Correlação entre duas linguagens

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Correlação entre duas linguagens Creusa Avigo Ferreira


Copyright © Creusa Avigo Ferreira

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 – Vila Roma – Salto – São Paulo – Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ F44c Ferreira, Creusa Avigo Correlação entre duas linguagens : fases do desenvolvimento do desenho e fases do desenvolvimento da escrita / Creusa Avigo Ferreira. – Salto, SP : Schoba, 2012. 132 p. : il. ; 25 cm ISBN 978-85-8013-211-3 1. Alfabetização 2. Leitura 3. Escrita 4. Desenho – Estudo e ensino. I. Título. 12-8571. CDD: 372.5 CDU: 372.41 23.11.12 28.11.12 040955


Dedicatória

À

memória de Francisco Avigo, cuja neta hoje escreve. Francisco ajudou a povoar o Brasil no início do século XX, tendo imigrado da Itália em 1906, numa embarcação tocada à vela, viagem que duraria seis meses. Nessa mesma embarcação, conheceu Maria, que, ao se casar, passou a se chamar Maria Avigo. Colonos no Estado do Paraná, dedicaram uma vida toda à plantação e colheita de café. O sonho de possuir terras foi o que o motivou a tanta luta. Assim como tantos Franciscos, sonhou na Itália com uma liberdade no Brasil...

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Agradecimentos

A

os meus pais, Bortolo Avigo e Aparecida Maria Avigo, por me fazerem vir ao mundo (in memória). Aos meus irmãos, Maria, Vita, Vera e Paulo; por acreditarem em mim. Ao meu Nilton, esposo e amigo, pela compreensão e carinho. À minha filha, Joyce Kamila, pela rebeldia, que me faz estudar cada vez mais para compreendê-la. Aos meus filhos, Newton Felipe e Leonardo, pela compreensão quanto às ausências que foram muitas, e também por me amarem tanto. À Prof.ª e Dr.ª Leda Maria Codeço Barone, por me fazer entender que a paciência e a humildade são quesitos fundamentais à escrita. À Dr.ª Malu Zoega, por me ensinar que produzir escrita não é hábito, mas desenvolvimento. Aos meus sobrinhos, Luciene, Luciana, Vânia, Sérgio, Luís Carlos, Marcelo, Marcio, Elaine, Henrique, Caroline, Renan, Giovana e Rafael; porque eles são lindos. Aos cunhados, Nilson, João, Vânia, Geremias, Silvio e Edilaine; por fazerem parte da minha família. Ao sogro Benedito (in memória) e à sogra Adalgisa (in memória), por me conceberem seu filho como esposo.

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Aos amigos

J

esuíta, Maria, Toninho, Marilza, Ezequiel, Cleusa, Ângela, Rosemeire, Rubens, Jane, Alessandro, Irene, Veronice, Karina, Gabi, Silvio, Daniel, Regiane, Lucinete, Josino, Jura, Jorge, Silvana, Cida, Clara, Edna, Tina, Edson, Junio, Fabrício, Alê, Deborah, Zélia, Renilda, Paulo.

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Aos alunos

R

ede Estadual de Ensino de Osasco Rede Municipal de Ensino de São Paulo FACCAMP / Instituto Símbolo – Cursos de Psicopedagogia, de Educação Especial e de Docência UNISA – Cursos de Psicopedagogia e de Arte-terapia UNIESP / HOYLER – Cursos de Pedagogia, de Letras e de Psicopedagogia Clínica UNIFIEO – Centro Universitário FIEO – Cursos de Psicopedagogia e de Arte–terapia “Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar” Helen Keller Cega, surda e muda desde bebê, Helen Keller nasceu nos Estados Unidos, em 1880, e foi um dos maiores exemplos de que as deficiências físicas não são obstáculos para se obter sucesso. Escritora, educadora, filósofa, conferencista e ativista social, percorreu o mundo promovendo campanhas para melhorar a situação dos deficientes visuais e auditivos.

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Resumo

R

esumo: Este trabalho está organizado em duas partes. Na primeira parte, tratou-se de fundamentação teórica, abordando aspectos da arte no currículo escolar, dos níveis de desenvolvimento do desenho, do processo de aquisição da língua escrita – o construtivismo por Ferreiro e Piaget –, de considerações de alguns teóricos sobre o indivíduo, a arte e as linguagens – verbal e não verbal. Na segunda, abordou-se o procedimento metodológico e a análise e discussão dos dados obtidos. A pesquisa teve como objetivo, a partir das produções pictóricas – de crianças em processo de alfabetização –, obtidas em uma oficina de pintura, estabelecer algumas articulações entre as fases do desenvolvimento do desenho, segundo Luquet e Piaget, e as fases do desenvolvimento da escrita, de acordo com Ferreiro. As produções pictóricas resultantes da oficina foram agrupadas segundo o nível de aquisição da língua escrita, conforme propõe Ferreiro, obtido pelas crianças do estudo por meio de uma avaliação prévia. Obteve-se três grupos de produções: 1– grupo com produções de crianças com o nível pré-silábico; 2 – grupo de produções de crianças silábicas e 3 – grupo de crianças alfabéticas. A análise das produções pictóricas foi feita considerando os seguintes elementos: o desenho, o espaço, a cor e a figura, e contribuições de autores que tratam do desenvolvimento do desenho. O resultado da análise sugere existir correlação entre os dois desenvolvimentos: o nível de construção do desenho e o nível de hipóteses sobre o processo de aquisição da escrita. Finalmente, são levantadas algumas contribuições deste

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estudo para o professor. Palavras-chave: Desenvolvimento do desenho. Correlação. Desenvolvimento da escrita. Pintura. Aprendizagem.

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Abstract

T

his project is organized in two parts. In the first part, has been worked with the theoretical basis, covering aspects of art in the school curriculum, the levels of development of drawing, the process of acquisition of written language – constructivism by Piaget and Ferreiro – some theoretical considerations of the individual, art and language, verbal and nonverbal. In the second part, has been treated the methodological procedure and the analysis and discussion of the data obtained. The research aims, from the pictorial productions – of children in the literacy process – obtained in a workshop of painting, to establish some links between the stages of development of drawing, according Luquet and Piaget, and the phases of the development of writing, according to Ferreiro. The pictorial productions from the workshop were grouped according to the level of acquisition of written language, as proposed by Ferreiro, obtained by children in the study through a preliminary assessment. There were obtained three groups of products: 1 – group with production of children with pre-syllabic level, 2 – group of syllables; and productions for children 3 – group of children letter. The analysis of the pictorial production was developed considering the following: the drawing, space, color and figure and contributions from authors that address the development of drawing. The result of the analysis suggests that there is correlation between the two developments, the level of construction of drawing and the level of hypotheses about the process of acquisition of written. Finally, some contributions

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are raised from this study to the teacher. Keywords: Development of drawing. Correlation. Development of written. Painting. Learning.

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SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................................21 Introdução.....................................................................................................................27

• Parte I • 1. Arte no currículo escolar...........................................................................................33 Arte, pintura e aprendizagem.............................................................................................38 Aspectos da pintura.............................................................................................................40 A cor.....................................................................................................................................42 2. O desenvolvimento do desenho................................................................................45 Rabisco ou desenho?............................................................................................................50 O desenho durante a idade escolar.....................................................................................52 O desenho.............................................................................................................................55 3. Alfabetização na perspectiva construtiva por Emília Ferreiro ����������������������������������� 57 4. O indivíduo, a arte e as linguagens verbal e não verbal ����������������������������������������������� 65

• Parte II • 5. Procedimentos metodológicos..................................................................................73 Sujeitos.................................................................................................................................75 Material...............................................................................................................................75 Materiais utilizados pelos alunos........................................................................................77


Materiais para extrair dados referentes aos níveis de desenvolvimento............................77 Metodologia – Procedimento tanto para obter dados como para avaliar.........................78 Descrição da Oficina...........................................................................................................78 Procedimento (leitura do produto).....................................................................................79 O desenho.............................................................................................................................80 O espaço...............................................................................................................................81 A cor.....................................................................................................................................81 Composição das figuras.......................................................................................................82 6. Resultados..................................................................................................................85 Primeiro grupo – (hipótese pré-silábica)............................................................................87 Segundo grupo – (hipótese silábica)...................................................................................90 Terceiro grupo – (hipótese alfabética).................................................................................92 Quadros ilustrativos............................................................................................................96 7. Discussão.................................................................................................................103 Análise dos grupos 1 e 2 (crianças não alfabetizadas) ����������������������������������������������������106 Análise do grupo 3 (crianças com hipótese alfabética) ���������������������������������������������������107 Características do estágio operatório formal....................................................................108 Os sujeitos e a arte.............................................................................................................111 Considerações finais..........................................................................................................113 Referências Bibliográficas...........................................................................................117 Anexo – 1................................................................................................................................... 123 Anexo – 2................................................................................................................................... 125 Anexo – 3................................................................................................................................... 127 Anexo – 4................................................................................................................................... 129 Anexo – 5................................................................................................................................... 131


RELAÇÃO DE FIGURAS E QUADROS Quadro 1 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������76 Quadro 2 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������76 Quadro 3 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������77 Quadro 4 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������77 Figura 1 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������88 Figura 2 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������88 Figura 3 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������90 Figura 4 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������90 Figura 5 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������90 Figura 6 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������90 Figura 7 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������91 Figura 8 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������91 Figura 9 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������91 Figura 10 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������91 Figura 11 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������91 Figura 12 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93 Figura 13 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93 Figura 14 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93 Figura 15 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93 Figura 16 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93 Figura 17 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93 Figura 18 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������94 Figura 19 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������94 Figura 20 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������94 Figura 21 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������94 Figura 22 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������94 Figura 23 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������94 Figura 24 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������95 Grupo (Hipótese Pré-Silábica) ���������������������������������������������������������������������������������������������������97 Grupo (Hipótese Silábica) �����������������������������������������������������������������������������������������������������������97


Grupo (Hipótese Alfabética) ������������������������������������������������������������������������������������������������������98 Grupo (Hipótese Pré-Silábica) ���������������������������������������������������������������������������������������������������99 Grupo (Hipótese Silábica) ���������������������������������������������������������������������������������������������������������100 Grupo (Hipótese Alfabética) ����������������������������������������������������������������������������������������������������101 Figura 12 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������109 Figura 15 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������109 Figura 18 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������109 Quadro ilustrativo ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������110


APRESENTAÇÃO

N

esta apresentação relato como me constituí como educadora e como descobri a arte como diretriz para o meu trabalho docente. O resgate de minha história permite reconhecer-me nos sentidos que atribuo, hoje, às minhas tomadas de decisão em âmbito escolar. Posso perceber o quanto pessoas que me rodearam desde a infância contribuíram na minha constituição como indivíduo e como educadora. Sou paranaense, porém, paulistana. Nasci no Paraná, tendo vindo com meus pais para São Paulo, quando eu tinha apenas dois anos. Em um bairro da cidade de Osasco, São Paulo, cresci e me tornei adolescente. Saí quando me casei, aos dezoito anos. Vim de família simples, composta por pai, mãe e três irmãos. Meu pai, assalariado, operário de uma indústria; minha mãe, do lar. Do bairro em que vivi minha infância e adolescência tenho muitas lembranças boas, principalmente das brincadeiras em rua de terra. Havia muitas crianças no bairro, o que viabilizava ficarmos brincando durante grande parte do dia. Atribuo a minha coordenação motora bem desenvolvida a tantas brincadeiras vividas em minha infância. Pulei muita corda, corri muito, subi em pés de goiaba, de ameixa, de abacate... Comi frutas verdes, chupei muito limão, ainda não maduro, que arrancávamos dos pés. Albano (1984, p. 62) considera que:

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Subir em árvores, empinar pipa, jogar amarelinha, pião, bolinha de gude, brincar de roda, de casinha ou de médico, favorecem o desenvolvimento afetivo e cognitivo ao mesmo tempo em que ajudam a criança a conhecer e dominar seu corpo e conviver com as relações sociais. Não tive oportunidade de cursar a pré-escola. Na época, no chamado “parquinho infantil”, as vagas eram limitadas. Em meu bairro, só havia uma unidade que atendia à faixa etária dos cinco aos sete anos, o que dificultava o acesso às vagas. Eu fui uma criança que não a frequentou. A primeira série para mim foi mágica. A escola era enorme; eu ficava encantada com o espaço e curtia tudo com muito compromisso. Fui formada durante a vigência da lei 5692/71, o que, de certa forma, trazia em seu texto muitas situações que abraçavam os moldes da ditadura militar. Era uma escola bastante organizada e severa. Não me lembro de ter sofrido nenhum castigo dos professores que passaram em minha vida. Pelo contrário, lembro-me de muitos professores com saudade e carinho. Foram esses docentes – do início de minha escolarização – que me encaminharam na leitura e na escrita, bem como na matemática e nas demais disciplinas, pois minha mãe não sabia ler e escrever. Meu pai tocava acordeão, a chamada sanfona, quase todas as noites, ao chegar do trabalho. Esse contato com a música foi o iniciador do estudo que segui durante anos de minha adolescência. Em minha pré-adolescência, interessei-me em aprender a tocar piano; comecei com aulas teóricas e, por não possuir o instrumento, o estudo se prolongou. Embora, naquele momento, não tenha dado conta de que se tratava de uma linguagem da arte, posso afirmar que foi o primeiro contato com arte efetivamente. Comecei a trabalhar com treze anos de idade, casei-me aos dezoito. Joyce, Felipe e Leonardo vieram em seguida. Esses acontecimentos comprometeram meu estudo. Cursei o magistério. Durante esse curso nasceu Leonardo. Só interrompi o estudo por quinze dias, retornando logo à sala de aula para conclusão do curso, sem prejuízo de meu aproveitamento. Lembro-me, fui aplaudida ao entrar na sala de aula após 15 dias apenas de o bebê ter nascido. Fui elogiada por vários professores por essa atitude, que julgaram ser de muito esforço.

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Ingressei no curso de Pedagogia no Centro Universitário FIEO – UNIFIEO. Paralelamente a isso, trabalhava em escolas públicas do estado de São Paulo, em caráter excepcional, ministrando aulas de Educação Artística. Neste período, estávamos no momento em que a lei 5692/71 trazia em seu texto a disciplina de Educação Artística como não obrigatória, o que, de certa forma – para quem ministrava aulas nesta disciplina – tornava um pouco difícil o ensino. Não havia muito interesse por parte dos alunos. Talvez esse fato tenha me despertado para fazer das aulas de Educação Artística momentos interessantes – mesmo sem o conhecimento de base. Não tínhamos materiais disponíveis, desde materiais para realização das atividades aos de suporte. Comecei trabalhando com algumas poucas sucatas para motivar as crianças na realização das atividades propostas. Posteriormente, incluí a música em minha atividade docente, já que dominava essa linguagem. Passei a realizar alguns pequenos projetos juntamente com os alunos, fazendo uso de trinta flautas-doce que adquiri. O número elevado de crianças em turma dificultou o trabalho de concentração e preparação na música, mas também não foi motivo para desistir; ainda o faço quando programo o curso de alfabetização no início do ano letivo, O curso de Pedagogia trouxe-me crescimento e desenvolvimento. Os seminários realizados em grupo foram bases para minha aprendizagem e muito contribuíram para meu entendimento da estrutura e organização da educação brasileira. Com orientação de professores da instituição, foram realizados planos de ensino, relatórios das observações e avaliações de aulas que promoveram muita reflexão sobre a prática com base teórica. Os professores, além de nos acompanhar, viabilizaram passeios extracurriculares que foram essenciais à nossa formação. Tenho-os como referencial em minha carreira docente. Fiz Especialização em Educação Infantil na USP, onde tive a oportunidade de cursar a disciplina Brinquedo e brincadeira na Educação Infantil, ministrada pela Professora Doutora Tizuko Morchida Kishimoto. No desenvolvimento dessa disciplina, fiz uma pesquisa de campo em duas creches, uma da Prefeitura Municipal de Cotia e a outra numa ONG situada em Osasco. Os dados foram comparados e trouxeram-me grande aprendizado no que diz respeito aos cantos de brincadeira (imitação do social, do adulto, pela criança). Pude ainda, através dessa pesquisa, perceber a dificuldade que os profissionais da creche da Prefeitura de Cotia apresentavam em relação às linguagens da arte; pouca compreensão no desenvolvimento das atividades. Outro problema era a falta de materiais, tanto

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para a realização das atividades como material de base para execução dessas – não havia especialista na área de arte na creche, de maneira a tornar o trabalho educativo solto e sem direcionamento. Isso se deu no ano de 1999. Percebi que havia em mim uma constante busca pelas atividades educativas e a relação dessas com as linguagens da arte, o que me levou a estudar esta área para continuar dando aula de Educação Artística, pois intuía sua importância para a aprendizagem. Após concluir a faculdade de Pedagogia e durante o curso de Especialização em Educação Infantil – o qual me despertou grande expectativa em relação ao curso de arte –, ingressei no curso de Artes Plásticas pela FPA – Faculdade Paulista de Artes. O que aprendi no curso de Pedagogia em termos da estrutura e funcionamento do ensino, da didática, da metodologia, dos estágios supervisionados e ainda da prática docente na rede pública, tornou meu aproveitamento do curso de arte mais rico. Nesse período, comecei a rever minhas aulas, questionando-me sobre como melhorá-las. Naturalmente, para isso, precisei dispor de bastante tempo, pois organizar as aulas minuciosamente, abordando uma proposta inovadora para a arte – considerando já estar em vigor a LDB 9394/96, cuja proposta traz novas possibilidades de utilização da arte na escola – exigia grande esforço. Enquanto cursava a faculdade de arte, tive a oportunidade de entrar em contato com diferentes possibilidades minhas que efetivamente eu não conhecia. Por exemplo, o prazer em pintar utilizando diferentes materiais e instrumentos; a mistura de tintas obtendo variadas nuanças; o prazer em modelar material de textura e consistência tão variadas, e em observar diferentes técnicas de desenho. Após o curso de arte – quando já acumulava dois cargos, um na Prefeitura de São Paulo, como professora alfabetizadora, e outro na Rede Pública do Estado, como professora de arte – tive a oportunidade de realizar um curso no Instituto Tomie Ohtake, que versava sobre história da arte, instalação, curadoria e bienais. O contato com artistas e exposições foi frequente, assim como enriquecedor à minha aprendizagem como professora, da qual destaco o contato com a obra de Nelson Leirner, em uma exposição no Instituto. Tais experiências no Instituto foram fundamentais para me levar a perceber que a pesquisa na área de arte e aprendizagem era doravante meu foco. Em busca do estudo, iniciei a Especialização em Comunicação em Arte-Educação – lato-sensu – na FPA. No

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decorrer desse curso, realizei uma pesquisa tendo como sujeitos duas crianças, uma de onze e outra de doze anos, cujos níveis de aquisição da escrita, segundo a proposta de Emilia Ferreiro, eram silábicos sem valor sonoro. O objetivo do trabalho era fornecer a alfabetização, utilizando recursos da arte. O estudo durou dose meses. A partir deste trabalho, comecei a questionar-me a respeito de uma possível contribuição da arte para a aprendizagem. Junto a estes questionamentos, percebi outros relacionados às questões surgidas das condições atuais da realidade educacional brasileira, tais como: progressão continuada; despreparo do professor e a própria falência da alfabetização. Esse processo levou-me a procurar o curso de mestrado. Entendia que seria útil no sentido de fornecer condições para uma investigação mais minuciosa das questões relativas à aprendizagem, mais especificamente, para fundamentar minha prática docente como professora de arte. Assim, penso que a pesquisa a que me propus no mestrado teve origem no modo pelo qual me constituí como professora. Isso inclui, além de minhas experiências pessoais, o meu percurso como professora alfabetizadora e os cursos que fiz nos quais procurei encontrar respaldo para meu trabalho.

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INTRODUÇÃO

A

pesar de a literatura especializada afirmar a importância do desenho para o desenvolvimento infantil, e os parâmetros curriculares sugerirem o lugar importante das artes no currículo, a prática pedagógica muitas vezes a têm desmentido. Tem-se encontrado nas escolas muito pouco interesse pelo assunto, a ponto de as aulas de arte, assim como as de desenho, serem delegadas a passatempo, vistas como algo menor se comparadas à aprendizagem da leitura e da escrita. Na idade escolar dos sete aos onze anos, correspondente ao ensino fundamental I, a criança diminui a produção gráfica, afirma Florence de Mèredieu (1974, p.11), “já que a escrita – matéria considerada mais séria – passa a ser concorrente do desenho”. Pode-se dizer que essa afirmação de Mèredieu continua verdadeira na educação escolar inicial: a leitura e a escrita são consideradas atividades necessárias e que devem ocupar os primeiros lugares na organização curricular. A prática com a alfabetização por parte dos docentes possibilita com que não se negue a importância da alfabetização. Pelo contrário, uma preocupação que instiga esse estudo é a alfabetização das crianças em séries iniciais. Entretanto, isso não leva a negar a importância da inserção do desenho nessas mesmas séries, o que permite-se perceber que dar ênfase à alfabetização não significa, necessariamente, oferecer tão grande tempo a ela em detrimento de outras disciplinas. O desenho é uma linguagem importante e necessária à educação inicial da criança, e, no entanto é

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deixado, não em segundo plano, mas em último. Este estudo pretende, a partir de uma experiência de oficina de pintura para crianças em processo de alfabetização, traçar algumas articulações entre as fases do desenvolvimento do desenho e as fases do desenvolvimento da escrita. Assim, define-se como corpus , pinturas produzidas com crianças, a partir de reproduções selecionadas da artista Tarsila do Amaral . A análise desse corpus possibilitou identificar o “conteúdo manifesto” (FRANCO, 2005) nas pinturas, nos desenhos, nas figuras, nos espaços, bem como nas cores. Dos trabalhos realizados pelas crianças, construiuse quadros ilustrativos para facilitar os procedimentos de agrupamentos e de classificações para a efetiva possibilidade de inferir, analisar e interpretar o conteúdo manifesto. No presente estudo, não houve a preocupação em tabular as mensagens obtidas, criando categorias a partir das respostas, mas procurou-se fazer uma leitura que mostrasse algo mais sobre a produção do grafismo, bem como sobre a da escrita, ou até mesmo o inesperado. Assim, propôs-se a investigação de possíveis relações entre a construção do texto pictórico e a construção da escrita. Foram organizados, nos capítulos que seguem, o estudo proposto, procurando clarear, em cada tema descrito, objetivos específicos, como o de entender as duas linguagens e o de perceber a relação entre elas. O trabalho está constituído em duas partes. Na parte 1, a fundamentação teórica, na qual trata-se da arte no currículo escolar, do desenvolvimento do desenho, do desenvolvimento da escrita e da relação da arte com o pensamento verbal. Na parte 2, apresenta-se a oficina de pintura, a discussão e as considerações finais. A parte 1 organiza-se em quatro capítulos. No capítulo 1, explora-se aspectos relacionados à situação da arte – especificamente da pintura – no ensino público (Fundamental I), de acordo com as bases legais que o fundamentam. Trata-se da questão do especialista (professor de arte) atuante, bem como dos aspectos por ele enfrentados, com referência à falta de planejamento juntamente ao professor alfabetizador. Ainda neste capítulo aborda-se alguns aspectos teóricos, fundamentados em autores que possibilitam entender a arte e a pintura, levando em conta os aspectos técnicos e a utilização da cor. No capítulo 2, trata-se do desenvolvimento do desenho, apontando fases evolutivas dessa linguagem, apoiando-se em teóricos como Luquet, Marthe e Piaget. A partir das fases do desenvolvimento do desenho, apresenta-se alguns subtemas para reflexão – com base em Mére-

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dieu, Porcher e Albano: rabisco ou desenho; o desenho na idade escolar; o professor e o desenho. No capítulo 3, aborda-se a alfabetização na perspectiva construtivista, tendo como teóricos de base Emília Ferreiro e Jean Piaget. Apresenta-se também os níveis que explicam o processo de aquisição da escrita, segundo Ferreiro. Segue-se uma comparação da aquisição da linguagem oral e da escrita, suas implicações e discrepâncias na aceitação de ambas pelo adulto. Essa perspectiva encontra-se ancorada em Piaget na proposta de construção do conhecimento. O capítulo prossegue com os estágios cognitivos, segundo o teórico. No capítulo 4, apresenta-se uma relação da arte com o pensamento verbal, partindo da teoria cognitivista. Propõe-se a compreensão da arte e de suas linguagens em uma relação com o pensamento sobre o ponto de vista de seu desenvolvimento. Nesse sentido, a arte é tratada em sua função social e na inter-relação com o sujeito. A parte 2 contém os capítulos de 5 a 8. No capítulo 5, apresenta-se a pesquisa: procedimentos metodológicos; descrição dos sujeitos envolvidos, do material utilizado pelos alunos, das reproduções da artista Tarsila do Amaral e, ainda, descrição do material do qual extraiu-se dados referentes aos níveis de desenvolvimento da aquisição da escrita. Inicialmente, descreve-se a oficina e os elementos utilizados para avaliar e interpretar as produções (o desenho, o espaço, a cor e a figura) dos alunos. No capítulo 6, classifica-se os resultados em três grupos: no primeiro grupo, a hipótese pré-silábica; no segundo, a hipótese silábica e, no terceiro, a hipótese alfabética. Apresenta-se também dois quadros ilustrativos. Segue-se o capítulo 7 com uma discussão teoricamente embasada em Piaget, Vygotsky, Luquet, Méredieu, Porcher, Albano, entre outros. O estudo é finalizado com as considerações que representam a somatória de um processo de esforço, angústia e ansiedade na busca pelo ensino.

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