A ARTE DE COZINHAR ENTRE AMIGOS

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Pepita Rodriguez – A arte de cozinhar entre amigos

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Pepita Rodriguez A arte de cozinhar entre amigos


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Pepita Rodriguez A arte de cozinhar entre amigos autora: Pepita Rodriguez

S達o Paulo 2007


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Minhas


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fontes de amor...


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...e minhas inspiraçþes


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Paixão, Amor e Talento A atriz Pepita Rodriguez está nos presenteando com muito mais que um livro de receitas (apesar dessas serem cheias de sabor e de boas combinações). São histórias de vida e de sucesso que, justamente, por serem maravilhosas passam por uma cozinha, pela sua e de pessoas amigas. Pepita Rodriguez nasceu na cidade de Almeria, na Espanha, uma das oito províncias que compõem a comunidade autônoma da Andaluzia, uma das regiões mais bonitas do país. Veio para o Brasil com 6 anos de idade. Ao longo dos anos, encantou e emocionou os telespectadores com a participação nas novelas Beto Rockfeller, na TV Tupi; Anjo Mau, Espelho Mágico, Dacin'Days, O Amor É Nosso e A Lua Me Disse , todas na TV Globo. Recentemente, no cinema, participou de O Dono do Mar , filme baseado na obra do ex-presidente da República José Sarney. Cozinheira de mão-cheia e ótima contadora de histórias, nesse novo livro (ela já escreveu um, O tempo de colher) Pepita resolveu contar sobre seus encontros e aventuras com personalidades das mais variadas, espalhadas pelo mundo. São relatos de Paris, Nova York, São Paulo e Rio de Ja-

neiro, por exemplo, onde o link entre os personagens é sempre o mesmo: a boa mesa. Estrelas como o craque Zico, o talentoso pianista Nelson Freire, o genial autor Manoel Carlos, o rei da noite e do dia Ricardo Amaral e o globetrotter Boni, são alguns dos perfilados que, nas próximas páginas, brilham com intensidade e simplicidade. Mesmo adotando e sendo adotada pelo Brasil, Pepita não perde de vista suas raízes, o que fica muito claro em algumas de suas receitas, típicas espanholas, como a paella, as tortillas e o bacalhau al pil-pil. Em cada capítulo, Pepita mostra que cozinhar é um ato de amor e de paixão, enfim, de receber e compartilhar. É em volta de bons ingredientes e de vinhos intensos e memoráveis, que as amizades nascem, crescem e se solidificam. O melhor é que todas as receitas, além do enorme sabor, são ao mesmo tempo simples, para ser preparadas em casa com muita facilidade. Aliás, essa é uma das mensagens do chef Claude Troisgros, um dos perfilados nesse livro, que sempre ensina que a simplicidade é um dos temperos mais difíceis. Bom apetite!

Ricardo Castilho

Diretora Responsável Mariella Lazaretti Diretor Executivo Georges Schnyder

Edição Ricardo Castilho Projeto gráfico André Clemente Assistente de arte Rodrigo Pickersgill Louzas Fotos António Rodrigues e Pedro Bueno Produção Beth Freidenson e Camile Comandini Revisão Ruth Figueiredo Pré-press Eduardo Galdieri Impressão Prol Gráfica, Av. Papaiz, 581, Diadema, São Paulo, SP.


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For All Seasons Que Pepita Rodriguez, linda e talentosa como é, arregimente fãs que a admiram a distância, pela tela da TV ou da platéia de teatros, não é de espantar. Outras a quem Deus cumulou com graça, beleza e talento também têm essa sorte. Fazer, como ela, com que a admiração pública se estenda no tempo, vá além dos tais 15 minutos de fama, sedimente-se em corações e mentes pela repetição do sucesso em diversas atuações, resista até mesmo à ausência de aparições públicas e se imponha a diferentes gerações é bem mais complicado; coisa para algumas poucas, agraciadas com talento superior, competência, determinação e muito equilíbrio pessoal, dons que o Criador também não poupou em Pepita. Contudo, ainda muito, mas muito mesmo, mais difícil que atrair e manter admiradores públicos é conquistar e nutrir admiração particular, sem a intermediação da câmera, sem as marcações da direção nem iluminação especial, sem roteiros predeterminados, ali, no duro, no tal mundo real, em que ninguém está disposto a ser platéia e muito menos a fazer escada. No entanto, sem prejuízo do merecido sucesso de sua figura pública, é justamente ali, na intimidade, que se encontra o melhor ângulo da minha tão querida amiga. Nos nossos mais de 20 anos de convivência, em qualquer atividade ou circunstância em que a tenha visto, nunca tive o desprazer de assistir-lhe abrir mão de ser uma pessoa maior do que os papéis que desempenha, uma mulher no sentido integral da palavra, e explorar todos os seus muitos dotes. Creio que é o seu jeito de não se deixar aprisionar e de conservar a imensa liberdade interior que sempre lhe permite encontrar em si mesma, recursos para reinventar-se, sem jamais perder o bom humor nem o sorriso largo e acolhedor. Assim, a atriz fezse empresária, trafegou dos palcos para a cozinha, das telas para os cueiros, dos filhos para os livros, das páginas de volta à TV e ao cinema, onde, atualmente, a grande atriz, que nunca deixou de ser, brilha em O Dono do Mar. É impossível não admirar o encantador exercício dessa flexibilidade tão feminina, ainda mais quando a vemos sair-se bem em todas as frentes. A dificuldade está na saudade que se tem de uma faceta de Pepita enquanto ela exerce outra. Não faz muito tempo, li uma entrevista em que ela falava sobre sua volta à TV, de onde, dizia ela, nunca deveria ter saído. No primeiro momento, claro, concordei, mas, depois, refletindo um pouco, pensei: tudo bem, mas será que sem esse afastamento não teríamos perdido a Pepita empresária, os vinhos que ela nos apresentou e aquele fantástico azeite, o Pepita de Ouro, do qual ando com tanta saudade. E os livros, o extraordinário sucesso do Tempo de Colher, que a obrigou a rodar o Brasil emocionando professores e alunos em palestras. Bem, eu, por mim, prefiro que Pepita seja mesmo assim, múltipla e inteira em tudo o que faz, livre para nos surpreender com seus incontáveis dons, mas, aqui entre nós, devo confessar que, de todos os seus papéis, nenhum me agrada mais do que o de minha amiga. Nesse seu doce papel de amiga, nenhuma cena supera a de anfitriã. Ah, o privilégio de estar à mesa de Pepita..., o prazer de chegar no momento em que as suas incríveis tortillas saltam do forno, de ser acolhido numa casa cuja marca é a alegria, essa alegria que ela soube transmitir aos filhos, Gibinha, Dolinha e o meu xará Paulo Fernando, e com que sabe cercar esse afortunado Javier, e a satisfação imensa de desfrutar dessa amizade franca e calorosa em todas as estações!

Paulo Fernando Marcondes Ferraz


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Sobre histórias e receitas de Pepitinha A leitura das histórias e receitas que nossa Pepita Rodriguez escreveu é uma confirmação de sua enorme alegria de viver. O convívio com ela é um verdadeiro exercício de bom humor, otimismo e generosidade. E isso fica claro nos capítulos a que tive acesso. Uma ratificação tácita disso tudo. Um dia, li uma interessante resposta a uma indagação de qual seria uma das mais importantes qualidades de um amigo. A afirmação, surpreendente, me marcou, me fez pensar e acho que ela tinha uma enorme profundidade. A qualidade seria regularidade. E a Pepitinha (assim que a chamo carinhosamente há muitos anos) esbanja essa característica. A intensidade de sua simpatia é sempre a mesma, estando onde estiver, com quem estiver, mesmo atravessando muito tempo sem vê-la. Essa combinação de amigos e receitas é perfeita para quem sempre soube seduzir pelo sorriso e também pela boa mesa. Boa mesa hoje ainda enriquecida pela qualidade dos vinhos do marido, Javier, um perfeito companheiro na arte de bem acolher. A cobertura do casal, no Leblon, com vista deslumbrante e decoração indonésia transformou-se na melhor bodega da cidade, onde sempre se podem encontrar pessoas muito interessantes, ecléticas, de mundos diferentes, mas que lá convivem numa harmonia perfeita. É claro que orquestradas pela maestra irreparável da casa, em torno de comidas muito especiais e vinhos espanhóis divinos. Saborear as receitas de Pepitinha, ou suas histórias, com os amigos tem um gosto especial, pois tudo é feito com tanto amor e carinho que esses prazeres se misturam. A mãe (que filhos lindos!), a atriz, a mulher, a companheira, a cozinheira, a companheira, a amiga constituem-se num personagem único, ímpar, que somente aqueles que têm o prazer de desfrutar dessa amizade podem realmente entender o quanto é agradável esse convívio. E com certeza, com este livro, fica franqueado também aos leitores. A leitura de suas histórias com os amigos, combinadas com suas receitas maravilhosas, darão a cada um a possibilidade de participar dessa mesa, em que o paladar e a alegria de viver são contagiantes! Compartilhe conosco desse prazer, executando essas receitas escritas com simplicidade, profissionalismo e competência. Entre no clima de amor e simpatia. Tenho certeza de que fará bem à sua cabeça e ao seu paladar! Tintim!

Ricardo Amaral


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16 24 38 48 54 66 72 78 84 90 98 108 114 126 132 144 150 160 166 176

Alberto Nicolau Maria Helena Crisóstomo de Oliveira Boni Chico Caruso Claude Terrail Claude Troisgros Galvão Bueno Giancarlo Bolla Ivo Pitanguy José Hugo Celidônio Luiza Brunet Manoel Carlos Mauro Madalena Miguel Falabella Nelson Freire Renato Machado Ricardo Amaral Stefano Monti & Mike Bongiorno Zico Javier


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Receitas Arroz com frutos do mar Arroz de lulas com caviar Arroz de pato com chouriço Arroz 7 grãos com peito de peru Bacalhau al pil-pil Bacalhau à Renato Machado Camarão à Giancarlo Camarão à Zico Camarão no sal grosso Cherne Ivo Pitanguy com salsa vasca Civet de javali Cuscuz marroquino da Bi Galinho de quintino ao funghi Gororoba da Bi La cojonuda Los cojonudos do Chico Moqueca com sabor de camarão defumado Morangos Falabella Ovas de tainha crocante com ovas de salmão Paella de bacalhau Paleta de cordeiro ao forno Pargo à Claude Troisgros Pasta alô, alô Pato ao molho de perdiz Pato (canard) tour d’argent Pernil de cordeiro Mauro Pimentos de piquillo Pirão de leite Polenta al funghi porcini Polvo à la gallega Puchero andaluz Risoto de bacalhau Galvão Bueno Risoto de funghi porcini Salmão ao maçarico Sopa de cebola Tortilla de batatas com cebola Tortilhas de ervilhas Tortilla de escarola com pinoles Tucunaré na folha de bananeira

102 175 20 28 82 146 82 170 110 e 40 88 188 31 168 32 50 50 120 130 74 52 42 68 152 110 60 117 156 118 146 44 178 74 130 130 18 68 88 110 104


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Alberto Nicolau Meu querido amigo e grande pintor nasceu em Belém do Pará, vindo de família tradicional. Ainda jovem mudou-se para Paris onde foi aprimorar sua arte. Pouco tempo depois, fazia na Cidade Luz sua primeira exposição, com grande sucesso. Conquistou a França com suas pinturas, ali ganhando vários prêmios, entre eles, em 1994, um dos mais importantes: a “Médaille de la Ville de Paris". Em sua primeira exposição, vendeu todos os quadros. Não parou mais de fazer a alegria de muitas salas importantes, com suas pinturas alegres, coloridas e com um bom gosto indescritível. Sem dúvida, é um dos grandes pintores contemporâneos. É desses amigos que me enchem de orgu-

lho cada vez que nos encontramos, sempre celebrando a saudade. Vamos para a cozinha colocar em dia nossas histórias, trocando figurinhas das nossas novas descobertas culinárias. Uma noite em sua casa – nessa época ele morava no Marais, em Paris –, enquanto preparávamos um arroz de pato com chouriço picante espanhol, ficávamos lembrando do pato no tucupi que havíamos comido em casa de seus pais. Foi um prato inesquecível. Alberto, nessa noite, fez uma entrada deliciosa, com cinco tipos de cogumelos grelhados, regados com azeite de trufas brancas e flor de sal. Fico fascinada com sua elegância e sutileza, na hora de misturar os temperos. Fazia verdadeiras alquimias da


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mesma forma e graça com que misturava as tintas em suas telas. Tinha também a elegância do bem receber. Preparava a mesa com candelabros e flores, tudo regado a bons vinhos de Bordeaux. A noite foi inesquecível e acabamos ao piano, cantando óperas e desafiando a própria Maria Callas, nossa grande e eterna paixão. Tempos depois, a convite dele, fui com Javier, meu marido, e Nelson Freire, seu grande amigo de toda uma vida, passar um final de semana na sua “Maison de Campagne”, que fica em uma pequenina cidade da Normandie, a 90 quilômetros de Paris,

chamada “Fonatine sous Jony”. O lugar não poderia ser mais bonito. Saíamos todas as manhãs de bicicleta pelas ruas de terra, beirando um rio de águas transparentes. Parávamos em uma chácara vizinha para pegar leite, manteiga e ovos fresquinhos. A baguette era feita em casa de uma vizinha, que fazia um pão de campagne como ninguém. Na nossa primeira noite, tivemos a chegada para o jantar de um outro grande amigo e um dos mais prestigiados violinistas do mundo, Ivry Guitly, hoje, com 84 anos e em plena atividade. Apaixona-se sempre por

SOPA

DE CEBOLA

8 porções •4

cebolas grandes colheres (sopa) de azeite de oliva • 4 fatias de pão • 100 g de queijo gruyère ralado • 1 pacote de creme de cebola Maggi • Sal e pimenta-do-reino • 1 litro de água • 1 copo de cidra de maçã 1 Corte as cebolas em rodelas e •4

refogue-as em uma panela com azeite, em fogo baixo até ficarem bem douradas; adicione o creme de cebola Maggi, a cidra de maçã e a água fria; acrescente o sal e a pimenta; deixe ferver por 20 minutos. 2 Doure as fatias do pão no azeite; coloque-as em cima da sopa em uma panela de barro e cubra-as com o queijo. Leve ao forno pra gratinar por uns 10 minutos.


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lindas mulheres e elas por ele. Como dizem os franceses “Il a une esprît et une personnalité tout a fait remarcable”. Nessa noite, tínhamos de preparar um jantar “dos deuses para os deuses”. Fizemos então um pato selvagem recheado de farofa de nozes e castanhas. De entrada, fiz uma sopa de cebola, pois estávamos a zero grau de temperatura. Enquanto tomávamos aquele caldo reconfortante, Alberto contou sua história com uma cebola. — “Um dia, fui até minha pequena horta e vi uma cebola que tinha desabrochado em flor. Pensei: 'Ah, sua danadinha. Vim para tirar

ARROZ

suas folhas e você me presenteia com uma flor? Está bem, vou cuidar de você'. Passei, a partir daquele dia, a cuidar dela com mais carinho. Nunca mais tive coragem de lhe tirar uma folhinha sequer. O que era mais impressionante é que o cheiro da flor era de cebola. Mesmo assim fiquei encantado com ela. Pouco depois, estava de viagem para o Brasil e fiquei preocupado com ela. Uma flor tão delicada tinha de ser bem cuidada. Chamei a concierge e pedi que olhasse por ela na minha ausência. Quando cheguei de volta a Paris, encontrei minha flor toda triste e murcha. Achei aquela mulher uma desalmada. Voltei a cuidar

DE PATO

COM CHOURIÇO 10 porções •1

pato de 2 ou 3 kg chouriço espanhol (com páprica) • 1/2 xícara (chá) de azeite de oliva • 250 g de bacon • 2 cebolas grandes • 4 dentes de alho • 500 g de arroz Arborio • 1 copo de vinho tinto • 200 g de azeitonas pretas • 1 colher (sopa) de quatre épices (tempero grego) • 250 g de ervilhas frescas • 1 molho de salsa e cebolinha • 2 folhas de louro • Sal a gosto • Pimenta-do-reino moída na hora • Azeite extravirgem 1 Limpe o pato e corte-o em •1

pedaços; corte o chouriço em rodelas e o bacon em cubos. 2 Numa panela grande, coloque o azeite e frite o pato até ficar

dourado; refogue junto o bacon e o chouriço; tire do fogo e deixe esfriar pra tirar o excesso de gordura. 3 Junte a cebola, o alho, as quatre épices e o vinho, deixando por 5 minutos para evaporar o álcool; refogue bem; acrescente água e deixe o pato cozinhar até ficar bem macio; depois, retire do fogo e tire a pele, desfiando-o grossamente; reserve. 4 Pegue os ossos, junte 1 litro de água e faça um caldo acrescentando o louro; coe o caldo e reserve. 5 Volte a panela do pato ao fogo, acrescentando o arroz, as ervilhas e as azeitonas; cubra com o caldo; se o arroz ainda estiver duro, acrescente mais um pouco de caldo; deixe ficar bem al dente e bem molhadinho; quando for servir, regue com azeite extravirgem e um pouco de pimenta-do-reino moída na hora.


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da minha flor que de tão feliz me presenteou de novo com outro lindo botão. Um dia, eu estava com uma gripe danada e veio uma amiga me preparar uma comidinha. Qual não foi minha surpresa: uma sopa de cebola. Enquanto a tomávamos, minha amiga falava: ‘Nossa! Sopa de cebola fresca, tirada na hora do pé fica muito mais gostosa’. Dei um pulo da mesa e disse: ‘Como você teve a coragem de matar minha cebola? Você não tem coração? Eu a amava. Ela era de estimação!’ Quando terminou de contar ficamos por um bom tempo morrendo de rir por sua paixão pela cebola, e imaginando a França deprimida, sem sua famosa sopa de cebolas. Todas elas nas sacadas das casas, e de estimação! Esse final de semana na Normandie foi delicioso. A sopa de cebola fez um grande sucesso. Não a de Alberto, mas a da horta da vizinha. Com certeza, por estar cheia de flores deveria ser de estimação. Aliás, Alberto tem um papagaio, “Roani”, que canta árias de óperas inteiras. Terminamos, Alberto, “Roani” e eu cantando “La Musetta”. Obviamente, sem acompanhamento. Não ousamos pedir aos nossos ilustres amigos para tocar. Mas, um dia, o céu pode esperar, Alberto, o papagaio e eu cantaremos com nosso Nelson Freire ao piano e Ivry Guitly com seu violino mágico, sob a regência e aprovação do nosso grande Giuseppe Verdi.


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Maria Helena Crisóstomo de Oliveira Ou, simplesmente, Bi. Uma mulher que me serviu de referência quando eu era menina e me serviu de exemplo pra toda a vida. Uma pessoa com todos os temperos necessários para fazer dela uma linda mulher vencedora. Gostaria de ser uma poetisa e acrescentar uma pitada dela às minhas receitas culinárias, para transformá-las em poesias. Mas nosso grande poeta Vinicius de Moraes já a imortalizou em várias cartas e poemas. Conheceram-se em São Paulo, apaixonaram-se no primeiro minuto em que se viram. Mas o destino lhes reservou uma surpresa. Dias depois

ela se despedia dizendo que iria estudar pintura na Itália. Embarcou em Santos na mesma semana, a bordo do navio Giulio Cesare, a caminho da Europa. Como num conto de amor, ela se despediu dele e, dias depois, quando o barco fez escala no Rio de Janeiro, a primeira pessoa a subir a bordo foi nosso poeta. Viveram 13 dias numa viagem das mais românticas que uma mulher pode sonhar. No desembarque, caminhos diferentes os separaram, ele ficava em Paris como adido cultural e ela seguia seu destino para a Itália. Mas houve tempo suficiente para que ela, com sua beleza, char-


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Maria Helena Crisóstomo de Oliveira Ou, simplesmente, Bi. Uma mulher que me serviu de referência quando eu era menina e me serviu de exemplo pra toda a vida. Uma pessoa com todos os temperos necessários para fazer dela uma linda mulher vencedora. Gostaria de ser uma poetisa e acrescentar uma pitada dela às minhas receitas culinárias, para transformá-las em poesias. Mas nosso grande poeta Vinicius de Moraes já a imortalizou em várias cartas e poemas. Conheceram-se em São Paulo, apaixonaram-se no primeiro minuto em que se viram. Mas o destino lhes reservou uma surpresa. Dias depois

ela se despedia dizendo que iria estudar pintura na Itália. Embarcou em Santos na mesma semana, a bordo do navio Giulio Cesare, a caminho da Europa. Como num conto de amor, ela se despediu dele e, dias depois, quando o barco fez escala no Rio de Janeiro, a primeira pessoa a subir a bordo foi nosso poeta. Viveram 13 dias numa viagem das mais românticas que uma mulher pode sonhar. No desembarque, caminhos diferentes os separaram, ele ficava em Paris como adido cultural e ela seguia seu destino para a Itália. Mas houve tempo suficiente para que ela, com sua beleza, char-


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me e alegria, conquistasse o coração do nosso mais querido poeta. Meses depois, ele retornava ao Brasil para a exposição de quadros dela, deixando em seu livro de assinaturas um dos seus poemas mais bonitos: Receita de Mulher. No final do poema, ele escreveu: “A Bi, aprovada com nota 10, Vinicius”. Com a nota máxima, passou com louvor no amor, nas suas pinturas e ao longo de sua vida, como filha, mãe, amiga, profissional e mulher. Paulinho Soledade, um dos maiores compositores brasileiros, seu primeiro namorado e grande paixão, já tinha se inspirado nela para compor uma de suas imortais letras “Um Pequenino Grão de Areia”. Ele se sentia um “pobre sonhador” diante da família dela, que não aprovou esse amor. Quem sabe, como diz a letra, “ele no céu, ela no mar”, um dia, eles possam se encontrar. E, como em outra de suas mais bonitas letras, “Vê, Estão Voltando as Flores”, que elas possam novamente para eles voltar, mais perfumadas que nunca. Bi sempre foi uma mulher radiosa, que encantava os jornalistas, até ser transformada em musa pelos colunistas sociais em sua época de jovem. Mesmo tendo nascido em berço de ouro, arregaçava as mangas e trabalhava em busca de sua história e de sua independência financeira. Como pintora, foi brilhante. Teve como professor e incentivador, nosso grande nome da pintura, Clóvis Graciano. Em uma de suas exposições, com o não menos famoso e querido pintor Aldemir Martins, aplaudiram


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seus quadros, dizendo que ela tinha um futuro brilhante. No final da exposição, todos os seus quadros haviam sido vendidos. Mas nem a arte conseguiu segurála. Sua personalidade e inquietude queriam mais. Sair por aí, pintando e bordando por esse mundo afora. Começou com uma fábrica de balas de óleo de pinho, de sua criação, Alabadia, que até hoje existem. Outro dia, passando com ela, de carro, em uma esquina veio um menino vendendo as balas. — “Olha lá, as balas que criei.” Depois, em sociedade com o irmão Orlando, montaram uma fábrica de laticínios, a Campesina, na cidade de Penápolis, onde sua família tinha usinas de açúcar e fazendas. Foi lá que a gente se conheceu, em 1956, recém-chegados da Espanha. Até hoje continua sendo um dos mais gos-

ARROZ 7

tosos queijos e derivados da região. Depois, Bi ainda ingressou no mundo da moda, primeiro com uma fábrica de sapatilhas, depois com a Boutique Bi, deixando paulistas e cariocas com mais graça no caminhar e no vestir. Ela arrasava. Nessa ocasião, meus pais moravam em Miguel Pereira e eu ficava no Rio, em casa de seus tios, Belita e Clovis Crisóstomo de Oliveira (amados e adotados como tios por mim), para estudar. Ela, quando chegava ao Rio, me levava para conhecer o que de mais moderno acontecia no mundo da moda. Ficava fascinada, vendo-a comprar e vender. Rápida e objetiva. Em poucos minutos corríamos 20 lojas, fechando negócios com todas. Como educação é imitação, ela trazia suas sapatilhas e eu a imitava vendendo-as para as amigas chiques de nossa tia.

GRÃOS COM

PEITO DE PERU 8 porções • 250

g de arroz 7 grãos cebolas • 2 dentes de alho • 30 g de uvas-passas • 20 g de cevadinha • 20 g de nozes ou amêndoas • 4 colheres (sopa) de azeite extravirgem • 6 colheres (sopa) de shoyu • 100 g de peito de peru defumado • 1 pimenta-dedo-de-moça 1 Coloque no fogo uma panela •2

com água suficiente para cozinhar o arroz, a cevadinha, as nozes e as uvas-passas; o arroz e a cevada precisam ficar cozidos al dente; reserve-os. 2 Em uma frigideira, doure a cebola com o alho no azeite; junte o arroz, o shoyu e a cebolinha bem picada. 3 Em um socador, coloque o manjericão e a salsa; soque com as nozes e a pimenta-do-reino 3 grãos; no final, coloque o azeite extravirgem; misture tudo e junte, com o peito de peru, ao arroz.


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CUSCUZ DA BI

MARROQUINO

8 pessoas • 250

g de cuscuz g de manteiga • 100 g de coração de alcachofra 1 Deixe de molho a farinha do • 50

cuscuz até inchar bem; em uma panela, queime a manteiga e coloque as alcachofras, deixando-as aquecer por alguns minutos; retire as alcachofras e reserve-as. 2 Despeje a farinha na manteiga deixada na panela e mexa com um garfo até ficar soltinha; na hora de servir, acrescente as alcachofras.


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Era um prazer duplo: passeava e ainda ganhava um dinheirinho. No final de sua temporada carioca, me dava sempre uma roupa linda e eu ficava torcendo para que ela voltasse logo. Mais tarde, casada com Hugo di Pacce, um dos homens mais charmosos, queridos e elegantes que conheci, eles vinham ao Rio e se hospedavam no Copacabana Palace. Eu ficava mais feliz do que nunca, passava o dia com eles na piscina e depois do almoço, sempre apaixonada pela culinária, dava uma escapadinha para ver de perto os grandes cozinheiros do hotel. Imaginem uma pirralha de 12 anos querendo ver e saber o que eles colocavam na pasta italiana do Hugo para que ficasse tão perfumada. Foi

GOROROBA

DA

lá que me apresentaram a maravilha do manjericão. Um amor, diga-se de passagem, eterno na minha cozinha. Bi, há mais de 40 anos, quando construiu sua primeira casa, descobriu que todo o seu talento na pintura, bom gosto e sucesso comercial poderiam caminhar juntos na área da construção. Era tão bonita a sua casa que todos que a viam queriam comprá-la. Não tinha dúvida, vendia-a. Em seguida, fazia outra para morar, e também a vendia. Isso aconteceu várias vezes, com Bi transformando casas feias, que colocava no chão, em pequenos palácios. Atualmente, com a filha, Giovana Landi, uma moderna e talentosa arquiteta que seguiu os passos da mãe, toca uma empresa poderosa no

BI

8 porções •4

cebolas grandes dentes de alho • 3 cenouras • 3 tomates sem pele • 1 alho-poró • 1 abobrinha • 1 berinjela • 300 g de ervilha torta • 300 g de vagem • Batatas da terra • 2 batatas-doces • 2 bananas-da-terra • 1 manga tamanho médio • 1 pau de canela • 3 cardamomos • 2 colheres (chá) de curry indiano • 50 g de nozes ou amêndoas • 50 g de uvas-passas brancas, sem caroço • 1 copo de vinho branco • 1 colher (chá) de pimenta-do-reino socada •2

• 1/2

copo de azeite de oliva extravirgem • Sal a gosto 1 Coloque em uma panela, o

azeite, a cebola em cubos grandes e a cenoura em rodelas; acrescente cardamomo, canela, pimenta, nozes e uvas-passas; deixe cozinhar em fogo bem baixo por meia hora; vá acrescentando as bananas em rodelas e o restante dos ingredientes. 2 Dissolva, em meio copo de água, o curry e regue os legumes; por último, o vinho e a manga cortada em pedaços pequenos, deixando em fogo muito baixo por mais 1 hora; o segredo desse prato está no cozimento lento; sirva com o cuscuz marroquino e uma paleta de cordeiro assada na brasa.


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setor. Nessa empreitada conta com o apoio do sobrinho e braço-direito, Arthur de Souza Dantas, o Tutuca, também grande pescador e cozinheiro; e de um jovem engenheiro, Diego Tannous, criador de carneiros em sua fazenda em Mato Grosso. Bi, no comando dessa equipe, povoa com seus talentos e brilho os mais lindos e elegantes bairros de São Paulo. Fico fascinada até hoje vendo-a trabalhar. Sua rapidez de raciocínio e sua agilidade são impressionantes. Tem uma estatura pequena, mas torna-se gigante, falando com seus funcionários no comando das obras. Vou com ela, às vezes, em casas no início da construção e, poucos meses depois, volto e vejo o resultado final. Linda, chique, funcional e com uma noção de espaço incrível. Seus “Projetos Bi” fazem história no mundo da arquitetura. Mas, na cozinha... bem... ela não sabe nem fritar ovo. Ninguém é perfeito. Mas comer bem é com ela mesma. Conhece tudo o que há de bom no mundo. Além do mais, ela tem a facilidade de con-

tar com os carneiros do Diego e com um grande assador que é o Tutuca. E tem a mim e ao Javier, de quebra, sempre fazendo suas vontades culinárias. Adora quando vou para a cozinha preparar um de seus pratos prediletos, cuscuz marroquino, feito apenas na manteiga queimada (au beurre noir), com pequenas alcachofras e legumes à moda indiana, preparados apenas no próprio suco, que ela chama “gororoba”. Já Giovana adora a cozinha natural, em especial o arroz sete grãos com peito de peru. Sempre que estamos em São Paulo ficamos juntas e nunca mais quero perdê-las. Assim como sua família carioca abriu as portas da casa e do coração para mim, elas em São Paulo continuam fazendo o mesmo. A bondade delas é hereditária. Para encerrar, plagiando meu querido poeta Vinicius de Moraes, dou minha receita de uma grande mulher.

INGREDIENTES 1 porção •1

copo de bom caráter boa dose de amor • 4 colheres grandes de bondade • 1 xícara (chá) de bom gosto • Vários galhos de beleza e humor • 1 quantidade enorme de trabalho • 1 pote cheio de mel • 1 pitada de formiga atômica • 1 boa quantidade de objetividade 1 Coloque todos os ingredientes no liquidifi•1

cador, bata na velocidade máxima, e pronto. Esta é a receita de uma mulher perfeita chamada Bi.


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Boni

Conheci José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, bem antes da minha chegada à TV Globo, em 1976, numa degustação de vinhos organizada por uma confraria em São Paulo. Essa foi minha primeira vez no fascinante mundo dos vinhos. Fiquei encantada em ver os confrades em suas roupas de gala, túnicas de veludo cor de vinho e faixas cheias de medalhas brilhando como generais de Baco. Fiquei maravilhada ao ver aquelas pessoas degustando e falando de vinhos, do aspecto, dos aromas e dos sabores. Olhos, nariz e boca, excitados e estimulados por esse néctar dos deuses. Naquele momento entendi por que Jesus deu vinho a seus discípulos, na Última Ceia, como se fosse o próprio sangue de Deus, que purificaria a alma dos homens. Naquela época, havia grande participação da Espanha. Os romanos iam da Espanha levando em odres de couro de cordeiro ou de cabra, os vinhos espa-

nhóis. A uva Tempranillo já fazia sucesso até mesmo na Galiléia. Foi nesse dia que Boni nos deu uma aula sobre os aspectos primordiais do mundo dos vinhos. Aprendi com ele como segurar uma taça, pela haste, para não passar a temperatura da mão para o vinho, seja ele qual for, branco, champanhe, tinto. Falou também de copos transparentes para que possamos ver a cor do vinho. A taça deve ser grande, bojuda em que se coloca pouco vinho, deixando espaço para mexer e abrir os aromas, inclusive quando se trata de vinhos mais velhos. A bebida precisa oxigenar. Mal sabia eu que, naquela degustação, estava conhecendo um dos homens que mais entendem de vinhos no mundo. Aprendi o que é um belo ritual, porque também ao bebê-lo, se sentem e se degustam suas histórias. Cada vinho tem a sua e quando o bebemos, conhecendo-a, ele se torna ainda mais gostoso.


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A vida de Boni todos os brasileiros já conhecem. Ele é um dos maiores nomes da televisão brasileira. Por sua capacidade de inovação e competência. O que pouca gente sabe é que ele cozinha como poucos e também é um grande anfitrião. Seu conhecimento da cozinha internacional é fascinante. No dia em que chamei o Boni e a Lu, sua esposa, para jantar, meu coração se encheu de alegria. Cozinhar para quem sabe e entende é diferente. É algo que se torna indescritível. Nessa noite, fiz um camarão ao sal grosso, polvo à la gallega, tortillas de batatas com cebolas e bacalhau al pil pil. Tinha convidado também um punhado de amigos,

Jaime Monjardim, Maria Alice com José Hugo Celidônio, Renato Caravaglia, Gisela e Ricardo Amaral. Pelos olhinhos brilhantes da Lu e do Boni, vi que estavam gostando. Foi meu presente. A harmonização dos vinhos ficou por conta do Javier que, segundo Boni, foi perfeita. Recebemos os convidados com um Cava Juvée y Camps Reserva de La Familia, um vinho branco feito com a casta Albariño, o Dom Pedro de Soutomaior, que foi servido com o polvo e o camarão. Para o bacalhau, ficamos com o Abadia Retuerta Pago Negralada. De sobremesa, um cheese-cake com cobertura de trufas suíças, acompanhado de um Alvear Pedro Ximenez Solera 1927. Combinações maravilhosas. Minha alegria na cozinha tinha co-

CAMARÃO

NO

SAL GROSSO 2 porções • 10

camarões grandes g de sal grosso • Azeite extravirgem 1 Forre uma frigideira grande, de • 500

ferro, com sal grosso; coloque os camarões por cima com a casca; depois de a frigideira estar bem quente e os camarões bem avermelhados (mais ou menos 10 minutos), vire do outro lado; deixe menos tempo desse lado, para que o camarão fique crocante e no ponto de cozimento perfeito; descasque e sirva, regando na hora com azeite extravirgem.


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PALETA

DE CORDEIRO

AO FORNO 4 porções • 1,5

kg de paleta de cordeiro g de páprica picante • 1 colher (sobremesa) de canela em pó • 1/2 xícara (chá) de azeite de oliva extravirgem • 200 g de pinhões • 200 g de figos secos • 500 g de batatas • 50 g de manteiga • 1/3 de copo de vinho tinto • Sal a gosto 1 Misture todos os temperos com • 25

o vinho, esfregue na paleta e deixe marinar por 2 horas, dentro de um saco plástico hermeticamente fechado. 2 Cozinhe os pinhões e reserve. 3 As batatas, se forem das pequeninas, não é preciso cozinhá-las antes; deixe-as com a pele. 4 Asse a paleta em forno preaquecido, com os demais ingredientes, embalados em papelalumínio, em uma travessa de barro refratária; deixe por meia hora. 5 Retire o papel-alumínio, coloque a manteiga e o azeite, deixando corar por mais 15 minutos.


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meçado às 5h30 da manhã quando fui ao mercado de peixe, em Niterói, buscar tudo o que havia de mais fresquinho. Passei depois na Cadeg (atacadista de flores, frutas e verduras), pois os arranjos da mesa seriam feitos por mim. Maçãs verdes e flor de cenoura. Passei o dia preparando tudo e a recompensa no final do jantar lá estava. Todos pareciam estar gostando. Nada mais prazeroso sentir que tudo que foi feito com amor, meu principal tempero, tinha dado certo. Dias depois desse jantar, Javier e eu viajamos pra a Espanha. Fomos para uma feira em Barcelona, a Alimentaria, umas das maiores exposições de alimentos e bebidas do mundo. A festa do vinho era para pes-

soas especiais, como enólogos, chefs de cozinha, jornalistas e importadores do mundo inteiro. Nesse ano tinha sido em um dos prédios mais famosos de Barcelona, a Casa Batlò, que fica no Paseo de Gracia, do grande arquiteto catalão Antoní Gaudí. Foi lá, nesse dia, que conhecemos Ferran Adrià, o grande revolucionário da cozinha espanhola. Segundo ele, a primeira qualidade de um cozinheiro é criar a honestidade. Ter a dignidade de admitir que se copia. Na cabeça dele, a nouvelle cuisine dos anos 60, tem de ser respeitada. Não é apenas “pouca comida no prato” como ficou na cabeça da maioria, mas a delicadeza da escolha de produtos certos, e no ponto perfeito de seu cozi-

POLVO

À LA

GALLEGA

8 porções •1

polvo grande (de 3 ou 4 kg) picante (pimentão seco moído, levemente defumado) • Flor de sal • 1 cebola • Folhas de louro 1 Deixe o polvo no freezer 2 dias, • Páprica

pelo menos, para quebrar as fibras; deixe-o descongelar. 2 Jogue-o em uma panela de água fervente, com uma cebola inteira e 2 folhas de louro, para um choque térmico, deixando-o ferver por uns 2 minutos. 3 Tire novamente o polvo da panela e mergulhe-o em uma bacia de água gelada; coloque-o de novo para ferver por mais 1 hora; corte-o em lâminas finas e tempere com flor de sal e páprica; sirva quente, com rodelas de batatas cozidas.


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mento. No El Bulli, Ferran Adrià colocou seu toque pessoal, copiando, criando e multiplicando as sensações de felicidade. Como ele mesmo diz, “alimentando o estômago se pode deliciar a alma”. Sua comida é magistral. Foi com ele também que aprendi a diferença entre alimentação e gastronomia. “A alimentação é a satisfação da necessidade física, já a gastronomia permite sublimar essa função e transformar o ato de comer num prazer para os sentidos e o intelecto. Esse aprendizado ficou para sempre na minha memória. Dias depois, comprovamos tudo isso na elegância da cozinha de seu restaurante, que fica perto da cidade de Roses, no meio de uma montanha, de frente para o mar, com uma vista incrível. Seu menu-degustação é inesquecível. Mas, o mais incrível, ainda, foi, quando voltamos dessa pequena viagem, a Lu e o Boni nos terem convidado para jantar em sua casa. Fomos recebidos à porta pela Lu, com a beleza e o sorriso dos mais bonitos que conheço. Boni estava na cozinha dando os últimos retoques. Tudo estava impecável na arte de bem receber. E, nessa noite, uma grande surpresa: à mesa, depois de comermos a entrada, Javier e eu nos olhávamos com certeza pensando a mesma coisa, Ferran Adrià estava na cozinha! Quando vieram o consomê com o pó de foie gras, a paella de frutos do mar com crispi de arroz e o rabo de toro com trufas negras, não tivemos dúvida: o mais famoso chef da Espanha tinha feito o jantar. Ele estava na cozinha,

apareceria ao final para nossa surpresa e, claro, para receber os aplausos. Mas a Lu se levantou e nos deu a resposta correta: — “Olha o Boni passou o dia na cozinha preparando esse jantar para vocês!” Inacreditável, ele estava igual ao que tínhamos comido poucos dias antes no El Bulli. Entendi a alegria do Boni, quando foi aplaudido. Esse é o grande prêmio que se pode receber. Ver a carinha das pessoas, felizes por ter comido bem. Ele tinha tido a honestidade de copiar o grande mestre espanhol, dando um toque pessoal, utilizando seus conhecimentos culinários e, sobretudo, seu principal ingrediente – amor. Foi uma maravilha de jantar em uma noite memorável.


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Chico Caruso Todas as manhãs quando acordo, vou até a varanda de meu apartamento e fico olhando o mar, as montanhas e o Sol vermelho e quente refletido na água. É o brilho do nascimento de mais um dia. Quando meus olhos já embalados pela beleza do meu Rio de Janeiro fixam “uma das sete maravilhas do mundo”, o Cristo Redentor, agradeço a ele e a Deus a oportunidade de estar merecendo mais um amanhecer. Impossível não acordar feliz. Meu ritual de manhã: depois de dar uma olhadinha nos quartos para ver se meus filhos já chegaram e se estão bem, pego o jornal O Globo na porta de casa, tomo um suco (abacaxi, babosa, espinafre, hortelã e alfafa), que é uma receita do meu filho Dado e vou ler os acontecimentos do dia anterior. Na primeira página, meus olhos focam em primeiro lugar a charge de Chico Caruso. Meu sorriso de bom-dia fica ainda melhor. Como é possível que, em um espaço tão pequeno, ele consiga expressar toda uma situação socioeconômica e política, de forma tão perfeita, com suas deliciosas obras de arte, transformadas em caricaturas? À noite, quando assisto aos telejor-

nais, fico com uma vontade de entender, de sair gritando, denunciando, mas permaneço incapaz, sem eco. Fico curiosa, então, esperando o que o Chico vai dizer. Perfeito! Em poucos gráficos, ele resume tudo com seu humor irreverente e servindo de porta-voz aos seus leitores brasileiros que ficam com o grito de indignação parado na garganta. Chico nos lava a alma e, o melhor, às gargalhadas. Sem dúvida, um de meus grandes ídolos. Conheci Chico Caruso na casa de uma amiga, Cesarina Riso, que nos recebia para comemorar seu aniversário. Foi, diga-se de passagem, uma noite de sonhos. Estavam presentes, entre muitos amigos, Millôr Fernandes, o grande músico e compositor francês Michel Legrand e o nosso querido amigo Marcio Montarroyos, que tocou “Parabéns”, com seu mágico trompete. O momento de maior emoção foi quando fui apresentada a Chico Caruso. Nem estava acreditando. Foi uma surpresa, até fisicamente. Na minha cabeça, ele seria um homem baixo e narigudo, parecido com alguma caricatura de seus personagens. Mas não: ele é bonito, alto, moreno,


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de cabelos lisos, com um sorriso encantador. Não pude esconder minha emoção e passei, no meu aperto de mão, minha admiração por ele. Conheci sua mulher, na época ele era casado com Eliane, que é também uma graça de pessoa. Naquela mesma noite, enquanto Cesarina e eu conversávamos com Michel Legrand, Chico com uma carinha marota sentado à nossa frente, em poucos minutos nos fez uma caricatura. Foi demais! Logo no primeiro dia fui eternizada em seus traços geniais. O desenho foi dado de presente ao grande compositor. A partir desse dia nos tornamos amigos. Sempre que quero agradar, é em volta das minhas panelas, fazendo uma boa comida, quando demonstro meu amor e carinho pelas pessoas. E assim foi feito. Na primeira oportunidade, logo depois de nosso encon-

LOS

tro, fiz um jantar para eles. Claro, que ele adorou as tortillas com jamón e morcilla espanhola, receita que plagiei (superdivertido, Los Cojonudos y Las Cojonudas) numa casa de “tapas” em Burgos. Fiz também uma paella de bacalhau. Vocês já devem estar imaginando minha emoção em cozinhar pela primeira vez para ele. Foi uma noite que jamais vou esquecer. Joguei na panela, junto com o bacalhau um mundo de gratidão por ele. O sucesso dos meus pratos nesse jantar foi devido à admiração que tenho por Chico Caruso. O melhor tempero era ele. Não contente em ser essa pessoa maravilhosa, um ator de comédias ótimo, ainda se dá o luxo de ser um grande cantor. Ora, Chico! Canta óperas como poucos, com uma voz de fazer inveja a Pavarotti (desculpem o pequeno exagero andaluz), mas ele

COJONUDOS

DO CHICO •1

chorizo espanhol picante de codorna • Pimenta-dedo-de-moça • Sal 1 Corte o chorizo em rodelas, com • Ovos

a espessura de um dedo; doure dos dois lados em uma frigideira de ferro ou em uma grelha. 2 Estrale os ovos de codorna em uma frigideira antiaderente; reserve; corte em tiras bem finas a pimenta-dedo-de-moça. para a arrumação da tapa

Coloque em cima do chorizo, os ovos e as tiras da pimenta; sirva em 1 colher de louça.

LA

COJONUDA

• Morcilla

tipo espanhola de codorna • Pimenta-dedo-de-moça • Ovos

Siga o mesmo modo de fazer de Los Cojonudos.


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tem um vozeirão lindo. Chico foi responsável por um dos momentos mais emocionantes de minha carreira no teatro, em 1999, quando me apresentava com a peça Pepita, Histórias com Tortillas, na Villa Riso, com uma platéia linda e com mais de 400 pessoas. Em determinado momento na peça, quando Pavarotti canta Caruso, música que Luccio Dalla fez para o grande cantor Caruso, vou interpretando a letra que traduz tudo o que quero deixar como mensagem no espetáculo. Na parte da música em que diz “Ti voglio bene aisa” (Te quero muito, é imenso o que te quero), Chico levanta no meio da platéia cantando junto com Pavarotti. O som do

grande músico italiano foi desaparecendo e a voz do nosso Caruso foi encantando e emocionando todos os presentes. Ele começou a caminhar entre as mesas, vindo em direção ao palco. Com meu coração disparado e dando o melhor de minhas interpretações à tradução da letra. Enquanto ele cantava, vinha em minha direção e subiu ao palco. Demos em cena um grande abraço e terminamos juntos cantando com o público aplaudindo de pé por um grande tempo. Enquanto agradecíamos, ele encerrou dizendo: — “Pepita e seus Carusos”. E, assim, como em contos de pura


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magia, ele repetiu a cena, com seu canto e encanto, todas as vezes que me apresentei no Rio de Janeiro. Recentemente, em 2006, em São Paulo, no Bar des Arts, ele me fez outra grande surpresa. Dessa vez em dose dupla. Haja coração! Ele e o irmão gêmeo, Paulo, também grande artista e cartunista, no mesmo momento em que cantava Pavarotti, os dois se levantaram no meio da platéia, dando um verdadeiro espetáculo. Eram meus três Carusos. Quase morri de emoção. Foi um momento inesquecível do meu teatro e que, com certeza, ficará para sempre na memória de todas as pessoas que lotavam aquela platéia. Chico Caruso como ídolo não é privilégio apenas meu, mas tê-lo como amigo e gostando da minha comida, fazendo parte de meus amores em torno de minha mesa, isso sim, é um prazer de poucos. Como disse um dos maiores jornalistas do século, dr. Roberto Marinho, recordado por seu filho João Roberto Marinho, no livro 20 anos de Chico no Globo : “Seu talento leva-o além, a um desenho mais elaborado, perante o qual ficamos, no primeiro momento, instados a apreciá-lo, como na obra de pintura, até sermos atingidos por sua mensagem de ironia, não apenas um estilo de caricatura, mas uma nova forma de arte”. E se sair por aí escrevendo, contando tudo o que foi dito dele e magistralmente escrito para ele, é uma forma de arte, então vou sair espalhando aos quatro ventos seu talento, com meus

queridos Carusos, de braços abertos, cantando: “Ti voglio bene aisa, mas tanto, tanto bene aisa.” É imenso o que te quero, Chico.

PAELLA

DE BACALHAU

12 porções •1

kg de bacalhau Don Salado em lascas, já dessalgado • 1 kg de arroz Arborio • 500 g de lingüiça de lombo de porco • 1 chicara (chá) de azeite • 1 copo de vinho branco • 100 g de chorizo picante espanhol • 3 abobrinhas maduras • 2 cebolas grandes • 4 dentes de alho • 4 tomates sem pele, bem maduros • 3 pimentões assados • 1 colher (chá) de páprica picante • 1 pimenta-dedo-de-moça • 1 molho de salsa e cebolinha • 1 colher (chá) de pimenta-do-reino vermelha • Uns raminhos de açafrão • 1 tablete de caldo Maggi de frango • 1 tablete de caldo Maggi de legumes • Sal a gosto modo de fazer

1 Coloque os caldos Maggi em 1 litro de água, deixe ferver e reserve em fogo bem baixo. 2 Em uma panela (paella), coloque o azeite, as lingüiças, mais as cebolas e as abobrinhas cortadas em cubos e as folhas de louro; refogue bem; depois, acrescente o bacalhau e o resto dos temperos. 3 Quando estiver tudo bem refogado, coloque o arroz e o vinho; deixe evaporar e, em seguida, acrescente o caldo Maggi até deixar tudo coberto; dê uma mexida e, a partir daí, não mexa mais. 4 Quando o arroz estiver bem al dente, coloque o cheiro-verde e desligue o fogo; deixe por 10 minutos coberto com papel-alumínio.


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Claude Terrail Em 1968, quando ainda era manequim exclusiva da revista Manchete, fui para a Europa como prêmio por ter ganho o concurso modelo do ano. Aproveitaria para fazer umas fotos para uma reportagem de moda em Paris. Antes de embarcar, passei pela redação e pedi algumas dicas para o diretor da revista, meu muito querido e também um dos grandes jornalistas que conheci, Justino Martins. Como sabia de meu amor pela cozinha e minha paixão pelo mundo das artes, fez um roteiro que jamais esqueci. “Depois de um vasto caminho pelos museus e teatros, não deixe de ir aos restaurantes La Coupolle, onde se come bem e é lugar freqüentado por artistas, jornalistas e poetas; e ao celebre La Tour d’Argent. Lá, você provavelmente vai encontrar seus ídolos de cinema e comer o melhor pato da França. O restaurante fica à margem do Rio Sena e, quando você estiver entrando no restaurante, estará mergulhando em uma bonita história legendária de mais de quatro séculos. Desde 1582, que começou como um pequeno hotel, mas com uma cozinha maravilhosa. Tornou-se famoso a partir da freqüência do rei da França e da Polônia Henri III. Era comum

encontrar ali Charlie Chaplin, Lauren Bacall, John Wayne, Maria Callas, príncipes, reis e presidentes. O proprietário, Claude Terrail, é meu amigo e uma pessoa incrível. Vou ligar e reservar uma mesa. Vou pedir também para ele receber vocês. Enchi meu diretor de beijos. Saí da redação flutuando e com milhões de expectativas na minha bagagem. Fiquei me imaginando na terra de Edith Piaf, no restaurante Tour d’Argent e podendo dar de cara com Ava Gardner (ela disse que comeu lá o melhor steak sauté aux herbes de sua vida) e sentada ao lado da minha diva Greta Garbo. Sem contar que, finalmente, posso ser descoberta para o cinema por Roger Vadin, que está sempre por lá com sua Jane Fonda. Meus pensamentos já ficaram lotados guardando tantas informações. Parecia sonho. Nem estava acreditando que iria conhecer o tão famoso pato que cada cliente leva um recibo com o número. Isso, sem contar que Claude Terrail é dono da cave mais importante da França, talvez do mundo. Com certeza, vou poder tomar ali meu predileto e chique Rosé d’Anjou. Saí do sonho, caindo na realidade no meu primeiro dia em Paris, claro,


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entrando no La Tour d’Argent. Minha felicidade era tão grande que diante do prédio, com aqueles homens elegantemente fardados, abrindo a porta da minha carruagem em forma de abóbora, quero dizer, do táxi, eu era a própria Cinderela. A roupa emprestada pela produção da revista era linda. Como sabia que a Romy Schneider era grande amiga do Claude, saí do papel de princesa e pulei para o personagem de Sissi, a Imperatriz. Fui entrando no primeiro andar do restaurante como se estivesse em um dos grandes bailes da corte. Meus olhos passeavam por todos os belíssimos candelabros estilo Versailles (feito pelo mesmo artista do palácio), móveis e tapeçarias seculares. No fundo, um pequeno Musée de la Table que reúne lembranças e histórias daquele magnífico restaurante. Em uma vitrine, guardada a sete chaves, estava uma mesa montada exatamente como era preparada para Napoleão III, que tinha uma reserva permanente para convidar os amigos. Três velhas garrafas de champanhe da coleção de Moët et Chandon, pratos da Companhia das Índias e também de Sèvres, que pertenceram ao rei Luis Filippe; um moinho de café do século XVII, um garfo do século XVI e um copo que pertenceu a Elisabeth I, da Rússia. Finalmente, cambaleando de fascinação como se tivesse já tomado as três garrafas de Chandon, entrei no elevador a caminho do sexto andar, onde fica o grande salão dos grandes e renomados jantares. Meus olhos já

transformados em faróis fixaram o Livro de Ouro, que deve ser único no mundo, com as assinaturas de todas as personalidades que passaram por lá. Minha vontade era folhear o livro e xeretar tudo, mas não poderia sair do meu personagem de imperatriz. Fiquei parada apenas por alguns segundos, quando pelo meio de mesas lindas, tendo ao fundo uma janela iluminada pela noite parisiense, que mais parecia a luz de um sol brilhante, vem em minha direção um homem alto elegantemente vestido, que, a princípio, pensei fosse Clark Gable, mas à medida que ele foi se aproximando era mais para Yves Montand com uma pitada de Jean Paul Belmondo. Quando chegou, apresentando-se, fiquei olhando e sorrindo para ele, enquanto se curvava para beijar minha mão. Notei que a figura que estava me recebendo era mesmo uma mistura desses meus ídolos: Claude Terrail. Um homem de meia idade dos mais charmosos que tinha visto na vida. Meus olhos, nesse momento, transformados em lareira, jorravam faíscas. Tanto era verdade que algumas fagulhas devem ter caído no meu anfitrião pois ele pegou uma de minhas mãos e me conduziu até sua mesa, onde já estavam mais alguns amigos franceses. Enquanto ele puxava minha cadeira, tive tempo relâmpago de dar uma olhada no clarão que vinha do céu iluminando as janelas (entendi por que Paris é conhecida como Cidade Luz), vi a Igreja de NotreDame e lhe mandei um beijo de agradecimento por estar vivendo aquele


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momento. No instante em que sentamos, Claude, elegantemente perguntou: — “O que você gostaria de beber?” Com a elegância do meu personagem, Sissi, e me lembrando do vinho chique que tomava no Brasil, respondi: — “Por favor, gostaria de beber Rosé d’Anjou.” — “Não!!!”, disse ele, indignado. — “Não tem problema, se não tiver pode ser Mateus Rosé.” — “Naaaaaaão!!!”. Aí, ele não agüentou e, rindo, pediu ao sommelier um champanhe. Depois do brinde, ele passou a noite toda falando sobre vinhos. Explicando o porquê de os vinhos rosés não serem bons, já que na grande maioria são feitos com as cascas de uvas vermelhas. Falou mais um monte de coisas de que nem me lembro mais. Foi uma verdadeira aula sobre o mundo de Baco. Falou também de sua coleção, de sua adega centenária, dos Châteaux Petrus e RomanéeConti etc. Tentei mudar um pouco de

assunto, porque eram tantas as informações que elas nem cabiam na minha cabeça. Propus então, com nossas taças, um brinde em forma de agradecimento por tudo e, claro, não resisti, contei que no mundo da moda eu estava somente de passagem, que era uma atriz e que, em breve, eu estaria nos palcos e nos cinemas. — “Eu também já fui ator”, respondeu ele, com um brilho no olhar. “Quando jovem, fiz várias peças de teatro. Em 1927, encenei Le Roi Dagoberto. Quando já caminhava pela Comedie Française, meu avô Frederic, na época o grande comandante do La Tour d’Argent (criador em 1890, do primeiro pato) me convenceu a trabalhar com ele. Com direito a conviver com Hollywood, já que todos os artistas que vinham a Paris jantavam no restaurante, era obrigatório. Não me arrependi, vesti um personagem de bom anfitrião e hoje vejo e comprovo que meu avô tinha razão, eu me realizo plenamente.” Depois que ele acabou de falar, en-


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quanto dava atenção às outras pessoas da mesa, tive a certeza de que ele interpretava a vida com arte. Poucos atores no mundo saberiam fazer um papel tão rico em sabedoria e charme quanto ele. Quando me mostrou o cardápio, pedi sua sugestão. Comi, então, de entrada, salmão escocês fatiado na hora com blini e crème fraîche, continuando com o champanhe. Um grande Bordeaux escoltou o caneton Tour d’Argent, de número apagado pelo tempo. Inesquecível. Quando recentemente li o livro escrito por ele, La Tour d’Argent, vi que ele estava perfeito na colocação da frase “se a mesa é bela, a vida fica mais cheia de charme”. A mesa não poderia estar mais bonita e a comida mais perfeita. Como ele mesmo diz: “Não existe nada mais sério do que o prazer”. Ele também tinha razão. Comer naquela noite ficou para sempre na minha memória, prazerosamente. A essa altura do campeonato, já tinha deixado meu personagem Sissi,

a Imperatriz, no meio do jantar e assumido o meu mesmo, porque na minha cabeça, uma rainha jamais iria pedir para conhecer a cozinha. A cave, tudo bem, pois mais tarde em 1974, a princesa Grace Kelly gostou tanto que convidou nosso Claude a orientá-la na sua nova cave em Mônaco. Talvez seja porque antes de entrar para a monarquia, ela já tivesse sido imortalizada pelo cinema. Sua sensibilidade era a de uma atriz. Como sempre fui uma apaixonada pela culinária, não tive dúvida e pedi pra conhecer a cozinha. Levoume com o maior prazer e paciência. Contou-me muitas histórias em volta de bonitas e antigas panelas, de todos os seus cozinheiros, pratos e, prontamente, entendi o porquê de tanto sucesso. Tudo e todos tinham uma linda história. No caminho de volta à mesa, eu estava abastecida de tantas informações sobre patos que minha cabeça tinha dado um nó. Olhei com o rabo do


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PATO (CANARD) TOUR D’ARGENT 10 porções •1

pato de mais ou menos 3 kg a gosto • 2 colheres (chá) de pimenta-doreino moída na hora • 2 folhas de louro • 1 molho de tomilho • 6 dentes alho • 3 cebolas • 50 g de manteiga • 1 copo de vinho Madeira envelhecido • 1 cálice de conhaque • 1 limão • 2 tabletes de caldo de galinha Maggi 1 Basicamente, pegue um belo • Sal

pato; tire-lhe os miúdos e os extremos (reservando o fígado para o molho) e prepare um consomê bem temperado (tablete Maggi, sal, pimenta, louro, tomilho, alho, cebola). 2 Doure o pato (com um pouco de manteiga) no forno bem quente, superficialmente, por 20 minutos; reserve. 3 Coloque o fígado do pato, previamente picado com uma faca, em uma frigideira de cobre ou aço; agregue o vinho Madeira, o conhaque e umas gotas de limão; leve ao fogo por cerca de 30 minutos. 4 Separe as coxas in-

teiras do pato e coloque para grelhar, durante o tempo de preparação do pato, cerca de 30 minutos. 5 Com ajuda de uma faca bem afiada, retire toda a pele e corte os peitos em filés grosseiramente desfiados; esses filés vão se juntar na frigideira em que está o fígado. 6 A carcaça do pato recebe um tratamento especial, que requer um equipamento adequado para poder prensar e retirar um pouco do suco do pato; na ausência dessa engenhoca, coloque a carcaça no fogo, para reduzir ao máximo; depois, prense com um socador e passe o caldo por uma peneira fina; uma vez extraído o consomê, acrescente um copo grande do caldo, previamente preparado e junte tudo aos filés; acerte o sal e a pimenta a gosto. 7 Coloque novamente no fogo baixo por 25 minutos até que o mesmo fique reduzido, parecendo chocolate derretido. 8 Para servir, arrume os filés em um prato quente e generosamente cobertos com o molho; acompanhe de batatas sufflées; na seqüência, sirva as coxas grelhadas e temperadas com sal e pimenta, servidas com uma salada verde.


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olho para todas as mesas e perguntei se naquela noite havia alguém importante? — “Tem”, respondeu, “você.” — “Oh! Merci”, respondi encantada, escondendo minha decepção por não ter ninguém famoso. Quando me levou até a porta, voltei à minha primeira personagem, a Cinderela. Despedi-me agradecendo o jantar maravilhoso. Devo ter deixado um sapatinho, já que no dia seguinte ele me ligou convidando-me outra vez para o jantar. Agradeci muito, mas disse que seria impossível. Teria fotos o dia inteiro e à noite também. Na verdade, estava mesmo querendo jantar depois do trabalho, em algum bistrô, para poder tomar tranqüila meu Rosé d’Anjou. Mas foi em vão, não consegui também tomar meu vinho. Com certeza todos já deviam ter sido exportados para o Brasil. Dois dias depois fui para a Espanha visitar minha família e colocar em ordem meus pensamentos e armazenar em um lugar especial todas as maravilhas que tinha visto e aprendido em Paris. Minha emoção era imensa. Afinal, eu estava voltando à terra em que nasci, Adra, depois de 11 anos. Fui recebida por minha família como uma verdadeira princesa, mesmo com meu personagem real de plebéia. Logo no dia em que cheguei, no almoço com todos os meus tios, tias e primos, sentados à imensa mesa, meu querido tio Fernando, que era

um homem elegantíssimo, perguntou o que eu queria beber. Já para mostrar que era cheia de sabedoria do mundo do vinho, disse que gostaria de tomar um Châteaux Petrus. — “Naaaaaaaaaãoooo”, respondeu indignado. Antes mesmo que ele abrisse a boca, falei: — “Não tem problema, pode ser um Châteaux Margaux ou Lafite”. — “Minha filha, estou vendo que não conhece os grandes vinhos de sua terra. Você vai tomar agora um Sierra Cantabria e um Viña Izadi, da região da Rioja. Vou fazer você provar também, um Ribera del Duero, um Viña Sastre ou um Protos.” E assim meu tio passou o almoço inteiro me dando uma lição da maravilha que são os vinhos espanhóis, que até hoje são minha paixão. Quando daquela vez voltei para o Brasil, caí na real, ao tomar finalmente meu vinho adocicado rosé, que agora também tinha uma história, a do maior fora que dei sobre vinhos, no


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mais bonito e elegante restaurante de Paris. Na minha última viagem, soube que ele tinha morrido, fiquei triste e, passando pelo restaurante, vi que a história continuava com seus filhos. Assim como seu avô passou o bastão para ele, com certeza seus netos darão continuidade à saga tão bonita da família Terrail. Voltando para os dias de hoje, escrevendo, lembrando-me de minha primeira viagem à Europa, que foi inesquecível, tendo como persona-

gens minha família e tantas pessoas especiais. Lembro-me de que não conheci nenhum artista importante, sem ter a menor noção de que naquela noite, em Paris, não poderia haver ninguém mais maravilhoso e importante do que Claude Terrail. Sem dúvida alguma, ele fez parte da história desse legendário La Tour d’Argent. Será lembrado para sempre por todos, como um verdadeiro personagem genial, tirado de um romance dos mais bonitos da França.


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Claude Troisgros Conheci Claude nos anos 80 em Búzios. Assim que ele chegou da França apaixonou-se, como todos, por aquelas praias e abriu ali um pequeno restaurante chamado Le Petit Truc. Toda vez que eu ia jantar lá ficava encantada com seus pratos cheios de sabores, com o gostinho de mar. Claro, seu segredo estava também nos peixes que ele mesmo pescava (de mergulho, pouco antes da preparação). Um dia, não resisti e me apresentei. No meu abraço passei-lhe todo o meu encantamento por sua cozinha. Depois perdi-o de vista e o reencontrei já no seu restaurante Troisgros, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, casa que hoje faz grande sucesso com o nome Olympe. Sem dúvida, um dos melhores lugares para se comer bem. Meu encanto e admiração por ele são imensos. Ele foi pioneiro na mélange de produtos brasileiros e franceses. Seu hino de amor ao Brasil foi feito com a criação de pratos com raí-

zes e temperos brasileiros. Ele levantou a bandeira da cozinha brasileira nos quatro cantos do mundo. Em 2001, com Javier, meu companheiro de todos os roteiros culinários, fui a Roanne, na França, ao famoso La Maison Troisgros, onde está o chef Pierre Troisgros, pai de nosso Claude, um mito da alta gastronomia francesa, três estrelas no Michelin durante 38 anos consecutivos e um dos criadores da nouvelle cuisine. Um restaurante tradicional e muito famoso na Europa. Antes, sob a batuta do pai e, agora, também, sob a do filho Jean Pierre. Em 2000, no mesmo prédio do restaurante, foi reinaugurado um pequeno hotel que pertence à família. Magnífico e moderno, com apenas quatro suítes, todas elas seis estrelas. Foi idealizado para pessoas que vêm do mundo inteiro conhecer a Maison, jantar e ali passar a noite. Aproveitam, claro, para conhecer a cidade de Roanne, supercharmosa.


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Conversamos com os dois (diga-se de passagem), de uma gentileza enorme. Almoçamos, mas não ficamos para dormir, pois estávamos sendo esperados pelo nosso amigo e pintor Alberto Nicolau, em sua Maison de Campagna, na Normandia. A comida estava “dos deuses”, mas minha emoção maior foi ver no cardápio dois pratos brasileiros: peixe com leite de coco à brasileira e torta de goiaba. Nosso Claude tinha colocado a bandeira brasileira na cozinha fabulosa e revolucionária do pai.

TORTILLA

Durante nossa viagem de Roanne para a Normandia (aconselho fazê-la de carro, porque a paisagem é linda), fiquei o tempo todo pensando no Claude e passei a admirá-lo sempre mais. Ter deixado, jovem ainda, sua terra e sua história, já que bastava dar continuidade a sua saga familiar, pois talento não lhe faltava, fez crescer ainda mais em mim a admiração que sentia por ele. Mas, ele resolveu começar sozinho em terras brasileiras, fazendo sua própria e bonita história de sucesso. Um dia, fui convidada para

DE BATATAS

COM CEBOLA 8 porções

kg de batatas (pele rosada) cebolas grandes • Azeite de oliva extravirgem • 5 rodelas de pimenta-dedo-demoça • 8 ovos batidos 1 Em uma frigideira de ferro ou

vamente por uns minutos e sirva quente; fica deliciosa, servida fria, em um piquenique.

•1 •2

aço inox, coloque as batatas e as cebolas cortadas em lâminas e a pimenta; acrescente o azeite em abundância, para fritá-las; depois de douradas e bem crocantes, deixe escorrer bem o azeite e retire-as da frigideira; coloque as batatas bem quentes nos ovos batidos previamente. 2 Aqueça bem uma frigideira antiaderente com umas gotas de azeite, despeje a mistura e deixe fritar por alguns minutos. 3 Com a ajuda de um prato, vire do outro lado; deixe no-

PARGO À CLAUDE TROISGROS 4 porções •1

pargo de 2 ou 3 kg kg de sal grosso • Azeite extravirgem • 1 limão • Pimenta-do-reino branca e vermelha moídas na hora 1 Limpe o peixe, deixando-o in•1

teiro; forre um tabuleiro de sal grosso e coloque o peixe em cima; cubra o peixe com o restante do sal até que fique completamente coberto; deixe no forno por mais ou menos meia hora. 2 Retire, depois, todo o sal e a pele; sirva no prato, já sem as espinhas, e regue com azeite e limão, mais as pimentas-do-reino moídas na hora.


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participar do programa Menu Confiance, no canal a cabo GNT, que o Claude apresenta com o jornalista Renato Machado. Preparei uma tortilla de batatas com cebolas e ele, uma omelete de verduras com queijo e presunto. O Renato fez a harmonização com os vinhos e colocou em clima, claro, de brincadeira, Espanha X França. Os vinhos eram dois excelentes espanhóis: Abadia Retuerta Selección Especial (eleito o melhor vinho tinto do mundo em 2005, pelo International Wine Challenge, em Londres)

e o Allende, de Miguel Angel de Gregório (um dos mais premiados enólogos da Espanha). Renato foi perfeito na degustação e harmonização dos vinhos. Prontos os pratos, ganhou a minha tortilla, dito pela elegância dos meus dois anfitriões. Mas, mesmo Claude não tendo sido o campeão, para mim ele o foi. Sua omelete para mim estava magnífica. Na hora em que a degustava, aos seus ingredientes adicionei os temperos deliciosos de sua vida: aqueles de um francês-brasileiro tão vencedor.


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Galvão Bueno Foi na ilha da re vis ta Caras que nos reencontramos. Antes era sempre pelos corredores da emissora de televisão. Apesar de ser um dos maio res co men ta ris tas de to do ti po de esporte, ficou marcado na minha cabe ça co mo o rei da Fór mu la 1. Ago ra, lá es ta va ele, com sua lin da mu lher, De si rée, pa ra pas sar mos jun tos, um fim de se ma na na ilha, sen do eu a cozinheira do jantar para os convidados especiais. O mais engraçado era que cada vez que olhava para o Galvão, vinha à minha cabeça a mú si ca “Than...than...than... e o gri to de ‘Ayrton Sen na do Brasil!!!’ Bem, amigos da Rede Globo...” Morre mos de rir jun tos. Ca da olhar pa ra o Gal vão vi nha a da na da da

mú si ca. Con tei tam bém que uma vez em No va York, eu es ta va al mo çan do e en con trei meu mai or ído lo de cor ri da de au to mo bi lis mo, Ayrton Sen na, com o pai de le. Nin guém por per to per tur ban do, nem pe din do au tó gra fo, na da. Mas eu, me ti da, lem brei-me de que na noi te an te ri or, jan tan do com o ami go Ri car do Ama ral, ele me ha via di to que a gran de no vi da de pa ra os at le tas era uma pí lu la que hi dra ta va. Quem to mas se uma se ria co mo se ti ves se to ma do 2 li tros de água. Fi quei qui e ta, mor ren do de von ta de de le var até ele a no vi da de, pois se ria mui to cha to per tur bar um almoço cheio de paz. Mas não resisti, precisava informá-lo dessa ge-


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nial descoberta. Levantei e fui até lá: — “Olha, Ayrton, te adoro, não sei se vo cê me co nhe ce”. — “Cla ro!” — res pon deu ele, rin do, “Sou seu fã!” Quase desmaiei. O pai dele ria de ver meu ner vo sis mo, e lhe fa lei so bre a pí lu la. — “Sei que você perde muita água du ran te a cor ri da. Po de ser, cla ro, uma gran de des co ber ta pa ra vo cê. Pergunte a seu treinador e ao médico.” Dei o te le fo ne do Ama ral pa ra ele pedir o nome da pílula e onde se en con tra va aque la ma ra vi lha. Deilhe um bei jo e saí re a li za da por tê-

OVAS

DE TAINHA

CROCANTE COM OVAS DE SALMÃO 12 porções •1

limão ovas de tainha • 2 dentes de alho • Pimenta-do-reino • 1 xícara (chá) de azeite • 1 pote de creme de leite fresco • 1 vidro de 100 g de ovas de salmão • Sal a gosto • Farinha de trigo • Limão 1 Tempere as ovas de tainha com •2

limão, sal, pimenta-do-reino e alho socado; deixe umas 2 horas nesse tempero. 2 Coloque no fogo a panela com o azeite. 3 Passe as ovas de tainha na farinha de trigo e frite em chama não muito

lo co nhe ci do e por po der, sei lá, têlo ajudado de alguma forma a não ficar tão ma gri nho. Na mes ma se mana, ele ganhava a corrida em Detroit. Fi quei sem sa ber se ele ti nha to ma do o no vo ex pe ri men to. De pois, nos reencontramos em um cama ro te pa ra as sis tir ao Car na val. Mui ta gen te, uma con fu são, mas ele, num momento, me chamou e pediu para tirar uma foto comigo com uma câ ma ra Po la roid. Ti rou du as e me deu uma. É a úni ca fo to que tenho com ele. Não ti ve co ra gem de per gun tar se ele ti nha to ma do a pí lu la de água. Mas na mi nha ca be ça

alta para que cozinhe por dentro; deixe-as ficar bem crocantes. 4 Corte em rodelas e regue com gotas de limão e azeite; coloque um pouquinho de creme de leite fresco e 1 colher (chá) de ovas de salmão; sirva individualmente, em colheres de porcelana.

• 1litro

de caldo de bacalhau

1 Em uma panela, coloque a ce-

8 porções

bola, o azeite e refogue; junte o arroz, em fogo bem baixo; acrescente o vinho branco e, aos poucos, vá colocando o caldo de bacalhau; deixe bem al dente; quando estiver quase no ponto, desligue o fogo e junte o bacalhau al pil pil; mexa, enfeite com pedaços de bacalhau al pil pil e sirva na seqüência.

•2

caldo de bacalhau

RISOTO DE BACALHAU GALVÃO BUENO postas de bacalhau al pil pil (veja receita na página XX) • 1 kg de arroz Arborio • 4 cebolas grandes • 2 folhas de louro • 1/2 pimenta-dedo-de-moça • Pimenta-do-reino • 1 colher (chá) de pimentão moído • 1 xícara (chá) de azeite • 1 copo de vinho branco

• Pedaços

de bacalhau com espinhas e pele • 2 litros de água • 1 cebola • 1 cabeça de alho • 2 cenouras • 1 molho de salsa e cebolinha 1 Coloque tudo em uma panela e

deixe no fogo até reduzir a 1 litro; passe por um coador.


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fi cou que sim, pois ele esta va mais gor di nho. Quan do aca bei de con tar, olhei pa ra o Gal vão e lá veio ou tra vez à minha cabeça: “Than...than...than... Brasil!!!. Bem, amigos da Re de Globo...” Fi cou eter no. Lá fui eu pa ra a co zi nha fa zer um jan tar, pa ra mim ines que cí vel, pois lá es ta va tam bém meu tão querido Galvão. Quan-

do bo tei na sua bo ca (sem pre a pri meira colherada, faço questão de dar na boca) as ovas, ele fez uma carinha ado rá vel e fa lou: — “Meu Deus, é ver da de, vo cê co zi nha mes mo. Não é marke ting! Que de lí cia!”. A linda Desirée também ficou encantada. Valeu... Galvão. Quando eu ouvir você novamente, terá outro sabor. — “BRA SILLLLL!!!”


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Giancarlo Bolla Se tivesse de definir Giancarlo Bolla no mundo da gastronomia, seria como “le prince des restaurateurs". Elegante, educado, amigo. Além disso, ele tem o dom do bom empresário, que transforma em ouro tudo o que toca e deixa delicioso tudo o que faz. O rei Midas da gastronomia brasileira. Seu grande segredo: a simplicidade. Na cozinha, ele diz que um bom prato começa na feira, quando compra produtos orgânicos e fresquinhos, sendo também primordial a escolha das carnes e dos peixes. A matéria-prima tem de ser de primeira. E se conhecer, principalmente, sua procedência. Esse é o principal segredo dele e de todos os bons cozinheiros. Bolla chegou ao Brasil em 1956, aos 17 anos. Veio passar umas férias justamente na época do Natal. Apaixonou-se por esta terra e não voltou mais. Com certeza, veio para nós como presente de Papai Noel, deixado na chaminé de uma linda e chique cozinha. Juntou-se, assim, a um grupo de italianos, para povoar de bom gosto e temperos nossa cidade de São Pau-

lo. Desde a inauguração, em 1971, até hoje, seu restaurante o La Tambouille continua sendo um dos melhores e mais sofisticados de São Paulo. Sem falar no Leopoldo Plaza e no charmosíssimo Bar des Arts. Quando comecei a escrever esta história, lembrei-me de que meu amor por sua cozinha teve início quando fiquei grávida do meu primeiro filho, Gilberto, no ano de 1970. Todo domingo morria de desejo de comer camarão flambado no conhaque, com funghi porcini seco à la crème fraîche. Era delicioso. Aproveitava sempre meus desejos pra comer todas as coisas que adorava. São chantagens graciosas e uma boa desculpa de grávidas gulosas. Lembrei-me disso, pouco antes de jantar com sua mulher, Gisele, no La Tambouille. Gisele é do tipo que conquista a gente com o primeiro sorriso e logo se quer ficar amiga para sempre. Assim que sentamos, olhei a capa do novo cardápio, com um desenho de sua figura feito em 1971. — “Não pode ser”, pensei. Como poderia ter desejos de grávida por an-


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tecipação ou em retrocesso? Fiz minhas contas rapidamente. Meu filho nasceu em dezembro de 1970. Espera aí, tem alguma coisa errada. Fiquei por um bom tempo pensando com quem, em meus “desejos culinários”eu o tinha traído. Não resisti e, indignada, perguntei. — “Como pode ser que você inaugurou este restaurante em 1971? E o prato que você me fazia durante a minha gravidez em 1970? Tem alguma coisa de errado nesta sua data, porque pelos meus cálculos, você errou o ano da inauguração.” Primeiro, ele riu da minha pergunta cheia de indignação. Depois, com a calma e a elegância de sempre, respondeu:

— “Esse prato eu fazia pra você no restaurante do Hotel Ca'd'Oro, quando ainda trabalhava lá com o chef italiano Emilio Locatelli. — “Puxa vida! Que alívio”, pensei. “Jamais te traí com esse desejo. Foi uma tradição de filho para filhos, dos outros dois meninos também, pois mesmo depois, já morando no Rio, continuava com vontade de comer esse prato.” Não tinha dúvida, pegava a ponte aérea sempre que tinha os desejos de grávida e vinha feliz da vida, com a barriga, comer meu prato de camarão. Ficava encantada com sua performance cozinhando. Existia um fogão no meio do restaurante com uma enorme coifa de cobre, onde ele fa-


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zia alguns de seus pratos, entre eles, o meu predileto. Lembrei-me, também, do tamanho da felicidade que fiquei dois anos atrás quando ele me chamou para fazer o bacalhau al pil-pil, transformado por ele em um gostoso risoto de bacalhau no Bar des Arts, no meio de um pátio romano e, em pleno jardim, na frente dos clientes. Fui para fazer um dia e acabei ficando por mais duas semanas, tamanho foi nosso sucesso. Era maravilhoso ver a carinha dos clientes encantados com nosso desempe-

CAMARÃO À GIANCARLO 8 porções • 250

g de shiitake g de funghi porcini • 500 ml de creme de leite fresco ou mascarpone • 1 cebola • 1/2 copo de vinho branco ou conhaque • 3 tipos de pimenta (preta, vermelha e branca) • 50

• 1/2

copo de azeite extravirgem 1 Descasque os camarões; tempere-os com sal e pimenta-do-reino preta; em uma frigideira de ferro ou inox, coloque o azeite; deixe aquecer e jogue os camarões; depois de alguns minutos, flambe com um pouco de conhaque; retire os camarões e reserve. 2 No mesmo azeite, coloque a cebola em cubos e frite-a, deixando dourar; logo em seguida, o funghi (previamente deixado na água para hidratar) e o

nho. Quando retornei com minha peça de teatro, em 2006, Pepita, Histórias com Tortillas, claro que foi lá que fiz minhas primeiras apresentações, lotando seu restaurante com as pessoas mais lindas da sociedade paulistana. Seu maior presente, que me deixou bastante emocionada, foi ter entrado de mergulho no seu cardápio com o bacalhau al pilpil, com meu nome. Giancarlo, com certeza, estará para sempre sentado na mesa principal da cozinha do meu coração. Ao lado, claro, de sua linda mulher, Gisele.

shiitake cortado em fatias, não muito finas. 3 Coloque para cozer (cubra com a água deixada pelo funghi); deixe cozinhar por uns 15 minutos; por último, acrescente o creme de leite e os camarões e os três tipos de pimenta moída; deixe no fogo por mais 5 minutos; sirva com arroz branco e lâminas de amêndoas.

BACALHAU

AL PIL-PIL

6 porções •1

kg de superlombo de bacalhau Don Salado • 1 cabeça grande de alho • Azeite de oliva extravirgem 1 Coloque em uma frigideira

bastante azeite (1 dedo de altura) e o alho cortado em rodelas; quando o alho estiver quase cozido (não frito), junte as postas de bacalhau com a pele para baixo; quando começar a ferver, abaixe o fogo e mexa a panela com movimentos de vai-e-vem;

quando o bacalhau começar a soltar a gelatina, repita o processo até que o azeite fique esbranquiçado; se quiser mais creme, coloque mais azeite; esse prato é dos mais tradicionais da Espanha; sir va-o com arroz branco e purê de batata. dica

Se utilizar o bacalhau congelado: descongele-o e coloque-o em um pano para secar; se utilizar o bacalhau seco salgado, lave bem as postas, corte-as em pedaços de cerca de 300 g; coloque as postas em uma vasilha com água, com a pele voltada para cima, durante 48 horas, trocando a água 3 vezes ao dia, sempre dentro da geladeira.


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Ivo Pitanguy Foi na Ilha de Caras, num desses fins de semana incríveis, palco para sonhos, comidas, conversas e fantasias. O jantar dessa noite seria feito por mim, a quatro mãos com Javier, meu marido. O fim de semana era praticamente para nossa família e Débora Secco, na época, a namorada de Dado, meu filho. Claro que também faziam parte dessa grande família, diretores e jornalistas da revista. Mas, como sempre, nessa ilha cheia de magia, chega um dos maiores cirurgiões plásticos do mundo, meu amigo Ivo Pitanguy, acompanhado do filho Elcio, meu amigo querido. Vieram juntar-se a nós para um drinque. Não resistiram e ficaram também para o jantar. Tomamos Cava, o maravilhoso vinho espumante espanhol Juvée y Camps, que ele comparou a um grande champanhe francês. Comemos jamón pata negra (presunto cru espanhol), tortillas de batatas, cebolas e ervilhas frescas (ervilhas para adoçar e dar um bom contraste com o jamón). Pitanguy e eu recordávamos o ano

em que fomos juntos para a Bahia com nossas famílias (1976), convidadas para a inauguração da boate Hippopotamus. Ivo e eu éramos os padrinhos da casa. Salvador estava em festa. Na noite da inauguração, estávamos à mesa com nossos anfitriões, Gisela e Ricardo Amaral, amigos e proprietários da casa. De repente, olhamos para a pista e lá estavam os dois filhos do Pitanguy sendo agredidos por uns rapazes, dois contra dois. Até aí, tudo bem. Os meninos do Pitanguy sabiam se defender. Mas, chegaram mais oito, com suas capoeiras, para bater legal. Pitanguy não teve dúvida, levantou e partiu para separar a briga, diga-se de passagem, cinematográfica, pois toda a família Pitanguy luta karatê. Defendiam mais do que atacavam, exatamente como manda a filosofia oriental. Todos os homens da boate partiram “para a guerra”. Nós mulheres e, também guerreiras, subimos em cima da mesa, para ter uma melhor visão e gritar para os seguranças. Nisso, vejo um senhor com uma garrafa na mão para acertar a ca-


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beça do nosso famoso e ilustre cirurgião. Não deu outra, voei pra cima da do cara, agarrando-me nele como se fosse uma perereca. Outras pessoas me ajudaram, conseguindo tirar a garrafa das mãos do agressor. Com a chegada dos seguranças, tudo se acalmou e a festa continuou mais animada que nunca. Tudo acabou em pizza, quero dizer, em acarajé bem quente (apimentado) ao amanhecer nas areias baianas tomando o café-da-manhã, brindando com champanhe o grande su-

cesso do casal: alô, alô, Amaral! Voltando à Ilha de Caras, em meio a recordações e muito riso, fui preparar um cherne na brasa, tendo como instrumentador no meu fogão um grande mestre da cirurgia plástica. Nós nos divertimos muito, cozinhando, e ele aprendendo a fazer tortillas. Essa noite, como todas as noites na Ilha de Caras, foi uma grande festa. Como tinha acontecido na Bahia, terminamos a noite num belo café-da-manhã na praia de tantas fantasias, dançando valsa no lugar da capoeira.


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COM SALSA VASCA

mada; depois, separadamente, faça o molho e jogue-o por cima, na hora de servir.

4 porções

molho salsa vasca

CHERNE IVO PITANGUY •1

cherne de 3 kg • 1 cabeça de alho • 1/4 de xícara (chá) de vinagre de Jerez • 1/4 de xícara (chá) de azeite de oliva • Sal grosso a gosto • Pimenta-do-reino 1 Deixe na churrasqueira a bra-

sa bem quente. 2 Abra o cherne como se fosse um bacalhau aberto; deixe com as escamas; coloque em uma grade de alumínio e leve à brasa; quando estiver no ponto (atenção, para não deixar passar dele), a pele estará bem quei-

1 Coloque em uma frigideira, o azeite e o alho; quando estiver quase dourado, jogue o vinagre e misture bem.

TORTILHAS DE ERVILHAS 6 porções • 500

g de ervilhas cebolas grandes • 100 g de presunto cru ou bacon • 8 ovos • 1 xícara (chá) de azeite • 1 pimenta-dedo-de-moça 1 Frite no azeite, primeiro o ba•4

con ou a gordura de presunto cru

(não a carne, senão ela fica dura); depois de dourado, jogue a cebola picada em cubos e a pimenta em rodelas; deixe em fogo bem baixo por umas 2 horas. 2 Acrescente a ervilha fresca e deixe cozinhar mais meia hora, continuando com o fogo baixo; bata os ovos em uma travessa, jogue a ervilha e mexa bem para cozinhar os ovos apenas com o calor. 3 Em uma frigideira antiaderente, coloque um pouco de azeite e deixe-o ficar bem quente; jogue a mistura dos ingredientes e dos ovos na frigideira e, após 1 minuto que você achar que está dourada, vire num prato liso, e coloque o outro lado para dourar.


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José Hugo Celidônio Conheci o Zé Hugo, essa figura incrível, quando veio com Maria Alice morar no Rio de Janeiro. Os recémcasados moravam em São Paulo e chegaram, com sua alegria, para colocar mais tempero e graça em toda a sociedade carioca. Eu já conhecia sua mulher, que pertence à família que adotou a minha, desde que chegamos da Espanha. Uma família não de sangue, mas de amizade e amor. A história deles é o que se pode chamar de uma romântica e bonita história de amor. Romeu e Julieta, com final feliz. Maria Alice, nossa Julieta, na época com 14 anos, foi para a Europa em companhia das famílias, a dela e a de Maria Helena, sua prima, com mais um punhado de amigos. Foi uma viagem inesquecível para elas, em especial para Maria Alice. Foi em Paris que ela conheceu José Hugo, que, na época, morava e estudava lá. Ficaram amigos a partir daquela época. Mais tarde, no Brasil, ele, apaixonado por ela desde o primeiro encontro, apresenta-lhe um amigo. Para tristeza do nosso Romeu, em pouco tempo ela acabou se casando com

seu amigo. Nosso Romeu, triste, nunca se casou, mas soube esperar. O casamento dela durou pouco tempo e os dois se reencontraram para, então, viver um grande amor, que já dura quase 50 anos. O primeiro restaurante do Zé Hugo no Rio de Janeiro foi o Lê Flag, onde eu sempre ficava escondida na cozinha, para olhar e aprender alguma coisa. Todos os seus restaurantes sempre foram charmosos, renovadores e chiques. Toda a decoração elaborada pelo bom gosto da Maria Alice. Ela cuidava de tudo, desde o guardanapo e os talheres até as flores na mesa, sempre frescas. Menos as ferramentas de cozinha do nosso querido Zé. Isso corria por conta dele. Logo depois, ele revolucionou a gastronomia, criando o Espaço Gourmet dentro de seu próprio restaurante, uma sala de aula para jovens cozinheiros e pessoas amantes da cozinha. Sempre fez e hoje continua fazendo sucesso com suas aulas e revoluções. Além disso, divide com todos sua sabedoria, pelo jornal O Globo, espalhando suas receitas divinas.


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Um dia, me ligou pedindo para que eu cozinhasse para ele no dia de seu aniversário. Queria ganhar de presente um almoço com o bacalhau al pil-pil feito na minha panela espanhola. — “Para quantas pessoas?” — perguntei. — “Maria Alice vai te ligar” — respondeu. Pouco depois, ela liga e diz que seremos poucos, un petit comité, mais ou menos umas 20 pessoas. — “Ótimo, faço aqui em casa com o maior prazer”, respondi. Ele estava enganado quanto ao presente. Esse quem ganhou fui eu! Cozinhar para ele no dia de seu aniversário de 60 anos não era um presente e, sim, um prêmio. Depois, recebi outro telefonema da Maria Alice, aumentando um pouco o número de convidados, seriam... 120. — “Espera aí, não tenho panelas su-

ficientes em casa. Melhor, então, fazer no seu restaurante.” E assim foi feito. Nunca, na minha vida, tinha cozinhado para tanta gente. Mas, com meu Javier e a turma do Gourmet, foi fácil e adorável. Foi uma festança regada a bacalhau e a bons vinhos espanhóis. E, eu, mais feliz que nunca, cozinhando para um amigo e uma pessoa tão especial. Em 2006, no Festival de Gastronomia de Rio das Ostras, fui convidada por ele, para participar com outros chefs, e apresentar minhas especialidades. Ele me chamou ao palco, transformado numa cozinha, dizendo para a platéia que eu, além de atriz e escritora, era ótima cozinheira. — “Ela não é chef, pois ‘pilota’ apenas o seu fogão.” O nome de chef se dá a quem comanda uma cozinha profissional, com funcionários e ajudantes.

TORTILLA DE BACALHAU 8 porções • 500

g de bacalhau Don Salado ovos médios • 200 g de azeitonas pretas • 4 dentes de alho (em lâminas) • 2 cebolas grandes (cortadas em cubos) • 1 pimenta-dedo-de-moça • 1 molho de cheiro-verde • 1 molho de coentro • 1 pimentão vermelho (sem pele) • 1 pimentão verde (sem pele) • 1 copo de azeite extravirgem 1 Em uma frigideira, coloque •8

azeite, cebola, alho, pimentões e

deixe em fogo baixo por 2 horas; acrescente, depois, o bacalhau desfiado grosseiramente e já demolhado; refogue por uns 10 minutos e adicione o cheiro-verde e o coentro picados, mais a pimenta-dedo-de-moça (cortada em anéis). 2 Bata os ovos em uma vasilha, junte o bacalhau bem quente e mexa tudo; em uma frigideira antiaderente e untada com azeite, coloque o bacalhau; uns 3 minutos depois, quando notar que está dourado de um lado, vire do outro pelo mesmo período.


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Fiquei feliz, pois era exatamente o que eu era. Não ia dar certo chefiando uma cozinha. O máximo que chefio são minhas panelas e o fogão na frente da minha platéia de familiares e de amigos. E, era o que eu estava fazendo ali naquele dia com a única diferença, em vez de amigos, tinha um grande número de pessoas querendo saber e aprender a fazer o meu bacalhau al pil-pil. Comecei falando que o segredo desse prato estava na pele do bacalhau. Contei que na Espanha é considerado crime gastronômico jogar a pele fora. Toda a gelatina e o melhor colágeno, enfim, o sabor desse peixe está na pele. Aliás, na Suíça ela é usada pelos médicos para fazer ampolas de colágeno, para preencher rugas (as marcas do tempo). Imaginem a restauração e o bem que ela

faz dentro da gente. Sua gordura também ajuda o colesterol bom. Mesmo fazendo grelhado, é indispensável fazê-lo com a pele, assim ficará mais úmido por dentro e mais gostoso. Em qualquer prato, até mesmo no mais tradicional à espanhola – bacalhau com batata, cebola e pimentão –, deve-se deixar a pele. Se incomodar e achar que a pele é feia, na hora de servir, ela pode ser retirada. Uma das pastas mais gostosas que faço é com o torresmo da pele do bacalhau. Contei também que o mais antigo bacalhau foi processado na Espanha, no País Basco do século XVI. Foi quando na platéia alguém me perguntou por que então o nome bacalhau do Porto? Porque ficou famoso no mundo pelos portugueses. O peixe se chama Gadus Morhua e vem dos mares mais frios


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e depois de processado passa a se chamar bacalhau. Conta a lenda que a primeira vez que partiu um barco carregado de peixes, para agüentar a longa viagem, eles precisaram salgá-los, pois não existiam frigoríficos a bordo. Chegavam e descarregavam no porto, deixando-os ao sol para acabar de secar. Contam que, em Portugal, na cidade do Porto, o cheiro dos peixes tomava conta da cidade. “Que cheiro é esse?” — perguntavam. “É o bacalhau do Porto” — respondiam. E assim surgiu o nome em Portugal. Como era um peixe barato e pouco conhecido, era saboreado apenas pelo povo. Até que um dia, um conde, que gostava de cozinhar, pegou os pedaços maiores e mais bonitos (lombo) e os levou para o império. Assim, passou a se chamar de Porto Imperial. Até hoje, é como esse bacalhau é conhecido. O peixe da antiga nobreza continua sendo da nobreza pelo preço literalmente salgado. Mas existem outros mais bara-

SALADA

tos como o Ling e o Saithe. Esses são peixes capturados também no mar frio e bem mais profundo. Deixando, assim, suas carnes mais duras e com um cheiro mais forte. Eu continuava contando que os condes Bernese e Bechamel devem ter-se inspirado no creme feito com a pele do bacalhau al pil-pil para criar seus molhos e maioneses. Enquanto prosseguia com minhas histórias, preparando e “vendendo” meu peixe, olhava a platéia e lá estavam, Zé Hugo e Maria Alice morrendo de rir das minhas histórias e panelas mirabolantes. Recentemente, no aniversário em que comemorava seus bem vividos 75 anos, ele disse que quando completou 69, gostou tanto que agora ele faz 69 mais 6, 69 mais 7, e assim por diante. Morri de rir e olhando para ele e Maria Alice, pensei naquele amor tão bonito, que mesmo com o passar dos anos, mais um, mais dois, mais três, meus Romeos terão para sempre um lindo e eterno amor.

DE FOIE GRAS

gredientes.

E FIGOS FRESCOS

foie gras fresco

6 porções salada

• Sal

•1

maço de muda de alface, rúcula baby, coração de radícchio e figos frescos • Pique as folhas grosseiramente com as mãos e corte os figos em quartos molho • 1/4

de xícara (chá) de azeite extravirgem; 1 colher (sopa) de mel • 2 colheres (sopa) de vinagre balsâmico; sal a gosto 1 Misture muito bem todos os in-

•6

escalopes de foie gras fresco

• Pimenta-do-reino

branca e preta, moídas na hora 1 Com uma faca bem afiada,

risque em losangos a parte superior dos escalopes de foie gras; tempere com o sal e as pimentas. 2 Em uma frigideira antiaderente bem quente, grelhe os escalopes, colocando-os imediatamente em cima da salada já temperada.


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Luiza Brunet Se eu tivesse de definir a mulher brasileira, claro que seria como a Luiza. Linda! Os anos vão passando e ela fica ainda mais bonita. Meio índia, exótica, cabelos e rosto perfeitos. Sem falar no lindo sorriso e em sua beleza interior. Sua história ficará lembrada para sempre como uma das mais bonitas modelos do mundo. Impecável como profissional, mãe e amiga. Conheci-a em Búzios, recémcasada com Armando, não menos bonito que ela, em casa do amigo e dentista, nosso querido Heitor Simões. Sempre que ela vinha à minha casa, adorava tomar água-de-coco e comer pitangas no pomar. De todos os meus pratos, seu predileto é o arroz com frutos do mar e tinta de lula. Na época do Natal, ela adora as rabanadas que faço. Quando ficou grávida da Yasmim, teve desejo de comer

rabanada. Chegava em casa, com aquela carinha linda e com uma pitada de chantagem emocional: — “Pepita, faz aí para mim, senão a menina vai sair com cara de rabanada”. Felizmente, eu sempre corria a atender seu desejo, pois a cara da filha não poderia ter nascido mais deslumbrante. Adorava quando ela chegava com a filha ao colo e ficava esperando tirar a água do coco para dar para a Yasmim, que ainda mamava no peito. Foi do meu coqueiro que ela tomou a primeira água. Como não tinha mais desejos de grávida, fazia aquele charme: — “Por favor, faz as rabanadas e o meu arroz, senão meu leite pode talhar”. Claro, eu não resistia a seu charme e lá ia, feliz da vida, para a cozinha. Em 2006, viajamos juntas para


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Manaus, onde participamos de uma festa grandiosa, promovida pelo jornalista e amigo Alex Deneriaz. Luiza nasceu em Itaporã (MS) e veio com os pais ainda pequena morar no Rio de Janeiro, mas nos contava que seu avô era amazonense, filho de índios. Estava explicada sua beleza: as raízes indígenas. No dia seguinte à festa, estávamos em casa de nosso amigo querido Paulo Girardi, comendo um tucunaré na brasa, e logo me veio à lembrança meu primeiro e inesquecível tucunaré, que comi no Xingu, na tribo Yawalapiti, no ano de 1990. Eu tinha sido convidada pelo Fantástico, da TV Globo, para ser juíza de futebol de um jogo entre duas tribos do Xingu. Claro, que levei camisas do Flamengo para o time Yawalapiti. O cacique era Aritana. Fiquei imaginando sua chegada, vestindo uma tanga feita de pele de onça, com o cor-

po todo pintado de urucum e com uma lança na mão, cheia de caça. Mas o chefe chegou mesmo foi pilotando uma moto, todo pintado. Um belo índio de meia-idade, muito simpático. Cheguei de manhã com a equipe. Andei por todo canto, conhecendo os costumes indígenas e também o abandono em que eles se encontravam, com a falta de hospital e escolas. Prometi retornar para ajudá-los. Pouco tempo depois, voltei levando uma equipe de filmagem e levei o vídeo para a Funai. Espero que tenham feito alguma coisa por essas pessoas tão lindas. Infelizmente, não voltei mais lá. Nessa minha primeira vez no Yawalapiti, antes do jogo, saí com um grupo de índias que me levaram para tomar banho no rio. Ficaram completamente peladas e eu, claro, também. Pulamos em um rio cristalino, tão limpo que se podia beber a água. Fiquei preocupada, pois elas riam, me


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olhando muito. Perguntei a uma delas, que falava português, o motivo. O que entendi é que elas me achavam cabeluda. Foi aí que notei que na região pubiana e embaixo dos braços elas não tinham pêlo nenhum. É normal, as mulheres indígenas dessa tribo não terem pêlos nessa região. Comecei a rir também, eu estava achando que elas se tinham depilado. Brincamos na água como crianças. Também tinha muitas delas entre a gen-

te. Percebi também que, na cultura indígena, as crianças são sagradas. Não se lhes chama atenção. Bater, então, nem pensar. Aquelas que me cercavam eram dóceis e educadas. Saímos do rio e nos secamos ao sol, depois voltamos para a oca onde nosso cacique nos esperava para pescar o almoço do dia. Aritana jogou no rio um pó branco, o timbó (tipo de cipó moído). Os peixes subiram para a superfície saltando feito loucos. Aí,


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simplesmente, nosso cacique os apanhou com as mãos. Genial. Foram seis tucunarés grandes preparados por ele para toda a nossa equipe e os jogadores. Feitos apenas com sal vegetal e enrolados em folha de bananeira, na brasa. Como acompanhamento, “beiju” de mandioca (aipim). O peixe estava no ponto certo, tostado por fora e molhadinho por dentro. Depois, o jogo correu solto. Ganhou, claro, o time do Flamengo-Yawalapiti. Devo ter sido imparcial e boa juíza, pois em nenhum momento

A RROZ

xingaram minha mãe. Acho que não, pois na verdade eu não entendia nada do que eles gritavam. Voltando para minhas recordações em Manaus, não esqueço o dia em que saímos para um passeio de barco para conhecer um pouco mais dessa encantadora cidade, com seus igarapés lindíssimos, e para Luiza fazer uma seção de fotos para um editorial de moda para uma revista local. Enquanto ela fotografava, aproveitei para dar um mergulho. Depois de algumas braçadas, ouvi uma gritaria no barco e, olhando para trás, vi todos com cara de apavorados pedindo pa-

COM

FRUTOS DO MAR 8 porções •1

copo de vinho branco g de arroz Arborio • 500 g de camarão médio (reserve as cabeças para o caldo) • 500 g de lulas (cortadas em anéis, com a pele) • 200 g de vôngoles sem concha • 4 tomates bem maduros sem pele • 1 pimentão vermelho (assado, sem pele) • 1 pimentão verde (assado, sem pele) • 1 pimenta-dedo-de-moça • 2 cebolas grandes • 4 dentes de alho • 1 colher (sopa) de pimenta-do-reino preta, vermelha e branca • 2 folhas de louro • 1 molho de salsa e cebolinha • 1 molho de coentro • 1 alho-poró • 1 copo de azeite extravirgem • 1 colher (chá) de tinta de lula 1 Coloque em uma panela o azei• 500

te, as cebolas cortadas em cubos, a pimenta-dedo-de-moça e o alho laminado; deixe cozinhar em fogo muito baixo por mais ou me-

nos 2 horas. 2 Adicione as lulas cortadas em anéis, o vinho e o arroz; deixe evaporar por uns minutinhos. 3 Acrescente os tomates sem a pele, os pimentões picados em cubos, a tinta de lula e sal a gosto; cubra com o caldo do peixe e mexa bem; 5 minutos antes de o arroz estar al dente, coloque os camarões; assim que apagar o fogo, coloque um pesto feito com as pimentas-do-reino, 1 dente de alho socado com um pouco de salsinha, coentro e azeite; misture tudo e sirva imediatamente. caldo •1

cabeça de peixe cebola inteira • 2 folhas de louro • 2 cenouras • 1/4 de salsão • Cabeças de camarão • 1 molho de salsinha e 1 de coentro • 2 litros de água • Tabletes de caldo Maggi de legumes •1

1 Coloque tudo em uma panela e deixe reduzir até 1 litro, para que o caldo fique bem consistente.


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ra eu voltar. Nadei rapidamente de volta a bordo e todos apavorados dizendo que o local estava cheio de piranhas. Subi sem uma mordidinha sequer. Com certeza, fariam de mim um bom sashimi. Fiquei pensando na vingança das piranhas, pois é com elas que faço uma de minhas melhores e saborosas sopas. Luiza e eu voltamos de Manaus mais

apaixonadas do que nunca pelas pessoas cativantes e por esse Amazonas cheio de maravilhas imperdíveis. Sem esquecer a riqueza de seus peixes, temperos, frutas tropicais e pratos regionais. Para Luiza falei que ela não precisaria mais ficar grávida, porque eu sempre vou cozinhar para satisfazer seus desejos.

TUCUNARÉ

NA

FOLHA DE BANANEIRA 6 porções •1

peixe de mais ou menos 3 kg grosso • Azeite • Pimenta-do-reino • Folha de bananeira • Limão-siciliano • Sal

1 Limpe o peixe, deixando-o

inteiro, com as escamas; passe o sal grosso e envolva-o na folha de bananeira; coloque-o direto na brasa; deixe-o por 20 minutos, virando de lado por mais 20 minutos; tire-o da brasa e retire as folhas. 2 Vol te apenas com o peixe à brasa para dar uma sapecada na pele. 3 Depois, abra o peixe e coloque azeite e um pouco mais de sal grosso moído e pimentado-reino; se gostar, coloque gotas de limão-siciliano.


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Manoel Carlos Quem gosta de receber e cozinhar vai entender muito bem o que vou contar. Não existe nada mais gostoso do que se preparar a casa e a comida para receber alguém. Ainda mais sendo para um grande escritor e um dos melhores contadores de histórias do Brasil, Manoel Carlos. Seus textos são verdadeiros poemas literários. Durante o dia, em seu primeiro jantar na minha casa, fiquei imaginando o que “Helena” (personagem principal de todas as suas novelas) faria para recebê-lo... “Ao acordar, iria para sua casa de campo. Escolhendo e colhendo as flores em seu jardim para os arranjos. Alguns galhos de aroeira, cheios de pimenta-vermelha. Pequenos botões de urucum, que ficariam sobre uma folha de bananeira no centro da mesa. Correndo pelo quintal atrás dos patinhos orgânicos para pegá-los (embora não acredite que teria coragem e compraria algum congelado mesmo), entraria no galinheiro para pegar ovos, chegando até a horta e ao pomar com uma cestinha para colher tudo fresquinho e sem agrotóxicos. Correria também para sua reserva florestal particular, pegando uma perdiz que seria abatida em pleno ar pe-

lo marido. Mas isso ela não permitiria, chegaria um segundo antes do tiro certeiro. Na cozinha, usaria a imaginação, faria um molho de perdiz, sem perdiz! Em seu cardápio teria também o jamón pata-negra ibérico (é uma raça de porcos negros, que se alimenta no campo com frutas de bellotas, um tipo de castanha). Helena não teve tempo de sair em seu barco para buscar em alto-mar, os camarões com que faria a fleur de sel (flor de sal) temperada com azeite Picual extravirgem, com gotas de limão-siciliano. Porém, nossa personagem foi ao porto, de madrugada, esperar os pescadores que lhe traziam camarões fresquinhos”... Bem, agora vou deixá-la por conta de seu autor e cair na real. Plagiando a querida personagem fiz tudo o que ela com certeza faria para receber um “punhado” de amigos queridos. Não tão perfeita como a produção das novelas da TV Globo, do horário nobre, mas o meu carinho e o prazer de receber novos amigos na preparação do jantar e na arrumação da casa durante o dia já tinham enchido meu coração de alegria. O amor para esperar os convidados e a simplicidade tornam tudo mais bonito e, sem dúvida,


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mais gostoso. Fizemos o jantar a quatro mãos, Javier e eu, a receita do prato principal, perdiz, que era tirada da cozinha vasca da mãe dele, doña Tita (fiquei pensando em como Zé Mayer, o “quase sempre herói das Helenas”, se sairia na cozinha). Mas com o meu protagonista, Javier, cozinhar já é uma festa. Tomamos um bom vinho espanhol (ferramenta indispensável na cozinha), o mesmo que foi usado para fazer o molho do pato (que, na falta da perdiz, acabou pagando o pato). E que, por vingança, de pirraça mesmo, ficou du-

PATO

AO MOLHO

DE PERDIZ (sem perdiz) 10 porções • 10

coxas de pato kg de cebola • 2 kg de cenoura • 4 dentes de alho • 2 folhas de louro • 1 barra de chocolate negro (50 g) • 3 tipos de pimenta-do-reino (branca, vermelha e preta) • 1 copo de vinho tinto • Sal a gosto • 1 xícara (chá) de azeite de oliva • Farinha de trigo São Jorge para empanar as coxas 1 Soque a pimenta com o sal e •3

tempere o pato; passe na farinha de trigo; em uma frigideira, coloque o azeite e frite as coxas até ficarem bem douradas; depois de fritas, coloque-as em uma panela de pressão, cobrindo com água; deixe cozinhar ao fogo, por 1 hora na pressão; reserve. 2 Em uma panela, pique as cebolas, as cenouras e os alhos em cubos; acrescente o azeite e o louro; deixe cozinhar em fogo muito baixo por 2 horas; re-

ro, mesmo com seis horas de cozimento. Uma boa panela de pressão teria resolvido o caso. Quando chegou a noite, dei os últimos retoques na casa. Coloquei velas para iluminar a passagem de meus convidados até chegar aonde seria o jantar. Uma grande cozinha ao ar livre, iluminada por velas aos pés dos coqueiros e também por um céu cheio de estrelas, somado com a meia-lua vermelha refletida nas ondas do mar do Leblon. Ficou completa a constelação da noite, com a chegada do amigo e sempre homenageado Nelson Freire. E

tire do fogo e passe tudo por peneira grossa. 3 Em uma panela grande, coloque o pato, retirando a pele e o excesso de gordura; junte o molho da cebola e da cenoura, acrescentando o vinho e o chocolate; deixe cozinhar, em fogo bem baixo, por mais 2 horas.

deira não aderente untada de azeite no fogo bem quente; com uma espátula de silicone por baixo, dê uma olhadinha para ver se já está dourada; vire de um lado e depois do outro; tenha cuidado pra não passar do ponto, molhadinha por dentro fica mais gostosa.

TORTILLA

CAMARÃO

DE

ESCAROLA COM

NO SAL

GROSSO

PINOLES

10 porções

10 porções

•1

kg de camarões grandes limão-siciliano • Azeite extravirgem • Sal grosso e fleur de sel • Pimenta-do-reino moída na hora 1 Forre com sal grosso, uma fri-

•2

•1

a cebola no azeite, em fogo bem baixo; coloque, depois, a escarola picada com os pinoles; refogue bem até secar o caldo. 2 Bata os ovos em uma tigela grande e jogue a escarola bem quente dentro; prepare a frigi-

gideira grande, de ferro, de preferência; coloque os camarões por cima e leve ao fogo alto; minutos depois, olhe e veja se já está num tom avermelhado; vire-os do outro lado; atenção para não passar do ponto; o segredo é deixar tenro. 2 Tire as cascas imediatamente e regue com azeite, limão, pimenta e a flor de sal.

escarolas grandes • 2 cebolas • 2 dentes de alho • 1 xícara (café) de pinoles • 6 ovos • 1 xícara (chá) de azeite de oliva extravirgem 1 Em uma panela, frite o alho e


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mais brilho também com nossos outros amigos queridos Miguel, Gisela e Ricardo Amaral. Guida, Tomás Souto Correia e Manoel vindos de São Paulo. Também com a presença das queridas amigas Salete Hallack e Kátia Vitta. Javier e Dado, meu filho, me ajudando a receber. Toca o interfone, anunciando a chegada do nosso convidado Manoel Carlos com a mulher, Beth. Enquanto descia as escadas para recebê-los, pensei: “Como ele imaginaria o cenário da minha casa? Será que ele iria aprovar? E a comida?”. Dos convidados, com certeza, ele iria gostar. O jantar era em torno de Nelson Freire, que ele havia homenageado muito em sua última novela

Páginas da Vida. Meus pensamentos ficaram no “pause” diante da chegada do nosso autor e sua adorável mulher, Beth, a sua “verdadeira Helena”, de quem, com certeza, toda a graça, simplicidade e beleza de alma, são sua fonte de inspiração. Quando chegaram, me enchi de alegria e durante o jantar eles ficaram completamente integrados com meus amigos. Vi que ele e sua mulher são pessoas lindas e farão, com certeza, quando quiserem, parte da minha mesa e das minhas histórias em torno do fogão. Fui dormir nessa noite numa rede embaixo dos coqueiros, mais feliz que nunca. Esse jantar, sem dúvida, teve uma chuva de estrelas com grande final feliz.


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Mauro Madalena Se eu tivesse de escrever sobre um personagem de livro, cinema ou TV, representando um grand monsieur, me inspiraria no meu querido amigo Mauro. Um homem bem nascido, educado e amigo. Aquele que se conhece e nunca mais se quer perder. Que se deve cultivar para sempre. Foi o que procurei fazer ao longo de nossa vida. A gente se conheceu em 1989, em Paris, e a partir dessa data nunca mais deixamos de nos ver. Mauro mora em Paris, na França, há mais de 30 anos. Começou sua carreira no mundo do turismo como guia e hoje é um dos homens que mais entendem de turismo receptivo, com uma equipe das mais conceituadas na Europa. Nossa união na cozinha era o máximo e ficou ainda melhor com a chegada do Javier. Trocamos figurinhas de receitas e sempre salpicamos temperos da maravilhosa cozinha brasileira em nossos pratos franceses

e espanhóis. É um anfitrião perfeito. Sua elegância é irretocável. Ele recebe com a alma e com o coração. Temos a grande sorte de ser hóspedes efetivos em seu apartamento, num dos lugares mais bonitos da linda Cidade Luz, à côté du pont nel. Somos recebidos sempre com um balde de champanhe em nossa suíte, retratos dos meus filhos nas mesas de cabeceira, sem contar que no banheiro estão todos os perfumes e sabonetes de que mais gostamos. Ele nos faz sentir em casa. Nossa chegada é sempre comemorada com um jantar preparado por ele, com delícias como a perna de cordeiro (dianteira) à la marroquine, servida com cuscuz apenas na manteiga. Para retribuir, no dia seguinte, seguimos o ritual. Já que ele morre de saudades das comidas brasileiras, preparo carne-de-sol grelhada com cebolas assadas, servida com pirão de


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PERNIL DE MAURO

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CORDEIRO

12 porções •1

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pernil traseiro de cordeiro • 1 cebola • 5 dentes de alho • 1 pau de canela • 4 cravos-da-índia • 3 sementes de cardamomo • 4 espécies de pimentas gregas (quatro espécies) • 1 copo de vinho tinto • 1 raminho de alecrim

1 Tempere o pernil e faça furos com a ponta da faca para deixar penetrar os temperos, principalmente perto do ossinho da perna, para abrir um furinho e entrar o alecrim; coloque em um saco plástico; feche-o hermeticamente e mexa bastante (segundo Mauro, dê uma dançadinha junto); fica tudo mais feliz. 2 Deixe por 1 noite na geladeira; mais uns passinhos de

dança, quero dizer, sacudida no pernil e o coloque em uma panela com todos os ingredientes; deixe em fogo baixo por umas 4 horas. 3 Retire do fogo e separe o molho; em uma assadeira, coloque o pernil, regado com azeite e leve ao forno para gratinar com batatas pré-cozidas; na hora de servir, regue o molho bem quente.


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aipim no leite de coco. Tudo levado escondido na mala. Sempre que posso, levo todos os temperos e ingredientes como pimenta-de-cheiro de Belém do Pará, pequi, urucum, castanha-decaju e castanha-do-pará. Hoje, levar mercadorias brasileiras para a França quase já não é necessário, já que existem mercados em Paris, como o gourmet da Galeria Lafayette, que tem produtos de todos os países do mundo, incluindo nossas frutas, raízes e temperos. Isso alivia bem minha bagagem, já que cheguei a levar uma feira quase completa com abacaxi, fruta-do-conde, pitanga, acerola, sem falar na farinha de mandioca e na carne-de-sol que ele adora. Era tanta coisa, que ele fez cara de surpresa e ficou morrendo de rir. Preocupada com sua reação, perguntei se ele não tinha gostado. — “Claro que adorei, mas ficou faltando uma melancia”. — “Não se preocupe”, respondi, acreditando na piada. “Trago no próximo ‘pau de arara’”. Paris sempre foi uma das cidades dos meus sonhos. Adoro seus museus,

teatros, exposições e sua vida cultural. Sem falar nos restaurantes com os chefs geniais. Mas foi Mauro quem me fez conhecer uma Paris mais cheia de encantos. Apresentada por ele, a cidade fica ainda mais interessante e divertida. Conheci Versailles, fiquei tão fascinada com as histórias interpretadas por ele, que me senti vivendo na época de Luis XIV, o grande Rei Sol (1643-1715). Os domingos em Paris são sempre uma festa. Saímos garimpando no Marche des Puces (Mercado das Pulgas), que é fantástico. Compro sempre, para mim um clássico, uma panela linda de cobre antigo para minha coleção. Fora milhões de antiquários com peças geniais, que tansformavam o grande mercado em uma viagem inesquecível ao passado elegante parisiense. Antigamente, era tudo mais barato e menos sofisticado; hoje, tudo é caro. Mas não deixa de ser um lugar charmoso e interessante. Terminamos o dia comendo um delicioso cassoulet no bistrô Paul Bert, um dos mais tradicionais restaurantes do mercado.

PIRÃO

DE LEITE

12 porções • 500

ml de leite de vaca ml de leite de coco • 1 pitada de sal a gosto • 300 g de farinha de mandioca – branca, bem fininha • 50 g de manteiga 1 Bata tudo no liquidificador e le• 500

ve ao fogo baixo mexendo com uma colher de pau; acrescente mais farinha, se for necessário, para ficar no ponto de pirão.


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Mauro mora perto da Église SaintEustache, separados apenas pelo lindo jardim Les Halles. Essa igreja começou a ser feita em 1532 e foi terminada apenas em 1632. Mas como valeu a pena essa demora, a igreja é linda. Serviu de cenário para muitos acontecimentos importantes, como o batizado, e depois o casamento de Molière. É lá que todo verão se comemora, com fantásticos concertos de órgãos (desde 1886), o premier Te Deum, de Berlioz, e Messiah, de Liszt. Seus programas culturais durante todo o ano são imperdíveis. Quando estou em Paris, passo diariamente por ela, indo para a Rue Montorgueuil, meu endereço predileto, onde ficavam antigos mercados e onde existem hoje pequenos bistrôs

MOQUECA

deliciosos, com mesas nas calçadas, cheias de pessoas lindas. É lá que gosto de fazer minhas compras, quando cozinhamos chez Mauro. Ali estão as melhores casas de queijos, peixarias, floristas e padarias deliciosas. Sem falar na feira que acontece aos sábados, que é das coisas mais charmosas e deliciosas que existem. Onde escolhemos os melhores queijos, foie gras fresco, todos os tipos de champignon, carnes de caça, as imperdíveis lingüiças de Toulouse, verduras e legumes orgânicos para nossas orgias culinárias. No começo dessa rua está o Pied de Cochon, um dos mais tradicionais e antigos restaurantes da cidade, aonde sempre vamos comer as melhores ostras, que chegam todos os dias da

COM SABOR

DE CAMARÃO DEFUMADO 6 pessoas •2

postas de badejo pimentões vermelhos • 2 pimentões amarelos e 1 verde • 6 tomates pelados bem maduros • 1 pimenta-dedo-de-moça • 3 cebolas grandes • 1 maço de salsa e cebolinha e 1 de coentro • 1 copo de azeite de oliva • 1/2 copo de azeite-de-dendê • 2 vidros de leite de coco • 50 g de camarão defumado • Sal a gosto • 1 limão para temperar o peixe • Pimenta-do-reino moída na hora 1 Em uma panela de barro, colo•2

que a metade do azeite (de-dendê e de oliva) e das cebolas cortadas em rodelas, os tomates e a metade também de todos os temperos;

depois de refogados, retire do fogo e triture; reserve, deixando a metade desse molho na panela. 2 Acrescente as postas de badejo ou o peixe branco que você encontrar mais fresquinho, temperados com limão, pimenta-do-reino e sal; logo em seguida, em cima do peixe, coloque o resto do molho triturado e o restante das cebolas, tomates, pimentões, intercalando as cores deles, cortados em rodelas finas. 3 Por ultimo, salpique os temperos verdes e o dedo-de-moça; regue com o restante do azeite-de-dendê e um pouco mais de azeite de oliva; deixe por uns 20 minutos; o leite de coco deve ser colocado quando está quase pronto; somente o tempo de esquentar; o peixe fica mais gostoso quase al dente; sirva com arroz branco e pirão de lei-


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Bretagne — região da França onde existem os melhores mariscos e moluscos — e o melhor pé de porco do mundo — (levemente defumado, cozido, empanado e depois grelhado). Antigamente, esse era o prato predileto na madrugada dos intelectuais e boêmios, trabalhadores das feiras e dos mercados. Tempos depois, foi transformado num restaurante chique para turistas e também para os franceses apaixonados pelos pieds. Sempre dou uma olhadinha para tentar ver algum dos antigos fregueses famosos, pergunto a Mauro onde será que eles estão freqüentando agora? Será que se juntaram ao também antigo e tradicional La Coupolle, cúpula de tantos poetas e escritores? — “Não”, ele me responde, “Com certeza foram parar em algum lugar onde não existem turistas e os pezinhos estejam mais baratos.”

Outras descobertas com ele foram os bistrôs freqüentados apenas por franceses, com suas comidas típicas e tradicionais. Um dos mais antigos e deliciosos fica perto de sua casa. É o Chez Denise, onde se come uma dobradinha à la mode de Caén “dos deuses”, tudo regado a um bom Bruilly (vinho fresco, tirado diretamente da barrica). O ambiente não poderia ser mais agradável, as mesas são grandes e se sentam todos juntos, transformando o local sempre em uma festa de amigos. Uma das noites inesquecíveis em sua casa foi quando iluminou todo o apartamento apenas com velas. Como não fazia muito frio, da lareira, no lugar do fogo da lenha, saía um clarão iluminando o ambiente, tudo obra de muitas velas, de todos os tamanhos. O jantar estava impecável, era para um punhado de amigos franceses.


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Adoram a comida brasileira. Fizemos uma moqueca de peixe e cavaquinhas, com sabor de camarão defumado (baiano) e com pirão de leite. Assim como aprendi com nossa eterna Miss Brasil, Marta Rocha, a fazer a moqueca, deixando por último o leite de coco, o que deixa o prato muito mais aromático. De entrada, coquille Saint-Jacques, grelhada, com pequena salada de folhas verdes (la mâche). Terminamos o jantar e, enquanto sentávamos na sala para o conhaque e o café brasileiro, veio a surpresa: Mauro sentou no banquinho de seu piano e começou a tocar Villa-Lobos como poucos. Eu não queria acreditar no que estava ouvindo. Jamais soube que ele tocava. Que maravilha! Fechei os olhos e pensei estar ouvindo nosso compositor em Paris. Apenas com uma diferença: Villa-Lobos, em vez da feijoada, que ele adorava, nessa noite tinha comido moqueca baiana. Quando abri os olhos estava completamente encantada, a real era que meu querido Mauro estava tocando brilhantemente sua música. Aplaudido por todos, perguntei como sabia tocar tão bem! — “Estudei piano quando criança. Por uns dez anos. Depois deixei. Achei que não era minha história.” Meses depois, já no Brasil, em casa de uma das maiores produtoras culturais de música clássica, e de grandes eventos internacionais, Miriam Dauelsberg, grande amiga de muitos anos de Mauro e sua professora na infância, tive a resposta do por que

ele, com tanto talento e sensibilidade, não tinha continuado a carreira de pianista. Contou-me ela que foi uma perda lamentável para a música. Disse-me que teria sido um dos bons do mundo, se não tivesse pânico quando tocava em público. Os pais e ela, mais seus outros professores Maria Tereza Litto e Arnaldo Estrella tentaram de tudo. Mas foi em vão, ele desistiu. Foi sozinho, sem ajuda de ninguém, para Paris, começar sua nova história no mundo do turismo, onde se encontrou e se tornou um vencedor. Soube por um querido amigo em comum, Bebê, que, depois daquela noite, ele voltou a estudar piano e a tocar sempre para grupos de privilegiados amigos. Como sempre, nunca é tarde para começar. Bem que ele poderia, além do turismo, recomeçar a tocar para encantar platéias de todo o mundo. Sem deixar nunca de cozinhar para os amigos, fazendo sempre uma festa de sabores com pitadas de elegância em pratos deliciosos. Juro que se eu fosse uma fada, sairia com minha varinha mágica de condão espalhando muitos Mauros por esse mundo afora.


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Miguel Falabella Indiscutivelmente, Falabella é um dos artistas mais completos que já conheci. Ator, escritor, diretor, empreendedor, tudo o que ele toca dá certo e vira sucesso! Com certeza são reflexos, vindos de seu coração que é maior do que ele. Imenso. Recebê-lo em minha casa, cozinhar vendo sua carinha de prazer, saboreando cada colherada é um tempero para minha alma. Minha história, que eu diria de amor e paixão pela arte, renasceu no momento em que depois de uma luta de alguns anos, tentando voltar para a televisão, soube que Miguel iria escrever a novela das 7, em parceria com Maria Carmem Barbosa, na TV Globo. Em uma declaração à imprensa, Miguel dizia que iria dar chance a atores que estivessem fora do ar há muito tempo, o chamado “ficar na geladeira” (de tanto tempo fora da telinha, eu já deveria estar congelada). Durante toda a vida, sempre determinei meus objetivos, por que não

sair agora correndo atrás desse? Peguei um vídeo com minhas imagens do filme O Dono do Mar, que era meu trabalho mais recente, botei embaixo do braço e fui ao encontro dele. Sabia que ele estava dirigindo uma peça, com a Vera Fischer, no teatro. Na saída do espetáculo, falei com ele por alguns minutos e lhe entreguei meu vídeo, dizendo a frase que sempre me acompanhou desde meus primeiros passos na vida: — Se você gostar, por favor, me leve de volta para a televisão. Tive muita sorte. Não deu outra. Depois de 23 anos afastada das novelas, Miguel estava me dando a oportunidade de voltar a atuar, trazendo vida e mais brilho aos meus olhos. Meu retorno em A Lua me Disse, foi para mim, uma glória. A novela era inovadora, com uma linguagem divertida e atores de primeiro time. Numa noite de externa em que ficamos toda a madrugada, Miguel


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veio acompanhar as gravações. Ele tem um senso de humor fantástico. Enquanto esperávamos entrar em cena, ele nos matava de rir com suas histórias. Contava que, certa vez, uma atriz de uma novela dele era muito chata e vivia reclamando de tudo. Ele não teve dúvida, matou-a de enfarte! Nesse momento, de brincadeira, claro, Aracy Balabanian, sua grande amiga, começou a falar de sua personagem e ele disse rapidinho: — “Olha aqui, Araça, não vai reclamar, porque senão te dou um teco e te mato”. Claro que passamos a noite imaginando o poder de um escritor. Matar, ressuscitar, fazer tudo o que lhe der na telha. Fiquei bem quietinha, só rindo e com medo de abrir a boca, pois em vez de dar bombons envenenados para o Peteleco, meu cachorro na novela, eles iriam sobrar para mim. Quando gosto muito de uma pessoa, a primeira coisa que faço para demonstrar meu carinho é cozinhar para ela. Não deu outra, fiz um jantar em homenagem ao Falabella. E chamei meu querido diretor Roberto Talma e uma parte do elenco. Estava tão excitada que, naquele dia,

acordei às 5 da manhã. Fui ao mercado de peixes buscar tudo bem fresquinho e à Cadeg (atacadista) para encher a casa de flores. Tudo teria de estar perfeito. Na minha cabeça, eu teria de criar um prato novo, alguma coisa grandiosa, gostosa, à altura do homenageado. Pois bem, criei um dos pratos que hoje encantam a todos, o salmão no maçarico, com ovas do próprio, servido com blinis e mascarpone. Depois, fiz um risoto de funghi porcini, com tartufo bianco. De sobremesa, morangos frescos com balsâmico, servidos com cheese-cake. Essa receita dos morangos aprendi a fazer no Alfredo di Roma. Lá, eles também preparam na frente dos fregueses e usam fragolinos do bosque (morangos selvagens pequenos). Foi uma noite linda. No final do jantar, Miguel se despediu dizendo que nos meus futuros jantares, não importaria quais fossem os convidados, esperava ser efetivo. Pois, no coração, ele já está efetivado e tatuado para sempre, com o mesmo maçarico com que fiz o salmão. Desde o dia em que me trouxe de volta para o palco e para a vida.


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M ORANGOS FALABELLA

blinis 15 discos

caixas de morangos (pequenos e bem maduros, são os melhores) • 3 colheres (sopa) de açúcar • 3 colheres (sopa) de vinagre balsâmico 1 Coloque os morangos em uma vasilha, o açúcar e o vinagre balsâmico. Com dois talheres bata até criar uma calda espessa; é impressionante como os morangos ficam muito mais saborosos; esse caldo pode ser apreciado em tortas e sorvetes.

xícaras (chá) de farinha de trigo São Jorge • 1 xícara (chá) de óleo • 3 ovos • 1 colher (chá) de sal • 1 colher (sopa) de açúcar • 1 colher (sopa) de fermento em pó • 1 xícara (chá) de leite 1 Coloque os ingredientes no liquidificador; bata bem; em uma frigideira antiaderente, vá colocando aos poucos, fazendo uma panqueca; depois corte em círculos, com a ajuda de um copo, deixando do tamanho do salmão.

SALMÃO

RISOTO

6 porções •2

AO MAÇARICO

•2

4 porções

PORCINI

•1

4 porções

kg de salmão sem pele • 1 pote de ovas de salmão • 1 pote de mascarpone • 1 porção de blinis ou waffle • Flor de sal a gosto 1 Corte o salmão em pedaços pe-

quenos, mais grossos que os de sashimi e, com um maçarico, queime de um lado e de outro para que fiquem tostados por fora e crus por dentro. 2 Coloque um pouco de flor do sal. 3 Prepare os blinis, forre-os com mascarpone, coloque o salmão e, por último, as ovas; sirva em colheres de porcelana.

DE FUNGHI

• 500

g de arroz Arborio abobrinhas pequenas • 1/2 xícara (chá) de azeite • 2 colheres (sopa) de manteiga • 3 colheres (sopa) de mascarpone • 2 cebolas • 1 copo de vinho branco • 60 g de funghi porcini • 1/2 pimenta-dedo-de-moça seca • 3 tipos de pimenta-do-reino (rosa, preta e branca) •3

azeite de tartufo branco

1 Frite a cebola e a abobrinha no

azeite, em fogo baixo, com a pimenta-dedo-de-moça; quando estiverem bem cozidas, deixe dourar para sair o gosto forte da cebola e não tirar o gosto do funghi. 2 Depois, coloque o vinho, o arroz e o funghi (previamente hidratados por 1 hora), deixando evaporar o álcool; vá mexendo e colocando o caldo (preparado antes), que esteja fervendo; continue mexendo e colocando o caldo aos poucos (o segredo de tornar o arroz cremoso é no mexer, pois um grão vai roçando no outro e, aí, cria-se o creme). 3 Quando estiver al dente, coloque a manteiga e o mascarpone; desligue e sirva imediatamente; já no prato, coloque a pimenta e o azeite de tartufo branco; sirva com queijo parmesão, se preferir. caldo para o risoto •2

litros de água cenoura • 1 tablete de caldo Maggi sabor galinha • 1 alho-poró • 1 peito de galinha; azeite 1 Refogue o peito de galinha, a cenoura, a cebola, o alho-poró e o caldo Maggi. 2 Adicione a água e deixe ferver até ficar reduzido a 1 litro; coe e deixe um caldo bem consistente. •1


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Nelson Freire Nelson Freire foi responsável pelo meu amor e pelos meus caminhos floridos pela música erudita. A primeira vez que ouvi falar nesse grande pianista foi em uma viagem de Paris a Madri, em 1989. Lendo o jornal Le Monde, dei de cara com uma foto dele na primeira página com o seguinte texto: “O pianista brasileiro Nelson Freire, um deus do piano”. Que loucura eu não saber disso. A partir daquele dia, passei a me interessar por tudo o que ele tocava e descobri por que ele encantava toda a Europa. O mais impressionante é que ele era mais famoso lá fora do que no Brasil. Em um de seus concertos, em Toulouse, na França, tocando com Marta Argerith, sua grande amiga e uma das maiores pianistas do mundo, vi-os sendo ovacionados por 2800 pessoas. Meu Deus, como eu gostaria que o Brasil estivesse assistindo à glória desse seu filho. Eu, entre os milhões de aplausos, de pé, por mais de 15 minutos. Ele voltando ao palco nove vezes e bisando três. Nessa hora, me deu uma vontade imensa de gritar pra que toda a França ouvisse: “Ele é brasileiro. Ele é brasileiro!” Vim a conhecê-lo pessoalmente,

em 1990, na casa de um grande amigo que temos em comum, José Angel. Ele me convidou para jantar e não me contou nada, quis fazer surpresa. Chegando lá, dei de cara com ele, o meu ídolo. Comecei a tremer, fiquei paralisada por alguns segundos e num suave aperto de mão, senti que “deuses” também podiam ser tocados. E, no meu olhar, passei todo o orgulho e amor que sentia por ele. Passei também, meu agradecimento por me ter feito conhecer e me apaixonar pela música clássica. A partir daquela noite, além de ídolo, ele passou a ser um dos maiores amigos e orgulho da minha vida. Foi Nelson um dos responsáveis pela minha volta aos palcos. Estava afastada havia mais de dez anos. Precisava voltar para a mídia e sair gritando, aos quatro ventos, o bem que faz a música clássica à nossa alma. Queria que todos ouvissem mais e conhecessem melhor Nelson Freire. Não precisou de ninguém, pois com seu talento, genialidade e sua beleza interior, hoje ele é conhecido e reconhecido em sua terra, tanto quanto é no mundo todo. O mais bonito disso é que ele está dando oportunidade a todos de vê-lo. Em


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sua última temporada no Brasil, ele se apresentou duas vezes ao preço simbólico de 1 real no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi no concerto Folle Journée, sob a regência de Ligia Amadio (uma sintonia incrível entre os dois), que tive a oportunidade de ver as pessoas simples, amando e se emocionando com sua música. Sempre que há uma oportunidade, Javier e eu vamos vêlo em qualquer lugar do mundo. Um dos concertos mais emocionantes foi em Nohant, perto da cidade de Le Châtre na região central da França, onde todo ano acontece o Festival de Música de Frédéric Chopin. O festival sempre acontece na antiga casa de

campo de George Sand e Chopin, onde nosso ilustre compositor se escondia para compor e receber amigos. A casa hoje foi transformada em Museu e os concertos e festivais de música clássica são realizados nas antigas cocheiras transformadas em teatro. Como num conto de fadas, lá estávamos no pequeno refúgio de Chopin, com seu maior intérprete Nelson Freire. Nelson na Polônia é chamado de “A Reencarnação de Chopin”. Aliás, no aniversário de 150 anos da morte desse compositor, a Polônia parou por um mês, com festivais em homenagens a Chopin, seu mais ilustre filho. De todos os grandes pianistas do mundo convidados, Nelson


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Freire, foi o único a tocar no dia do aniversário de sua morte. A casa de campo de George Sand e Chopin não poderia ser mais bonita e tão fantasticamente conservada para receber pianistas e público do mundo todo. Os móveis de época, o papel nas paredes, as roupas, a pequena capela dentro da casa, tudo como se ainda estivesse sendo freqüentada por eles. A mesa posta, como se estivessem esperando os convidados para a manhã seguinte. A louça impecável, copos e talheres de prata. O mais impressionante: lugares marcados com os nomes: Delacroix, Victor Hugo... Lizst e outros ilustres amigos. Depois do concerto fomos passear na casa principal e o que mais me impressionou foi a sala de música em que estava o piano de Lizst, impecável.

O diretor do festival convidou Nelson para tocar. Enquanto ele tocava Chopin, por alguns minutos corri à janela, olhei para o céu e agradeci a Deus aquela oportunidade única de estar merecendo aquele presente, aquela bênção. Terminamos nosso passeio, claro, na cozinha. Era o lugar que Chopin mais gostava de ficar, de receber os amigos, onde preparava seu famoso chocolate e fazia pão. Ele mesmo ia buscar o leite, ordenhado da vaca na hora. Era seu grande prazer de manhã. Fazia uma caminhada, trazendo o leite. Preparava tudo no seu pequeno fogão a lenha na cozinha. Aliás, linda. Todas as panelas de cobre, sonho de qualquer amante da arte de cozinhar. O concerto daquela noite foi dos mais belos que vi na vida. Mas o mais


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incrível foi dito pelo diretor do festival, emocionado, pois Nelson tocou sem saber, as músicas que Chopin havia composto naquele mesmo lugar. Terminamos a noite no meio do jardim, tomando champanhe Cristal e elevando nossas taças ao céu, brindando aquela noite de encantamento. Foi no meio das montanhas iluminadas de Minas Gerais, em Boa Esperança, terra onde Nelson nasceu, que passamos um dos mais adoráveis Réveillons juntos. Essa pequena cidade, que toda vida o prestigiou, aos seus 9 anos já lhe homenageava com seu nome em uma rua. Foi lá, feito por sua tia Maria José, hoje com 101 anos, que comemos e aprendi a fazer, o mais gostoso leitão à pururuca mineiro. Na noite do

dia 31, à beira da Lagoa de Furnas, fizemos um piquenique, cercados pelo carinho de sua família, brindamos à luz da Lua a chegada de mais um ano. Como em Nohant, essa noite também foi especial, com as estrelas pipocando brilhos como fogos de artifícios, iluminando ainda mais nossa “Boa Esperança”. Já a diferença, apenas culinária, entre Chopin e Nelson Freire é o café-damanhã do brasileiro. Ele também gosta de preparar sua primeira refeição do dia: rúcula com rodelas de tomate-caqui e queijo branco curado mineiro, derretido na chapa, tostado por fora e bem molinho por dentro. Da minha cozinha, um dos pratos de que ele mais gosta é a paella valenciana.

CHOCOLATE

NEGRO

QUENTE 5 doses •1

litro de leite colheres (sopa) de pó de cacau amargo • 1 colher (sopa) de amido de milho • Açúcar a gosto • Avelãs em pó • Espuma de leite 1 Coloque o leite para ferver. •5

2 Misture o pó de cacau com o

açúcar e o amido de milho em um pouco de leite frio e bata bem; vá colocando aos poucos no leite quente até ferver; caso você não encontre o pó natural de cacau, substitua por uma barra de chocolate amargo. 3 Depois de estar pronto, já na xícara, coloque a espuma de leite e salpique pó de avelãs por cima.


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FAROFA

MOLHADA

DE FEIJÃO DE CORDA VERDE 10 porções • 1/2

kg de feijão de corda verde ml de azeite de oliva • 4 cebolas grandes • 1 pimenta-dedo-de-moça sem sementes • Sal a gosto • 1 molho de salsa e cebolinha • Farinha de mandioca para dar o ponto • 4 dentes de alho • 1 copo de molho de conserva de legumes 1 Pique as cebolas em cubos, • 100

junte o alho, a pimenta, o azeite e deixe cozinhar bem em fogo baixo, quase sem chama por umas 2 horas, para que a cebola fique bem mole e adocicada. 2 Coloque o feijão já cozido, mais a salsa, cebolinha bem picadas juntas, também o consomê de legumes; mexa bem e, aos poucos, vá colocando a farinha e o sal; quando estiver na espessura que você achar que está bem molhadinha, retire do fogo e sirva.

LEITÃO

À PURURUCA

10 porções •1

leitãozinho de uns 2,5 kg folhas de louro • 1 copo de vinho tinto • 1 colher (sopa) de grãos de pimenta-do-reino • 1 cabeça de alho • Sal a gosto 1 Soque o alho com a pimenta e •2

um punhado de sal e corte em tiras as folhinhas de louro; acrescente o vinho tinto; passe os temperos por toda a carne e coloque num saco plástico; feche hermeticamente e deixe-o na geladeira de um dia para o outro; se possível, dê de vez em quando uma mexida, assim todos os aromas entrarão na carne. 2 Coloque no

forno a 180 ºC por 5 minutos; antes de tirá-lo do forno, jogue um pouco de água bem gelada para ficar bem crocante a pururuca; sirva com uma farofa molhada de feijão de corda verde.

PAELLA À NELSON FREIRE 6 porções •1

copo de vinho branco cavalinhas • 1 guidilla (pimenta-dedo-de-moça) • 4 folhas de louro • 2 cebolas grandes • 4 tomates sem pele • 1 cabeça de alho • 3 pimentões amarelos • 3 pimentões vermelhos • 1/2 kg de ervilhas frescas • 250 g de chouriço espanhol • 1/2 kg de costelinhas de porco • 1 kg de lulas • 1 kg de camarões (médios) • 1 kg de mexilhão • 1 cabeça de peixe • 1 molho de salsa e cebolinha • 2 alhos-porós • 2 g de açafrão moído • 2 g de açafrão em rama • 1 colher (sopa) de pimenta seca moída • 1 colher (chá) de pimentado-reino de cada espécie (branca, preta e verde) • 1 xícara (chá) de azeite de oliva • 1 kg de arroz Arborio 1 Coloque na panela knonu (es•6

pecial para fazer paella), o azeite de oliva, as costeletas de porco, que devem estar temperadas com pimenta-do-reino, alho e limão e o chouriço cortado em rodelas e a guindilla (pimenta-dedo-demoça); depois de bem fritos (dourados), coloque a cebola cortada em cubos e o alho-poró; deixe refogar um pouco; assim que estiver dourado, coloque a lula já cortada em anéis e, em seguida, as ervilhas e o arroz;

mexa bem e coloque o vinho; deixe evaporar 1 minuto e, em seguida, coloque o consomê feito previamente até que cubra todos os ingredientes. 2 Cinco minutos antes de tirar do fogo, coloque o camarão e as cavaquinhas cortadas ao meio, jogando aos poucos por cima delas o molho da paella; não mexa mais, deixe pegar embaixo (socarraeta); é o melhor da paella, a raspinha do arroz grudada no fundo da panela; jogue por cima o açafrão em rama. consomê •2

litros de água • 1 cabeça de peixe de camarão • 1 kg de mexilhão • 1 cebola inteira, alho-poró e aipo • 1 cabeça de alho inteira • Salsa e cebolinha 1 Coloque todos os ingredientes • Cascas

na água e deixe no fogo até ficar reduzido a um consomê, bem consistente, em torno de 1 litro.


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Renato Machado Assim como eu, meu querido amigo e jornalista Renato Machado esteve no Encontro Internacional do Vinho de Pedra Azul, região serrana do Espírito Santo, um dos maiores eventos do vinho no Brasil, em que sommeliers, jornalistas, enólogos, importadores e amantes do vinho se reúnem em degustações e palestras sobre vinhos brancos e tintos. Em um desses anos, fui convidada para fazer parte da culinária, quando normalmente são harmonizados vinho e comida. Todos os anos são convidados grandes chefs. E eu lá no meio deles. Dessa vez, eu faria meu famoso bacalhau al pil-pil, em uma panela “vasca” que se mexe, e tortillas de batatas e cebolas. Ao

todo, seríamos 40 pessoas. Era a primeira vez na minha vida que iria cozinhar para tanta gente. Estava na cozinha com muitos auxiliares e um grande chef da cozinha capixaba cortando cebolas, batatas, alho e separando o bacalhau para colocar na panela. E, quando olho para a porta, a quem vejo? Renato Machado. Corri para o meu amigo e, no meio de um abraço apertado, lembrei-me de que, um dia, estando em minha casa, ele havia dito que era alérgico a alho. — “Não se preocupe”, menti. Realmente, eu tinha esquecido. — “O seu ‘al pil-pil’ será diferente, sem alho, apenas com azeite, cebola e azeitonas pretas.


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Ele ficou obviamente aliviado com o menu. Colocou o avental e ficou ao meu lado ajudando-me na cozinha. E foi o primeiro a provar o prato. Ele é, sem duvida, um amante das minhas tortillas. E as saboreia com tanto gosto que é impossível alguém não cozinhar bem para ele. Nesse almoço, servi de entrada truta levemente defumada acompanhada de salada verde com pedaços de manga. Essa entrada foi harmonizada com um alvarinho Don Pedro de Soutomaior. O bacalhau al pil-pil e a tortilla de batatas com tintos grandiosos, como o Viña Sastre Pago de Santa Cruz, da Ribera del Duero e o San Vicente, de La Rioja Alta. Na sobreme-

BACALHAU À RENATO MACHADO 1 porção confit de cebola •4

cebolas xícara (chá) de azeite extravirgem • 1 folha de louro • 1 colher (chá) de pimenta-do-reino 1 Coloque a cebola, o azeite e os •1

temperos em uma panela e deixe cozinhar em fogo baixo por 2 horas. Esse é o segredo para se obter o doce natural da cebola sem precisar de açúcar nem sal. salsa de azeitonas • 10

azeitonas pretas • Azeite extravirgem • Salsinha 1 Triture as azeitonas com o azei-

te e a salsinha. bacalhau •1

posta de bacalhau Don Salado com pele • 1 xícara (chá) de azeite extravirgem 1 Coloque o azeite em uma pa-

nela; quando estiver apenas

sa, torta negra de chocolate, harmonizada com o jerez Pedro Ximenez Solera 1927. No meio do corre-corre da cozinha, aparece o simpático Roberto Serpa, organizador do evento, informando que de 40 talheres, agora, seriam 60! Nada se torna impossível quando se está do lado do melhor chef de cozinha do Espírito Santo, Juarez Campos. Ele e sua equipe fantástica fizeram tudo se tornar fácil. Como sempre deve ser em uma cozinha, simples e com muita alegria. Começamos a dividir o bacalhau em dois e a fazer mais tortillas. Quinze minutos depois, chega o Roberto de novo e pergunta: — “Por favor, aceita aí mais 20 pessoas?”

aquecido, junte a posta de bacalhau, já dessalgada, com a pele para baixo; mexa até formar, com a pele e o azeite, um creme; sempre com o fogo muito baixo até o bacalhau ficar cozido. 2 Finalize o prato com o bacalhau, o confit de cebola e o creme do pil-pil; enfeite o prato com a pasta de azeitonas.

POLENTA

AL

FUNGHI PORCINI 4 porções •1

caixa de 250 g de farinha de milho • 1 dente de alho socado • 1/2 de xícara (chá) de azeite de oliva • 1 cebola pequena picada • 50 g de funghi • 1 xícara (chá) de creme de leite fresco • Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto • 1 espiga de milho verde • Azeite de trufas brancas

• Parmesão

em lascas

1 Leve ao fogo uma panela com

água e sal até ferver; em fogo baixo, adicione a farinha de milho pré-cozida, aos poucos, mexendo sem parar com um batedor manual até atingir o ponto desejado (consistente); rale o milho verde e adicione à polenta, deixando ferver mais alguns minutos para a polenta ficar com o gostinho forte do milho; em outra panela, doure o alho no azeite, junte a cebola e refogue por alguns minutos até que a cebola fique macia e transparente; adicione o funghi e refogue por mais alguns minutos; acerte o sal e a pimenta-do-reino e regue com o creme de leite; finalize com a salsinha e sirva bem quente sobre a polenta também quente, com lascas de parmesão e o azeite de tartufo branco.


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— “Como? Tudo bem. Como aconteceu com Cristo na multiplicação dos pães, não foi difícil a multiplicação do bacalhau”. De braços dados com Juarez e com Renato, acompanhados de um bom vinho, deu tudo certo. Pelos calorosos aplausos que recebi, tive a certeza de que foi um grande sucesso. Outro dia, em um jantar em minha casa, Renato e eu morríamos de rir lembrando-nos de meu desespero em inventar um prato de bacalhau para ele cozinhar para 80 pessoas e, olha, que eram todas pessoas especiais. Depois do jantar, em que tive

de fazer muitas estripulias, pois cozinhar sem alho é complicado para uma espanhola, criei um prato em homenagem ao Renato, o bacalhau sobre um ninho de confit de cebolas com salsa e azeitonas pretas. Confesso que o maior presente que esse querido amigo me deu, foi, no dia seguinte, quando ligou para mim e perguntou: — “Depois do seu jantar de ontem, onde é que eu vou comer agora?” Ouvir isso de um amigo, sendo ele um dos maiores jornalistas, gourmets e enófilos do Brasil fez meu coração quase explodir de felicidade.


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Ricardo Alô Alô do Amaral Ricardo Amaral e a esposa, Gisela, sempre foram minha referência na elegância de ser, e no significado perfeito do ser chique. Jornalista de formação, como ele dizia em sua coluna do jornal Última Hora (1963): “Uma dupla dos Piriris e dos Pororós”. Formam o casal 20, 30, 100, e até deveríamos reverenciá-los e coroá-los como monarcas. Gisela é uma verdadeira rainha da bondade. Uma grande companheira, mãe e avó exemplar. Ela dedica uma boa parte de sua vida aos menos privilegiados. Seu trabalho nas obras sociais é imenso. Ricardo, eterno “Rei da Noite Carioca”, atualmente trocou a noite pelo dia, passou o reinado noturno para os filhos Rick e Bernardo, ficando com seus empreendimentos diurnos de saúde, como a academia de ginástica, o lazer e os empreendimentos imobiliários. Com certeza, será também em breve coroado como o “Rei do Dia”. Amaral foi o criador dos mais famosos clubes noturnos, boates, bares e restaurantes, que revolucionaram e fizeram história no Brasil e por esse

mundo afora, como Nova York e Paris. Outro dia, em um jantar em casa, eles estavam presentes, comemorando o sucesso do nosso Galinho de Quintino, o Zico, na Turquia, que estava de férias no Brasil. Enquanto Zico conversava com nosso Amaral, viajei no tempo, lembrando que foi Ricardo, que além de colocar sal (saleroso, graça) na sociedade nacional e internacional, me ensinou a por sal grosso na água, em abundância, para cozinhar o macarrão. Nada de colocar azeite na água para que ele não grude. Nunca mais me esqueci daquela sua dica e da maneira graciosa com que ele prepara uma pasta. Penne com legumes verdes e amarelos para homenagear o Brasil em dia de Copa do Mundo. Isso foi no ano 1986, quando Dolabella e eu estávamos juntos com a amiga Sandra, mulher do Zico, de passagem por Nova York, a caminho do México, para assistir à final da Copa do Mundo. No dia do jogo Brasil X França, fomos para a casa de nossa amiga Linda Condi, e junto a um grupo de brasileiros, torcer e comer a pasta colorete do Ama-


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ral. O mais engraçado foi, quando chegamos, Sandra viu o Ricardo e não quis entrar. Por quê?, perguntei. — “Ele não gosta de jogador de futebol, não os deixa entrar em suas boates. Não deve gostar também das mulheres deles”, afirmou Sandra. Antes de terminar, Gisela e Ricardo chegaram para nos cumprimentar e contei o que tinha acabado de ouvir. Ricardo, abraçando Sandra, com aquele sorriso tradicional no estilo “alô-alô”, explicou a ela que uma vez o cerimonial do Hippopotamus tinha proibido um jogador de futebol de entrar, porque ele estava de tênis e era uma noite fechada com convidados vestidos de black-tie.

PASTA

— “Alô-Alô, Sandrinha, adoro futebol e sou o maior fã de seu marido”, disparou Amaral. Saímos aliviados e abraçados, direto para a cozinha, já em clima de festa da Copa do Mundo para ver nosso chef fazer uma pasta. Nossa alegria nessa tarde, porém, durou pouco. O Brasil não jogou o que se esperava e nosso Zico perdeu um pênalti. Foi uma choradeira danada. Abracei por um bom tempo minha amiga Sandra, tentando nos consolar, dizendo que outros grandes craques já tinham perdido pênaltis em momentos também decisivos. Na verdade, culpamos o técnico, que não devia ter colocado nosso Zico para marcar, já

ALÔ, ALÔ

6 porções •1

caldinho de 7 legumes Maggi g de pinoles • 1 kg de pasta grano duro • 2 cebolas • 3 dentes de alho • 1/2 kg de abobrinhas bebê • 200 g de flor de abóbora • 3 cenouras pequenas • 1 molho de rúcula • 1 xícara (chá) de azeite extravirgem • 2 colheres (sopa) de vinagre balsâmico • Sal a gosto • Pimenta-do-reino branca moída na hora • Parmesão ralado na hora • Manjericão • Alecrim • Farinha de trigo, o bastante para empanar as flores • 3 pimentões amarelos 1 Em uma frigideira, torre os • 50

pinoles e reserve. 2 Empane as flores de abóbora e frite-as em azeite até que fiquem douradas e crocan-

tes; reserve. 3 Corte os legumes em filetes; em uma panela, refogue no azeite, a cebola, o alho e a cenoura; quando estiverem douradas, coloque a abobrinha. pesto

1 Amasse em um socador, o alho

(sem a membrana de dentro) com o alecrim e o manjericão e a pimenta-do-reino; acrescente azeite e reserve. pasta

1 Cozinhe a pasta em água abun-

dante e com um punhado de sal grosso; quando estiver al dente, escorra e coloque na travessa que for servir. montagem

1 Jogue o molho com as abobri-

nhas e o pesto, mais a rúcula picada (2 dedos de espessura, mais ou menos), temperada com vinagre balsâmico; mexa bem e, por último, coloque os pinoles e o queijo ralado.


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que ele estava recém-saído de uma contusão e, no jogo, estava frio, pois tinha acabado de entrar. A tristeza, que todos nós sentimos nesse dia, como a grande maioria dos brasileiros, foi a de um craque tão extraordinário como ele não ter levantado a Taça do Mundo. Voltando dos meus pensamentos e caindo nas minhas histórias, fico lembrando que, por todos os lugares do mundo por onde passei, nosso Amaral tinha deixado sua assinatura e marca de craque. Salpicou seus temperos de sucesso nas noites, clareando ainda mais o céu com os brilhos das personalidades em suas casas noturnas. Em Paris, nos anos 70, no “Le 78” era fácil encontrar na área vip Alain Delon, Cristina Onassis e Caroline de Mônaco. Foi com sua boate Hippopotamus que ele criou o conceito de Clube Privê, tendo eu, aliás, a honra de ter o cartão “número 0001, Pepitinha”. Em Nova York, nos anos 80, ele comandou o Clube A. Jamais me esqueci de uma noite nesse Clube Privê, levada pelas mãos de nossa querida amiga Ana Maria Tornaghi. Quando fui para a pista de dança, encontrei Mikhail Baryshnikov, que, nesse dia, estava comemorando seu aniversário. Fiquei petrificada por alguns segundos, antes de começar a dançar perto dele. Imaginem a minha cabeça, me sentindo imortalizada ao lado de um dos maiores bailarinos do século. Nas noites “Amaralescas” tudo podia acontecer. Saí de lá me sentindo uma das maiores bailarinas do mun-

do, a própria Margot Fontaine, dançando nas nuvens com ele. E, por falar em nuvens, foi viajando com elas, que fui parar no restaurante Alô-Alô, em Nova York e jantei na mesa ao lado da de Robert De Niro. Foi muito divertido, porque quando vi quem era, me assustei e com a boca aberta fiz um “Ah!”, e ele, repetindo meu gesto, fez o mesmo “Ah!”. Morremos de rir. Era comum ver nossos ídolos do cinema e da música naquele restaurante badalado. Foi também nessas férias, que Dola e eu, a convite de Gisela e Ricardo, fomos ver nosso Roberto Carlos no Radio City Hall, uma das principais casas de espetáculo dos Estados Unidos. A apresentação seria numa sextafeira, 13. Gisela me contou que nosso rei Roberto estava cheio de medos. Achava que por ser essa data, os supersticiosos não iriam sair de casa. Gisela, então, falou para ele que ficasse tranqüilo, pois a data caía no Dia de Santo Antônio, e que o bem sempre será maior do que o mal. Não deu outra, Santo Antônio e mais Todos os Santos juntos com mais de 2.800 pessoas ovacionaram nosso Roberto Carlos. No final, ele desceu do palco e me entregou um cravo, não deveria ser época de rosas, dizendo que eu lhe tinha passado muita energia. Respondi que era impossível não passar minha força para uma pessoa tão especial e fazendo tanto sucesso fora de sua terra. Quando ele deu a flor e agradeceu a Gisela pela força e pelas orações, ela sorrindo disse: “Este cravo é para Santo Antônio”. Meu coração


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ficou acelerado, não com a velocidade de seu “Calhambeque nas Curvas de Santos”, mas como a de uma Ferrari Testarossa. Mas acabamos todos sentados mesmo foi na limusine com Roberto e Miriam Rios (sua mulher, na época) indo juntos tomar um drinque no apartamento dos Amaral e, depois, jantar para comemorar o sucesso do show. Jamais esqueci a carinha que o nosso querido cantor fez quando chegamos ao apartamento. Era de total encantamento. Estava todo decorado em tons de azul, parecia um bombom azul. Coincidentemente, Gisela tem o mesmo gosto por essa cor. Ele deveria estar se sentindo em casa. Pelo menos é assim que eu a imagino. Um apartamento azul da cor do céu. Foi

PIMENTOS

nesse mesmo cenário, no meio de nuvens também azuis, que me senti flutuando nessa noite, jantando com amigos tão queridos. Estava tão feliz que, quando chegou meu prato com os raviólis recheados de funghi com perfume de “tartufo bianco”, pensei que fossem chegar também azuis. Dola e eu voltamos para o hotel e, no caminho, notamos que também estávamos com roupas da cor azul. Morremos de rir, lembrando a noite impecável de sexta-feira, 13. Também, Gisela e Santo Antônio, de mãos dadas, são imbatíveis. Fizemos uma dupla cantando: “Vesti azul pa, pa, pa, pááápa e a sorte então mudoooou (bis). Vesti azul e o dia 13 se ferrou...” Uns de meus lugares favoritos na terra da (Miss Liberty) Estátua da Li-

DE PIQUILLO

6 porções • 12

pimentos de piquillo de Navarra ml de leite • 200 g de lascas de bacalhau Don Salado • 100 ml de azeite de oliva extravirgem • 2 batatas médias • 50 g de crème fraîche • 3 dentes de alho • Pimenta-do-reino branca moída na hora 1 Deixe de molho o bacalhau na • 500

água, para tirar o sal (as lascas não precisam de muito tempo, vá provando). Confira para que não tenham nenhuma espinha ou pedaço de pele. 2 Deixe no leite morno por cerca de meia hora. Escorra e reserve. Deixe umas lascas para enfeitar o prato. 3 Cozinhe na água as duas batatas

com a casca e, quando estiverem prontas, descasque. 4 Em uma panela de aço, junte o bacalhau, as batatas cortadas, os dentes de alho cortados ao meio, e misture tudo com uma colher de madeira, acrescentando aos poucos o azeite de oliva. Leve ao fogo bem baixinho, mexendo bem. No final, quando estiver como um purê, junte o creme fraîche e misture por mais 5 minutos. 5 Deixe esfriar, e depois encha os pimentos de piquillo (pimentos levemente assados e já pouco picantes, sem pele; podem ser encontrados facilmente no Brasil) generosamente; antes de servir, coloque no forno para esquentar com um fio de azeite de oliva por cima.


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berdade, claro, que, depois da Broadway, é a Balducci, uma delicatessen fantástica, que tem de tudo para quem gosta de cozinhar. Em umas das minhas viagens, fui com Gisela comprar especiarias e novidades para trazer para o Brasil. Foi quando começou a moda do arroz selvagem, variedade plantada somente em uma reserva indígena, e que é delicioso. Claro que nós duas abastecemos nossas malinhas com um pouquinho dessa maravilha, pois ele ainda não existia no Brasil. Quando chegamos à Alfândega, acendeu a luz vermelha para Gisela. Abriram sua bagagem e lá estavam uns saquinhos do nosso arroz. — “O que é isso?”, perguntou a fiscal. E Gisela, com sua carinha linda respondeu que era chazinho para os velhinhos da Casa São Luís. Saí de perto para não rir. Depois, perguntei por que tinha dito isso. — “Você acha que se tivesse dito a verdade ela iria acreditar? Como é que eu iria dizer que aquela coisinha compridinha e pretinha era arroz?”. Pouco tempo depois, fui com Gise-

la a um desses bailes que ela organiza incansavelmente, para ajudar a casa dos velhinhos da São Luís, enquanto eu dançava com um senhor todo serelepe, lembrei-me do chazinho e comecei a rir, imaginando todos tomando chazinho de arroz selvagem e, pela quantidade enorme de velhinhos, quantos quilos teríamos de ter trazido. Gisela é de uma nobreza de alma, como poucas pessoas. Lembro-me de um dia em que eu cozinhava no Maracanãzinho para os flagelados, em 1987 (quando houve uma das maiores enchentes no Rio de Janeiro), e ela chegou e disse que tinha vindo me ajudar, arregaçou as mangas literalmente e começou na preparação dos cachorros-quentes para mais de 1.000 pessoas. Lembro-me bem que, para ficar mais nutritivo e gostoso, fiz um molho de cebolas com tomates e manjericão. Quando olhei para Gisela com suas mãos delicadas me ajudando a cortar as cebolas, chorei, não só pela cebola ardida, mas também pela emoção de vê-la trabalhando com


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tanto amor. Nessa época também lembrei, de como a Nestlé foi grandiosa e ajudou tanto nessa empreitada. Prontamente, mandou alimentos, os mesmos que sempre consumi na minha casa, mais um caminhão de chocolates na época da Páscoa, que foram distribuídos para as favelas mais afetadas. Outro dia enquanto ajudava Gisela e também nossa Marina Martins Araújo, em seus incansáveis projetos sociais, como o Arraial da Providência, Roça in Rio 2007, passei com ela em frente de uma barraca que vendia roupas de bebês, e perguntei se ela se lembrava dos sapatinhos que levava para meus filhos, quando nasciam. – “Claro que lembro, eram feitos pela minha sogra, que dizia que traziam muita sorte para as crianças”. Sorte dava mesmo, tenho filhos os mais sonhados por qualquer mãe. — — “Mas sorte também é ter você como amiga”, respondi-lhe, dando um senhor abraço. Contrariando, invertendo e mudando um ditado popular: ao lado de

uma grande mulher está um maravilhoso homem. Ricardo também sempre abraçou as causas dos mais necessitados. Ele, por exemplo, ao lado dos nossos queridos Betinho e Rubens César Fernandes, criou a‘ONG Viva Rio. Esteve sempre à frente e apoiando sua mulher em todos os seus projetos sociais. Talvez seja esse o segredo de seu sucesso. Toda a bondade que aqui se faz, a retribuição vem lá de cima caindo em cascatas. E para esse casal lindo, com certeza, a cachoeira vem de uma mina especial, que jorra água dourada. Brilho esse que reflete na minha cozinha quando eles chegam para o jantar. Tenho o prazer de, no meio dos meus coqueiros, ao ar livre, cozinhar para eles, como forma de demonstrar o quanto eles estão para sempre no meu coração. Se minha cozinha fosse um espaço privê, com certeza, eles teriam a carteira de número “00001 Alô-Alô”.


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Stefano Monti & Mike Bongiorno Foi em um final de semana prolongado, em 1989, exatamente num domingo, com a cidade de Búzios linda, mais ensolarada impossível, que atendi ao telefone e escutei a voz do chef de cozinha e restaurateur Stefano Monti. Ele informava estar com um amigo italiano, Mike Bongiorno. Sem muita cerimônia, disse que estava indo com ele e mais alguns amigos almoçar em minha casa. Tinha intimidade suficiente para isso. Ele e sua mulher na época, Paula, eram meus amigos queridos. Stefano também tinha casa em Búzios e era dono de um dos melhores restaurantes da cidade, o Le Strega, aliás, seu primeiro restaurante. Mais tarde abriria também no Rio, com bastante sucesso. Claro, disse eu, com alegria. Adoro surpresas e desafios, afinal, não tinha nada especial para fazer esse al-

moço. Era o último dia do feriado. Desliguei o telefone e corri para a cozinha. E a geladeira, vazia. O que nunca falta na minha dispensa é uma boa pasta (massa de macarrão), queijo parmesão, um bom azeite e, na horta, temperos e saladas. Pronto, coloquei a imaginação a meu serviço, somada à satisfação de receber, e fui para a porta esperá-los. O que eu não sabia é que estaria recebendo o apresentador número 1 da TV Italiana. Bongiorno comandava o Lascia o raddoppia (Deixa ou Dobra), programa parecido como O Céu É o Limite, brasileiro. Bongiorno, hoje com 83 anos, ainda está na ativa, apresentando o Il Migliore. Ostenta o nobre título de Grande Ufficiale dell’Ordine al Merito della Repubblica. Mike, supersimpático e mais cinco jovens chegaram e ficaram admi-


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rando a praia, enquanto Stefano e eu fomos para a cozinha. Falei da falta de imaginação, fazer pasta para italianos, mas era o que tínhamos. Como tudo em Búzios é cheio de magia, liguei para um amigo pescador e ele prontamente atendeu meu pedido. Fez rapidamente um mergulho e me trouxe um robalo de mais ou menos 2 quilos. Enquanto preparávamos o peixe ao forno com legumes, olhamos para a beira da piscina e lá estava nosso artista cercado de italianas que faziam topless. Stefano e eu nos aproximamos e dissemos que faríamos uma pasta com a ajuda de todos. Falei para as meninas (claro que aderi ao topless!) que tínhamos de ir ao

mar bem no fundo, depois da arrebentação, pegar água bem pura que o oceano oferece às sereias. Elas adoraram a idéia e saímos cada uma com um copo na mão. Fomos à caça da melhor água de Iemanjá. A imagem de todas saindo da água levantando os copos como se fossem troféus, era linda. — “Bem, agora vamos para a segunda parte”, convoquei. “Sentadas nessa areia, vamos cavar com as mãos e catar vôngoles, porque diz a lenda que os vôngoles sairão da areia mais rápidos e felizes da vida, sendo catados por sereias.” E não deu outra, saímos com nossos potinhos cheios e nossas convidadas adorando a incrível preparação da pasta.

R OBALO S TEFANO M ONTI 6 porções •1

robalo de 2 kg copo de vinho branco • 4 tomates sem pele • 4 cebolas • 2 endívias • 4 folhas de sálvia fresca • 1/2 copo de azeite • Sal grosso • Pimenta-do-reino a gosto • Azeite de oliva extravirgem, o suficiente pra regar todo o peixe 1 Limpe o peixe, deixando-o in•1

teiro e sem escamas. 2 Passe o sal grosso, o suficiente para salgá-lo. 3 Unte um tabuleiro com azeite e forre-o com papel-alumínio; coloque o peixe e os legumes; cubra com o vinho, a sálvia e a pimenta-do-reino; regue tudo com azeite; cubra tudo com papel-alumínio; deixe no forno a 180 oC por cerca de meia hora.


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— “Vamos” — disse eu — “à terceira caça.” Pegamos uma cestinha (igual àquela do Chapeuzinho Vermelho, levando doces para a vovozinha) e fomos para a horta colher pimenta-dedo-de-moça, salsa e cebolinha, manjericão, anetto, tomates, rúcula e alface, para uma boa salada. Também acrescentei morangos. Deixamos tudo na cozinha e partimos para o grande final. Subimos nas árvores para colher as pitangas de nossa caipirinha. Os homens se divertiam assistindo à nossa aventura.

PASTA

Já com as caipirinhas em mãos, fomos todos para a cozinha ao ar livre, preparar nossa pasta al mare . Quando acabaram de comer, todos foram unânimes em dizer que tinha sido uma das melhores pastas que haviam comido na vida. Claro, que com o prazer de todos terem participado, da alegria de cozinhar juntos, a comida, sem dúvida, fica mais gostosa. Aquele domingo ensolarado, em um dos mais lindos balneários do mundo, foi e é inesquecível.

AL MARE

4 porções • 1/2

xícara (chá) de azeite extravirgem • 500 g de pasta (grano duro) • 1/2 kg de vôngoles (com casca) • 1 molho de salsa e cebolinha • 2 litros de água do mar • 1/2 pimenta-dedo-de-moça • 1 punhado de anetto • 4 tomates pelados • Pimenta-do-reino moída na hora • Queijo parmesão • 2 cebolas • 4 dentes de alho 1 Coloque a água do mar para

ferver (caso não tenha um mar sem poluição, use sal marinho grosso). 2 Em uma frigideira grande (que sirva também para ir à mesa), coloque o azeite, a cebola, a pimenta e o alho em pedacinhos em fo-

go bem baixo; depois de bem cozidos, deixe dourar e acrescente o tomate fresco sem pele, o anetto, 1/2 copo de água do mar e os vôngoles; abafe um pouco e jogue o macarrão (al dente) na frigideira e misture tudo; por último, a salsinha e a cebolinha; sirva imediatamente e, ralando na hora, já no prato servido, jogue o queijo parmesão; finalize com azeite de oliva e pimenta-do-reino a gosto. Os italianos não costumam usar queijo parmesão em suas receitas de peixes e crustáceos. Vai depender do gosto de cada um. O prato fica mais gostoso quando se agrada ao paladar. Não importa se combina ou não.


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Nosso maior ídolo do Flamengo e grande amigo se encontrava na Itália, em Udine, jogando pelo Udinese. Dolabella e eu fomos testemunhas de sua insistência em ficar no Brasil, por amor ao Flamengo. Seu esforço em permanecer foi imenso. Mesmo perdendo muito dinheiro. Mas fomos à Europa (1984) na semana em que haveria um dos mais esperados confrontos gigantes do futebol mundial: Falcão, o Rei de Roma, e Zico, o maior jogador da história do Flamengo. Os jornais da Europa só falavam nisso. O jogo seria no domingo e, na terça-feira anterior, liguei para falar com meus amigos e desejar ao nosso campeão, um grande jogo. Eu lhe passaria minha energia e minha força via telefone. Primeiro, falei com as crianças, todas se queixando do frio, com saudades do Rio e do parque infantil Tivoli. Depois, veio minha amiga Sandra, mulher e grande companheira do nosso Zico. Falava sem parar da saudade de tudo e de todos. Senti em sua voz a preocupação pela maneira como a cidade e toda a Itália tinham colocado esse confronto. Era clima de Copa do Mundo. Seria o primeiro jogo entre esses dois brasi-

leiros. Sendo que o Udinese, nunca havia ganhado do Roma em toda a sua história. E lá estava Sandra, passando mais do que nunca seu amor e sua força para o marido. Ela sempre foi uma grande mulher mas não no dizer do ditado “atrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”, mas, sim, a seu lado, caminhando de mãos dadas. Nesse nosso papo fiquei preocupada com ela, depois veio o Zico ao telefone: — “E aí, campeão? Vamos ganhar! Força aí, que não vai sobrar pra ninguém, tá?” Ele respondeu com a simplicidade de sempre: — “Pára com isso, Pepa, o Roma é um grande time. Vai ser um jogo muito difícil.” Comecei a ficar tão nervosa do lado de cá da linha telefônica, que só Deus sabe o que senti. No mesmo minuto que desligamos, chamei o Dola e disse que achava que nosso amigo estava precisando de nossa força (todo flamenguista sempre tem certeza que sua presença em campo, e energia, ajuda o time a ganhar). Não deu outra. Com apenas um olhar, já sabíamos o que fazer. Vamos para a Itá-


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lia ajudar o Udinese do nosso galinho a entrar para a história. Imagina, a gente, naquela época, com dois filhos pequenos. Dado com 4 anos e Paulo Fernando com 1 ano e 3 meses, ainda mamando no peito. Meus outros filhos, Gibinha e Fabio, estavam estudando, tiveram de ficar (e danados da vida!). Nesse mesmo dia, falamos com o empresário do Zico, pedindo que nos ajudasse a prepa-

rar uma surpresa para nossos amigos. Tínhamos de ver o Zico antes de ele entrar para a concentração, pois nosso abraço seria importante. Ele deve ter pensado que éramos loucos. Mas, como sabia de nossa amizade por eles, ajudou a preparar toda a nossa chegada. Tivemos apenas dois dias para preparar tudo e embarcar com as crianças. Chegamos à Itália no sábado. Fomos recebidos pelo empresário

GALINHO

DE QUINTINO

AO FUNGHI 4 porções •4

coxas de frango g de funghi porcini • 2 cebolas • 1 lata de creme de leite • 1/2 xícara (chá) de azeite • 1/2 copo de requeijão • 1 colher (chá) de pimenta-do-reino de três tipos (branca, preta e vermelha) • 2 dentes de alho 1 copo de vinho branco • Sal a gosto 1 Coloque na frigideira o azeite • 50

e frite o frango, dourando-o. 2 Jogue, depois, a cebola, o alho, a pimenta amassada com a faca ou no pilão, sal e deixe em fogo baixo para criar o molho e a cebola ficar adocicada. 3 Acrescente o vinho branco e os cogumelos (deixados previamente na água para hidratá-los). 4 Retire as coxas e desosse-as em pedaços grandes; junte-as de novo ao molho e acrescente o creme de leite e o requeijão por último; sirva com arroz branco.


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dele no aeroporto e corremos para a concentração. Exatamente como cena de novela, nosso carro e o ônibus do time chegaram ao mesmo tempo. Saímos apressados e ficamos esperando-o descer do ônibus. Quando ele nos viu, abriu um dos sorrisos mais bonitos. Ficamos um tempo, Dola, Zico e eu abraçados e, naquele momento, passamos toda a nossa força, amor e alegria. Quando ele estava entrando, falei o que todo rubronegro naquele momento diria: — “Vai, cara, que o jogo vai ser seu! Faz lá um de seus golaços.” Nossa chegada à casa deles, com as crianças, foi linda. Matamos as saudades, colocando nossos papos em dia. No dia seguinte, estávamos todos lá assistindo ao grande jogo. Falcão

naquele dia estava com a elegância de sempre e com seu grande futebol. Também foi muito aplaudido por todos. O jogo ia rolando até que depois de passos emocionantes e o futebol arte do nosso Galinho de Quintino, o chute a gol veio dos seus pés mágicos, um golaço genial, levando todos naquele estádio à loucura. A partida estava sendo transmitida, nos momentos mais emocionantes pelo Fantástico, da TV Globo e, logo depois do gol, fui focalizada chorando de alegria e tenho a certeza de que meus gritos e lágrimas se misturaram com os de todos os rubronegros no Brasil. Éramos a partir daquele dia, todos, Udinese desde criancinha! Nosso herói saiu de campo dandome de presente a camisa do jogo. Foi

CAMARÃO

À

ZICO

2 porções • 500

g de camarão médio dentes de alho • 1/2 pimenta-dedo-de-moça • 1/2 xícara (chá) de azeite extravirgem • 1/2 colher (chá) de pimenta-doreino moída na hora • Sal a gosto • 1 limão 1 Coloque o azeite, o alho e duas •4

rodelas de pimenta na frigideira. 2 Deixe em fogo baixo e, quan-

do o alho estiver começando a querer dourar, jogue o camarão previamente temperado com o sal, a pimenta-do-reino e o limão. 3 Aumente um pouco o fogo e, quando o camarão estiver al dente (no máximo em 3 ou 4 minutos), apague-o; sirva com rodelas de baguete ou tortilla de batata e cebola.


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o maior presente que alguém poderia receber naquele dia. Pela primeira vez na história, o Udinese ganhava do Roma e Zico fez, a partir daquele dia, sua carreira na Itália como um dos maiores jogadores da história do futebol. De Quintino para o mundo. Voltando no tempo, em 1980 convidei Zico e Sandra para um jantar em minha casa. Foi quando aprendi que, na arte de receber, nunca se deve fazer um prato só. Se fizer carne ou peixe, deve-se sempre preparar um segundo prato neutro. Pois pode ter alguém que não come nem uma coisa nem outra. Nesse dia, eu havia preparado arroz de lulas. De entrada, seria camarão al ajillo, chamado por mim depois desse dia de camarão à Zico. Fagner, nosso querido amigo, gran-

de cantor e compositor e mais uns amigos chegaram de surpresa. Não tive dúvida, para aumentar a comida, em vez de água no feijão, juntei caviar ao arroz. Ficou delicioso. Passou a se chamar arroz de lulas com caviar (isso quando encontro ovas de lumpo – peixe voador encontrado no Mar Mediterrâneo e industrializado na Espanha, bem mais barato que o iraniano ou o russo). Tudo corria perfeitamente bem até eu dizer para eles qual seria o menu. Aí, o Zico falou rindo que a Sandra não comia lula nem camarão. Santo Deus! Corri imediatamente para a cozinha. Precisava pensar rápido numa solução. Descobri nesse dia que uma mulher nunca deve recuar diante de um desafio culinário. E foi assim que criei


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um frango ao funghi fantástico. Para homenagear nosso craque, chamei de Galinho de Quintino ao funghi. Claro que é o prato predileto da Sandra. E, com certeza, de toda a torcida do Flamengo. Recentemente, em 2006, pouco antes de o Zico ir para a Turquia assumir como treinador, fiz em casa um jantar de despedida. Mais uma vez o mundo do esporte nos roubava nosso Galinho. Nessa noite, consegui reunir dois de meus grandes amigos e ídolos, Zico e Nelson Freire. Um nunca tinha visto o outro, nem em concertos, nem em estádios. O papo dos dois foi adorável. No final da noite o Galinho prometeu ensinar o Nelson a jogar futebol, e o maestro, a revelar ao Zico os segredos do piano. Fiquei imaginando Nelson Freire jogando futebol ao som do piano de Zico em pleno Maracanã. Seria imperdível. Nessa noite, fiz o prato predileto do Zico, arroz de lulas com caviar. Na despedida, rindo, ele me pediu uma quentinha para levar para a Turquia. Com certeza é um grande elogio. O maior que uma cozinheira sonha em ganhar. Dez meses depois de sua chegada à Turquia, seu time, o Fenerbahce, conquistava o campeonato turco. Exatamente no ano do centenário do clube e por antecipação. No Japão, ele também fez história. Como jogador do Kashima Antlers, era chamado de “Jico san”. Ele revolucionou o futebol

japonês. Fez lá seus dois gols mais bonitos. Um de bicicleta, magistral, contra o Fujita (2x1) e o outro contra o Thoku Electric (6x1), chutando de calcanhar e em pleno ar. Nosso Galinho cravou sua marca genial, levando os japoneses ao delírio. Em sua despedida do clube, foi tratado como rei. Como exatamente ele é. Um soberano do futebol. Fizeram uma bonita estátua na porta do clube, inaugurada com muito carnaval. O estádio, na noite de despedida, estava lotado com todos os torcedores segurando um isqueiro aceso, como se fosse uma tocha de fogo. Lindo. Jamais, seu clube de coração, o Flamengo, fez uma despedida tão emocionante e bonita. Viva o Japão! Como técnico da seleção japonesa, não foi diferente. Foi o primeiro a se classificar na Copa do Mundo da Alemanha. Transformou seus jogadores em samurais. Agora, quem sabe, vamos torcer pra ele voltar para sua terra, dirigir nosso Flamengo e a Seleção. Aí, juro que faço uma promessa: — Farei uma panela imensa de arroz de lulas com caviar, para ele e para toda a torcida do Flamengo, em pleno Maracanã.


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DE LULAS

COM CAVIAR 8 porções • 500

g de arroz Arborio • 3 kg de lulas • 1 kg de cebola • 1 copo de vinho branco • 2 folhas de louro • 1 molho de salsa e cebolinha • 2 colheres (sopa) de pimenta branca, preta e vermelha • 1 colher (chá) de pimentão seco moído • 2 latas de tomate sem pele • 1 pote de 200 g de caviar de lumpo 1 Em uma panela, coloque a ce-

bola, o azeite e o louro; cozinhe durante umas 2 horas em fogo bem baixo; o tempo e o cozimento em fogo muito baixo são fundamentais para a cebola ficar adocicada e virar quase um purê; depois, coloque os tomates sem pele e as lulas, então, em fogo médio; em seguida, junte o vinho, a cebolinha picada, a pimenta-doreino, o pimentão (em pó) e o arroz; mexa bem. 2 Acrescente o caldo de legumes até tomar a consistência de risoto; desligue o fogo e junte o caviar e a salsinha; sirva assim que sair do fogo; o caviar, evidentemente, é aquele mais barato; o espanhol é ótimo (ovas de lumpe).


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Uma bonita história de amor O cenário para começar a escrever “coisas de amor”, não poderia ser mais bonito. São 5 horas da manhã e olhando o mar refletindo o vermelho do Sol que está para nascer na maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, começo a viajar no tempo, voltando para o dia em que conheci essa figura incrível que dizia me procurar havia mais de 400 anos. Nosso encontro marcado foi em 1995. Jurei que jamais me casaria, estava solteira, afirmando, como todos os que foram casados, que não me casaria novamente. Estava me sentindo, como diz o ditado popular, “feliz como um tico-tico no fubá” ou “como uma abelha lambuzada de mel em um jardim de flores”. E, assim como num conto de fadas, No dia em que eu preparava um

“Era uma vez... jantar para comemorar o aniversário do meu namorado, fui buscar umas peças de salmão em uma importado-

ra. Como gosto muito de receber, compro quase tudo no atacado. Entrando na empresa dei de cara com um Antonio Banderas mais bonito ainda. E, falando espanhol, ele se apresentou. — “Me chamo Javier”. Devo ter ficado ruborizada por estar diante de um homem tão charmoso, pois seu amigo e sócio, Carlos Alberto, deve ter notado alguma coisa no ar, já que brincou, pedindo a ele no final das compras que me acompanhasse, ajudando-me com os peixes até o carro. Na hora em que me deu a mão para se despedir, não resisti e falei: — “Eres muy guapo”, e fechei a porta do carro, apressada. Meu Deus, e agora? Como posso ter ficado tão impressionada, com o coração acelerado, se estou namorando outra pessoa? Passei dias com a bonita imagem dele na minha memória. Dois meses depois, chamo outra vez Carlos Alberto para comprar pei-


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xes e pergunto pelo espanhol bonito que estava naquele dia com ele. Pouco mais de uma hora, chega Eliana (a babá dos meus filhos e mãezona de todos na família) e diz que está na portaria uma pessoa trazendo o salmão, dizendo que somente poderia entregá-lo a mim. Achei estranho e nem me toquei, mandei subir e quando abro a porta lá estava Javier com Carlos Alberto, com um sorriso maroto, dizendo-se “entregador”. Entraram e como fazia muito calor, ofereci-lhes cerveja. Com meu coração disparado, acho que o dele também, pois ele estava suando e súper sem jeito. Achei que alguma coisa estava errada... Não poderia estar sentindo meu coração bater como a Nona Sinfonia de Beethoven, se estava namorando e quase casando com outro. O mais engraçado é que falamos o tempo inteiro de comidas, viagens, famílias e quando contei que faria calamares em sua tinta

PUCHERO

e salmão no papelote, Carlos Alberto disse que tinham a tinta, importada da Espanha. Não precisaria ficar horas limpando as lulas. Enquanto o sócio foi buscar alguns envelopes, ficamos falando de restaurantes e de pratos que, quando os comemos, nos transportam para o tempo, lugares e momentos especiais. Javier contou que quando pequeno ia com a mãe, doña Titã, pescar chipirones (lulas bebês) pela manhã, usando anzóis, em San Sebastian, terra onde ela nasceu. Era uma festa a pescaria. Depois comiam as lulas grelhadas com confit de cebola e com um bom copo de vinho branco, na barraca dos pescadores. Eu também contei que todo domingo na casa de minha mãe, comia puchero andaluz, e sempre que quero viajar no tempo e ficar na barra da saia dela, faço essa comida num domingo. Quando sai o cheiro das panelas, caio direto naquele caldo inesque-

ANDALUZ

8 porções • 1/2

kg de grão de bico osso de jamón serrano (presunto cru) ou toucinho em pedaço ou 100 g de jamón serrano espanhol • 1 kg de costelas salgadas • 2 pés de porco salgados • 2 peitos de frango • 1/2 kg de músculo de boi • 4 batatas • 1/2 kg de vagem • 1 limão; azeite extravirgem • 100 g de cabelinho de anjo • Salsinha picada 1 No dia anterior, deixe de molho •1

o grão de bico e as carnes salgadas. 2 Em uma panela de pressão,

cozinhe o jamón e o músculo por cerca de meia hora para fazer o caldo; depois, coloque os pés de porco e o grão de bico e cozinhe bem por meia hora; retire da panela de pressão e coloque em uma comum; acrescente o peito de frango, a batata cortada em pedaços e a vagem cortada ao meio; cozinhe em fogo baixo para o caldo ficar bem consistente; sirva em prato fundo e, na hora de ir à mesa, salpique a salsinha picada; deixe o limão e o azeite para que cada um os coloque diretamente em seu prato.


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cível do puchero da minha mãe com uma xícara na mão. Sempre aos domingos na casa dela nos sentávamos em uma mesa enorme (somos sete irmãos) e nos deliciávamos com aquela maravilha, transformando o almoço numa grande festa. Nada melhor que reunir a família e amigos aos domingos em volta da mesa. Ficamos pouco tempo falando de tradições, mas o suficiente para sentir que nosso universo era imenso. Na saída quando ele se despediu, olhando bem nos meus olhos falou: — “Vou me casar com você, estou te procurando há mais de 400 anos. Sou tua alma gêmea.” Fiquei impressionada e achando graça, sem saber o que falar... No dia seguinte, fui ao cinema com meu namorado assistir ao filme Only You, história basicamente sobre alma gêmea. “Todos nós temos a nos-

sa. Às vezes a encontramos, ou não. Passamos séculos procurando e sem nem ao menos conhecê-la.” No final do filme, uma enorme confusão na minha cabeça. Qual será a minha? Na mesma semana estava em São Paulo, em casa de meus amigos queridos Greg e Montserrat e fui com ela ver uma senhora que fazia mapa-astral e também lia as cartas do tarô. Não tinha contado nada para ninguém, nem para Montserrat, do que se passava pela minha cabeça confusa. A senhora segurou a minha mão e começou a fazer a leitura do meu mapa. De repente, ela joga as cartas e diz impressionada: — “Finalmente, tua alma gêmea te encontrou. Ele é uma alma velha e estava te procurando havia mais de 400 anos.” Desmaiei. Vim acordar em um cenário, claro que tinha de ser em volta de comi-


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das, com Javier subindo em cima da mesa e perguntando se eu queria casar com ele. Me deu um beijo que encheu o restaurante Sushi Leblon de estrelas. A partir dessa noite, ele segurou minhas mãos e não nos soltamos mais. Na semana seguinte, fomos para minha casa em Búzios e quando ele colocou o avental e foi para trás do fogão preparar um bacalhau à La Gabarain... casei-me. A partir desse dia e até hoje, de mãos dadas, saímos por esse mundo afora, em aventuras fantásticas e às vezes sem destino, simplesmente, vivendo “o agora” e felizes da vida por onde passamos. Nossas aventuras culinárias começaram, importando juntos o melhor bacalhau da Espanha Don Salado (La Bacaladera) e os vinhos fantásticos espanhóis. Durante toda a minha vida, nunca tinha deixado de visitar minha família na Andaluzia, mas foi Javier quem me apresentou o “País Vasco”, espanhol e francês. Pegamos sempre um carro em Madri e saímos rumo a San Sebastian passando por cidades, hotéis Paradores fantásticos. Nossos roteiros são feitos basicamente por restaurantes e conhecendo chefs e bodegas. Claro, que, em nossa primeira viagem, ele me levou à terra de sua mãe, San Sebastian, que, hoje, em nossas viagens, é um roteiro indispensável. Sempre que podemos, vamos ao restaurante do chef Arzak — um dos pais da revolucionária cozinha espanhola; vamos às sidrerias, onde, na época da colheita da

sidra, se bebe e se come um chuletão e um bacalhau dos deuses. Visitamos, também, os imperdíveis na parte velha da cidade, Pinchos e Tapas, que são os melhores da Espanha. Em Ondarabia, não deixamos de ir à Confraria dos Pescadores comer sardinhas assadas na brasa, chipirones na brasa com cebola e merluza à la salsa verde. Em Passagem de San Juan, sempre vamos ao Casa Câmara, uma maravilha de restaurante, cenário vizinho à casa de veraneio e lugar predileto de comer do grande escritor Victor Hugo. Fica em cima do mar, em uma linda enseada com uma vista marítima deslumbrante, onde foi colocado um aquário, embaixo do chão, com os peixes que você escolhe para serem preparados. Genial. Fica impossível nomear todos os lugares fantásticos por que passamos e que


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nos deixaram fascinados. Foi visitando adegas e provando vinhos, pelos quais ficávamos encantados que começamos a importá-los. Não somente para nós, mas para que todos aqui no Brasil tomassem o que havia de melhor em vinho e comessem o bacalhau de nossa terra. Uma das coisas que mais me fascinou em Javier é que além de cúmplice, ele viajou sempre nos meus sonhos, com ou sem seus atalhos. Um deles foi realizado quando fomos de carro de Paris até a Checoslováquia, hoje República Checa, passando por Dijon, na França, onde dormimos uma noite. Não me lembro do prato que pedimos no restaurante, mas tudo tinha muita, mas muita mostarda. Sempre imaginei que na terra da melhor mostarda do mundo, tudo era feito com muita mostarda. O vinho da região, da Bourgogne, o La Tâche, também não deu para esquecer. A cidade é encantadora cheia de te-

tos coloridos e, o mais engraçado da noite, Javier com seus atalhos, corta caminhos, andamos, andamos e depois de um tempo não chegávamos nunca ao nosso hotel. Descobrimos que andávamos em círculos. Toda essa viagem daria um livro, onde o mais marcante foi a realização de um sonho: dançar valsa na terra de Strauss. Desde menina sempre achei que um dia colocaria meus vestidos longos de festa e nos salões elegantes, onde dançavam os príncipes e princesas eu também dançaria com o meu. Chegamos a Viena e não existiam mais bailes nem festas em que pudesse realizar meus sonhos. Sinal dos tempos: só existiam danceterias de jovens. Não tivemos dúvida, nos vestimos lindamente para uma festa a rigor. Pegamos o carro e paramos na praça principal, com o mais bonito jardim de Viena. Deixamos o carro aberto e colocamos o som bem alto. A musica, claro, Danúbio Azul. No meio da praça começamos a dançar. Nos passos mágicos do sonho, viajei no tempo me sentindo uma verdadeira imperatriz dançando nos grandes salões de um castelo. Quando abri os olhos diante de meu príncipe, que também parecia estar no meu próprio sonho, vimos que ao nosso redor havia vários casais dançando. Strauss com certeza nessa nossa noite, também estava feliz e de gala. Outra de nossas viagens incríveis foi pelo “País Vasco” francês. Saímos de San Sebastian, passando por Biarritz e, como sempre, sem destino. Tí-


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nhamos lido que haveria uma festa da pimenta em Espellet, uma cidade pequena que todo ano faz a festa “Le Piment du d’Espellet”, superdivertida. A cidade toda se transforma em uma grande feira que dura uma semana. Barracas de todo tipo de alimento regional e com grandes réstias de pimenta (parecida com a nossa dedode-moça). Aqueles panelões cheios de uma espécie de cassoulet regional, feito com os embutidos deliciosos daquela pequena cidade. Nesse mesmo dia, bem à tardinha, voltamos pelo caminho de Biarritz, onde dormiríamos para bem cedo ir ver nosso primeiro contêiner de bacalhau, que sairia da Bacaladera, em Irum, San Sebastian. O caminho de volta era lindo. Passávamos pelos campos cheios de plantio e caminhos repletos de florestas. Mesmo sendo quase o entardecer, paramos o carro e entramos no bosque para colher

cogumelos que nasciam por todo lado (ficamos com medo de comê-los, poderiam ser os venenosos). De tantas e tantas aventuras e com Javier sempre querendo cortar caminho por fora das grandes rodovias, acabamos nos perdendo e, mortos de cansaço, procuramos um hotel para dormir. Faltavam alguns quilômetros para chegar a Biarritz, quando vimos a placa de um hotel à beira da pequena estrada: Clair du Lune. Pelo nome, falei que deveria ser um motel. Mas entramos. Qual não foi nossa surpresa? Um lindo e pequeno château de antiga arquitetura americana (1920).


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Uma senhora que nos atendeu na pequena e chique recepção, disse que estávamos com sorte, que haviam desistido de uma reserva e que, então, teríamos um quarto. Um pequeno chalé no meio de um jardim incrível, cheio de árvores e de camélias vermelhas. Indescritível. Perguntamos à senhora se por perto existia algum restaurante bom. — “Aqui mesmo”, respondeu, indicando uma casa no meio do jardim. — “Não sei se tem lugar. Precisa reservar com certa antecedência, mas vou tentar.” Pegou o telefone e nos disse que se fossemos naquele momento haveria lugar para dois. Javier e eu achamos graça, imagina se um restaurante longe da cidade e no meio do mato iria estar lotado? Eram 20 horas e, mesmo sem nos arrumar muito, atravessamos o jardim, para uma aventura culinária, e entramos no restaurante, o Campagne et Gourmandise. Logo à entrada, um enorme vaso antigo com um arranjo de flores naturais dos mais bonitos que meus olhos já tinham visto. Em uma pequena sala à direita, uma lareira acesa com algumas mesas elegantemente vestidas. Era uma velha casa transformada em restaurante. Em outras salas, mesas completamente lotadas de pessoas elegantemente vestidas. Estávamos encantados com o que víamos. Para brindar essa noite, Javier pediu uma garrafa do melhor champanhe francês. De entrada, pedimos coquilles Saint-Jacques (vieiras) em um ninho de salada bebê e foie gras (fígado de ganso) com salada de

figos frescos. De segundo prato e já pedindo um bom Bordeaux para acompanhar a carne, o magret de canard (peito de pato) grelhado, apenas com pimenta-do-reino e flor de sal, com purê de maçãs verdes. Juro, que era uma das melhores comidas que tínhamos provado em toda a França. Não resistimos e perguntamos ao maître, quem era o chef? — “O nome dele é André Gaüzère. Durante toda a sua vida de cozinheiro, ele foi do palácio do governo, em especial de Charles de Gaulle.” Foi uma noite impecável, cheia de surpresas fantásticas. Nossas viagens foram todas inesquecíveis. Uma que me vem à memória e, sem dúvida, foi das mais emocionantes, nossa primeira ida à Islândia, para Reykjavík, capital do país e terra de onde vem grande parte do peixe Gadus Morhua, que, depois, é transformado em bacalhau na Espanha e em Portugal. Nosso avião chegou no meio de uma tempestade de neve, com a


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temperatura a 20 graus abaixo de zero. Nosso anfitrião, mr. Jonny, nos recebeu pedindo desculpas pelo tempo. Respondi que era tudo o que queríamos e que estávamos amando. Ele não entendeu muito bem nossa paixão pelo frio e pela nevasca que estava caindo. Parecíamos duas crianças chegando à Disney. A cidade de Reykjavík não poderia ser mais bonita. Uma mistura de arquitetura moderna, nórdica e inglesa. A neve cobria toda a cidade e, em cada olhar, se via um cartão-postal. Lindo. O primeiro restaurante que nos encantou foi o La Perla. Delicioso. Ficamos um pouco chocados porque no menu tinha filé de baleia. Tirando o choque com um bom vinho espanhol, comemos salmão defumado apenas com azeite extravirgem e, pela primeira vez, experimentamos bacalhau fresco. Bem diferente do curado, mas

CIVET

DE JAVALI

8 porções •1

pernil de javali de 3,5 kg • 4 litros de vinho branco seco • 6 échalotes (se for difícil encontrar, substitua por 3 cebolas e 6 dentes de alho) • 2 cebolas grandes • 6 cenouras • 1 bouquet garni (salsinha, salsa, louro, tomilho) • 2 cravos-da-índia • 2 pimentas-dedo-de-moça • 2 colheres (sopa) de mel 1 Comece a marinar o pernil

(cortado em pedaços, deixando o osso) 5 dias antes do jantar; em um recipiente grande, coloque a carne, os 4 litros de vinho,

muito gostoso. Grelhado, com uma salsa de cogumelos frescos e alcaparras. Na terra do bacalhau, eles não gostam do processado com sal. Nossas primeiras aventuras naquele pequeno país, não ficaram somente em conhecer grandes restaurantes e pessoas lindas, mas uma história que jamais vou esquecer. Javier alugou um carro dizendo que iríamos conhecer uma fábrica de peixes, em uma pequena cidade vizinha. Estávamos com um pequeno mapa e, no meio do caminho, ele resolveu fazer um atalho, dizendo que seria mais interessante passar por uma pequena estrada para conhecer melhor o interior daquela pequena capital. O visual era estranho, mas bem diferente e bonito. No meio da neve, dava para se notar que a terra era preta. Estávamos viajando havia mais de duas horas e nada de civilização. O máximo que encontramos foram

as échalotes descascadas inteiras, as cebolas cortadas em cubos; junte os demais ingredientes, menos a pimenta, e guarde na geladeira por 24 horas; não coloque, por enquanto, nem sal nem pimenta. 2 Retire a carne e coloque o marinado em uma grande panela; leve ao fogo; enquanto isso, doure a carne em uma frigideira e depois junte o marinado; deixe no fogo (médio) por 3 horas, mexendo com uma colher de pau para não grudar; retire com a escumadeira a espuma marrom que fica por cima; deixe esfriar e guarde na gela-

deira. 3 No dia seguinte, coloque no fogo por mais 2 horas, esfrie e volte para a geladeira. 4 No terceiro dia, repita os procedimentos do dia anterior. 5 No quarto dia, coloque em fogo mais baixo até que a carne comece a se desfazer; se faltar líquido, acrescente um pouco de água, nunca o vinho, pois não terá tempo de se integrar ao prato; retire o bouquet garni. 6 No dia seguinte, 2 horas antes de servir, leve ao fogo para reduzir o líquido, tempere com sal, pimenta-dedo-de-moça e caramelo líquido. 7 Desosse o pernil e sirva-o com arroz.


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Nossos queridos amigos sui莽os Heinz e Catherine Vollenweider

Penin , um d os ma cr铆tico is imp s de v ortan inhos da Esp tes anha

Nos sos Peid embaix r贸 C ond adores e br da E inda span ndo ao s ha no B r uces so d asil Rica os v inho rdo e N i s es pan ze h贸is


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umas vacas muito cabeludas pastando neve, não tinha sequer uma folhinha verde ou marrom. Mais adiante, enormes varais com milhares de cabeças de bacalhau penduradas para secar. Soube depois, que eles as mandavam para Portugal. E o Brasil não sabe nem que existe bacalhau com cabeça. Estavam todas lá penduradas como se fossem roupas. Comecei a ficar preocupada e olhando o ponteiro da gasolina, já tínhamos rodado umas quatro horas, e nada. Estávamos perdidos e o combustível não iria dar para voltar. Começou a nevar e não podíamos mais ligar a calefação do carro. Meu Deus! Comecei a rezar achando que morreríamos congelados no meio do nada. Rodamos mais um pouco e, aí, meu coração disparou de vez. Uma placa imensa dizia: “Danger, vulcão em erupção”. Pensei em meus filhos e desandei no choro. Javier, quieto, me acalmava, mas suava frio com certeza também de medo. No final do horizonte, um vulcão soltando fogo e fumaça num raio até o céu. Quando começamos a dar a volta, surge na direção do vulcão um ônibus de turistas. Não estávamos acreditando. Aquele era um dos pontos turísticos do país. Depois de refeitos, achamos um posto de gasolina e um pouco mais adiante um visual dos mais deslumbrantes, que jamais em toda a minha vida vou esquecer. Um lago azul imenso, de cor turquesa, dos mais bonitos, que

jamais tinha visto. A temperatura externa era de zero grau, mas a da água deveria estar a uns 48 graus, saía muita fumaça de dentro da lagoa. Uma placa anunciava Lagoa Azul, um clube onde as pessoas se banhavam naquela imensidão turquesa e, claro, com um copo de vodca na mão. O banho, não tivemos coragem de tomar, mas a vodca... hum, hum, caiu como uma luva. Voltamos bem quietinhos para o hotel e fomos dormir depois do nosso renascimento. Fomos despertados na manhã seguinte com uma barulheira de música e gritaria. Os dois, assustados, meio sonados, corremos para a janela e eu, com minha imaginação fértil, achava que era o vulcão que estava explodindo de vez. Mas não, era uma multidão desfilando para comemorar o Sommer Day. Imaginem um dia que mais parecia noite, um frio de 5 graus e o povo todo gritando e comemorando a chegada do verão. Com isso, se entende por que


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quando eles chegam ao Brasil, se apaixonam pelo nosso sol e pelas praias deslumbrantes. Nosso Hotel Borj, lindo; o restaurante Tuir Jiskas, delicioso; um jantar feito pelo apresentador de um programa de televisão, Siggi Hall, que hoje tem um restaurante com seu nome, memorável. Um pequeno país lindo, que ficará para sempre cravado em nossa memória. Outro momento inesquecível foi em Bordeaux, na casa de nosso querido Michel Creivelot — na época, presidente dos Gourmet, da Região de La Quitenne — para comemorar juntos o aniversário do Javier. Às 10 da manhã, Michel foi buscar-nos no hotel para tomarmos juntos o café. No meu ouvido, disse que faria uma surpresa para o Javier. Levou-nos ao Château Petrus. Abriram uma garrafa do ano em que Javier nasceu, 1955. Que loucura de café-da-manhã e que presente sensacional. À noite, em sua casa, preparou-nos um civet de javali, feito por ele, curtindo nossa chegada, tendo preparado o prato em cinco dias. De entrada, já que ele sabia de minha paixão por vieiras, preparou-as flambadas no conhaque com manteiga, pimenta-do-reino, cebolinha fresca e creme azedo também

fresquinho. Uma noite de comemoração do aniversário de Javier de que jamais esqueceremos. Sempre com a família em volta da mesa, é quase uma religião. Com meus filhos, todos bons cozinheiros, Gibinha, Dado, Fernando e Fabio (filho do Dola que criei como se fosse meu), mais a maravilha de minha neta Alexandra e do neto Fabinho, damos continuidade à tradição dos almoços de domingo. Tradição essa que nos acompanha na casa de todos os nossos familiares. Na Itália, na casa da minha querida Ana e Paulo, irmã de Javier, que seria ela um lindo capítulo à parte, já que cozinha como poucos. Moram em Calvi de Úmbria, cerca de 30 quilômetros de Roma, uma pequenina cidade milenar, que fica em cima de uma montanha de sonhos. Foram inesquecíveis os dias que passamos juntos. Ana faz umas costeletinhas de cordeiro na brasa da lareira, de enlouquecer qualquer gourmand. Paulo, o marido, como bom italiano, faz uma pasta


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que Alfredo di Roma comeria suspirando. Assim como Ana, meu irmão Juan recebe, em sua casa em São Paulo, com uma paella magistral feita por ele, acompanhada de vinhos divinos. Com Javier, na importadora Península, são os que mais entendem e importam os melhores vinhos espanhóis para o Brasil. A continuidade da cozinha de minha mãe é também lá, da mesma maneira que é na casa de meu outro irmão, Fernando, em seu rancho à beira do Tietê, onde comemos peixe porquinho recém-pescado por nós. Já com o irmão de Javier, José, em Buenos Aires, compartilhamos sempre uma parrillada feita por ele. Com Ramon, em Búzios, comemos ostras e lagostas tiradas do mar na hora e devorados na própria traineira dele, Doña Titã, em pleno mar. Temperado apenas com Sol e sal, do mar des-

lumbrante de Búzios. Isso, sem falar do puchero em Penápolis (interior do Estado de São Paulo), preparado pelos meus irmãos Maruja, Miguel, Palmira e Luis Carlos, que sempre termina em uma grande festa. Enfim, nossas famílias somadas ao clã Crisóstomo do meu coração, Carlos Eduardo Valente, Silvio Marins, Bi, sempre juntos, nas oportunidades de almoços em família aos domingos. Esses aconchegos familiares, em torno das nossas cozinhas fazem parte do meu lindo romance de amor com Javier. E assim termino, quero dizer, termino de escrever esta crônica, porque nossa história de amor — que foi interrompida pelo tempo, por mais de 400 anos, esperando, comendo e bebendo somente histórias fantásticas.

e como num conto de fadas, viverão felizes para sempre”


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agradecimentos:

Petrobrás Uma empresa brasileira que me enche de orgulho e que me emociona pela quantidade de patrocínios nos ajudando a crescer, incentivando tanto no esporte como na arte. Nestlé Obrigado por fazer parte da minha mesa e na dos meus filhos e também por apoiar tanto a cultura brasileira. La Bacaladera, Por nossa parceria trazendo o melhor bacalhau da Espanha que tanto encantou pela sua qualidade a todos os brasileiros.

Spicy Morumbi Shopping, Av. Roque Petroni Jr., 1089, São Paulo, tel. (11) 5181-4504 Suxxar Av. Nova Faria Lima, 4.433, São Paulo, tel. (11) 3842-3200 Roupa de Mesa Rua Fidalga, 73, São Paulo, tel. (11) 3811-9715 Stella Ferraz Cerâmica Rua Chilon, 387, São Paulo, tel. (11) 3841-9368

Nelise Ometto Atelier de Cerâmica Rua Laboriosa, 88, São Paulo, tel. (11) 3813-2395 Jacaré do Brasil Rua Dr Melo Alves, 555 São Paulo, tel. (11) 3081-6109 St. James São Paulo, tel. (11) 6955-4850 www.saintjames.com.br Sandro Cassolari Rua Araçari, 174 - Jardim Europa - São Paulo - SP tel. (11) 3168.6333 email: contato@sandrocassolari.com

Distribuição: Melhoramentos


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apoiadores:


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LEI DE INCENTIVO À CULTURA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Castilho, Ricardo Pepita Rodriguez, A arte de cozinhar entre amigos / textos Ricardo Castilho; fotografia António Rodrigues São Paulo : Dialeto Latin American Documentary, 2007. Edição: português Bibliografia. 1. Brasil - Gastronomia 2. Pepita Rodriguez 064-125

CDD-633.458


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