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Angela Acosta Giovanini de Moura* Raquel Giovanini de Moura** UNIDADES DE CONSERVAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO AMBIENTAL PARA A PRESERVAÇÃO DO BIOMA CERRADO PROTECTED AREAS AS A TOOL FOR ENVIRONMENTAL MANAGEMENT FOR THE PRESERVATION OF CERRADO BIOME ÁREAS PROTEGIDAS COMO HERRAMIENTA DE GESTIÓN AMBIENTAL PARA LA CONSERVACIÓN DEL BIOMA CERRADO

Resumo: A complexidade das questões ambientais apresenta-se como um dos maiores desafios impostos à comunidade global, especialmente em relação ao desmatamento, cujos efeitos na desordem climática e na perda da biodiversidade já produzem reflexos. Nesse prisma, o estabelecimento de espaços especialmente protegidos constitui importante ferramenta de gestão ambiental diante da ocupação desenfreada da terra e do uso predatório dos recursos naturais que a humanidade vem protagonizando há milênios. Dentro dessa perspectiva de análise, o presente artigo tem por objetivo demonstrar que a implantação de novas Unidades de Conservação em Goiás pode contribuir para a proteção do bioma Cerrado, além de funcionar como um mecanismo de amortecimento dos prejuízos causados pelos alarmantes índices de desmatamento no estado. Abstract: The complexity of environmental issues presents itself as one of the major challenges imposed on the global community, especially when related to deforestation, the effects of disorder on climate and biodiversity loss already produce reflections. In this sense, the establishment of specially protected areas is an

* Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Promotora de Justiça do MP-GO. ** Graduada em Direito pela PUC-GO.

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important environmental management tool on the degradation of land and predatory use of natural resources that humanity has been starring for millennia. Within this framework of analysis, this article aims to demonstrate that implementation of new protected areas in Goiás can contribute to the protection of the Cerrado, besides functioning as a damping mechanism of the damage caused by the alarming rates of deforestation in the state. Resumen: La complejidad de los problemas ambientales se presenta como uno de los principales retos que se impone a la comunidad mundial, especialmente en relación a la deforestación, cuyos efectos en el desorden del clima y en la pérdida de la biodiversidad ya producen reflejos. En ese sentido, el establecimiento de zonas protegidas es una importante herramienta de gestión ambiental en la degradación de la tierra y del uso predatorio de los recursos naturales que la humanidad ha estado protagonizando por milenios. Dentro de este marco de análisis, este artículo tiene como objetivo demostrar que la aplicación de nuevas áreas protegidas en Goiás puede contribuir a la protección del Cerrado, además de funcionar como un mecanismo de amortiguación de los daños causados por los alarmantes índices de deforestación en el estado. Palavras-chaves: Unidades de Conservação, bioma Cerrado, meio ambiente, biodiversidade. Keywords: Conservation Units, Cerrado biome, environment, biodiversity. Palabras clave: Unidades de conservación, Cerrado, medio ambiente, biodiversidad.

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INTRODUÇÃO A problemática ambiental tem se apresentado como uma das maiores preocupações no mundo desde os fins da década de 1960, quando movimentos ambientalistas, somados a acidentes ecológicos que marcaram o período (CARVALHO, 2001, p. 34), contribuíram para a introdução da temática ambiental na agenda política internacional. As ameaças ambientais relacionadas com a mudança climática e o ritmo acelerado do aumento do efeito estufa imputável à ação humana (VILELA, 2009, p. 49) impulsionaram a comunidade científica, bem como intelectuais, governantes e demais atores globais, a buscarem alternativas eficazes para o enfrentamento do fenômeno (MOURA, 2012). Nesse aspecto, os desafios impostos por esses temas foram decisivos para que ocorresse, desde os anos de 1970, um aumento significativo do número de organismos voltados à proteção ambiental, objetivando a promoção de ações coordenadas. Também foi a partir dessa época que se verificou o estabelecimento de um aparato legal para a proteção da natureza. Dentre as medidas legais adotadas pela maioria dos países do mundo, objetivando a proteção e a conservação dos recursos naturais, destaca-se a normatização do uso da terra e a criação de Unidades de Conservação, considerados pelos governos e pelas sociedades o meio mais eficaz de se conservar amostras significativas dos ecossistemas naturais ou da diversidade biológica dos países. No estado de Goiás, a criação do primeiro parque estadual se efetivou na década de 1970, com o Parque Estadual da Serra de Caldas Novas, no sudeste goiano. Atualmente, Goiás tem 5,77% de sua área protegida por Unidades de Conservação de proteção integral e de uso sustentável, totalizando aproximadamente 82 unidades, que cobrem mais de 1,2 milhões de hectares. Em 1998, essas áreas representavam apenas 1,3% da superfície do estado, o que demonstra que nos últimos anos houve um avanço significativo na criação de Unidades de Conservação (GALINKIN, 2002, p. 87). Por outro lado, estudos apontam que o modelo de desenvolvimento adotado com base em desmatamentos, queimadas, usos 155


de fertilizantes químicos e agrotóxicos, comprometeu mais de dois terços da cobertura vegetal do cerrado goiano, tendo 67% das áreas modificadas, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas, conforme acentua o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (TRIGUEIRO, 2008, p. 54). O Programa Cerrado, desenvolvido pela organização não governamental Conservação Internacional Brasil, realizou pesquisa recente cujos indicadores concluem pelo desaparecimento do bioma Cerrado até o ano de 2030 (MORAN, 2010, p. 87). Assim, o objetivo do presente artigo é demonstrar que a implantação de novas Unidades de Conservação em Goiás apresentase como estratégia de gestão ambiental, visando a conservação da flora, podendo funcionar como um mecanismo de amortecimento dos prejuízos causados pelos alarmantes índices de desmatamento no estado, além de gerar benefícios sociais. ORIGEM DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO A ideia de se reservar determinados espaços territoriais objetivou, inicialmente, atender a uma necessidade ritualística para a preservação de lugares sagrados, nos quais o uso e mesmo a presença humana eram proibidos. O propósito de preservação de alguns espaços relacionava-se, ainda, à manutenção de estoques de recursos naturais; aos espaços para a caça e as cavalgadas; aos locais para a obtenção de frutos, essências silvestres, madeiras e outros recursos naturais. Vislumbra-se, pois, que a preocupação em se proteger determinada área não é típica das sociedades modernas, uma vez que a iniciativa tem sido buscada por distintas sociedades em diferentes épocas (LEITE, 2004, p. 7). Vale ressaltar, inclusive, que a existência das reservas reais de caça já aparecem nos registros históricos assírios de 700 a.C. Os romanos já se preocupavam em manter reservas de madeira que visavam à construção de navios, dentre outros produtos. Na Índia, reservas reais de caça foram estabelecidas no século III. Os senhores feudais destinavam porções significativas de suas florestas como reservas de madeira, de caça e de pesca. Os poderes coloniais na 156


África, ao longo dos dois últimos séculos, também destinaram espaços para a conservação de determinados recursos naturais (BENSUSAN, 2006, p. 87). Para Bensusan (2006, p. 87), somente a partir da segunda metade do século XIX o projeto de definir espaços para conservação foi formatado, pois naquele momento a humanidade tornou-se o principal agente transformador da natureza, sendo evidente a diminuição de algumas áreas e espécies. Pontua-se, dessa feita, a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos da América, em 1872, com o objetivo de preservar seus atributos cênicos, a significação histórica e o potencial para atividades de lazer. A partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone houve uma racionalização no processo de colonização do oeste americano, quando, inclusive, ocorreu a criação de diversas outras unidades de conservação (BENSUSAN, 2006, p. 88). Consta, por outro lado, que no continente europeu, após milênios de colonização humana, os ambientes originais restaram consideravelmente diminuídos, o que contribuiu para que a Europa adotasse outro conceito de área natural protegida. Considerando que a paisagem natural modificada ainda apresentava importantes atributos de beleza cênica, embora ameaçada pelo crescimento urbano e pela agricultura de larga escala, adotou-se um modelo que ficou conhecido na França como Parques Naturais (LEITE, 2004, p. 23). A proposta consistia na criação de mecanismos jurídicos e sociais para regular o uso da terra privada, destacando-se os acordos para preservar o uso do solo, os contratos visando a recuperação de atributos cênicos e biológicos e os acordos entre proprietários e organizações civis para manter uma rede de trilhas para pedestres em áreas privadas (BENSUSAN, 2006, p. 89). O propósito de preservação por meio da criação de parques nacionais e outras unidades de uso restrito foi adotado por outros países, porquanto a preocupação com relação à destruição generalizada dos recursos naturais assumiu uma postura global. Assim, em 1885, o Canadá criou seu primeiro parque nacional; a Nova Zelândia, em 1894; a África do Sul e a Austrália, em 1898. A América Latina também foi um dos primeiros continentes a copiar o modelo de parque nacional; o México criou sua primeira área protegida em 1894; a Argentina, em 1903; o Chile, em 1926; e o Brasil, em 1937 (MILANO, 1997, p. 56). 157


Com a ampliação de parques por todo o mundo, o significado de parque nacional passou a ter uma enorme variedade. Em cada país o modelo revestiu-se de características específicas (MILANO, 1997, p. 58), tendo significados diferentes e até completamente opostos de um país para outro. Não havia ainda uma definição universalmente aceita sobre os objetivos dos parques nacionais. Diante da intrincada mescla de variedades dos objetivos dos parques nos diversos países tentou-se, a partir de 1933, a unificação tanto de conceitos como de práticas, por meio de encontros e acordos internacionais de proteção à natureza (AMEND e AMEND, 1992, p. 26). Com esse objetivo foi realizada a Convenção para a Preservação da Flora e Fauna em seu Estado Natural, em 1933, em Londres, ficando estabelecido um conceito para parque nacional, com três características básicas: a) áreas controladas pelo poder público; b) áreas para a preservação da fauna e flora, objetos de interesse estético, geológico e arqueológico, onde a caça é proibida; e c) áreas de visitação pública (QUINTÃO, 1983, p. 89). Posteriormente, em 1940, realizou-se, em Washington, Estados Unidos da América (EUA), a Convenção Panamericana, que ficou conhecida como Convenção de Washington, oportunidade em que foram discutidos os resultados da Conferência de Londres, as experiências dos países presentes e os conceitos de parque nacional, reserva nacional, monumento natural e reserva silvestre (MILANO, 1997, p. 61). Vale ressaltar que o Brasil participou da Convenção de Washington, mas já registrava uma das primeiras áreas legalmente protegidas, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Instituído por D. João VI no ano de 1808, a área tinha o escopo de ser fonte de pesquisa sobre recursos naturais, além de proporcionar um ambiente agradável. Importando o modelo adotado pelos EUA, materializado no Parque de Yellowstone, André Rebouças, abolicionista e empreiteiro de setor madeireiro, propôs a criação no Brasil de dois parques nacionais: um em Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal. No entanto, somente em 1937 foi criado o primeiro parque nacional brasileiro: o Parque Nacional de Itatiaia (LEITE, 2004, p. 40). Em 1959, foi elaborada pelas Nações Unidas a primeira lista dos parques nacionais e reservas equivalentes. A União Internacional para a Conservação da Natureza estabeleceu, no ano seguinte, a Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, com o intuito 158


de promover, monitorar e orientar o manejo desses espaços. Importante anotar que o primeiro documento legal recomendando estratégias de conservação da biodiversidade, por meio de unidades de conservação, se verificou em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio92), oportunidade em que foi celebrada a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica-CDB (MEDEIROS et al., 2011, p. 98). O Brasil, como signatário da CDB, assumiu compromissos perante a comunidade internacional, no sentido de implantação de unidades de conservação em território nacional. Para tanto, foi instituído o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas, delineando princípios, diretrizes, objetivos e estratégias de conservação de espaços territoriais ecologicamente significativos. O Plano foi materializado pelo Decreto n. 5.758, de 13 de abril de 2006, e é coordenado por uma comissão no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, devendo contar com participação e colaboração de representantes dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, de povos indígenas, de comunidades quilombolas e de comunidades extrativistas, do setor empresarial e da sociedade civil. Salienta-se, no entanto, que diante dos objetivos de conservação adotados em cada país, a necessidade de criação de tipos distintos de unidades de conservação ou categorias de manejo é diferenciada em cada nação, de forma a atender objetivos locais. Assim, cada país, em razão das especificidades políticas, econômicas, culturais e de seus recursos naturais, entende de uma maneira diferente quais devem ser os objetivos de conservação da natureza. A partir desse enfoque, os governos estabelecem seus sistemas nacionais de áreas naturais protegidas, estando essas áreas, no Brasil, conceituadas e definidas pelo Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL – PERSPECTIVA LEGAL Afirma Leite (2004, p. 98) que os primeiros parques federais foram criados na região sudeste-sul, a mais populosa e urbanizada 159


do país. Somente a partir da década de 1960, com a expansão da fronteira agrícola e o aumento da destruição das florestas, foram criados parques em outras regiões. Entre 1959 e 1961, foram criados doze parques nacionais, três deles no estado de Goiás e um no Distrito Federal (QUINTÃO, 1983, p. 95). O desenvolvimento econômico, a partir da década de 1940, de base industrial, elevou as taxas de urbanização e ditou a expansão das fronteiras agrícolas. O fenômeno da industrialização acentuou a destruição dos recursos florestais no país, tendo a expansão da fronteira agropecuária se dado em direção a áreas que nos séculos anteriores haviam sido pouco ocupadas. Para Drummond (1997, p. 16), o avanço da fronteira agrícola não foi o principal indutor na criação de Unidades de Conservação nesse período. Com a mudança da capital nacional para Brasília, em 1961, no novo Distrito Federal, desmembrado de Goiás, houve uma expansão no fluxo migratório para essa região e, consequentemente, a ocupação dos solos e a transformação dos ambientes naturais. Essas áreas pareciam surgir para preencher as opções de lazer da massa de funcionários públicos que seria instalada na nova capital, além de resguardar parte das formações existentes. Com efeito, foi na década de 1970 que ocorreram alterações profundas relacionadas à conservação no Brasil, influenciadas pelo movimento conservacionista internacional e pela Conferência da Organização das Nações Unidas, em Estocolmo/Suécia, em 1972. No período, foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, que em 1979 elaborou o plano de sistemas de unidades de conservação no Brasil, com o objetivo principal de elaborar um estudo detalhado das regiões propostas como prioritárias para a implantação de novas unidades. Em 1992, foi enviada ao Congresso Nacional proposta de lei sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), sendo esta sancionada somente em 28 de julho de 2000, depois de quase oito anos de tramitação no Congresso Nacional. Referida legislação (Lei 9.985/2000) conceitua, em seu artigo 2º, inciso I, Unidades de Conservação como: I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características

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naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Oportuno acentuar que a legislação em tela não cria, efetivamente, unidades de conservação, apenas estabelece diretrizes para sua criação, implantação e gestão. Conforme o estabelecido no Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), instituído pelo Decreto n. 5.758, de 13 de abril de 2006, e pela Lei Federal n. 9.985/2000, as Unidades de Conservação são criadas por ato do Poder Público. A sua criação deve ser precedida por estudos técnicos e consultas públicas, para identificar a localização, os limites e as dimensões mais adequadas. As Unidades de Conservação, nos termos da mencionada lei, constituem estruturas a serem compreendidas sob três aspectos. Primeiramente, como espaços geográficos diferenciados dentro do modo de apropriação predatório que caracteriza a sociedade contemporânea. Num segundo momento, como instrumentos de planejamento do território nacional. Por fim, como campos para o desenvolvimento técnico-científico brasileiro (DERANI, 2001, p. 238). As Unidades de Conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grandes grupos, com características específicas. O primeiro grupo é o de Unidades de Proteção Integral, composto pelas categorias: estação ecológica; reserva biológica; parque nacional; monumento natural; e refúgio de vida silvestre. O segundo é o de Unidades de Uso Sustentável, incluindo área de proteção ambiental; área de relevante interesse ecológico; floresta nacional; reserva extrativista; reserva de fauna; reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural. O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na lei. Apenas os monumentos naturais e os refúgios de vida silvestre podem ser estabelecidos em áreas particulares. As demais categorias têm de ser de propriedade do estado, e, ademais, as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. As Unidades de Uso Sustentável, a seu turno, têm como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável 161


de parcela dos seus recursos ambientais. As florestas nacionais, as reservas extrativistas, as reservas de fauna e as reservas de desenvolvimento sustentável têm que fazer parte do patrimônio público.

CARACTERÍSTICAS DO CERRADO E A IMPORTÂNCIA DE SUA CONSERVAÇÃO O Cerrado brasileiro é uma região típica de savana tropical, na qual existe uma vegetação rasteira, formada principalmente por gramíneas, que coexiste com árvores e arbustos esparsos. O Cerrado ocupa cerca de dois milhões de km², ou seja, 24% do território nacional. É considerado a segunda maior formação vegetal brasileira, estando localizado na região central do Brasil, estendendo-se até o litoral nordeste do estado do Maranhão e norte do estado do Paraná (SANO et al., 2007, p. 14), mantendo contato com os outros biomas nacionais, exceto o Pampa. O Cerrado reúne uma das maiores biodiversidades do mundo e, devido a essa excepcional riqueza biológica, é considerado um dos hotspots mundiais, ou seja, um dos biomas mais ricos e ameaçados do planeta, com 6.429 espécies já catalogadas (KLINK; MACHADO, 2005, p. 147). A importância do bioma ainda se evidencia pelo fato de o Cerrado alimentar as nascentes das três maiores bacias hidrográficas sul-americanas e diversas nascentes de rios que contribuem para seis das oito principais bacias hidrográficas brasileiras, como a bacia Amazônica, a bacia do Tocantins, a bacia Atlântico Norte/Nordeste, a bacia do São Francisco, a bacia Atlântico Leste e a bacia dos Rios Paraná/Paraguai (SCARIOT, 2005, p. 28). Klein (2002, p. 83), estudando a vegetação do bioma Cerrado, defende que esta não possui uma fisionomia única; ao contrário, apresenta-se como um mosaico de formas fisionômicas, ora manifestando-se como campo sujo, ora como cerradão, ora como campo cerrado, ora como cerrado ou campo limpo. Inferiorizado por muito tempo, o bioma foi considerado uma área pobre em biodiversidade, “motivo pelo qual cedeu espaço a 162


grandes monoculturas e à pecuária, correndo sérios riscos de extinção” (MASCARENHAS, 2008, p. 57). As árvores do Cerrado possuem uma arquitetura especial, conferindo-lhe a aparência de uma “floresta de cabeça para baixo” (TRIGUEIRO, 2008, p. 205), porquanto a maior parte de sua biomassa é subterrânea, uma vez que as raízes das árvores se aprofundam no solo em busca de água e nutrientes, especialmente na estação da seca (KLINK; MACHADO, 2005, p. 151), fenômeno que garante às espécies vegetais do Cerrado destaque pelo seu enorme potencial em estocar carbono no solo. De acordo com estudo do WWF (2012), os primeiros registros de seres humanos na região do Cerrado remontam há doze mil anos, tendo sua ocupação por populações não indígenas começado no século XVIII, devido a atividades de mineração de ouro e pedras preciosas. No entanto, a atividade de extração de minério foi substituída pela pecuária extensiva (WWF, 2012). Segundo Milaré (2007, p. 630), o Cerrado foi considerado símbolo da nova etapa de vida dos brasileiros com a construção de Brasília, bem como incentivos oficiais levaram à construção de novas rodovias, ferrovias e pacotes de políticas agrícolas (WWF, 2012). Sobre o tema, Moura (2012, p. 36) acrescenta que o estado de Goiás foi incluído na rota da política implantada pelo Estado Novo, no ano de 1938, cuja ocupação se efetivou sem a orientação de uma política de gestão ambiental, embora vigesse, à época, o Código Florestal de 1934, “que proibia o desmatamento de um quarto da mata situada no interior da propriedade rural, o sacrifício de árvores ou vegetação considerada nobre, a ocupação de morros e encostas, entre outras”. Destaca Maciel (2008, p. 48) que a cobertura vegetal do bioma Cerrado atingia 97% do território do estado de Goiás, encontrando-se, atualmente, reduzida a 30%, em razão da ocupação antrópica que se intensificou a partir da década de 1930, quando políticas de estímulo à ocupação do território (Centro-Oeste e Norte do país) foram efetivadas estrategicamente pelo governo militar. Nesse sentido, destaca-se o movimento Marcha para o Oeste, que visava a “expansão brasileira dentro de suas fronteiras e recolocava o problema da mão-de-obra necessária à coordenada conquista do interior do país”. A ocupação e devastação do Cerrado se aceleraram, mais tarde, com a previsão, na Constituição de 1946, da mudança da 163


capital do Brasil e sede do Governo Federal para a região Central, no Distrito Federal. Os custos ambientais resultantes do crescimento econômico do estado de Goiás comprometeram o bioma Cerrado, hoje ameaçado de extinção. Os números da destruição foram contabilizados pelo IBAMA e pela ONG Conservação Internacional e se aproximam em torno de 60% da área total do Cerrado (SILVA, 2005, p. 76). O modelo de desenvolvimento adotado com base em desmatamentos, queimadas, usos de fertilizantes químicos e agrotóxicos comprometeu mais de dois terços da cobertura vegetal do Cerrado goiano, e 67% das áreas estão modificadas, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas (NOVAES apud MACIEL, 2008, p.49). A perda da diversidade biológica do Cerrado implicará a perda nacional das possibilidades de uso sustentável de muitos recursos, como plantas medicinais e espécies frutíferas, abundantes no bioma. De acordo com análise do WWF (2012), metade da vegetação original do Cerrado foi desmatada pela plantação de soja, algodão e cana-de-açúcar, pela pecuária extensiva, pela geração de energia e pela urbanização, estimando-se que apenas uma área de 20% do bioma esteja intacta, vez que suas áreas remanescentes encontramse muito fragmentadas. Com efeito, conforme projeto elaborado pela SEMARH (2013, p. 6), o estágio atual de desmatamento do Cerrado é grave: Estudos têm mostrado que o Cerrado está seriamente ameaçado. Um número considerável de espécies animais e vegetais está ameaçado de extinção. O desmatamento foi extremamente elevado nas últimas décadas, atingindo 2,6 milhões de hectares (ha) por ano, o que equivale a 7.000 hectares por dia. Estimativas indicam que apenas 20% da cobertura vegetal original permanecem em um estado próximo do natural, mas menos de 9% mantém-se em fragmentos maiores que 1.000 ha, considerada a dimensão mínima viável para a manutenção de populações geneticamente viáveis. Seguindo essa tendência, o Bioma desaparecerá até 2030.

Assim, o Cerrado teve uma área de 43,6% desmatada até 2002 e de 47,8% até o ano de 2008. Nos anos de 2009 e 2010, a taxa anual de desmatamento foi de 0,3%, sendo a maior taxa de supressão em relação aos outros biomas brasileiros, segundo relatório do MMA; IBAMA (2011). 164


Ainda, acerca da degradação do Cerrado, extrai-se de projeto realizado pela SEMARH (2013, p. 7) que: Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o Bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana. Com a crescente pressão para a abertura de novas áreas, visando incrementar a produção de carne e grãos para exportação, tem havido um progressivo esgotamento dos recursos naturais da região. Nas três últimas décadas, o Cerrado vem sendo degradado pela expansão da fronteira agrícola brasileira. Além disso, o Bioma Cerrado é palco de uma exploração extremamente predatória de seu material lenhoso para produção de carvão.

Conquanto de inegável importância para o país, a Constituição Federal não reconheceu o Cerrado como patrimônio nacional, dispensando, contudo, a outros biomas de biodiversidade menos expressiva tal proteção (MOURA, 2012, p. 34). Destaque-se que o reconhecimento do Cerrado como patrimônio nacional é objeto de Projeto de Emenda à Constituição, aprovado no Senado Federal e atualmente encaminhado à Câmara dos Deputados. A inclusão do Cerrado como patrimônio nacional ensejaria mais proteção pelo Estado, viabilizando a realização de cooperações internacionais (MACARENHAS apud MOURA, 2012, p. 34). Nesse diapasão, denota-se o menor esforço conservacionista dispensado a este bioma, quando outros ecossistemas recebem mais atenção. A Amazônia, por exemplo, possui 12% de sua área protegida em unidades de conservação contra menos de 2% no Cerrado (KLINK, 1996, p. 26). Ademais, a maioria das unidades de conservação na Amazônia “possui área superior a 100 mil hectares, enquanto no Cerrado apenas 10% das unidades possuem área acima de 50 mil hectares” (ALHO; MARTINS, 1995, p. 9). Informa Sawyer (apud MACIEL, 2008, p. 58) que o governo federal realiza constante monitoramento sobre o desmatamento na Amazônia e no Pantanal, mas não há iniciativa semelhante em relação ao Cerrado que, inclusive, tem se apresentado como alternativa ao desmatamento na Amazônia. Diniz et al. (2010, p. 28) apontam a necessidade da promoção do desenvolvimento sustentável no Cerrado:

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Várias linhagens e espécies endêmicas foram selecionadas na região, mas, além deste aspecto, a diversidade do Cerrado pode ser avaliada também pela complexidade das interações da vegetação com o ambiente físico ou da vegetação com a fauna do Bioma. Todo esse acervo natural está sendo rapidamente descartado e substituído por sistemas produtivos pouco ou nada sustentáveis. Importantes áreas com linhagens evolutivas únicas estão sendo erradicadas por um modelo econômico baseado unicamente na exploração de espécies exóticas. Há necessidade de se discutir a implementação de modelos econômicos menos agressivos e socialmente mais justos, visto que a concentração de renda e de terras é ainda largamente observada no Cerrado.

Constata-se, por esse prisma, que o crescimento econômico no estado de Goiás, desde a década de 1930, importou em considerável ônus ao bioma Cerrado, impondo-se ao poder público a adoção de estratégias com o propósito de apontar caminhos e possibilidades para deter o processo, porquanto o grande desafio que se apresenta atualmente é o de conter o desmatamento e recuperar o passivo ambiental como tentativa de conciliar o crescimento econômico e a conservação da natureza, uma vez que ambos são essenciais à manutenção da vida.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO DO CERRADO As Unidades de Conservação constituem medidas de política ambiental que melhor orientam as investidas que objetivam a conservação da diversidade biológica, dado o papel que desempenham na preservação da fauna e da flora, no estoque genético representado pelos organismos vivos e na manutenção dos serviços essenciais dos ecossistemas a favor da qualidade de vida do ser humano (OLIVEIRA, 2002, p. 19). Defende Oliveira (2002, p. 20) que as Unidades de Conservação desempenham reconhecida função a favor do meio ambiente, sobretudo pelo papel que desempenham no fornecimento de serviços 166


ambientais, destacando-se a produção de oxigênio pelas plantas, o equilíbrio do ciclo hidrológico, a fertilidade do solo, a vitalidade dos ecossistemas, a paisagem, o equilíbrio climático e o conforto térmico. Estudos apontam (INPE, online) que nos estados onde a criação e implementação das Unidades de Conservação foram priorizadas, como nos estados de Amapá, Pará e Amazonas, os quais dobraram suas áreas protegidas por meio desse mecanismo, registrou-se considerável queda do desmatamento nos últimos anos. Cumpre destacar, nesse aspecto, os estudos dirigidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, demonstrando que os estados que dobraram suas Unidades de Conservação nos últimos anos têm conseguindo deter o processo do desmatamento, experiência que evidencia serem as Unidades de Conservação estruturas promotoras da geração de renda, além de estimularem o desenvolvimento regional e local (INPE, online). A abordagem desse cenário aponta a preocupação que o Cerrado reclama. Registra-se que, em 2007, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a The Nature Conservancy, elaborou o mapa de Unidades de Conservação do Bioma Cerrado, denunciando a pouca proteção que lhe é dispensada. Apenas 6,82% do bioma era protegido por Unidades de Conservação até 2007. A fragmentação da paisagem, provocada em grande parte pela agropecuária, isola as Unidades de Conservação e demais remanescentes, dificultando o fluxo gênico, tão importante para a manutenção da biodiversidade (HAUFF, 2007, p. 2). A riqueza concentrada no bioma Cerrado, considerado um hotspot, ou seja, uma das regiões mais ricas e biodiversas do mundo, reclama mais atenção para sua proteção e conservação. Os recursos hídricos do Cerrado, a potencialidade de estocar carbono abaixo e acima do solo, a variedade de suas espécies faunísticas e florísticas exigem sejam contidos os avanços da ocupação antrópica na região, assim como priorizada a adoção de medidas compensatórias pelos danos já suportados (MOURA, 2012, p. 56). Em 2010, o Brasil foi considerado a oitava economia mundial, com crescimento anual médio de 4%, sendo inegável que a abundância de recursos naturais possibilitou seu crescimento (MEDEIROS et al., 2011, p. 6). Contudo, Medeiros et al. (2011, p. 6) asseveram que a 167


disponibilidade de recursos naturais é limitada pelo tempo e espaço e, portanto, a criação de Unidades de Conservação é uma das formas mais efetivas para atender à proteção dos recursos naturais relevantes. Isso porque, além de preservarem a natureza, as Unidades de Conservação prestam "serviços ecossistêmicos gratuitamente, beneficiando o equilíbrio ecológico e atividades humanas", como "a manutenção da qualidade do ar, da fertilidade do solo, o fornecimento de água limpa e a contenção de enchentes e erosões" (WWF, 2012). De acordo com o MMA (2011, p. 13), o baixo investimento nas Unidades de Conservação resulta da falta de conhecimento acerca do retorno financeiro que tais espaços podem propiciar quando efetivamente instituídos. Assim, as Unidades de Conservação possibilitam que setores econômicos e a população brasileira usufruam de seus benefícios, como, por exemplo, suas águas, que compõem os reservatórios das usinas hidrelétricas; o desenvolvimento de fármacos e cosméticos produzidos por espécies protegidas; o turismo, que auxilia a economia dos municípios e a mitigação de gases de efeito estufa decorrentes da degradação dos ecossistemas naturais (MEDEIROS et al., 2011, p. 6). Cumpre salientar que, de acordo com Medeiros et al. (2011, p. 38), as Unidades de Conservação são extremamente necessárias à promoção da preservação ambiental e da provisão de serviços ambientais, os quais são importantes para uma série de cadeias econômicas. Ainda, Medeiros et al. (2011, p. 38) destacam o seguinte: Como atestam os estudos apresentados, além da contribuição econômica agregada no âmbito nacional, a criação e a implementação de Unidades de Conservação gera também oportunidades de negócios, bem como renda e emprego nas áreas de influência dessas unidades. Demonstra-se, ainda, que se as Unidades de Conservação fossem adequadamente estruturadas, haveria uma maior dinamização de diversos setores econômicos ligados a elas, bem como uma maior e melhor provisão dos serviços sistêmicos por elas produzidos.

De acordo com estudo realizado pelo MMA (2011, p.12), são permitidos usos econômicos de efeitos positivos imediatos à economia regional em 88,3% da área protegida pelas Unidades de Conservação, por meio de atividades de produção florestal, extrativismo, 168


turismo, agropecuária, agricultura e atividades de baixo impacto ambiental; a área de 11,7% restante é capaz de favorecer o desenvolvimento local. Asseveram Diniz et al. (2010, p. 26) que, nos municípios onde a cobertura vegetal nativa foi mantida por meio das Unidades de Conservação, as populações locais possuem opções de desenvolverem suas atividades econômicas de forma sustentável. Ademais, o ICMS Ecológico garante a transferência anual de mais de R$ 400 milhões dos estados para os municípios, como compensação pela criação e manutenção das Unidades de Conservação em seus territórios (MEDEIROS et al., 2011, p. 38). De acordo com pesquisa realizada por Medeiros (apud MMA, 2011), o potencial econômico das Unidades de Conservação pode ser resumido da seguinte forma: a) Somente as Florestas Nacionais e Estaduais da Amazônia têm o potencial de ampliar em mais de 100% a produção anual no país de madeira nativa segundo o modelo de concessão florestal, o que geraria entre R$ 1,2 bilhão e R$ 2,2 bilhões; b) A visitação nos 67 Parques Nacionais tem potencial para gerar entre R$ 1,6 bilhão e R$ 1,8 bilhão por ano; c) A visitação nos 144 Parques Estaduais tem o potencial para atrair cerca de 1,4 milhões de pessoas, o que poderá gerar entre R$ 90 milhões e R$ 103,3 milhões; d) A criação e manutenção das Unidades de Conservação evitaram a emissão de pelo menos 2,8 bilhões de toneladas de carbono, que se estima que equivalem a cerca de R$ 96 bilhões; e) 80% da hidreletricidade gerada no país têm como fonte de água pelo menos um rio a jusante de Unidade de Conservação; f) 35% da água captada para consumo humano depende de unidades de conservação; g) 9% da água para consumo humano é diretamente captada em UC e 26% é captada em fontes a jusante de UC; e h) A receita real de ICMS Ecológico repassada aos municípios pela simples existência de Unidades de Conservação em seus territórios foi de R$ 402,7 milhões em 2009.

Segundo o MMA (2011, p. 12), “estudos têm demonstrado cada vez mais que Unidades de Conservação também contribuem para o desenvolvimento econômico e redução da pobreza do país”. 169


Ainda, Medeiros et al. (2011, p. 38) ressaltam que: Conciliar o desenvolvimento e a conservação constitui uma estratégia eficiente, sustentável e socialmente justa para garantir crescimento econômico segundo um modelo em que a economia e natureza sejam tratados como elementos complementares, e não antagônicos. Conservar a biodiversidade garante não apenas mais crescimento, mas, principalmente, melhor crescimento.

Apesar de insuficientes para garantir sua perpetuação, as Unidades de Conservação do Cerrado protegem belezas incomparáveis e têm um importante papel nas economias locais e regionais: “cerca de 300 plantas nativas do Cerrado são usadas como alimento, remédio ou matéria-prima para artesanato, principalmente por populações tradicionais” (WWF, 2012). Nessa ordem, a implantação de novas unidades de conservação no Cerrado pode se apresentar como importante medida de política ambiental, visando a conservação e a preservação dos recursos florestais que o bioma encerra.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM GOIÁS A utilização de unidades de conservação como instrumento de política ambiental no estado de Goiás iniciou-se no ano de 1959, com a criação, pelo Governo Federal, do Parque Nacional do Araguaia, hoje situado no estado do Tocantins. Em 1961 foram criados dois Parques Nacionais (Parque Nacional das Emas e Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros), após o que não se tem notícia da criação de nenhum outro nesse estado, exceto os estaduais, os quais foram criados nos anos de 1980 a 2000. A legislação estadual1 define os parques estaduais como de posse e domínio público, que têm como objetivo básico a preservação

Lei Estadual n. 14.247 de 29 de julho de 2002, criou o Sistema Estadual de Unidades de Conservação no estado de Goiás.

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de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico de acordo com o estabelecido pelo SNUC. São áreas que contêm amostras ecológicas significativas das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território estadual que devem salvaguardar o patrimônio biológico existente. Portanto, os parques no estado de Goiás também são Unidades de Conservação de proteção integral, em consonância com a lei nacional maior (LEITE, 2004, p. 67). Atualmente, no estado de Goiás a responsabilidade pela execução da política de conservação e preservação e por pesquisas para o aproveitamento dos recursos naturais está a cargo da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado de Goiás (SEMARH) e da Agência Goiana de Meio Ambiente (AGMA), recentemente reincorporada à SEMARH. Segundo a SEMARH, Goiás possui atualmente 5,77% do seu território dentro de áreas protegidas sob a forma de Unidades de Conservação (UCs). As áreas que compõem o Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC) correspondem a 3,58% do território (12.173 km2), dos quais 1,1 milhões de hectares são de uso sustentável e 113.300 ha são de proteção integral. As áreas protegidas sob a forma de Unidades de Conservação Federais correspondem a 2,19% (744.400 ha) do território do estado, dos quais 364.400 ha são de proteção integral e 378.000 ha são de uso sustentável. Verifica-se, assim, que no estado de Goiás as Unidades de Conservação estão bem abaixo do que recomenda a Constituição Estadual (GOIÁS, 2003), em seu artigo 128, que determina a cobertura de 20% do território goiano de Unidades de Conservação. Apesar da pouca proteção que o estado de Goiás dispensou à questão da proteção dos espaços com representatividade ecológica relevante, o problema da perda de biodiversidade foi objeto de compromisso assumido pelo governo brasileiro que, juntamente com outros duzentos governos estrangeiros, adotaram o Plano Estratégico para a Biodiversidade no período de 2011/2020, na reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica em Nagoya, Japão, em outubro de 2010. O documento recomenda que, até 2020, pelo menos 17% dos ecossistemas terrestres e de águas interiores e 10% das 171


zonas costeiras e marinhas, especialmente as áreas de especial importância para a biodiversidade e serviços de ecossistemas, deverão estar protegidas (OLIVEIRA, 2002, p. 76). No entanto, a área de Cerrado efetivamente protegida é pequena e há necessidade de criação de novas Unidades de Conservação no âmbito federal, estadual, municipal e particular, tendo em vista que o Cerrado possui mais de quatrocentas áreas prioritárias de conservação, consoante estudo realizado pelo WWF (2012), com base em mapeamento do Governo Federal. Por outro lado, a criação de novas Unidades de Conservação enfrenta inúmeros problemas, como a regularização fundiária das áreas declaradas como especialmente protegidas, o baixo número de funcionários alocados na gestão do SNUC, a falta de estrutura básica e a ausência ou a não revisão de planos de manejo, sobretudo a insuficiência de investimentos (MEDEIROS et al., 2011, p. 9). Não obstante a falta de incentivos, Medeiros et al. (2011, p. 38) assinalam que nas últimas duas décadas tem crescido, entre setores governamentais e não-governamentais da sociedade nacional, a convicção de que essa base de recursos naturais, incluindo sua biodiversidade, é fundamental para o desenvolvimento futuro do país pelos bens e serviços que oferece.

Conforme Medeiros et al. (2011, p. 38), é fundamental para garantir a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais, além de propiciar o desenvolvimento social e econômico do país, que sejam viabilizados novos investimentos para a criação e ampliação das Unidades de Conservação. Ademais, as atividades econômicas de turismo e exploração de recursos florestais devem ser fomentadas, para que possam efetivamente garantir a melhoria da qualidade de vida da população regional (MEDEIROS et al., 2011, p. 38). Considerando que o estado de Goiás tem área de 340.166 km² (34.166.000 ha), uma população de 5.230.000 habitantes, totalmente dentro do bioma Cerrado, e uma economia altamente dependente dos recursos naturais (SEMARH, 2013, p. 6), a criação de novas Unidades de Conservação no estado constituem um importantíssimo instrumento de gestão ambiental para a preservação do 172


Cerrado, o segundo maior bioma da América Latina, que, apesar de ser rico em biodiversidade e em recursos hídricos, encontra-se extremamente devastado.

CONCLUSÃO O agravamento de problemas ambientais, como desmatamento, poluição de cursos de água e extinção de espécies, bem como a difusão de novos conhecimentos sobre os possíveis benefícios advindos da conservação ambiental, tem contribuído para a crescente atenção conferida a essas propostas no campo acadêmico e político. Nesse contexto, merece especial atenção o bioma Cerrado por ser uma das áreas mundialmente consideradas críticas quanto à necessidade de conservação, em virtude da elevada diversidade biológica e da intensa pressão antrópica a que esse bioma vem sendo submetido. Contudo, poucas são as áreas efetivamente protegidas e estas apresentam ainda o inconveniente de estarem concentradas em poucas regiões, cujo número é incompatível com o acentuado endemismo e com a extensa distribuição geográfica de espécies nesse bioma. O estado de Goiás é o maior representante do Cerrado, impondo-se sejam priorizadas ações de gestão ambiental voltadas para a conservação das áreas ecologicamente relevantes como medida para viabilizar a conservação de um banco de dados de espécies florísticas e faunísticas do bioma, não apenas em razão da riqueza intraduzível de sua biodiversidade, mas como compromisso legal, ético e vital de se assegurar o equilíbrio ambiental garantidor da sadia qualidade de vida a esta e às futuras gerações. As unidades de conservação realmente constituem uma forma eficiente de conservação dos recursos naturais e sua criação deve ser estimulada pelos atores que atuam na defesa do meio ambiente, em parceria com a sociedade. Ademais, a criação de novas Unidades de Conservação em Goiás representaria um eficiente mecanismo de amortecimento dos prejuízos causados à biota em consequência do avanço da fronteira agrícola e da ocupação urbana no Estado. 173


Constata-se, finalmente, que a criação e a implantação de novas Unidades de Conservação no estado podem contribuir significativamente para a preservação da biodiversidade e para a recuperação da cobertura vegetal do Cerrado goiano, em um percentual bem mais significativo que o representado por outras medidas de combate ao desmatamento em áreas privadas.

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