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Luana Vaz Davico* DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS CRIMINAL RESPONSIBILITY OF LEGAL PERSONALITIES: LEGAL AND DOCTRINAL JURISPRUDENTIAL ASPECTS DE LA RESPONSABILIDAD PENAL DE LAS PERSONAS JURÍDICAS: ASPECTOS DOCTRINALES Y JURISPRUDENCIALES

Resumo: O presente artigo apresenta os vários temas para conceituação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas e as polêmicas e embates travados na doutrina e jurisprudência acerca do assunto. Traz os diferentes aspectos da jurisprudência atual, adentrando, ao fim, na tendência e postura que mais prevalece atualmente. Abstract: This article presents the several themes for conceptualization of criminal liability of Legal Personalities and the controversies and conflicts in the doctrine and jurisprudence concerning to it. It brings the different aspects of the current law, entering at the end, on trend and posture most prevalent today. Resumen: Este artículo presenta los diferentes temas para la conceptualización de la responsabilidad penal de las personas jurídicas y las controversias y conflictos en la doctrina y la jurisprudencia al respecto. Trae los diferentes aspectos de la ley actual, explicando, al final, la tendencia y la postura más común hoy en día. Palavras-chaves: Direito Penal, Direito Ambiental, pessoa jurídica, responsabilidade penal. Especialista em Direito Penal e em Direito Processual Penal pela UFG e graduada em Direito também pela UFG. Assessora da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Inhumas, Goiás.

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Keywords: Criminal Law, Environmental Law, legal personality, criminal liability. Palabras clave: Derecho Penal, Derecho Ambiental, corporativo, responsabilidad penal.

INTRODUÇÃO De maneira pioneira em nosso país, os artigos 173, § 5º, e 225, § 3º, da Constituição Federal, autorizam a responsabilização das pessoas jurídicas sob dois aspectos. O primeiro autoriza a punição da pessoa jurídica em relação aos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Contudo, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, obrigatoriamente, teria de conduzir a matéria a ser detalhada e disciplinada em uma lei específica. Nesse diapasão, o segundo artigo faz nascer a Lei n. 9.605/1998, a qual tratou expressamente desse tipo de responsabilidade criminal da pessoa jurídica nos delitos ambientais. Atualmente, a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica em delitos ambientais vem sendo admitida tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça. A responsabilidade penal da pessoa jurídica tem se manifestado, nesse ínterim, como tema recorrente na maioria dos debates jurídicos, em especial naqueles voltados ao Meio Ambiente, onde tal responsabilização encontra-se positivada na Lei 9.605/1998. Entretanto, para que uma pessoa jurídica responda por um delito ambiental é preciso que dois pressupostos previstos no artigo 3º da Lei de Crime Ambientais sejam realizados simultaneamente. Tais questões deverão ser tratadas sob a ótica da possibilidade ou não de responsabilizarmos a pessoa jurídica pela prática do crime ambiental, principal tema deste artigo. 204


RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES ECONÔMICOS Em se tratando da punibilidade nos crimes contra a Ordem Econômica Nacional, não há como afastar a discussão sobre a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas. O tema do engajamento desse tipo de responsabilidade penal é essencialmente complexo: É uma verdadeira vexata quaestio saber se essa responsabilidade é efetivamente "penal", se devem ser responsabilizados "penalmente" só as pessoas jurídicas e as empresas ou, alternativamente, os gestores das mesmas pelos fatos formalmente cometidos por aquelas (ou se a responsabilidade seria dupla: dos responsáveis pelo ato criminoso e da pessoa jurídica. (MIR PUIG, 2008)

Como anteriormente introduzido, a nossa Magna Carta, em duas situações, tratou da responsabilidade da pessoa jurídica (crimes econômicos e ambientais - CF, artigos 173, § 5º, e 225, § 3º). Contudo, até agora apenas no que se refere aos crimes ambientais o assunto foi regulamentado por lei específica (Lei 9.605/1998). A Constituição Federal instituiu, no âmbito dos crimes econômicos, que: Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...] § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Dessome-se, portanto, que a Constituição revela, nesse dispositivo, a possibilidade de as pessoas jurídicas poderem ser responsabilizadas no âmbito civil, administrativo e penal nas condutas 205


lesivas à ordem econômico-financeira e à economia popular. Chega-se, assim, à ilação de que a responsabilidade das empresas não se restringe à matéria ambiental, ausente ainda a regulamentação. Por tal ausência de regulamentação se abre o leque de discussões sobre essa imputabilidade penal, já que “os princípios da responsabilidade pessoal, subjetiva, da culpabilidade, da personalidade da pena, em tese, não se compatibilizariam com a responsabilidade penal da pessoa jurídica” (PINTO, 2012). É necessário, então, o nascimento de uma legislação que discipline a responsabilização da pessoa jurídica no âmbito dos crimes econômicos, rompendo novamente com o clássico princípio societas delinquere non potest, uma vez que é impossível, dada as exigências e peculiaridades - como a relevância dos bens jurídicos tratados pelo Direito Penal - tratar do tema de imputabilidade penal no âmbito subjetivo e fragmentário. Não podemos nos olvidar, contudo, a intenção do legislador ao criar o referido artigo 173 da CF/88, vez que cuidava-se, na sua legislação original, que: "lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos integrantes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade criminal desta". Assim, em consonância com o texto constitucional, como se fez quanto aos crimes ambientais, os agentes do Sistema Financeiro Nacional também devem estar sujeitos à legislação penal. Por razão de tal ausência, neste momento o presente artigo se dedicará mais ao que se refere à responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais.

RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES AMBIENTAIS A responsabilização penal das pessoas jurídicas insurge, ainda, amplo debate, pois coexistem correntes que “não admitem a responsabilização penal das pessoas jurídicas; dos que propõem a aplicação de medidas especiais; e os que consideram necessária a responsabilização penal” (PINTO, 2012). 206


A Constituição Federal, no âmbito da responsabilização por crimes ambientais, instituiu que: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Pelo supracitado artigo, o legislador constituinte cuidou da aplicação de sanções penais e administrativas às pessoas jurídicas quando do cometimento de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente. Contudo, para melhor aformosamento dessa responsabilização, é necessário olharmos para a construção do Direito Ambiental no Brasil. Direito Ambiental no Brasil A degradação ambiental resultante da evolução industrial e tecnológica, aliada à maior conscientização do ser humano em relação à natureza, fizeram com que a proteção ao meio ambiente passasse a ser consagrada nas constituições do segundo pósguerra como um direito fundamental de 3º dimensão. Devemos, contudo, analisarmos preliminarmente a construção do direito ambiental brasileiro em quatro grandes fases: fase de desproteção ambiental, fase fragmentária, fase holística e fase da proteção constitucional. Fase da desproteção ambiental Trata-se da primeira fase da construção jurídica ambiental no mundo, fase desregrada, onde não havia uma proteção ambiental específica, fase que abarca desde o descobrimento do Brasil 207


até meados do século XX, basicamente no ano de 1950. A principal característica concentrava-se na inexistência de uma legislação específica que tratasse da questão ambiental do Brasil (e no mundo). Fase fragmentária Nessa fase, o meio ambiente era observado pelo ponto de vista utilitário, ou seja, o que se abordava era a utilidade do meio ambiente dentro do meio comum. Foi nesse marco que o legislador encontrava-se "preocupado com largas categorias de recursos naturais, mas ainda não preocupado com o meio ambiente em si mesmo considerado, impôs controles legais às atividades exploratórias" (BENJAMIN, 1999). São desse período o Código Florestal (1965), os Códigos de Caça, de Pesca e de Mineração (todos de 1967), a Lei de Zoneamento Industrial (1980) e a Lei dos Agrotóxicos (1989). Fase holística Nesse momento, o meio ambiente deixa de ser protegido de forma fragmentária, passando a analisá-lo como um todo, não mais observando, exemplificadamente, o solo como um bem, a água como outro bem, a flora como outro, etc., trata-se de um sistema ecológico integrado. Contudo, sabemos que, para fins didáticos, ainda são feitas algumas divisões, que assim funcionam para melhor inserção dos estudos no âmbito ambiental, mas que não tem o condão de perder esta não fragmentariedade do direito ambiental. Tais divisões são conhecidas como: Meio Ambiente Natural, Meio Ambiente Artificial, Meio Ambiente Cultural e Meio Ambiente do Trabalho. A partir de 1981 deu-se, no Brasil, essa visão holística do meio ambiente, desencadeada a partir de uma primeira discussão mundial ocorrida em Estocolmo, no ano de 1972. Nessa época, é interessante frisar que contávamos com dois grandes grupos mundiais tratando acerca da questão ambiental, sendo um deles o Grupo de ROMA, liderado pelos países europeus, que, diante da devastação ambiental ocorrida naquele período de 208


1972, apregoavam um crescimento zero. Ou seja, deveria haver uma paralisação do desenvolvimento mundial para que aquela devastação que vinha sendo suportada pudesse cessar. O Brasil, governado pelos políticos do Golpe Militar de 64, em consonância com o período do milagre econômico brasileiro e em confronto com este Grupo de ROMA, lidera um grupo que detinha uma filosofia totalmente contrária, a do crescimento a qualquer custo. Nesse momento, ecoa pelo mundo um convite para que os países viessem ao Brasil, instalassem suas empresas e indústrias aqui, pois o país ficou tachado como um país sem qualquer proteção ao meio ambiente, que acusava os integrantes do Grupo ROMA de serem imperialistas. Isso gerou, então, um fenômeno brasileiro, que culminou com a cidade de Cubatão, no início da década de 1980, sendo considerada a cidade mais poluída do mundo, refletindo até mesmo no nascimento de crianças com diversas deformidades, geradas em consequência dessa filosofia de desenvolvimento econômico e abandono ambiental. a) Lei da Política Nacional do Meio Ambiente Diante do historicizado, no ano de 1981, após esse cenário de devastação ambiental que assolava o Brasil, nasce a mais importante lei ambiental do país, pois teve imensurável importância no nascimento da política ambiental nacional, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/1981. Observamos que o legislador constituinte, ao pensar na LPNM, cuidou da questão ambiental de forma fragmentária (solo, água, flora, fauna), para, por fim, começar a visioná-lo de uma forma integralizada. Fase da proteção constitucional Até então nossas constituições não citavam a questão ambiental, apenas a Constituição Federal de 1988, de maneira inédita no Brasil, trata expressamente da questão ambiental no Brasil. A inovação veio a partir do dispositivo 225 da Constituição Federal, que garante que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tal dispositivo trata-se de uma réplica 209


da Constituição de Portugal de 1976, que retrata de forma similar o que veio pioneiramente em nossa CF/88. Desenvolvimento Sustentável A expressão desenvolvimento sustentável teve seu nascimento exatamente no momento supracitado, em que havia um embate entre os dois grupos que se opunham quando ao desenvolvimento: o Grupo ROMA, que deliberava o desenvolvimento zero, e o grupo liderado pelo Brasil, que apregoava o desenvolvimento a qualquer custo. Buscando equilibrar as duas correntes, nasce a ideia de desenvolvimento sustentável, ou seja, tal expressão está implicitamente reconhecida na nossa CF. Principais características do Direito Ambiental diante do quadro de desenvolvimento sustentável refletidos na responsabilização penal a) Indisponibilidade Ora, o artigo 225, ao dizer que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, estipula que não há uma titularidade do meio ambiente. Nesse sentido, não há disponibilidade do meio ambiente, pois não é “bem”, não é “coisa” que possa ser individualizada. Ademais, o fato de o mesmo não ser privado não o caracteriza como pertencente ao Estado, pois este nem sequer pode impor limitações ou disponibilização do mesmo. Na verdade, há, com a CF/88, a criação de uma nova modalidade de bem, o bem ambiental, que não é meu nem seu, mas de todos. b) Solidariedade Ao acrescentar que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial 210


à sadia qualidade de vida, nasce o princípio do desenvolvimento sustentável, implicando o dever, ao Estado e à coletividade, de preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Quando estabeleceu o artigo 225, o legislador constituinte implicitamente gerou o nascimento do desenvolvimento sustentável, impondo um crescimento de forma sustentável. De forma simples, desenvolvimento sustentável é o crescimento que degrada de forma mínima, uma vez que não há como se postular a ideia de inexistência de degradação ambiental, pois esta tem, por vezes, até mesmo o desempenho de um papel essencial no desenvolvimento de um ser urbano. A questão é uma degradação do meio ambiente da menor forma possível. Logo, os órgãos ambientais que fiscalizarão essa degradação ambiental deverão exigir dessas empresas medidas compensatórias (cunho patrimonial) e medidas mitigadoras (o que degrada, mitiga). Responsabilidade Penal A relevância dos temas anteriormente abordados neste artigo influi-se na construção da justificativa e do objetivo da responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito da CF e da Lei 9.605/1998. Ora, quando a Constituição Federal instituiu, em seu artigo 225, § 3º, que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, ela trouxe à tona o quadro de responsabilidade de uma empresa quando ela promove uma atividade de degradação ambiental. Essa responsabilidade pelo dano ambiental pode ser administrada no âmbito de três ordens: a responsabilidade civil pelo dano ambiental, a responsabilidade administrativa e a responsabilidade criminal pelo dano ambiental. Muitas vezes o degradador se deparará com uma multa (responsabilidade administrativa), será notificado junto ao Ministério Público para responsabilização compensatória (responsabilidade civil), e, por fim, será instaurado, junto à Polícia Judiciária, TCO ou 211


Inquérito Policial (responsabilidade penal) em seu desfavor. A dúvida e o embate deflagram-se quando associamos a questão da responsabilidade penal com privação de liberdade por meio da prisão. Muitos se indagam como seria possível prender uma Pessoa Jurídica. Contudo, para responder a esse questinamento comum é necessário atentarmos a duas circunstâncias indissociáveis: a responsabilidade individual e a responsabilidade coletiva. Toda vez que eu, pessoa física, pratico uma conduta, e a mesma encontra-se reservada pela lei, em regra essa conduta será caracterizada como crime. Essa é a regra da Responsabilidade Individual, já que a evolução social e filosófica reflete-se no desenvolvimento dos conceitos dogmáticos do Direito. Essa evolução levou, no Direito Penal, ao reconhecimento exclusivo da responsabilidade individual, que aos poucos foi evoluindo até adentrar ao ordenamento a ideia de responsabilidade coletiva. A responsabilidade coletiva é a exceção, e disso resulta o questionamento anterior. Desse modo, indaga-se se a pessoa jurídica é ficção ou realidade. Se a pessoa jurídica, afinal, é a soma das vontades dos sócios ou se ela tem autonomia. E isso é argumentado ante a existência das Teorias da Pessoa Jurídica. Teorias da Pessoa Jurídica Teoria da ficção Tal teoria foi a mais aceita durante todo o século XVIII e parte do pressuposto de que todo direito corresponde a um sujeito, o seu titular. Assim, as empresas só poderiam ter direitos e deveres e, consequentemente, capacidade jurídica, se fossem concebidas como sujeitos, trazendo a necessidade da criação da personalidade por meio de lei, já que somente o homem podia ser sujeito de direito e deveres.

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Teoria da vontade legal Criada por M. Michoud, sustentava que a pessoa jurídica era real, e não somente um direito instituído normativamente, era sim uma situação fática. Todavia, as vontades adjacentes da pessoa jurídica eram expostas por meio de um mecanismo denominado transporte da responsabilidade de uma pessoa para a outra. “A vontade legal surge, nesse contexto, da determinação contida na Lei de que as vontades dos órgãos da corporação seja a própria vontade deste ente coletivo” (GOMES, M. J., 2007). Nesse aspecto, se a vontade corporativa é obra exclusiva da Lei, a teoria da vontade se reduz à da ficção. Teoria dos direitos sem sujeito Defendida por Windscheid e Brinz, entende que alguns direitos não são relacionados ao sujeito, tampouco, entretanto, podem ser criados sujeitos “fictícios” para a detenção desses direitos. Para Marcelo Gomes (2007): A teoria dos direitos sem sujeito é uma mera consequência da teoria da ficção porque resulta, exatamente, da busca da realidade. Tal teoria não possui aplicabilidade, caindo em descrédito exatamente porque não reconhece a relação entre o sujeito e direito, necessária na construção de todo e qualquer ordenamento jurídico.

Teoria dos destinatários Ihering, seu principal defensor, afirma nessa teoria que [o]s verdadeiros titulares de um direito são os seus beneficiários, mas como nem todos podem ser determinados, sendo em relação a alguns direitos os beneficiários nem mesmo nasceram, institui-se a pessoa jurídica para ser portadora daqueles direitos que, entretanto, permanecem possuindo como titulares os destinatários.

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Teoria da vontade real Se opondo à teoria da ficção, a teoria da vontade real é resultado do conhecimento e desenvolvimento dos estudos de Direito Público na Alemanha, no qual se destaca como estudioso do tema Gierke. Ela parte do pressuposto de que o Estado não pode nunca ser observado como uma ficção, o que afasta as vertentes da teoria da ficção. Seu principal marco é a distinção que faz entre o representante e um órgão da pessoa moral, marco este que dá vida à ideia de dupla função da pessoa física dentro de uma empresa sua vontade atinge dois liames: o de sua atuação no órgão da corporação e de sua postura fora dela. Concebe-se, então, a diferença entre vontade corporativa e individual. Teoria da realidade técnica Como um equilíbrio entra as teorias da ficção e da vontade real, essa teoria é assim exposta: Por ser eclética ela confere valor a parte de cada uma das teorias, estando mais de acordo com a realidade, pois não parte das construções artificiais ou entra no campo das ciências exatas. Do ponto de vista materialista só o homem é uma realidade, sendo a pessoa jurídica pura ficção (como doutrinam SAVIGNY E JHERING). Mas a pessoa jurídica existe de fato em Direito, não como uma realidade corporal, mas ideal. È uma concepção da ciência jurídica que aprecia os fenômenos de acordo com seus critérios, tendo em vista os objetivos das instituições jurídicas. (GOMES, M. J., 2007)

Seus defensores fazem uma complexa distinção entre o ser humano e a pessoa jurídica, que residirá tenuemente naquilo que é, ou não, exclusivo da pessoa jurídica. É a teoria que modernamente prevalece. A Pessoa Jurídica como Sujeito de Pena à Luz da CF/88 Sabemos que, em síntese, não há como compreendermos a 214


pena sem aexistência da culpabilidade, necessitando que se extraiam os seus elementos para que possamos responsabilizar o sujeito por um delito. Para entendermos o posicionamento de nossa Constituição ao responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, devemos, de imediato, desmistificar que a ideia de pena é tão somente cadeia. O artigo 5º da nossa CF estabelece, no inciso XLVI, que: [...] A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.

Logo, a pessoa jurídica terá como possível sua condenação em multa, em perda de bens, em prestação de direito, pois pena não é somente privação de liberdade. Questiona-se, então, qual o fundamento para que a pessoa jurídica possa ser responsabilizada criminalmente. O primeiro dispositivo que responde a esse questionamento é o artigo 173, § 5º, da CF, que afirma que a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada criminalmente nas hipóteses de crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Outro dispositivo encontra-se no já citado artigo 225, § 3º, que trata da responsabilização criminal ambiental. Acontece que nossa Constituição, que é de 1988, ainda não foi regulamentada quanto aos crimes da ordem econômica, financeira e economia popular por uma questão, permita-se dizer, meramente política. Noutro ponto, em 1998, entrou em vigor no Brasil a Lei dos Crimes Ambientais, Lei 9.605/1998, que regulamenta a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Contudo, para que uma pessoa jurídica seja responsabilizada, são necessários dois requisitos: que a decisão que repousa na conduta criminal tenha partido dos representantes legais, representantes contratuais ou do órgão colegiado da entidade; que

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essa decisão tomada reverta benefício para a pessoa jurídica. Adequação da pena à pessoa jurídica Ainda não esgotadas as questões da responsabilização da pessoa jurídica, não adentrando ao mérito da responsabilidade dos sócios, nasce o embate da adequação da pena à empresa. Sabemos que todo nosso dispositivo penal é voltado para o indivíduo, não para a coletividade. De igual modo foi o pensamento do legislador da Lei 9.605/1998, quando estabeleceu as penas. Contudo, reservou-se, nos artigos 21 a 24 da supracitada Lei, estabelecer as penas a serem aplicadas ao ente jurídico, quais sejam, prestação de serviços à comunidade, restrição de direitos e multa. O artigo 24, de forma muito mais severa, estabeleceu ainda que: A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

O que nos permite chegar à ilação da impossibilidade de afastarmos a ideia de crimes e penas da pessoa jurídica. Todavia, dessa forma, devemos ainda enxergar a obrigatoriedade trazida pela dupla imputabilidade nos casos de crimes ambientais entre sócio responsável e pessoa jurídica. Nesses casos, além da individualização da pena dentro do requisito já citado – de conhecimento do indivíduo/órgão colegiado que tomou a decisão geradora do ilícito – recai também sobre o indivíduo que tomou tais decisões a responsabilização penal individual pelo crime. Nasce, ali, a ideia de que a pessoa jurídica nunca pode ser considerada autora mediata de um crime, nem pode se considerar como partícipe, tendo em vista a natureza do delito. Vale ressaltar, por fim, que a Lei 9.605/1998, em seu artigo 4º, determina a desconsideração da pessoa jurídica quando à personalidade do ente jurídico impedir o ressarcimento de prejuízos 216


causados ao meio ambiente (mitigação e compensação). Permite, assim, a imputação aos administradores da pessoa jurídica, que a utilizaram, apenas, como escudo para fins ilícitos.

ASPECTOS DOUTRINÁRIOS A Constituição Federal, indubitavelmente, em duas situações, tratou da responsabilidade da pessoa jurídica (crimes econômicos e ambientais - CF, artigos 173, § 5º, e 225, § 3º). Até agora apenas no que concerne aos crimes ambientais o assunto foi regulamentado (Lei 9.605/1998, artigo 3º). Mas a doutrina até hoje discute se essa responsabilidade tem ou não o caráter "penal". No sentido negativo: Miguel Reale Júnior, José Cretella Júnior, Cezar Roberto Bitencourt, José Antonio Paganella Boschi, Luiz Vicente Cernichiaro, etc. (GOMES, L. F., 2007). Nesse ponto, autores como Eduardo Luis Santos Cabette (2003) dispõem que: O enfrentamento adequado da grande criminalidade exige o estudo de regras especiais para imputação, sob pena de absoluta falência do Direito Penal. Acrescenta, ainda, sobre a “imprescindibilidade de uma regulamentação especial do tema, com regras processuais, de execução e até materiais mais apropriadas”. Não considera, todavia, ser a melhor solução alterar o foco do Direito Penal para uma espécie de híbrido com o Direito Administrativo. Ao contrário, é pela permanência no Penal, dada à relevância dos bens jurídicos em jogo.

De mesmo modo, Gianpaolo Poggio Smanio (2000): [...] que as medidas especiais, de caráter ordenatório, administrativo ou civil, podem ser utilizadas para a prevenção dos ilícitos praticados pelas pessoas jurídicas, mas são insuficientes para responder à realidade criminal econômica e ambiental de nossos dias, devendo ser aplicadas juntamente com medidas de caráter penal, fazendo parte de um sistema jurídico-penal novo, apto a

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atuar de forma eficaz no combate à criminalidade contemporânea, à lavagem de dinheiro, à criminalidade organizada etc.

Na análise de Shecaria: Há necessidade de uma pena de cunho processual criminal e não de uma medida semelhante no plano administrativo ou civil, considerando a carga estigmatizante e mais gravosa da sanção penal, sob o aspecto ético, que se reflete na própria imagem da empresa.

Noutro ponto, aludindo à teoria da realidade de Gierke, Fausto de Sanctis (1999, p. 9), apresentado por Smanio: [...] as pessoas jurídicas possuem vontade própria e se exprimem pelos seus órgãos. Essa vontade independe da vontade de seus membros e constitui uma decorrência da atividade orgânica da empresa. Conclui-se, portanto, que diante dessa vontade própria é possível o cometimento de infrações, de forma consciente, visando à satisfação de seus interesses.

José Afonso da Silva entende que o artigo 173, § 3º, prevê a responsabilização das pessoas jurídicas independentemente da responsabilização de seus sócios, recaindo-lhes as punições de acordo com sua natureza, nas condutas contra a ordem econômica e do meio ambiente. De igual modo, cuidam Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins e Pinto Ferreira (apud SECHARIA, p. 116). De outro ponto, contrários à responsabilização penal do ente jurídico, temos: René Ariel Dotti, Luiz Vicente Cernicchiaro, Cezar Roberto Bitencourt, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Luiz Regis Prado, José Carlos de Oliveira Robaldo, William Terra de Oliveira, dentre outros (SOUZA, 2000). Para eles, não houve, por parte da Constituição, qualquer positivação acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Os argumentos oscilam entre a “interpretação literal do texto constitucional à de ordem teleológico-sistemática” (SOUZA, 2000). Exemplificando, Luiz Regis Prado (1999) revela, em sua análise do artigo 225 da CF, que este, na verdade, cuida, de forma indubitável, da observância de uma conduta/atividade, adiante, de forma sequencial, aduz às pessoas físicas ou jurídicas. Entendeu, 218


então, que pela correlação significativa mencionada, o legislador constituinte intencionalmente distinguiu esses dois aspectos. Afirma ainda que: Nada obstante, mesmo que – ad argumentandum – o dizer constitucional fosse em outro sentido – numa interpretação gramatical (a menos recomendada) diversa –, não poderia ser aceito. Não há dúvida que a ideia deve prevalecer sobre o invólucro verbal.

José Carlos de Oliveira Robaldo (1999) apresenta, ademais, dois defeitos dessa suposta responsabilização penal da pessoa jurídica: Primeiro porque fere o Direito Penal mínimo, posto que está se atribuindo ao Direito Penal uma tarefa que não é sua; segundo porque o Direito Penal se fundamenta na culpabilidade, cuja conduta, pedra angular da teoria geral do delito, somente é atribuível ao homem.

Luiz Vicente Cernicchiaro (apud ROBALDO, 1999) entende que, ao estabelecer a responsabilização penal da empresa, se estaria ferindo o princípio da culpabilidade e o da responsabilidade pessoal: Haveria, pois, ofensa à idéia de que sem culpabilidade não existe pena, dogma de segurança individual, garantido pelo sistema penal brasileiro e haurido do Iluminismo; além disso, a pena passaria da pessoa do condenado, atingindo terceiros que não houvessem praticado qualquer conduta delituosa, ou que nem mesmo tivesse dado alguma contribuição nesse sentido.

ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS Demonstrando o embate doutrinário de maneira mais pacífica, os Tribunais Superiores têm entendido que é possível a responsabilização da pessoa jurídica. De forma inédita, o Tribunal Regional da 4ª Região Fede219


ral, no Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-0, denegou a ordem de trancamento de ação penal em desfavor de uma pessoa jurídica. Vejamos a ementa: PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA. PASSAGEM DA CRIMINALIDADE INDIVIDUAL OU CLÁSSICA PARA OS CRIMES EMPRESARIAIS. CRIMINALIDADE DE EMPRESAS E DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. DIFERENÇAS. SISTEMA NORMATIVO REPOSITIVO E RETRIBUTIVO. IMPUTAÇÃO PENAL ÀS PESSOAS JURÍDICAS. CAPACIDADE DE REALIZAR A AÇÃO COM RELEVÂNCIA PENAL. AUTORIA DA PESSOA JURÍDICA DERIVA DA CAPACIDADE JURÍDICA DE TER CAUSADO UM RESULTADO VOLUNTARIAMENTE E COM DESACATO AO PAPEL SOCIAL IMPOSTO PELO SISTEMA NORMATIVO VIGENTE. POSSIBILIDADE DE A PESSOA JURÍDICA PRATICAR CRIMES DOLOSOS, COM DOLO DIRETO OU EVENTUAL, E CRIMES CULPOSOS. CULPABILIDADE LIMITADA À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DE QUEM DETÉM O PODER DECISÓRIO. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL DA PENA. FALÊNCIA DA EXPERIÊNCIA PRISIONAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. MELHORES RESULTADOS. APLICABILIDADE ÀS PESSOAS JURÍDICAS. VONTADE DA PESSOA JURÍDICA SE EXTERIORIZA PELA DECISÃO DO ADMINISTRADOR EM SEU NOME E NO SEU PROVEITO. PESSOA JURÍDICA PODE CONSUMAR TODOS OS CRIMES DEFINIDOS NOS ARTIGOS 29 E SEGUINTES DA LEI 9.605/98. PENAS APLICÁVEIS. CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS E PRESCRIÇÃO. LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PREVISTA NOS TIPOS DA LEI 9.605/98. INTERROGATÓRIO NÃO DEVE SER FEITO NA PESSOA DO PREPOSTO. ATO DEVE SER REPETIDO NA PESSOA DO ATUAL DIRIGENTE. PROVA. NECESSIDADE DE REVELAR A EXISTÊNCIA DE UM COMANDO DO CENTRO DE DECISÃO QUE REVELE UMAAÇÃO FINAL DO REPRESENTANTE. INVIABILIDADE DE ANALISAR PROVAS EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO. SEGURANÇA DENEGADA.

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Um pouco mais resistentes, os Tribunais Catarinenses afastavam a possibilidade desta responsabilização, quando, por exemplo, no julgamento do recurso criminal n. 2003.003801-9, no qual o relator, Desembargador Torres Marques, afirmou que: A denúncia encontra amparo no art. 3º e parágrafo único da Lei n. 9605/98, que menciona: Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. O referido artigo deve ser analisado juntamente com o que preceitua a Constituição Federal no art. 225 §3º: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados. Este dispositivo Constitucional gerou grande polêmica, tendo em vista o princípio da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica, adotado pelo Brasil. O artigo 3º da Lei 9605/98, ao declarar que as pessoas jurídicas respondem penalmente, pretende aplicar o que dispõe o artigo 225, § 3º, da Carta Magna. Resta saber se o constituinte, através do referido dispositivo, desejou que se passasse a incriminar a pessoa jurídicas.

Em razão dessa resistência do TJSC a questão foi levada ao STJ no ano de 2005, que ratificou o entendimento de que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada quando sua conduta for ilícita penal, uma vez que o constituinte originário deixou tal mandamento exarado no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, o que foi posteriormente regulamentado pelo artigo 3º da Lei n. 9.605/1998. Vejamos: CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA

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JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. (RESP- 564960, STJ - 5ª Turma, Relator: Min. Gilson Dipp, DJ: 13/06/2005).

Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal vem enfrentando lentamente a situação, mas já se podem prever os posicionamentos da Suprema Corte, conforme relatado pela professora Natália Langenegger (2009), ao apreciar os votos dos Ministros do STF: A despeito disso, na pesquisa inicial realizada no site do STF, foi possível identificar 6 (seis) decisões que, muito embora tratem superficialmente da RPPJ, poderão ser utilizadas como indicativo de futuro posicionamento da corte sobre o assunto. Este tópico do trabalho se preocupará em analisar referidas decisões. Há duas decisões, HC 83301-2 e RHC 85658-6, em que o Ministro Cezar Peluso se manifesta expressamente contra a possibilidade de haver RPPJ, consoante se verifica pelo trecho de acórdão abaixo transcrito: "Ora, como sabe toda a gente, "empresas" não cometem crimes. Em nosso sistema penal, a despeito do que estatui a Lei 9.605/98, vige o princípio da "societas delinquere non potest", sendo a responsabilidade penal pessoal e, mais que isso, subjetiva." Nessas decisões o Ministro claramente afirma que a Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98) está em desconformidade com princípio vigente em nosso ordenamento jurídico, qual seja, o da "societas delinquere non potest". A partir desse posicionamento, é natural que se espere por duas declarações futuras do ministro: (a) a RPPJ não está prevista no artigo 225, §3° da Constituição, e (b) a Lei de Crimes ambientais é inconstitucional. Entretanto, não somente essas declarações são apenas suposições, como o debate nessas decisões girava em torno de outro assunto - a responsabilidade penal de dirigente de pessoa jurídica pelo cometimento de "crimes societários".

Contudo, a expectativa gira em torno da análise pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário 548.181, no qual se discute um crime ambiental ocorrido no Paraná, supostamente de responsabilidade da Petrobras. 222


A relatora, Ministra Rosa Weber (apud REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2013), afirmou que a matéria traz uma questão constitucional maior envolvida, e, quanto ao conteúdo do artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, relata tratar-se de “condicionar a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação e manutenção na relação jurídico-processual da pessoa física”. Da recente mudança de entendimento do STF O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão de 06 de agosto de 2013, deu novo entendimento à dupla imputação obrigatória, que até o momento era regra geral quando da responsabilização penal da pessoa jurídica. Por maioria dos votos, a primeira turma reconheceu, no RE 548181, a possibilidade de responsabilização unicamente da Petrobras em relação ao crime ocorrido no ano de 2000. O Presidente da Petrobras foi denunciado juntamente com a pessoa jurídica, atendendo ao princípio supracitado, pelo derramamento de quatro milhões de litros de óleo cru, poluindo os rios Barigui, Iguaçu e áreas ribeirinhas, alcançando, em 2005, habeas corpus que procedeu com o trancamento da ação penal, por ausência de nexo causal entre sua conduta e o fato. Diante disso, o STJ determinou também o trancamento da ação penal em relação à Petrobrás, dada a impossibilidade da responsabilização somente da pessoa jurídica. O Ministério Público Federal, em recurso, consegue a vertente desse novo entendimento da própria casa, que reconhecia a necessidade da dupla imputação. A relatora, Ministra Rosa Weber, arguiu acerca da dificuldade de se identificar a pessoa física responsável pela conduta, bem como a ausência de critérios para imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais e o risco de se transpor o paradigma das pessoas físicas ao coletivo. A decisão, do ponto de vista da nossa Constituição, atende ao nela preconizado, uma vez que estabelece a responsabilização de pessoas jurídicas sem, contudo, dar exclusividade a uma conduta (humana), mas sim a uma atividade (empresarial), e, nesse ínterim, as dificuldades mencionadas pela Ministra são 223


reais e justificam, em peculiares casos, a responsabilização unitária da pessoa jurídica. A questão que nos embate é a da contrapartida da Teoria do Crime e esse novo entendimento, uma vez que este feriria o princípio do “nullum crimen sine actio humana”, entre tantas outras questões penais. Nesse sentido, o penalista Professor Luiz Flávio Gomes (apud THOMÉ, 2011, p. 592): Forte doutrina entende que a lei ambiental contempla verdadeira situação de responsabilidade penal. Nesse caso, então, pelo menos se deve acolher a teoria da dupla imputação, isto é, o delito jamais pode ser imputado exclusivamente à pessoa jurídica. E quando não se descobre a pessoa física? Impõe-se investigar o fato com maior profundidade. Verdadeiro surrealismo consiste em imputar um delito exclusivamente à pessoa jurídica, deixando o criminoso (o único e verdadeiro criminoso) totalmente impune.

De veras, o que nos resta é aguardar uma construção doutrinária acerca do assunto, de forma a fazer imperar o princípio da razoabilidade nos paradigmas trazidos por questões conflituosas, de forma a conferir ampla seguridade jurídica à responsabilização penal da pessoa jurídica.

CONCLUSÃO O presente artigo teve por desígnio tão somente apresentar os diversos aspectos trazido por nossa Magna Carta no que tange aos seus artigos 173, § 5º, e 225, § 3º, nessa inovação de analisar a responsabilidade individual e corporativa ante o cometimento de ilícitos penais. Não afasta, contudo, a necessidade de um estudo aprofundado do tema, por parte até mesmo da jurisprudência brasileira, no sentido de melhor estabelecer as penas, as regras e os meios de individualização de condutas no que tange a essa responsabilização, uma vez que a plenitude da democracia depende da obediência 224


aos preceitos legais, protegendo-se a individualização da pena e sua responsabilização, não podendo o cidadão responder por aquilo que não fez. Dignou-se, ainda, a apresentar a divergência trazida pela doutrina, dividindo-se principalmente entre as correntes constitucionalista-ambientalistas de um lado e os penalistas do outro. Por fim, o posicionamento jurisprudencial, cada vez mais pacífico no sentido de admitir esta responsabilização, aguarda ainda o tão esperado julgamento do STF quanto ao embate trazido pelo tema e as dificuldades trazidas pelas lacunas penais e processuais penais da Lei Ambiental.

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