História do Fim (Laura Cohen)

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História do Fim Laura Cohen Rabelo Para Lucas Ferrari Rabelo

Minha planta está doente, Jean-Luc. Não, não – eu minto. Esta planta não é minha, mas eu acabei por chamá-la assim como uma pessoa ou uma coisa que eu amava bem quando resolvi deixar isso vivendo em minha casa. Não a recebi como um presente nem paguei por ela, tampouco lhe dei nome, mas me afeiçoei o bastante para afinal regá-la todos os dias por volta das seis da tarde, quando abandono na área de casa qualquer roupa suja de um dia de trabalho e, às vezes, fumo um cigarro (aí esta, cedi à propensão ao tabagismo que você anunciou faz anos) quando as coisas não andam muito bem. Esta planta moribunda é do meu ex, um detalhe vivo que ele se esqueceu de levar deste apartamento. Há muito tempo, quando ele me deixou, pensei em jogar o vasinho fora (ou ser mais dramática, estilhaçar a cerâmica no chão, arrancar as folhas atear fogo aos galhos), mas percebi que seria uma injustiça a outro ser. Talvez como devorar o filho alheio. Então, resignada, passei a regar a terra como se eu não tivesse escolha. Resolvi que haveria um dia em que eu deveria levar o vasinho para a casa dele, mas acredito seria um feito excessivo, ele não se lembra mais da planta (a história esquece dos homens e os homens retribuem esquecendo a história, trate de manter isso em frente, Jean-Luc) e de repente os dias começaram a ficar chuvosos. A plantinha foi gostando daqui e agora, além da água às seis, tenho que lidar com esta doença ainda sem conseguir dizer que é uma doença e que pertence a mim.


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