacia por municípios em atividade substitutiva de atividade privativa das Advocacias Públicas Municipais. Abstract: The Public Advocacy has highlighted seat in the Federal Constitution of 1988. However, its role has been as misunderstood that, for example, noted that after over 25 years of CF88, in significant numbers, there are municipalities that does not have its "Public law" in their laws. This paper aims to bring the heat once again the theme, in order to arouse public servants of brasilian system integrity and the citizens of the importance of the creation and structuring of public law firms in municipalities in compliance with constitutional law. Then, even in the defense of municipal law, expose yourself the not uncommon illegalities arising from the hiring of law firms by municipalities in replacement activity private of the Municipality Public Advocacy. Mestre em Direitos Coletivos, Especialista em Contas Públicas, Pós-Graduando em Auditoria e Contabilidade Públicas. Promotor de Justiça do MP-GO. *

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Resumen: La Defensoría Pública ha destacado asiento en la Constitución Federal de 1988. Sin embargo, su papel ha sido tan mal entendido, que, por ejemplo, se observa que, después de más de 25 años de CF88, en números significativos, hay municipalidades que siquiera poseen una "Defensoría Pública" en sus leyes. Este trabajo se propone a estudiar una vez más el tema, a fin de despertar en los servidores públicos del sistema de integridad brasileño y a los ciudadanos de la importancia de la creación y de la estructuración de las Defensorías Públicas en los municipios en cumplimiento al derecho constitucional. Por fin, aún en la defensa de la Defensoría Pública Municipal, se exponen las no poco comunes ilegalidades derivadas de la contratación de firmas de abogados por los municipios en actividad de sustitución a la actividad privada de las Defensorías Públicas Municipais. Palavras-chaves: Advocacia Pública, Município, Advocacia Pública Municipal. Keywords: Public Advocacy, County, Municipal Public Advocacy. Palabras clave: Defensoría Pública, Municipio, Defensoría Pública Municipal.

INTRODUÇÃO A Advocacia Pública tem destacado assento na Constituição Federal de 1988. A Advocacia Pública na União, nos Estados e no Distrito Federal, ao tempo da promulgação da Constituição brasileira de 1988 (CF88), já contava com uma estruturação advinda da história de anos de atuação em defesa do patrimônio público na representação de tais entes. Desde então, caminham em processo de evolução, ocupando o destacado papel constitucional que lhes foi outorgado pelo constituinte, a representação e a consultoria jurídica. 270


De outro lado, salvo exceções entre as capitais dos estados e outros municípios de médio a grande porte, a Advocacia Pública nos Municípios não anda bem. O seu papel tem sido tão incompreendido, que, a título de exemplo, se observa que, passados mais de 25 anos da CF88, em significativos números, município há que sequer conta com o órgão “Advocacia Pública” em suas leis. Este trabalho tem por objetivo trazer à lume mais uma vez o tema, a fim de despertar aos agentes públicos do sistema de integridade brasileiro1 e ao cidadão da importância da criação e estruturação das advocacias públicas nos municípios em cumprimento ao mandamento constitucional. Em seguida, ainda na defesa da advocacia pública municipal, expõem-se as não incomuns ilegalidades decorrentes da contratação de escritórios de advocacia por municípios em atividade substitutiva de atividade privativa das advocacias públicas municipais.

DAADVOCACIA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 No título IV, “Da Organização dos Poderes”, em capítulo próprio, o constituinte, após tratar dos órgãos do Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, tratou das funções essenciais à justiça, nas quais elencou o Ministério Público (artigos 127 a 130), a Advocacia Pública (artigos 131 e 132) e a Advocacia (não pública) e a Defensoria Pública (artigos 133 a 135). A enumeração da frase anterior se faz para que se tenha em conta a importância que foi dada à Advocacia Pública pelo constituinte, ao merecer uma subseção na carta constitucional, tendo sido adjetivada de essencial à Justiça, mas, por óbvio, que não só à justiça, mas ao próprio Poder Executivo, Peter Eigen, então presidente da transparência Internacional (tI) noticiou que, em 2006, a “tI estabeleceu o ‘conceito de sistema nacional de integridade’ como abordagem holística da transparência e da accountability, como uma estrutura para esforços efetivos de reforma anticorrupção. Nesse meio tempo, o conceito entrou rapidamente no vocabulário dos militantes contra a corrupção em todo mundo. Os pilares da integridade do sistema abrangem uma série de instituições e práticas cujo funcionamento e interação são essenciais para garantir níveis altos de transparência e accountability em um país” (SPECK, 2002, p. 12).

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haja vista a sua necessidade de harmonização, por meio do direito, aos demais órgãos de poder e a toda sua atuação pelo povo, toda ela secundum legem. O artigo 131 trata da Advocacia Pública da União. Ainda no caput do referido artigo se firmaram suas três funções: a) representar a União, judicial ou extrajudicialmente; b) realizar a atividade de Consultoria do Poder Executivo; e c) realizar a atividade de assessoramento do Poder Executivo. No caput do artigo 132, em uma redação sem paralelismo com o artigo anterior, não usa o termo Advocacia-Geral dos Estados e do Distrito Federal, tampouco Procuradoria, mas Procuradores dos Estados do Distrito Federal. A eles, ou à Procuradoria na qual estão investidos, se atribuem: a’) a representação judicial e b’) consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Da representação judicial do ente federado Dada a semelhança entre as atribuições “a” e “a’”, observese como se tem conceituado representação. Segundo Fábio Maria de Mattia (1999, p. 1-3): Há representação quando uma manifestação de vontade emana não de quem deve fazê-la, mas de outra pessoa e os efeitos se produzem, contudo, como se a manifestação de vontade emanasse da primeira pessoa. A representação pode ser conceituada de um modo amplo e de um modo restrito. A representação, em sentido amplo, é um fato jurídico pelo qual um sujeito atua na vida jurídica, em lugar de outra pessoa. [...] Ocorre representação quando: a) uma pessoa (o representante) execute um ato ou celebre um contrato; b) na execução de ato ou na celebração de contrato atue em nome de outra pessoa (o representado); c) o representante esteja investido de poder para tal escopo, pela lei (representação legal) ou por vontade do representado (representação voluntária). [...] A representação consiste, pois, em agir para outrem, em seu nome, isto é, com o propósito de operar ou preparar certo efeito no patrimônio ou em outras relações jurídicas de outra pessoa.

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O referido autor (idem, p. 2), ainda, em lição colhida a José Iturriaga Romero, adverte que “a representação é uma figura jurídica que se pode combinar com todos os atos jurídicos dos quais não repugne a substituição”. Para De Plácido e Silva (1999, p. 704), “[j]uridicamente, a representação é a instituição, de que se derivam poderes, que investem uma determinada pessoa de autoridade, para praticar certos atos em nome de alguém”. Para que se exerça representação judicial do ente federado, em grande parte da atuação, esta se faz por meio de “postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” (artigo 1º, I, da Lei 8.906/1994), sendo uma atividade privativa da advocacia (artigo 1º, caput, da Lei 8.907/1994). Sobre a representação judicial dos entes públicos, esclarece Leonardo José Carneiro da Cunha (2003, p. 15): Em se tratando da Fazenda Pública2, sua representação é feita, via de regra, por procuradores judiciais, que são titulares de cargos públicos privativos de advogados regularmente inscritos na OAB, detendo, portanto, capacidade postulatória. Como a representação decorre da lei, é prescindível a juntada de procuração, de forma que os procuradores representam a Fazenda Pública sem necessidade de haver instrumento de mandato, eis que decorre de vínculo legal mantido entre a Administração Pública e o procurador.

Esta representação judicial, conforme José Afonso da Silva (2005, p. 635), é indelegável. É [...] vedada a admissão ou contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os Procuradores) e de consultoria daquela unidades federadas, porque não se deram essas funções a órgãos, mas foram diretamente imputadas aos Procuradores.

“Na verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda Pública. A expressão Fazenda Pública é utilizada para designar as pessoas de direito público que figurem em ações judiciais, mesmo que a demanda não verse sobre matéria estritamente fiscal ou financeira.” (CUNHA, 2003, p. 11).

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Da consultoria jurídica do Poder Executivo A consultoria e o assessoramento do Poder Executivo, indicado no artigo 131, caput, é resumida em consultoria jurídica da unidade federada no artigo 132. Estando ambos os artigos na mesma subseção da Advocacia Pública, entende-se que devam ser ambos harmonizados. Daí que a consultoria e o assessoramento referidas no artigo 131 só podem ser a jurídica, e a consultoria, referida no artigo 132, abrange também a assessoria e só se refere ao Poder Executivo dos estados e do Distrito Federal. Frise-se que, nos termos do Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/1994, artigo 1º, inciso II, as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas são atividades privativas da advocacia, não se imaginando que a Advocacia Pública pudesse dar consultoria e assessoramento de outra natureza. Consultoria e Assessoria, na linguagem comum, apresentam conceitos distintos. No Dicionário Michaelis (1998, p. 249 e 569), assessor é o “assistente, coadjutor, adjunto” e consultor “é aquele que dá conselhos ou parecer de determinado assunto de sua especialidade”. Paulo Lôbo (2008, p. 27) também as vê de modo distinto: A assessoria jurídica é espécie do gênero advocacia extrajudicial, pública ou privada, que se perfaz auxiliando quem deva tomar decisões, realizar atos ou participar de situações com efeitos jurídicos, reunindo dados e informações de natureza jurídica, sem exercício formal de consultoria. Se o assessor proferir pareceres, conjuga a atividade de assessoria em sentido estrito com a atividade de consultoria jurídica.

Há comando constitucional expresso no caput do artigo 131 que, por meio de lei complementar, se deve dispor sobre a organização e o funcionamento da Advocacia Pública. A Lei Complementar da Advocacia da União é a de número 73/1993. João Carlos Souto (2000, p. 69-71) discorre sobre as atribuições legais do AdvogadoGeral de União e de sua atividade consultiva. O legislador infraconstitucional procurou concentrar no art. 4º da Lei Complementar n. 73/93 suas tarefas. Entretanto, em outros dispositivos da referida lei são também identificadas atribuições daquela autoridade, a exemplo, entre outros, dos arts. 8º, I, 10,

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23, 45, § 2º, e 49, I. E da leitura desses dispositivos legais é possível asseverar que as atribuições do advogado-geral não se limitam à atividade judicial, estendem-se à área normativa, administrativa e de consultoria. Incumbe-lhe, ainda, atuar como hermeneuta, fixando a interpretação da Constituição e de todos os demais atos normativos, a ser seguida por toda a Administração Federal. [...] 2.2 Atividade consultiva: sua atividade de consultoria e assessoria, auxiliado pela Consultoria-Geral, compreende a apresentação de informações ao presidente da República, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissão presidencial – art. 4º, V. Significa que todo ato ou omissão do chefe do Executivo que enseje impugnação de terceiros deverá ser encaminhado à instituição para que o advogado-geral da União, diretamente, ou por seus auxiliares, apresente informações necessárias à defesa do ato ou justifique, nos casos de omissão, o fato de não ter sido tomadas determinadas medidas. É o caso das ações diretas de inconstitucionalidade quando o Supremo tribunal Federal requer informações.

Em seguida, arremata: Os incisos VII a IX e XIX do mesmo art. 4º completam a atividade de consultoria do advogado-geral da União, que abrange: [...] VII – assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas, diretrizes; VIII – assistir o presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração; IX – sugerir ao presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público; e X – propor ao presidente da República alterações na Lei Complementar n. 73/93.

Essa abrangência das atribuições definidas na Lei Complementar 73/1993 bem nos indica o alcance da atividade consultiva e de assessoramente da advocacia pública em estados e municípios, uma vez que, mutatis mutandis, toda atividade consultiva elencada para o Advogado-Geral da União é demandada também nos estados, Distrito Federal e municípios, guardada a proporcionalidade da quantidade da demanda e da complexidade dos temas.

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Do ingresso na carreira Em ponto de sintonia entre o artigo 131 e 132, definiu-se que o ingresso de membro na Advocacia Pública da União seria por concurso público de provas e títulos (artigo 131, § 2°), da mesma forma para a advocacia pública dos estados (artigo 132, caput). Por força da emenda constitucional 19, contudo, exigiu-se, no concurso da advocacia do estado-membro, a “participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases”. Do Chefe da Advocacia Pública na União e nos Estados O parágrafo primeiro do artigo 131, além de nominar o chefe do órgão da Advocacia Pública como Advogado-Geral da União, expressamente, define a forma e os requisitos para ocupar o cargo. Há de ser escolhido entre “cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, mesma idade mínima definida para o Presidente da República no artigo 14, VI, “a”, da CF88. Define-se ali, ainda, que o cargo é de “livre nomeação pelo Presidente da República”. No artigo 132 que trata da Advocacia Pública nos estados, não há qualquer das referências anteriores quanto ao cargo de chefia da instituição. Por ser princípio republicano, pela harmonia e pela simetria entre o artigo 131 e 132, defende-se aqui que o notável saber jurídico e a reputação ilibada são exigências inafastáveis para a investidura no cargo de chefe da Procuradoria nos estados. A idade mínima deve guardar proporção com o artigo 14, VI, “b”, da CF, idade mínima para ser governador, que é de trinta anos. E a investidura pode ser também de livre nomeação, in casu, do Governador. Nesse sentido da livre nomeação do Procurador-Geral dos estados já se posicionou o Supremo tribunal Federal em alguns julgados3. Diz-se “pode ser” porque o Supremo tribunal Federal também já entendeu não haver inconstitucionalidade em Carta Estadual que prevê a escolha do Chefe da Advocacia dos estados somente entre os membros da carreira. ADI 291, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 07/04/2010. No mesmo sentido: ADI 2.682, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12/02/2009, Plenário, DJE de 19/6/2009.

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Mostra-se harmônico com a CF preceito da Carta Estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira (ADI 2.581, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16/08/2007, Plenário DJE de 15-8-2008)

Da possibilidade de representação por outro órgão estatal O parágrafo quarto do artigo 131 prevê que “na execução de dívida ativa de natureza tributária” a União poderá ser representada por outra instituição: a Procuradoria da Fazenda Nacional. No Ato das Disposições Constitucionais transitórias, artigo 69, vedou-se aos estados descentralizar a sua representação aos moldes do artigo 131 para a União, a não ser que na data da promulgação da Constituição já existissem. Esse tema foi objeto de análise do Supremo tribunal Federal quando do julgamento da ADI 1.679-7 em face à Emenda Constitucional 17/1997 à Constituição do estado de Goiás, julgada em 8 de outubro de 93. No voto do Relator Gilmar Mendes, destaca-se. [...] há que se respeitar a intenção expressa do legislador constituinte. Não sendo princípio de aplicação geral e irrestrita, impossível imprimir-se interpretação analógica e extensiva se tal vontade não for inequívoca no bojo do texto constitucional. Sobre o tema, assim ressaltou o Ministro Carlos Velloso em voto proferido no julgamento liminar: “[...] preceitos que são próprios da União, específicos desta – tal é o caso do § 3º do art. 131 – quando a Constituição quer estendê-los aos Estados-Membros, ela o diz expressamente. Os constitucionalistas, aliás, denominam esses princípios de princípios constitucionais federais extensíveis, porque a Constituição os estende aos Estados-Membros, em certos casos. Na Constituição vigente esses princípios são raros. Isso não ocorre na hipótese sob julgamento. É dizer, o preceito inscrito o § 3º do art. 131, C.F., não constitui princípio constitucional extensível”. Assim, se a Constituição não excepcionou a criação de Procuradorias de Fazenda no plano estadual, como o fez expressamente no caso da Procuradoria da Fazenda Nacional, não se encontra o legislador constituinte estadual apto a fazê-lo.

Nesse mesmo julgado, no voto do Min. Carlos Ayres Britto, este expressou que 277


[...] no Ato das Disposições Constitucionais transitórias, somente se admitiu a dualidade de órgãos jurídicos oficiais se, à época da Constituição, essa dualidade já existisse. Parece-me que está a sinalizar mesmo o princípio da unicidade de representação judicial. Sendo principio, impõe-se à observância dos Estados e do Distrito Federal, por força do art. 25, caput.

Estabilidade O artigo 132 conta, ainda, a partir da Emenda 19/1998, com o parágrafo único que prevê estabilidade “após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho por órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.” O prazo e a avaliação de desempenho não chegam a ser destaque, eis que exigidos para todos os servidores públicos estáveis pela mesma emenda (deu nova redação ao artigo 41, caput). Mas a previsão perante órgão próprio e corregedoria denotam a importância que deu o poder constituinte derivado a esta especial carreira. Carreira exclusiva de estado Mostra-se adequada a classificação de José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 481) aos membros da Advocacia Pública como Servidores Públicos Especiais. Sua lição é a seguinte: Servidores públicos especiais são aqueles que executam certas funções de especial relevância no contexto geral das funções do Estado, sendo, por isso mesmo sujeitos a regime jurídico funcional diferenciado, sempre estatutário, e instituído por diploma normativo específico, organizador de seu estatuto. Pela inegável importância de que se reveste sua atuação, a Constituição contempla regras específicas que compõem o seu regime jurídico supralegal. Nessa categoria é que nos parece coerente incluir os Magistrados, os membros do Ministério Público, os Defensores Públicos, os membros dos tribunais de Contas e os membros da Advocacia Pública (Procuradores da União e dos Estados-membros).

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tanto o artigo 131, § 2°, como o artigo 132, da CF88, prescrevem que os cargos da advocacia pública estão insertos em carreiras profissionais públicas, sendo os termos utilizados: “classes iniciais das carreiras da instituição” e “organizados em carreira”, respectivamente. Juarez Freitas (2006, p. 619), em comento aos artigos 37, XII, e 167, IV, da Constituição Federal em referência ao quadro de pessoa da Administração tributária dos entes federados, mas de total pertinência também à carreira da advocacia pública, apresenta-nos importante definição e reflexão sobre as carreiras de atividades essenciais ao Estado. Observe-se: [...] a expressão “carreira” apresenta sentido técnico assaz preciso, querendo designar aqueles cargos de provimento efetivo – portanto estatutários – que, à diferença dos “cargos isolados”, se escalonam em classes hierarquizadas segundo o grau de responsabilidade ou de complexidade das atribuições funcionais. tal, porém, não é tudo. Há outra relevante perspectiva a ser investigada. Decididamente, a alusão à carreira é mais rica do que se afigura à primeira vista. Ao que tudo indica, o uso do termo tem o fito de reforçar aquele almejado ambiente de “institucionalização da independência” (“Institutionnalisierung de Unabhänngigkeit”) com o escopo de erradicar, pelo menos em determinados domínios da Administração Pública, o regime de emprego celetista, no caso das funções essenciais que exigem vínculo institucional. Não foi por outro motivo que, na Alemanha, o tribunal Constitucional (Bundesverfassungsgericht), referiu-se ao “servidor público de carreira como uma instituição que, com fundamento em conhecimentos técnicos e jurídicos, desempenho profissional e leal cumprimento do dever, garante uma Administração estável, representando um fator de compensação em face de forças políticas conformadoras da vida do Estado”.

Marcelo Dias Ferreira noticia que na exposição de motivos interministerial n. 49, de 18 de agosto de 1995, precedente à Emenda Constitucional 19/1998, Luiz Carlos Bresser Pereira afirmava que a reforma administrativa tinha a pretensão de tirar as instituições do Poder Público de sua estagnação. Aponta severa crítica à referida emenda apontada por Felipe Néri Dresch da Silveira de que ela tinha em si a estigmatização do servidor público, visto como “sócio privilegiado do 279


sistema de benefícios fáceis sustentados pelos recursos arrecadados pelo contribuinte”. Mas afirmava que “os caminhos de eventuais mudanças não determinam o rompimento com o que de melhor se sedimentou no âmbito do aparelho estatal, sem a perspectiva de processos substitutivos, responsáveis, coerentes e eficazes” (FERREIRA, 2003, p. 352). A saber: tais processos fundamentam-se, necessária e essencialmente, na profissionalização de seu quadro permanente, por meio da organização das carreiras e processos de formação e treinamento. O reconhecimento destes núcleos de poder insere-se num contexto de desequilíbrio do Estado como um todo, resultante da convergência de vários fatores de pressão, internos e externos: a ilegitimidade, a ineficiência, a escassez de recursos, o desprestígio, a falta de credibilidade, o corporativismo, a indefinição das esferas pública e privada. a insatisfatória absorção da cultura da informática, entre outros. [...] deve haver uma opção de Governo, espontânea ou induzida, que estrategicamente defina as responsabilidades inerentes a cada um destes núcleos.

Marcelo Dias Ferreira (2003, p. 354-355) avança na reflexão sobre os núcleos estratégicos do estado nos termos seguintes. O processo de profissionalização deve visar o fortalecimento do poder dos quadros que integram o Núcleo Estratégico do Estado e que se constituem, historicamente, pelas carreiras que representam reservas de qualificação no âmbito do Poder Público. Este núcleo estratégico deve atuar no planejamento, formulação, avaliação e fiscalização das políticas públicas e na defesa do Estado. Evidentemente, compõe-se de servidores dotados de alta qualificação técnica – nível superior – portanto – e visão global do processo decisório do Estado. A estes quadros, fundamentalmente, cabe subsidiar o processo de formulação de políticas governamentais. Devem, por suas atribuições e responsabilidades ligadas ao exercício do poder do Estado, merecer um regime de estabilidade mais rígido, protegidas das injunções conseqüentes à alternância no Poder Estatal. Seu enquadramento estatutário, reiteradamente caracterizado e reconhecido como próprio e específico das Carreiras típicas de Estado, visa dar aos seus integrantes garantias no exercício de seus cargos contra o Poder Político e discricionário, já que é inerente – e natural – às atribuições

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do Núcleo Estratégico a possibilidade de contrariar interesses que, não raras vezes, não se coadunam como os princípios elementares da Administração Pública, violando-se, por conseguinte, os interesses permanentes do Estado. (grifei)

O artigo 247 da Constituição Federal, adicionado a partir da Emenda 19/1998, trouxe, pela primeira vez no texto constitucional, a referência a servidor público estável cujas atribuições de seu cargo efetivo desenvolva atividade exclusiva de estado4. É esperado que, a ser criadas em obediência ao comando contido no artigo 247, venham a definir quais são que desenvolvam atividade exclusiva de estado, já chamadas pela doutrina de “carreiras típicas de estado”. E já se travam discussões no Congresso Nacional a partir do Projeto de Lei n. 4.811/1998 quanto a quais carreiras do serviço público integrarão ou não o referido rol. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1994, p. 124) expressa que atividades exclusivas de estado é “conceito a ser doutrinariamente elaborado a partir de cargos e funções públicas de radical constitucional, visando garantir seu titular contra perseguições e retaliações”. É certo, porém, que, sob qualquer aspecto, dentre os já cogitados e, inclusive, no bojo do referido Projeto de Lei, a advocacia pública deve ser classificada como carreira típica (ou exclusiva) de estado, dada a importância de suas atribuições na defesa do estado e em sua atribuição exclusiva de representação do ente federado. Juarez de Freitas (2007, p. 122) exorta, e com ele há de se concordar, que “há que se promover a incisiva valorização do vínculo institucional e da autonomia das carreiras de Estado, condição sine qua non para obter o exercício da discricionariedade administrativa em consonância com o direito fundamental à boa administração pública”.

Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º. E do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável, desenvolva atividades exclusivas de Estado (EC 19/98). Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.

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ADVOCACIA PÚBLICA MUNICIPAL CONSTITUIÇÃO FEDERAL

CONFORME

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Ao tratar da advocacia pública, o constituinte de 1988 não fez referência expressa à Advocacia Pública dos Municípios. Em pesquisa aos anais de constituinte, nenhuma referência encontrou-se a advocacia pública nos municípios. Em toda constituição há pouquíssimas referências a agentes municipais que, salvo melhor juízo, só Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores e Secretários Municipais, estes últimos com apenas uma lembrança no artigo 29, V, somente para tratar de subsídio, o que é quase nada. Nada disso é empecilho para se reconhecer na Constituição Federal, e também na Constituição do Estado, as balizas para a instituição do órgão de representação judicial, consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Municipal, como adiante se explica. À semelhança do que prescreve a Constituição aos estados, no artigo 25, caput5, o artigo 29, caput, da CF88 prevê: Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos. (destaquei)

Quanto à organização político-administrativa, estados e municípios são também autônomos, desde que em conformidade com a Constituição, nos termos do artigo 18. Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, no termos desta Constituição. (destaquei)

Léo Ferreira Leoncy (2007, p. 14) ensina: Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. (EC n.5/95).

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Na Constituição de 1988, os limites à autonomia dos Estadosmembros se apresentam sob múltiplas formas e funções. Vêm consagrados(a) ora expressamente (normas expressas), (b) ora implicitamente (normas implícitas); aparecem sob a formulação (c) ora de um mandamento (normas mandatórias), (d) ora de uma vedação (normas vedatórias).6

Norma constitucional expressa de caráter mandatório direcionada aos Estados é aquela do artigo 125, verbis: “Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição”. Ora, a Constituição Federal, ao tratar do Poder Judiciário, previu, como vimos, a existência e a necessidade de funções essenciais à justiça (o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia privada e a Defensoria Pública). Não há como pensar no Poder Judiciário nos estados sem que, ao mesmo tempo, se pense na criação dos órgãos a eles essenciais. No entanto, a advocacia pública não é restrita aos estados-membros, eis que também para o terceiro ente-federativo – o município –, é imprescindível que tenha o órgão a representá-lo judicialmente e dar-lhe consultoria e assessoramento jurídico. Portanto, enquanto ao estado a criação da Advocacia Pública é norma mandatória expressa, ao município a criação da Advocacia Pública é norma mandatória implícita.E sob qual modelo deve ser criada a Advocacia Pública Municipal ? Por óbvio que pelo modelo advindo dos artigos 131 e 132 da Constituição que amplamente estudamos anteriormente. Não se vê, aqui, a necessidade de explicar novamente uma a uma das opções do constituinte ao assentar o modelo das advocacias públicas a fim de explicitar a diretriz constitucional para a Advocacia Pública Municipal. Valendo-se dos mesmos argumentos já expedidos anteriormente neste trabalho, afirma-se que as características da Advocacia municipal deverão ser as seguintes. Estas normas limitadoras da autonomia dos estados costumam ser divididas em categorias, como ensina Léo Ferreira Leoncy (2007, p. 14): “Por outro lado, há também uma variedade de normas em que tratou o constituinte federal de estabelecer limites aos Estados. Assim, para se enumerar apenas as categorias mais conhecidas, é possível apontar (a) os princípios constitucionais sensíveis, (b) as normas de preordenação institucional, (c) as normas federais extensíveis e (d) os princípios constitucionais estabelecidos”. Mas, pela limitação deste artigo, optamos por a ele não referi-los, pois não foi necessário ao objetivo da seção.

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ADVOCACIA PÚBLICA MUNICIPAL i) Representa judicial e extrajudicialmente o Município; (fonte: art. 131, caput) ii) Deve ter definida em Lei Complementar Municipal sua organização e funcionamento; (fonte: art. 131, caput) iii) O chefe da Advocacia Pública Municipal deve ter notável saber jurídico, reputação ilibada e idade maior que vinte e um anos; (fonte: art. 131, § 1° c/c art. 14, VI, “b”) iv) O chefe da Advocacia Publica Municipal pode ser nomeado livremente pelo Prefeito Municipal ou, nomeado entre os membros da Carreira Municipal de advocacia pública; (fonte: art. 131, § 1° c/c art. 29 – ver explicação adiante) v) O ingresso na carreira da advocacia pública municipal far-se-á mediante concurso público de provas e títulos com a participação da ordem dos advogados do Brasil em todas as suas fases; (fonte: art. 131, § 2° c/c art. 132 e 29) vi) O órgão da Advocacia Pública Municipal deve ser o único a exercer as funções indicadas nas alíneas i e ii; (fonte: art. 131, § 3° c/c art. 69 da ADCt); vii) Os membros da advocacia pública municipal serão estáveis após três anos de efetivo exercício se aprovados em avaliação de desempenho realizado por órgão da própria instituição; (fonte: art. 132, § único); viii) A advocacia pública municipal deve contar com um órgão próprio de correição que terá entre suas atribuições relatar circunstancialmente a atividade dos membros da instituição para fins de análise de estabilidade; (fonte: art. 132, § único in fine);

Cabe aqui uma explicação faltante no tocante à nomeação do Chefe do órgão da Advocacia Pública Municipal (que pode ser nominado Procurador-Geral Municipal ou Advogado-Geral do Município, etc.). Como o Supremo tribunal Federal já entendeu que é constitucional7 a opção do estado-membro em constar de sua constituição que o Procurador-Geral do Estado deverá ser escolhido entre os membros da carreira, o município que faça parte do estado-membro que tenha feito tal opção estará também jungido a fazê-lo, por força do artigo 29, caput, da Constituição Federal. Sob este tema ainda nos cabe uma consideração final. Entre ADI 2.581, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16/08/2007, Plenário DJE de 15-8-2008.

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tantos brasis deste Brasil há, de fato, municípios muitos pequenos com população de menos de cinco mil habitantes, ou até menos de três mil habitantes. Não se cogita, aqui, a possibilidade de que tais municípios não estivessem obrigados a criar seus órgãos de advocacia municipal. Afinal, também são obrigados a criar seus cargos de prefeito, vereadores, secretários municipais e chefes de controle interno, agentes de administração tributária, todos eles previstos, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal. Mas, excepcionalmente e, eventualmente, talvez um único profissional possa ser investido no cargo de Chefe da Advocacia Pública Municipal e ser capaz e trabalhar de modo suficiente a atender os encargos da função. Nesse peculiar caso, não se vê a necessidade do estabelecimento de uma carreira na instituição, pelo menos enquanto persistir a situação dele se desincumbir sozinho de suas tarefas funcionais.

ILEGALIDADES OBSERVADAS NAS ADVOCACIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS E NAS CONTRATAÇÕES DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELOS MUNICÍPIOS As violações à Constituição no tocante às advocacias públicas municipais no Brasil são incontáveis. Atente-se para o fato de que, com cerca de 56 centenas de municípios, há violações de toda sorte que, em breve retrospectiva, tenta-se apresentar. A primeira ilegalidade está na ausência do próprio órgão de Advocacia Pública Municipal ou, até mesmo, na ausência de um único cargo de advogado municipal a representar o município. Noutras vezes, há quadro de pessoal no órgão de Advocacia Pública Municipal, mas todos os cargos são de livre nomeação – cargos comissionados. Essa situação leva os membros à total perda da independência funcional, eis que posições contrárias ao interesse do governante podem importar em demissão sumária, em atos arbitrários de quase impossível comprovação. Nas duas situações anteriores, observa-se que municípios fazem, ilegalmente, sucessivos contratos com advogado ou sociedade de advogados, outorgando-lhes procurações para atos em juízo. 285


Agentes municipais recebem dos advogados contratados orientações jurídicas em caráter continuado e para objetos diversos, em regime de execução indefinido e frouxo8, por preços não justificados9, a maioria acerca de fatos corriqueiros da administração10, em verdadeira usurpação de função pública e violação ao princípio do concurso público11, por meio de terceirização ilegal12. O mais aviltante de tais situações é que, em não poucas vezes, os advogados são diretamente contratados, valendo-se de falsas declarações de notória especialização dos profissionais13 e sofríveis justificativas da escolha do Indique, nas contratações de obras e serviços, o regime de execução na forma estabelecida pelo artigo 10 da Lei n. 8.666/1993. tCU. Acórdão 2237/2006 Primeira Câmara. 9 Inclua nos processos licitatórios, em atenção ao disposto no artigo 7º, § 2º, I, da Lei n. 8.666/1993, bem assim de dispensa e inexigibilidade, orçamento em planilhas que expressem de forma detalhada a composição de todos os custos unitários do objeto a ser contratado. Apresente nos editais de licitação, como critério para julgamento, disposições claras e parâmetros objetivos, que impeçam mais de uma interpretação, em respeito ao artigo 40, inciso VII, da Lei 8.666/1992. Acórdão 818/2008 Segunda Câmara. 10 O tribunal de Contas dos Municípios Goianos tem firmado sua posição nos termos da Resolução RC n. 032 – 05, consulta formulada pelo Prefeito do Município de Catalão, nos termos seguintes: “EMENtA – A realização de procedimento licitatório pela Administração Pública para a contratação de serviços de terceiros é a regra geral imposta pelo artigo 37, XXI da Constituição da República e pela Lei 8.666/93, sendo possível a contratação de advogado ou de empresa que atua na área jurídica, mediante inexigibilidade de licitação, somente nos casos de alta complexidade do objeto contratual, devidamente justificada” (Decisão Colegiada de 21/12/2005). 11 Abstenha de celebrar contratos cuja execução do objeto demande ações previstas em seu quadro funcional como atividade fim. tCU. Acórdão 3923/2009 Primeira Câmara. 12 Um dos fatores de identificação da legitimidade da contratação consiste na natureza da atividade. Para que seja realmente legítimo, o contrato de serviço tem que ter como objeto atividades-meio, e nunca atividades-fim. Assim, a Administração não pode celebrar contrato de serviços especializados para a função de professor de escolas públicas ou de médico para hospitais públicos. Contratação para esse tipo de atividades estará escamoteando uma admissão funcional indevida. Se determinada atividade se configura como finalística (atividade-fim), ainda que se caracterize como profissional especializado, o Poder Público precisa estruturar-se com quadro funcional próprio, constituído de cargos ou empregos, para cujo acesso será necessária a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como exige a Constituição” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 49-50). 13 Discorrendo sobre o tema, Joel Menezes Niebuhr (2011, p. 93-94) esclarece: “Sobre o assunto, o § 1º do art. 25 da Lei n° 8.666/93 preceitua: ‘Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permite inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. Portanto, o dispositivo supracitado oferece elementos que propugnam esclarecer quais os profissionais 8

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profissional14 e da singularidade do objeto15 contratado, quase sempre definido de forma abrangente e vaga16. Advogados contratados são escolhidos pelos Prefeitos entre aqueles que os defenderam durante o processo eleitoral que os levou ao cargo, em absoluta situação de conflito de interesses17 18 e, daí, improbidade administrativa. que podem ser qualificados como acima da média, isto é, portadores de notória especialização. De acordo como o texto, os agentes administrativos devem analisar o desempenho anterior do profissional, que, por dedução lógica, deve ser favorável aos resultados visados pelo contrato, ou seja, ele deve ser alguém cuja experiência seja cercada de méritos. Ao mesmo passo, impõe-se avaliar os estudos, os trabalhos publicados, especialmente se o serviço a ser contratado se referir à matéria que seja objeto de estudos acadêmicos. Além disso, se a natureza do serviço demandar a intervenção de equipe de profissionais, importa apurar a estrutura organizacional de que o futuro contratado dispõe, bem como, se pertinente, apurar se a equipe dispõe do aparelhamento tecnológico para a produção dos resultados pretendidos”. 14 “Observe nos termos do subitem 8.2.3 da Decisão 739/00 Plenário, no sentido da correta formalização dos processos de contratação de serviços de advocacia, quando ocorrer por inexigibilidade de licitação, com os motivos determinantes da singularidade dos serviços e com a documentação capaz de demonstrar a notória especialização dos contratados. Observe sempre a necessidade de formalização de procedimento, mesmo nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, conforme preceituam os arts. 2º e 26, parágrafo único, da Lei n° 8.666/1993. tCU. Decisão 955/2002 Plenário.” 15 O tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina no processo COM – 04/02691326, em 30 de agosto de 2004, emitiu decisão pela inadimissibilidade da contratação por inexigibilidade para execução de serviços rotineiros: “Os serviços jurídicos ordinários da Prefeitura (apreciação de atos, processos, procedimentos e contratos administrativos, projetos de lei, defesa do município judicial e extrajudicial, incluindo a cobrança da dívida ativa) e da Câmara (análise de projetos de lei, das normas regimentais, e de atos administrativos internos) não constituem serviços singulares ou que exijam notória especialização que autorize a contratação por inexigibilidade de licitação”. 16 Discrimine, de forma precisa, no edital de licitação e no respectivo contrato, o objeto a ser adquirido, fornecendo todos os elementos necessários à sua caracterização, tanto quantitativa como qualitativamente, em observância ao disposto no artigo 55, I, da Lei n. 8.666/1993. Do mesmo modo, elabore o projeto básico do serviço a ser prestado previamente ao certame, no grau de detalhamento exigido nos artigos 6º, inciso IX, e 7° da Lei 8.666/1993, especificando, para os contratos que lhe darem com o fornecimento de mão-de-obra, a relação das atividades que serão desempenhadas pelos agentes da empresa contratada, não sendo suficiente nestes casos a simples enumeração dos recursos humanos a serem alocados. tCU. Acórdão 682/2006. 17 A recente Lei Federal 12.813/13, que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargos ou empregos no âmbito do Poder Executivo Federal, nos traz conceito legal de conflito de interesses, que se nos mostra útil e aplicável a qualquer agente público, inobstante o cargo ou emprego que ocupe, verbis: “Lei 12.813/2013. Art. 3º. Para os fins desta Lei, considera-se: I – Conflito de interesses: a situação gerada pelo confronto de interesse públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo, ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública e; [...]”. 18 “Abstenha de realizar licitações nas quais haja quaisquer relações entre os participantes

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Nessa situação, sequer há ambiente para a cobrança ou fiscalização dos serviços contratados. tais contratações se fazem em violação não só da necessidade de criação e estruturação dos órgãos de advocacia pública municipal como apontado supra, como também às várias prescrições legais da Lei de Licitações e Contratos, Lei 8.666/1993 e, até mesmo, Súmula do tribunal de Contas da União19. Com a criação, devida estruturação e valorização dos profissionais da Advocacia Pública Municipal, todas essas situações indesejadas e imorais tendem a ser combatidas, espera-se, principalmente, pelos próprios membros da instituição, em primeiro plano.

CONCLUSÃO A estruturação do órgão da Advocacia Pública nos municípios é uma exigência da Constituição Cidadã de 1988 que, infelizmente, vem sendo inobservada por um número significativo de municípios. As funções de representação judicial dos municípios nos casos de ausência ou estruturação inadequada da advocacia pública municipal vem sendo de maneira ilegal, às vezes arbitrária e ímproba, por meio de contratações diretas da Administração Pública Municipal. Passados mais de 25 anos da promulgação de 1988, essa calamitosa situação das advocacias públicas municipais está a exigir pronto e impostergável atual dos órgãos de controle da administração pública20 e, mesmo do cidadão, aqueles pelos inúmeros instrumentos e aqueles que detenham o poder de decisão no processo licitatório, ou qualquer outra situação em que se verifique prejuízo ao atendimento dos princípios da igualdade e da moralidade administrativa”. tCU. Acórdão 5276/2009 Segunda Câmara. 19 “SÚMULA n. 264/2011. A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993. Fundamento Legal. Constituição Federal, art. 37, inciso XXI; Lei 8.666, de 21/6/1993, art. 25, inciso II;”. Precedentes: Acórdão 416/2008, 571/2007, 3860/2007, 706/2007, 2839/2007 e 283/2007. 20 Prefeitos, Vereadores, tribunais de Contas e Ministérios Públicos em primeiro plano, Poder Judiciário ao ser provocado.

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de coerção, inclusive judiciais, este por meio da ação popular ou do voto. talvez a Advocacia Pública Municipal organizada de forma independente nos moldes constitucionais não tenha sido ainda compreendida pela sociedade brasileira, em especial pelos agentes públicos municipais, com destaque para o prefeito. Não se descarta a hipótese, contudo, que talvez seja a plena compreensão do seu papel, importância e poder em favor do Estado Democrático de Direito que tem levado a que alguns Prefeitos - aqueles descolados do interesse público - tenham se mantido inertes e resistentes a criálas. O momento é de ação, eis que não faltam argumentos e instrumentos constitucionais e infralegais para a defesa da Advocacia Pública Municipal.

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