Revista Ponto #13 - JUN/JUL/AGO 2017

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13 JUL/AGO/SET 2017

O palhaço arquetípico PAGLIACCI E OS VINTE ANOS DO LAMÍNIMA

Entrevista com Publicação literária e cultural do SESI-SP #13 JUL/AGO/SET 2017

editora@sesisenaisp.org.br sesispeditora.com.br facebook.com/sesi-sp-editora

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JUL/AGO/SET 2017

SESI-SP Editora Av. Paulista 1313 – 4o andar 01311-923 São Paulo SP Telefone 55 11 3146 7308

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a dupla de franceses que revolucionou a ficção científica

Meio século do romance do século XX

por Ronaldo Bressane

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Na página anterior, ilustração do livro Ilustre guardanapo, lançamento da SESI-SP Editora.

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editorial

A revista Ponto em seu 13o número amplia sua tiragem e consolida sua distribuição

nos principais polos de cultura da cidade de São Paulo e, por meio dos Centros Culturais do SESI-SP, se lança também para o interior do Estado. Esse movimento busca claramente ampliar o nosso alcance e encontrar cada vez mais leitores que nos aproximem de nosso objetivo primordial, que é o de facilitar o acesso à cultura e à literatura. Mas também pretendemos com isso trazer novos parceiros para a publicação para que possamos, sempre e cada vez mais, ampliar o nosso público. Neste número, trazemos a entrevista com os revolucionários da ficção científica, Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, que se utilizaram da linguagem das HQs para propor novos caminhos e ideias inovadoras, aliás, numa época em que tudo o que se fazia em termos de arte era inovador e buscava romper com os padrões, os famigerados anos 1960 e 1970. Neles muita coisa foi criada e muitas delas ainda não conseguiram ser superadas. Neste mesmo período, alguns dos maiores nomes da literatura propuseram caminhos e estéticas que ajudaram a formar as gerações subsequentes, alguns dos quais a SESI-SP Editora reedita a obra paulatinamente, buscando trazer à tona todas as inovações propostas e provocar novas, como poderá ler na matéria “Olvidados”. Um artigo que vale destaque é sobre um nunca olvidado autor colombiano que inaugurou e estabeleceu um gênero na literatura mundial, Gabriel García Márquez, que tem o seu livro Cem anos de solidão comentado de forma criativa e provocativa, bem ao estilo do escritor Ronaldo Bressane. Ainda na esteira dos grandes nomes da literatura latino-americana, Bianca Santana escreve uma matéria sobre alguns dos autores negros de nossa literatura, buscando dialogar com a temática proposta pela FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), que, neste ano, tem como autor homenageado Lima Barreto. Por fim, a revista faz uma justa homenagem ao grupo LaMínima, que comemorou seus vinte anos de trajetória com uma mostra do repertório, uma exposição e um novo espetáculo aqui em nosso Centro Cultural FIESP. Domingos Montagner e Fernando Sampaio marcaram o cenário do teatro e da arte circense de forma definitiva no Brasil. Montagner partiu, mas deixou um legado sem tamanho incorporado por Sampaio. A ausência de Montagner provoca muita saudade nos amigos que, como este editor que escreve, conviveu com ele desde o começo da carreira do LaMínima e viu o sucesso fortalecer a humanidade e o caráter de ambos os integrantes do maior menor grupo de circo do mundo. O Editor 3

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Conselho editorial Paulo Skaf (Presidente) Walter Vicioni Gonçalves Débora Cypriano Botelho Neusa Mariani Comissão editorial Alexandre Ribeiro Meyer Pflug Débora Pinto Alves Viana Rodrigo de Faria e Silva Editor-chefe Rodrigo de Faria e Silva Produção editorial Letícia Mendes de Souza Coordenação editorial Gabriella Plantulli Mario Santin Frugiuele Produção gráfica Camila Catto Sirlene Nascimento Valquíria Palma Capa e Editoração Letícia Alvarez Sardella | Globaltec Editora Colaboradores desta edição Bianca Santana Carlos Castelo Evandro Affonso Ferreira Fábio Piperno Luiz Bras Rodrigo Sanches Ronaldo Bressane Wilton José Marques Revisão Ana Tereza Clemente Jornalista responsável Gabriella Plantulli (MTB 0030796SP) projeto gráfico Tereza Bettinardi Tiragem desta edição 10 mil exemplares Impressão Grafitec Gráfica

CAPA Ilustração de Gonzalo Cárcamo para a matéria de capa sobre O palhaço arquetípico − Pagliacci e os vinte anos do LaMínima.

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Revista Ponto® − Publicação Literária e Cultural Número 13 − JUL-AGO-SET 2017 SESI-SP Editora Av. Paulista 1313, 4o andar Tel. (11) 3146-7134 comunicacao_editora@sesisenaisp.org.br www.sesispeditora.com.br www.facebook.com/sesi-sp-editora

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Paulo Barbuto.

sumário 32 O palhaço arquetípico − Pagliacci e os vinte anos do LaMínima

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Lançamentos e HQs

Os olvidados

Por Carla Figueiredo Vieira

Estante de livros

Ensaio

Ponto do novo contista

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Por Evandro Affonso Ferreira

A atualidade literária do bruxo Machado de Assis

Galeria de fotos

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Conversa com Pierre Christin e Jean-Claude Mézières

Meio século do romance do século XX

Bombons recheados de cicuta

Ponto entrevista

Clássicos

Artigo

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Humor Paulistano - Laerte, Orlandeli, Ossostortos, Ruis e Gilmar

As revistas cinematográficas dos anos 1980

Tirinhas

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Literatura

Autoras e autores negros na literatura brasileira

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Eventos das editoras SESI-SP e SENAI-SP

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Unidades do SESI-SP

Cultura

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Ponto do conto Por Luiz Bras

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estante de livros

Lançamentos Agora! ILAN BRENMAN Ilustrações de GUILHERME KARSTEN

Neste instante, agorinha mesmo, devem ter pessoas no mundo fazendo um monte de coisas diferentes! Enquanto você está aqui lendo ou escutando a história, em algum lugar do mundo tem criança acordando, dormindo, comendo brócolis, brincando e fazendo de tudo um pouco.

Aventura no Amazonas FRANCISCO LEAL QUEVEDO

O menino Nashi e a menina Mayam são irmãos gêmeos que vivem na beira do Amazonas com seus pais. Um dia, deixam sua casa para habitar uma pequena ilha durante alguns meses. À medida que se adaptam a seu novo lar, vão descobrindo a natureza misteriosa e atraente da selva, os segredos do grande rio e a sabedoria dos povos indígenas.

Desencontros FERNANDO A. PIRES

Uma frágil criatura se perde da família e vive pelas ruas. Os obstáculos não são poucos... Desencontros nos mostra que é sempre mais fácil enfrentá-los quando não se está completamente sozinho.

A poesia das coisas SILVANA TAVANO Ilustrações de ADRIANA FERNANDES

Os mistérios do mundo atiçam nossa curiosidade. Quem não gosta de um bom segredinho? Poesia é o jeito pirilampo que as palavras inventaram de iluminar esses misteriosos mistérios. Atenção, este livro reluzente, escrito e ilustrado por duas inteligências supercriativas, está cheio de ótimos segredinhos! Seus poemas iluminam as coisas cotidianas de um jeito delicado e comovente.

Os Guardiões do Pentagrama ROSANA RIOS E HELENA GOMES

Natasha tem 16 anos e mora com dona Dadá, a avó autoritária. Uma das poucas alegrias da adolescente é trabalhar como voluntária em um abrigo de animais, além de pegar emprestado livros de literatura fantástica da biblioteca do colégio. Essa rotina se mantém até o dia em que, após resgatar dois gatos feridos, ela assiste a uma impressionante luta de magia entre dois jovens bruxos: o sombrio Kallaf e o charmoso Leoh. Depois disso, a vida de Natasha sofre uma tremenda reviravolta, ao mesmo tempo em que acontecem mortes misteriosas... Uma trama envolvente, que revelará um assustador jogo de poder e a ameaça de uma guerra entre clãs que vivem à margem da lei, sob as sinistras tradições dos Guardiões do Pentagrama.

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Escrito em vermelho e outros contos ROSANA RIOS

Todo mundo tem medo de alguma coisa: de fantasma, injeção, vampiro, zumbi, barata... Rosana Rios brinca com os nossos medos nos sete contos deste livro, cada qual temperado com uma pitada de humor. As histórias parecem fantásticas demais para serem verdadeiras... mas poderiam acontecer no seu bairro, na sua rua. Ou em sua casa.

Lá longe no chora menino JORGE MIGUEL MARINHO

Três histórias que são histórias de criança para gente grande saber. É tempo de juntar pessoas, idades, histórias, aproximar. Aconchegar a criança que tem dentro do adulto com o adulto que tem dentro da criança. É um livro que pede para ser lido por gente pequena e gente grande. Leitura não tem tamanho para se viver.

O volume do silêncio JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA

Coletânea de dezessete contos sobre família, relacionamentos, conflitos de geração, entre outros, esta obra rendeu ao autor o primeiro Prêmio Jabuti e a sua consolidação como contista brasileiro contemporâneo. Passados dez anos de sua chegada ao mercado, pela Cosac Naify, a SESI-SP Editora faz uma reedição, em que manteve a apresentação de Alfredo Bosi e o posfácio de Nelson de Oliveira.

Balzac − dois contos introdutórios HONORÉ DE BALZAC

“Uma paixão no deserto” e “A grande seteira”, os dois contos reunidos no livro, foram escritos no mesmo período, decorrendo menos de um ano entre a composição de um e de outro. São obras-primas, tratando de temas insólitos, como era do gosto dos escritores da primeira metade do século XIX. Qualquer um dos dois é uma excelente iniciação ao universo fascinante e perturbador de Balzac.

A carta de Pero Vaz de Caminha PERO VAZ DE CAMINHA

Não foi por coincidência que o escrivão-mor Pero Vaz de Caminha estava na frota de Pedro Álvares Cabral quando este descobriu o Brasil em 1500. Dono de um estilo empolado, contudo observador, perspicaz e minucioso, ele pôde transmitir ao rei que o nomeara escrivão-mor de Calicute toda a grandeza e a graça das terras recém-descobertas. O bom Caminha esmerou-se em dar ao monarca algo mais do que uma fria e técnica notícia de “achamento”, apresentou algo mais do que um mero roteiro de viagem. Caprichou nas descrições e deu-nos um verdadeiro retrato vivo da terra que surgia virginal do mar.

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estante de livros

Ilustre guardanapo FAUSTO LONGO

Não se sabe exatamente onde ou quando os comensais passaram a utilizá-lo para registrar escritos e rabiscos, mas isso não importa. O certo é que o guardanapo tornou-se a companhia ideal de todos os que, uma vez sozinhos à mesa, buscaram a caneta para expressar emoções, pensamentos, devaneios. Senador da República Italiana, Fausto Longo também encontrou no artefato dedicado às boas maneiras um alívio para seus momentos de solitudine na Itália. Mas, como seria de esperar, os guardanapos ilustrados pelo arquiteto, urbanista e artista gráfico ítalo-brasileiro ultrapassaram a condição de rabiscos para transformarem-se em arte, em insinuantes poemas visuais. Que tal saboreá-los?

HQs

Valentine − volume 3 VANYDA

Enfim Valentine irá enfrentar uma das maiores provas da adolescência: o ensino médio! Seu grupo de quatro amigas se espalhou, e Valentine, quando vê a lista da sua sala, percebe que não teve muita sorte. Mas talvez já fosse tempo de superar as aparências... Juliette, uma garota legal, aberta aos outros e curiosa, pode lhe mostrar que isso não é tão complicado.

Gus 3. Ernest CRISTOPHE BLAIN

Eis aqui de novo Gus e seu bando de fora-da-lei que continuam a percorrer o oeste norte-americano... com todo seu charme. Especialmente quando há a presença de damas e senhoritas!

A abadia misteriosa FOURNIER série “SPIROU E FANTASIO”

A organização secreta Triângulo retorna nesta aventura com o sequestro de Itoh Kata, amigo japonês de Spirou e Fantasio. Resta à dupla partir em seu socorro e enfrentar os segredos da abadia misteriosa.

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BoMBons nº 02 por Evandro Affonso Ferreira ilustrações de Bruno Maron

CONTAM que muitos

anos atrás filmaram Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Filme amador: preto-e-branco. Depois de pronto, convidaram o escritor mineiro para assistir ao filme. Viu e percebeu que havia muito cavalo, muito. Eis o comentário definitivo do bom e velho Guima: Fiz um romance épico e vocês fizeram um filme hípico.

* TENTE duas vezes: uma

vez é vez nenhuma − disse um filósofo que não conhecia minha incapacidade de triunfar numa alcova.

*

Freud gostava de contar essa historinha para explicar o ato falho. Marido aproxima-se da esposa e diz: Quando um de nós dois morrer, eu irei a Paris. * SAUDOSO amigo sempre

me dizia que no Brasil, aconteça o que acontecer, não acontece nada.

* HILDA HILST havia

ligado para amigo dela, meu amigo também, Alcir Pécora. De madrugada: Ei, Alcir, estou vendo o Camões

na parede. Pécora não se fez de rogado: Mas como ele está vestido? Hilda: Assim, assim, assim − explicou. Alcir: Não, querida, esse é o Cervantes.

* MENINO se perde num

parque de diversões. Aproxima-se de um guarda, e pergunta: O senhor viu um homem deste tamanho, com uma mulher deste tamanho, sem um menininho assim como eu?

*

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ERNESTO SABATO

perguntou de chofre a Jorge Luis Borges: Você não acha que jornal deveria sair a cada 100 anos?

* Outro dia, perguntaram minha opinião sobre o Nobel de Literatura conferido a Bob Dylan. Respondi com outra pergunta: Qual seria a reação de astrônomo ao saber que um astrólogo havia sido laureado com o Nobel de Física?

* MODO geral, quando

quero me mostrar exageradamente incisivo nelas minhas afirmativas, é porque tenho dúvidas.

* SORTE não andava boa

para aquele dono de realejo: só naquele mês haviam morrido dois periquitos.

* TORCICOLO que me

acompanha vida quase toda me impede de encarar as coisas de todos os ângulos possíveis.

Filho de 12 anos de idade de amigo nosso vivia lendo demais, compulsivo, tudo-todos, inclusive Nietzsche. Comentei com aquele amigo da calçada do Leblon. Sabe o Fulaninho, filho de 12 anos do Fulano? Ando preocupado com ele: está lendo Nietzsche. Argumento do amigo: Precisamos primeiro saber se ele está entendendo; em caso afirmativo, precisaríamos internar o garoto. * 11

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entrevista

A dupla de franceses que revolucionou a ficção científica

Imagem que faz parte do livro Valerian − Integral 1, da SESI-SP Editora.

O escritor Pierre Christin e o artista Jean-Claude Mézières são con-

siderados os precursores de sagas que alcançaram repercussão mundial, como “Star Wars”. Eles romperam com lugares-comuns e inovaram quando, há cinquenta anos, apresentaram um roteiro de ficção científica, até então pouco explorado pelas HQs. Valerian surgiu, em 1967, nas páginas da Pilote, a mais importante revista francesa de histórias em quadrinhos já existente e logo a série se tornou referência entre os leitores daquela época, que não conheciam as invenções tecnológicas ali mostradas. A dupla de franceses revolucionou ao imaginar o futuro e, nos saltos do espaço-tempo, recriou o passado, além de diversas invenções, tais como arquiteturas de cristal, esculturas matemáticas… As aventuras de Valerian e Laureline chegaram ao Brasil em formato de livro pela SESI-SP Editora em maio deste ano e coincidem com a estreia do filme Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, em agosto, dirigido por Luc Besson. A revista Ponto conversou com a dupla. Confira a seguir.

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Valerian revolucionou o mundo da ficção científica. Em sua opinião, qual o maior legado dessa saga? * Christin: À diferença de muitas histórias em quadrinhos de ficção científica, principalmente americanas, em Valerian não há jamais um combate entre o bem e o mal. Além disso, não há enormes destruições ou horríveis aliens permitindo ao bem, quer dizer, aos humanos, mas em geral, aos americanos, vencer o mal no fim. É uma história em quadrinhos propositalmente dialética, onde todos têm boas razões para defender seus interesses e respostas inteligentes devem ser dadas aos conflitos. Faz cinquenta anos que a primeira história foi publicada. Naquela época, o que vocês esperavam da série? Christin: Quando comecei, eu não tinha, é claro, nenhuma ideia de que Valerian poderia se tornar uma grande série que duraria cinquenta anos. A primeira história era uma coisinha feita por dois jovens para se divertirem, na esperança de agradar a um público francês, do qual se dizia, na época, que não amava a ficção científica, ou que os autores franceses não sabiam fazê-la. Então, meu único sonho era que essa primeira história fizesse algum sucesso no jornal onde fora publicada, para poder fazer outra, mais elaborada. Mézières: No início de 1965, tínhamos vontade de fazer uma história para a revista de histórias em quadrinhos Pilote, para garotos de 10 a 15 anos, de um gênero que os outros desenhistas não faziam. Havia desenhistas maravilhosos de western, de soldados, de policiais, mas nada de ficção científica. Christin era um literato apaixonado pelos romances de ficção científica, que não eram absolutamente apreciados pela intelligentsia francesa, mas isso nos parecia uma ideia a ser elaborada. Eu sempre desenhei histórias em quadrinhos, mas achava meu desenho bastante “limitado”. O tom da primeira história e sua “novidade” fizeram com que o diretor da publicação, o renomado Goscinny, de Asterix, nos encorajasse, e fizemos uma segunda história, A cidade das águas movediças, e uma terceira, O Império dos Mil Planetas. Ou seja, encontramos nosso domínio, a F.C. realmente livre e fantástica. Nossos leitores nos seguiam... Aliás, tanto tempo atrás, como conseguiram antecipar e centralizar lutas femininas em uma personagem tão forte como Laureline? Qual foi a inspiração para ela? Christin: Eu era leitor de Simone de Beauvoir e, mais ainda, estava voltando dos Estados Unidos, onde o Women'sLib desempenhava um papel importante. Além disso, me irritava o fato de não haver mulheres nas histórias em quadri14

* Entrevista traduzida por Fernando Paz, que também traduz a série Valerian.

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nhos francesas. E, por fim, pessoalmente, sempre amei as mulheres ativas, instruídas, corajosas e cheias de bom humor. Vocês já disseram em outras ocasiões que a ideia nunca foi “politizar” Valerian. No entanto, os problemas enfrentados por Valerian e Laureline continuam atuais, alguns mais atuais do que nunca. O que fariam os agentes espaciais para evitar os problemas que vivemos hoje?

Pierre Christin e Jean-Claude Mézières.

Imagem que faz parte do livro Valerian − Integral 2, da SESI-SP Editora.

Christin: Eu não queria fazer uma história em quadrinhos militante, mas queria fazer uma história em quadrinhos muito engajada na sua época. Porque falar de política − o que na época era um tabu − me parecia muito interessante. Então, abordei muitos problemas na companhia de Valerian e Laureline, dando a eles um talento preciso para desfazer nós em situações de conflito. Hoje, por exemplo, eu os faria muito bem sequestrar Trump para colocá-lo em órbita em uma galáxia muito distante, onde poderia se tornar um ditador mais facilmente do que na Terra. Isso evitaria, a todos nós, muitos aborrecimentos.

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Vocês já falaram sobre as inspirações pessoais que acabaram influenciando Valerian. No entanto, se fosse para escolher apenas uma HQ, qual seria aquela que mais marcou a sua vida? Christin: Fui influenciado por numerosas leituras, a maior parte das quais não era de história em quadrinhos, mas romances franceses, ingleses, americanos, sul-americanos, ou por obras ligadas a meus estudos em ciências políticas. Entre meus favoritos: Alexandre Dumas, Jorge Luis Borges, Ernest Hemingway e tantos outros. Em histórias em quadrinhos, eu citaria apenas um nome: Edgar P. Jacobs, cuja Marca amarela, durante os muitos anos que durou sua publicação na imprensa, reproduzi nas paredes em meu caminho até a escola. Sua mistura de fantástico e de contemporâneo, a elegância dos seus textos e do seu desenho, tudo isso me marcou. Mézières: Minha inspiração em HQ vem da escola franco-belga. Tintim, Franquin, Jijé, mas não os americanos, que só conheci muito mais tarde, sem gostar realmente. Depois, também, meu amigo Jean Giraud/Moebius, que conheço desde os nossos 15 anos de idade, da mesma escola de arte em Paris. Mas Giraud só se tornou Moebius quase dez anos depois que criei Valerian! Ele trabalhava principalmente em seus magníficos westerns Blueberry, mas seu talento me impressionou muito, principalmente antes que eu me firmasse com Valerian. Quanto às outras influências, admirei muitos ilustradores e artistas de HQ, mas sem jamais copiá-los. Foi, ao contrário, Valerian que influenciou muitas HQs... e filmes de cinema.

Mézières, Luc Besson e Christin.

Algumas narrativas, depois de ganharem as telas dos cinemas, acabaram também se tornando desenho animado. Vocês espeChristin: Valerian já é um desenho animado, produzido alguns anos atrás, mas cuja qualidade, a meu ver, é no mínimo desigual. Se o filme de Luc Besson der alguma ideia aos estúdios, que eles não hesitem em se manifestar. Mézières: Houve em 2007 uma série de desenhos animados para a televisão, a partir de Valerian, coproduzidos pela França e pelo Japão, mas os resultados são aqueles habituais para a televisão, às vezes muito bons, às vezes muito, muito ruins!

Imagem que faz parte do livro Valerian − Integral 1.

ram algo parecido para Valerian?

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entrevista

Imagem que faz parte do livro Valerian − Integral 1.

Na esteira do filme de Luc Besson, o álbum está cada vez mais globalizado e passa a entrar em mercados que tiveram pouco contato com a série, como o Brasil. Como vocês esperam que os novos leitores, mais de cinquenta anos depois da primeira publicação, possam reagir a esse “lapso espaço-temporal?” Christin: Reconheço que me pergunto como heróis tão “franceses” como Valerian e Laureline poderão agradar mundo afora. Mas confio no filme para que isso aconteça. E em um certo número de ingredientes da série Valerian que não têm pátria nem época definidas. A recusa à xenofobia, a crença na troca entre os povos e a amizade podem ser encontradas por toda parte no mundo, e até mesmo no universo. O humor também – assim espero –, porque Valerian é uma HQ algo cômica, algo séria, algo dramática, O diretor Luc Besson em meio aos protagonistas do filme.

algo otimista. Além disso, essa HQ, por definição, não conhece limites no espaço nem no tempo.

Mézières: Nós vimos o filme de Besson e estamos muito contentes com o resultado. O filme é bastante fiel ao livro e, evidentemente, totalmente livre na sua interpretação! E, visualmente, é impressionante, e muito diferente dos produtos de Hollywood. Quanto ao mercado editorial − não conheço absolutamente o que se faz no Brasil − fui convidado a ir ao Rio em 1985 pela Embaixada da França, para uma exposição sobre o desenho francês − mas não tenho medo desse “lapso espaço-temporal”. Na França, Valerian sempre foi visto como uma HQ “não muito da moda” e, cinquenta anos depois, ainda não está “fora de moda”. Além disso, tem quem ame Valerian e quem não ame. Vai ser o mesmo no Brasil. Nós nunca “produzimos álbuns” como uma indústria, mas sempre com a ideia de contar histórias muito diferentes umas das outras... para o nosso próprio prazer, como autores, em primeiro lugar. Os leitores irão − ou não − se satisfazer. As histórias em quadrinhos não são como o cinema, não podemos produzir para todo mundo. A SESI-SP Editora já publicou o Valerian − Integral 1, com os três primeiros álbuns (Os maus sonhos, A cidade das águas movediças e O Império dos Mil Planetas), e logo dará sequência aos outros. O que vocês 17

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poderiam dizer aos leitores brasileiros sobre o que ainda vem pela frente (sem spoiler!)? Christin: Os primeiros álbuns de Valerian são um pouco tímidos dos pontos de vista de roteiro e desenho, porque ali ainda somos principiantes. A história vai ganhar maior amplitude, principalmente com os enredos que se passam no grande planeta artificial “Ponto Central” (“Alfa”, no filme), onde se misturam todas as raças do cosmos. Ela vai se desenvolver em mundos complexos, às vezes cativantes, às vezes ameaçadores. Cada vez mais, personagens com características extraordinárias irão desempenhar papéis importantes. E o fim será muito surpreendente. Hoje o Brasil conta com um novo e fortalecido cenário no universo de HQs, com prêmios nacionais importantes finalmente reconhecendo o trabalho dos artistas. Quais os conselhos que vocês dariam a jovens que estão iniciando a carreira e trilhando caminhos parecidos com os seus? Qual o seu método de trabalho? Christin: Se eu tivesse um conselho a dar aos jovens roteiristas ou desenhistas brasileiros, seria: sejam brasileiros antes de tudo. Não copiem as comics americanas, os mangás japoneses, nem as histórias em quadrinhos francesas. Escolham assuntos e temas que dizem respeito ao seu próprio país e tratem deles de maneira séria ou bem-humorada, mas se apoiem antes de mais nada na realidade e nas pessoas à sua volta. Quanto à minha maneira pessoal de trabalhar, faço inúmeras viagens pelo mundo inteiro, investigo como um jornalista (minha outra profissão, lecionei também na universidade de jornalismo de Bordeaux), e leio muito. Depois, quando estou pronto, escrevo o roteiro muito rapidamente, porque a HQ é uma arte do instantâneo, é preciso que avance depressa. Mézières: Como eu dizia, não conheço nada das produções internacionais... nem das francesas atuais. Então, não tenho conselho a dar, senão de tentar fazer o que temos vontade de fazer, e não fazer como alguém que faz muito sucesso! Tive a sorte de iniciar na profissão em um período em que ninguém se interessava artisticamente pela HQ; tudo evoluía sob a indiferença absoluta das revistas de arte e dos jornalistas. Apenas os leitoras estavam ­preocupados... No álbum A cidade das águas movediças, Laureline chega a Nova York depois de passar por Brasília, onde as maiores mentes científicas estavam reunidas para uma convenção. Naquela época, a cidade brasileira realmente passava por enormes transformações, se assemelhando a 18

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entrevista

uma “capital do futuro”. Vocês levaram isso em conta para inseri-la no capítulo? Aliás, vocês já vieram ao Brasil? Christin: Eu sempre me interessei muito por arquitetura e urbanismo. Brasília, portanto, me atraía particularmente. Na época em que escrevi esse episódio, era uma cidade de ficção científica, entusiasmada por brotar da terra e, assim, fascinante de evocar. Mas infelizmente nunca estive lá, nem no Brasil. É uma enorme pena. Mézières: É verdade que em 1968-69, quando fizemos A cidade das águas movediças, Christin e eu tínhamos decidido de terminar em Brasília... porque tínhamos acabado de destruir NYC! Mas nunca estivemos em Brasília. Era um jeito de terminar a história de um modo um pouco otimista. Que mensagem Valerian e Laureline deixam para o mundo? Christin: Nem eu, nem Valerian, nem Laureline somos profetas. Podemos apenas esperar que, como na história em quadrinhos, nosso mundo ainda existirá no século XXVIII. E que talvez até seja melhor. Há em Valerian, diferentemente de muitas histórias em quadrinhos cataclísmicas, uma esperança no futuro que impregna toda a série. Mézières: Deixo Christin dar a palavra final com relação à mensagem para o mundo... mas nós nunca imaginamos que nossas histórias pudessem dizer respeito à globalidade do mundo, isso seria fazer política e, apesar de sempre termos desejado fazer HQs que abraçassem nossas opiniões políticas, a HQ não é − felizmente − um instrumento político.

CHRISTIN VALERIAN e LAURELINE

OS

“VALERIAN no cinema é culpa de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières! Aos dez anos de idade, lia todas as semanas as aventuras de Valerian na Pilote... E devo confessar que era apaixonado pela Laureline, mesmo que gostasse muito do Valerian. Seria bom que o filme pudesse marcar os espectadores com a mesma força e durante tanto tempo.”

VALERIAN − Integral 1 é o primeiro VALERIAN e LAURELINE

A

CIDADE DAS ÁGUAS MOVEDIÇAS

LUC BESSON [Extraído da entrevista com J.C. Mézières e P. Christin]

título estrangeiro de ficção científica

CHRISTIN / MÉZIÈRES

MAUS SONHOS

MÉZIÈRES

INTEGRAL VOLUME 1

a fazer parte do catálogo da coleção VALERIAN e LAURELINE

O

IMPÉRIO DOS

MIL PLANETAS

SESI Quadrinhos, que já conta com mais de sessenta títulos

#1 INTEGRAL

Fruto da imaginação transbordante de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, os personagens de Valerian e Laureline surgiram pela primeira vez nas páginas da Pilote, em 1967. Por sua inventividade e audácia, a série rapidamente se tornou referência absoluta para os leitores de histórias em quadrinhos de ficção científica.

publicados. Além deste primeiro volume, que contempla três álbuns, estão previstos os lançamentos de mais cinco volumes, totalizando dezesseis álbuns da série. 9

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tirinhas

Humor paulistano – Laerte*

* Esta charge faz parte do livro Humor paulistano − a experiência da circo editorial 1984-1995, ­ ulicado pela SESI-SP Editora. p

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Orlandeli

Ossostortos

Bobo da corte − Ruis

Gilmar

Os autores das tirinhas integram o catálogo da SESI-SP Editora. 21

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literatura

Autoras e autores negros na literatura brasileira Imagem que faz parte do livro Quando me descobri negra, de Bianca Santana (SESI-SP Editora).

por Bianca Santana

Tanto no imaginário social quanto no mercado editorial brasileiro,

homens brancos são aqueles que produzem literatura. A pesquisa de Regina Dalcastagné, divulgada em 2012 sob o título Literatura Brasileira Contemporânea — Um Território Contestado, analisou 258 romances publicados entre 1990 e 2004 por três grandes editoras brasileiras. Entre os autores, 93,9% eram brancos e 72,7% homens. Os números escancaram por que não é possível tratar da trajetória de escritoras e escritores negros sem apresentar o contexto racista brasileiro, que se manifesta também na produção, publicação e divulgação de obras literárias. Tomo emprestadas as palavras da escritora negra Miriam Alves, do livro BrasilAfro Autorrevelado: Literatura Brasileira Contemporânea, “Desde o período colonial, o trabalho dos afro-brasileiros se faz presente em praticamente todos os campos da atividade artística, mas nem sempre obtendo o reconhecimento devido. No caso da literatura, essa produção sofre, ao longo do tempo, impedimentos vários à sua divulgação, a começar pela própria materialização em livro. Quando não ficou inédita ou se perdeu nas prateleiras dos arquivos, circulou, muitas vezes, de forma restrita, em pequenas 23

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edições ou suportes alternativos. Em outros casos, existe o apagamento deliberado dos vínculos autorais e mesmo textuais, bem como da etnicidade africana em função do processo de miscigenação branqueadora que perpassa a trajetória dessa população”. Mesmo neste contexto, talvez pelo que Joel Rufino nomeou como estratégia negra, de “penetrar nas fissuras, nas brechas”, há escritoras e escritores negros produzindo e publicando literatura em todo o país, desde, pelo menos, o século XIX. Em seu Dicionário Literário Afro-Brasileiro, de 2011, Nei Lopes descreve cerca de 200 autores importantes. A seleção aqui apresentada, de três escritoras e três escritores, foi feita com base nos estudos de Conceição Evaristo, Miriam Alves e Nei Lopes. A produção recente que se destaca nos saraus, coletâneas independentes, blogs e redes sociais ficou de fora desta seleção, mas merece um texto futuro, dado seu crescimento e importância.

Maria Firmina dos Reis

Nasceu em São Luís, no Maranhão, em 1825. Negra e pobre, além de escritora, foi professora e musicista. Publicava regularmente na imprensa maranhense e seus poemas foram organizados em livro. Em 1859, publicou o que hoje é considerado o primeiro romance de autoria feminina negra no país. Úrsula tem personagens escravizados que vivenciam sua subjetividade. O romance inaugura a temática antiescravista na literatura oitocentista, trinta anos antes da campanha abolicionista ser publicizada. Recebeu reconhecimento à época, mas ficou esquecida por um século, até voltar a ser citada por escritores maranhenses em 1975. Em 1988, no centenário da abolição, Úrsula foi reeditado, e começam a ser produzidos textos analíticos sobre a obra e a

Maria Firmina dos Reis.

autora. Entretanto, Maria Firmina não é conhecida do público em geral, nem nos estudos literários. “A mente isso sim ninguém a pode escravizar! Nas asas do pensamento o homem remonta-se aos ardentes sertões da África, vê os areais sem fim da pátria e procura abrigar-se debaixo daquelas árvores sombrias do oásis, quando o sol queima e o vento sopra quente e abrasador: vê a tamareira benéfica junto à fonte, que lhe amacia a garganta ressequida: vê a cabana onde nascera, e onde livre vivera! (...) porque a alma está encerrada nas prisões do corpo! (...) Ela, não se pode dobrar, nem lhe pesam as cadeias da escravidão; porque é sempre livre, mas o corpo geme, e chora; porque está ligada a ele na vida por laços estreitos e misteriosos.” Trecho do romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. 24

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literatura

Luis Gama

Luis Gama.

Viveu a maior parte da vida em São Paulo, aonde chegou depois de ter sido vendido como escravo por seu pai, um português. Nasceu em Salvador, na Bahia, em 1835. Segundo escreveu em uma carta, sua mãe foi Luisa Mahin, africana livre que teria participado da revolta dos malês, importante ícone do movimento negro. Autodidata, se alfabetizou aos 17 anos de idade, publicou poesias, atuou como rábula na libertação judicial de centenas de escravos, e escrevia artigos abolicionistas e republicanos em diversos jornais. Escrevia sobre a questão racial também em primeira pessoa. Era muito admirado pelos estudantes da Faculdade de Direito, por escritores e jornalistas e até por membros da elite cafeicultora. Em 2015, 133 anos depois de sua morte, recebeu o título de advogado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta Pois que a espécie é muito vasta... Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus e outros nobres. Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios importantes, E também alguns tratantes....” Trecho do poema “Quem sou eu”, mais conhecido como “Bodarrada”, publicado originalmente por Luis Gama em Primeiras Trovas Burlescas do Getulino, em 1859.

Machado de Assis

O fundador da Academia Brasileira de Letras nasceu em 1839, no Rio de Janeiro, filho de pai negro e mãe portuguesa. Aos 10 anos de idade, sua mãe morreu e Machado se afastou da família de origem. Aos 15, publicou seus primeiros escritos em jornais, incentivado e influenciado pelo livreiro e editor negro Paula Brito. Por anos foi acusado de estar distante da questão racial, mas estudos recentes como o apresentado no livro Machado de Assis 25

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afro-descendente, de Eduardo de Assis Duarte, mostram um escritor discreto, mas comprometido com a campanha abolicionista. Em seus livros, negros escravos ou libertos raramente aparecem como personagem principal, ainda assim, saem da condição de figurantes, tanto homens quanto mulheres, e ganham destaque nas tramas pela ironia. Publicou inúmeras crônicas jornalísticas críticas ao regime escravocrata, muitas delas sob pseudônimos como Dr. Semana e Manassés. Sua extensa obra segue sendo reeditada no Brasil e traduzida para diversas línguas. Entre seus romances, estão Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Publicou também peças de teatro, coletâneas de contos e poesias. Considerado por muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos, sofreu um processo de branqueamento, especialmente pela crítica literária, que não destacou, por décadas, a negritude de Machado. O processo de branqueamento do autor seguiu nos livros didáticos e até campanhas publicitárias, uma delas que chegou a colocar um ator branco representando o escritor.

Machado de Assis.

“Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar. Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico. No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu 26

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escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.” Trecho da crônica publicada por Machado de Assis no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de 1888.

Lima Barreto

Neto de negros escravizados, Afonso Henrique de Lima Barreto teve acesso à educação por ter sido apadrinhado por um ministro do império. Autor dos contos O homem que sabia javanês, Nova Califórnia e dos romances Recordações do escrivão Isaías Caminha, de 1909, O triste fim de Policarpo Quaresma, publicado em 1911, e Os Bruzundangas, de 1922, contribuía regularmente com a imprensa. Em seus textos, retratava as injustiças sociais e as relações raciais da sociedade brasileira, colocando-se como escritor negro. A abolição foi assinada no dia em que o escritor completou 7 anos de idade, em 13 de maio de 1888. Seu primeiro romance, com traços autobiográficos, Recordações do escrivão Isaías Caminha, mostra um jornalista negro que sofre processos de exclusão causados pelo racismo. Em vida, Lima Barreto não desfrutou de reconhecimento, nas palavras de Nei Lopes, era tido como escritor de gramática “vacilante e limitado a temas suburbanos”. Morreu aos 41 anos de idade, depois de ser internado mais de uma vez por problemas de alcoolismo e depressão. “Percebi que o espantava muito o dizer-lhe que tivera mãe, que nascera num ambiente familiar e que me educara. Isso, para ele, era extraordinário. O que me parecia extraordinário nas minhas aventuras, ele achava natural; mas ter eu mãe que me ensinasse a comer com o garfo, isso era excepcional. Só atinei com esse seu íntimo pensamento mais tarde. Para ele, como para toda a gente mais ou menos letrada do Brasil, os homens e as mulheres do meu nascimento são todos iguais, mais iguais ainda que os cães de suas chácaras. Os homens são uns malandros, planistas, parlapatões quando aprendem alguma coisa, fósforos dos políticos; as mulheres (a noção aí é mais simples) são naturalmente fêmeas.” Trecho de Recordações do escrivão Isaías Caminha, romance publicado por Lima Barreto, em 1909. 27

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Carolina Maria de Jesus

Nasceu em Sacramento, Minas Gerais, em 1913, e chegou a São Paulo em 1947. No contexto de migração crescente e expansão dos grandes centros urbanos, nos anos 1940 e 1950, a escritora viveu na favela do Canindé, na zona norte da cidade e teve sua trajetória marcada pela condição de mulher negra, migrante, favelada e de pouca escolaridade. Em 1960 é publicado Quarto de despejo: diário de uma favelada, livro que vendeu mais de cem mil exemplares, traduzido para 29 idiomas. Depois dele, publicou um livro de crônicas Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1962), o romance Pedaços da fome (1963), adágios em verso e prosa Provérbios (1966) e um romance editado postumamente Diário de Bitita. Morreu pobre e esquecida. A escritora e estudiosa Conceição Evaristo, escreveu: “Quando uma mulher como Carolina Maria de Jesus crê e inventa para si uma posição de escritora, ela já rompe com um lugar anteriormente definido como sendo o dela, o da subalternidade, que já se institui como um audacioso movimento. Uma favelada, que não maneja a língua portuguesa − como querem os gramáticos ou os aguerridos defensores de uma linguagem erudita − e que insiste em escrever, no lixo, restos de cadernos, folhas soltas, o lixo em que vivia, assume uma atitude que já é um atrevimento contra a instituição literária. Carolina Maria de Jesus e sua escrita surgem ‘maculando’ − sob o olhar de muitos − uma instituição marcada, preponderantemente, pela presença masculina e branca”.

Carolina Maria de Jesus.

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literatura

Pode morar aí o fato de Carolina ter sido muito celebrada quando da publicação de seu primeiro livro e depois ter sido desprezada. Joel Rufino, segundo Nei Lopes, afirma que as elites a perceberam como “pobre soberba”, o que não podia ser tolerado, e a intelectualidade de esquerda, que não encontrou nela uma “pobre comunista”, também a rejeitou. Graças ao movimento negro e aos estudos literários, sua obra e biografia têm sido reavivadas nos últimos anos, colocadas como referência e inspiração à escrita recente de autoria negra. “Preparei a refeição matinal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de farinha de trigo torrada. O João José, café puro. O José Carlos, leite branco. E eu, mingau de aveia. Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna. Terminaram a refeição. Lavei os utensílios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho homem em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pretendo relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortável, mas não é possível. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.” Trecho de Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus.

Conceição Evaristo

Militante do movimento negro, Conceição nasceu em 1946, em uma favela de Belo Horizonte. Foi empregada doméstica até se formar professora, aos 25 anos de idade, quando passou em um concurso público para trabalhar no Rio de Janeiro. Estudou letras na UFRJ, fez mestrado em literatura brasileira na PUC-Rio e é doutora em literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense. Concomitantemente ao trabalho como professora e às pesquisas acadêmicas, que geraram diversos ensaios importantes sobre literatura negra, produz e publica textos literários desde os anos 1990. Seus contos e poemas foram publicados nos Cadernos negros, Quilombhoje e outras coletâneas no Brasil, na Alemanha, na Inglaterra, na África do Sul e nos Estados Unidos. Escreveu os romances Ponciá Vicêncio (2003) e Becos da Memória (2006); as coletâneas de contos Insubmissas lágrimas de mulheres ( 2011) Olhos d`água ( 2014) e Histórias de leves enganos e parecenças (2016) e o livro Poemas da recordação e outros movimentos (2008). Tem sido celebrada como uma das escritoras mais importantes do nosso tempo. 29

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Joyce Fonseca/Divulgação.

Uma gota de leite me escorre entre os seios.

Conceição Evaristo.

Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas Meia palavra mordida me foge da boca. Vagos desejos insinuam esperanças. Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida. Em baixa voz violento os tímpanos do mundo. Antevejo. Antecipo. Antes-vivo Antes − agora − o que há de vir. Eu fêmea-matriz. Eu força-motriz. Eu-mulher abrigo da semente moto-contínuo do mundo. Poema Eu-mulher, de Conceição Evaristo, publicado nos Cadernos negros 13, em 1990. 30

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Imagem que faz parte do livro Quando me descobri negra.

As três escritoras e os três escritores aqui brevemente apresentados permitem uma visualização, a partir de suas trajetórias, da literatura negra brasileira desde o período pré-abolição até os dias de hoje. No contexto desigual e racista da sociedade brasileira, a importância de sua literatura expande as possibilidades de memória, registro do presente e expressão poética da realidade. A literatura que produzem é espelho para uma parcela expressiva da população, ainda vulnerável e em luta por direitos. Espelho para o reconhecimento, para a defesa perante a discriminação e a violência, e para projetar futuros escritoras e escritores que equilibrem a presença negra na literatura e na sociedade brasileira.

Referências bibliográficas ALVES, Miriam. BrasilAfro Autorrevelado: Literatura Brasileira Contemporânea. Minas Gerais: Nandyala, 2010. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo/Rio de Janeiro: Horizonte/Editora da Uerj, 2012. DIOGO, Luciana Martins. Da sujeição à subjetivação: a literatura como espaço de construção da subjetividade, os casos das obras Úrsula e A Escrava de Maria Firmina dos Reis. Dissertação de mestrado apresentada na Universidade de São Paulo, 2016. DUARTE, Eduardo de Assis. Machado de Assis afro-descendente. Rio de Janeiro: Pallas, 2007. EVARISTO, Conceição. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, [S.l.], v. 13, n. 25, p. 17-31, dez. 2009. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/ article/view/4365>. Acesso em: 09. Jun. 2017. LOPES, Nei. Dicionário literário afro-brasileiro. Rio de Janeiro, Pallas, 2011.

BIANCA SANTANA é escritora e jornalista, autora do livro Quando me descobri negra (SESI-SP Editora, 2015) e colunista da revista Cult. Doutoranda em ciência da informação e mestra em educação pela Universidade de São Paulo (USP).

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Somos ensinados a não fracassar nunca, mas o palhaço deve fracassar e, então, sobreviver. Avner, o Excêntrico

O palhaço arquetípico − Pagliacci e os vinte anos do LaMínima por Rodrigo Sanches

Paulo Barbuto.

Era a tarde de uma segunda-feira chuvosa e cinza, o que criava um

imenso contraste com o colorido que pulsava na decoração com motivos circenses do Centro da Memória do Circo, na Galeria Olido, no centro de São Paulo. Ouvíamos o dramaturgo Luís Alberto de Abreu, que com seus olhos pequenos por detrás dos óculos falava animadamente sobre a árdua tarefa de adaptar a ópera Pagliacci. Sentado ali na plateia eu olhava em meu caderno de anotações a primeira pergunta que faria a eles: por que Pagliacci? Ou seja, por que a escolha de uma ópera com tamanha força trágica, que no prólogo original diz à plateia que eles “Verão os trágicos resultados do ódio e espasmos da dor real. Escutarão gritos de raiva real e risos cínicos”? Por que um texto com uma moral tão anacrônica? A moral ultrapassada e a intensa dramaticidade da ópera pareciam contrastar com a trajetória do LaMínima. Mas nem precisei fazer a pergunta, ela foi feita pelo próprio dramaturgo, que disse ter sido 33

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a primeira coisa que indagou a Domingos Montagner e Fernando Sampaio (fundadores do LaMínima) quando foi convidado para o projeto; até aquele dia, porém, não havia obtido resposta. Todos olhavam para Fernando e esperavam que ele enfim respondesse. Ao que ele, sorrindo, tomou o microfone e disse provocadoramente que “o nome era legal”, entretanto a resposta não estava no chiste de suas palavras, mas no intenso brilho de seu olhar. E para entender por que Pagliacci seria preciso voltar vinte anos. Domingos e Fernando se conheceram no Circo Escola Picadeiro, em São Paulo, onde formaram uma dupla de palhaços, e posteriormente criaram o LaMínima estreando o número LaMínima Cia de Ballet. A partir desse encontro não surge apenas uma das companhias mais profícuas e criativas que investiram na relação entre circo e teatro, mas também um dos mais inventivos coletivos artísticos do Brasil, que ao longo de sua trajetória apostou em projetos de enorme desafio. E, como o desafio e a inventividade sempre foram a marca das criações desta dupla, a adaptação da ópera Pagliacci, a tragédia do palhaço traído, seria perfeita para a comemoração de seus vinte anos. Fernando queria nos dizer com o intenso brilho em seu olhar que para comemorar os vinte anos do LaMínima eles precisavam de um desafio à altura de sua trajetória.

*** No prólogo da adaptação do LaMínima de Pagliacci, Peppe, que é um tipo de narrador do espetáculo, diz: “Estou aqui para contar o que lembro e para lembrar que todo artista é um homem. E que todo ser humano é um tolo. E talvez nessa tolice esteja nossa salvação”. É nesse prólogo, nessa indicação sobre a nossa tolice que fica claro o caráter transgressor da adaptação da ópera. Não se trata mais do dramático operístico, mas da tolice do palhaço e de que ela seja nossa salvação, talvez a única. O espetáculo nos faz pensar no caráter arquetípico da figura do palhaço, figura que encarna toda uma visão de mundo, e em como o caráter anárquico é uma das facetas definidoras da sua personalidade. Ele é aquele que brinca com a estabilidade e com a instituição da ordem, uma vez que, por meio da brincadeira e da risada, tende a desequilibrar as estruturas organizadas que o cercam. O palhaço encanta com sua argúcia e sagacidade, questiona as convenções através de um olhar inocente e provocador. Em Pagliacci, temos um grupo de palhaços que se reúne para formar uma trupe chefiada por Cânio. Compõem o grupo Nedda, mulher de Cânio e que tem uma queda por Sílvio, o mais palhaço dos palhaços, Peppe o bufão, Tônio que é falso e dissimulado, mas que obedece sem pestanejar as ordens 34

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de sua companheira Strompa. Com o desenvolvimento da companhia, Cânio começa a se tornar autoritário e, para realizar um requintado melodrama, começa a abandonar os números de palhaçaria. Assim se desenrola a trajetória do palhaço que revela sua arrogância e começa a acreditar que não é mais palhaço – como se fosse possível –, afetando toda a trupe que passa a ser pressionada por Cânio. Ao deixar de ser palhaço, Cânio se torna um executivo, um comerciante, um homem de negócios e traz à tona seus conflitos com Sílvio. Em uma cena, Cânio pede que Silvio lhe mostre um número para o melodrama que o bufão Peppe está escrevendo. Silvio, num dos mais hilários números de palhaço do espetáculo, come cacos de vidro e defeca uma garrafa. Cânio se irrita com a grosseria do número, pois precisa de uma comédia “com refinamento”. A simplicidade do conflito traz à tona algo que permeia todo o espetáculo: a simbólica trajetória do palhaço que começa a se levar a sério demais. Essa trajetória nos remete à própria vida contemporânea e dos falsos ideais de sucesso por ela impostos. Estamos diante de um conflito que nos visita cotidianamente, o da necessidade de suprirmos uma expectativa de realização que não necessariamente é nossa, e sim de uma sociedade que parece nunca estar satisfeita. Cânio quer ser reconhecido pela crítica como um artista de bom gosto e para isso renega o número de Sílvio. Dessa forma nega suas próprias origens, como se para ser reconhecido tivesse que deixar de ser o que é.

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Paulo Barbuto.

teatro

Nesse contexto, a figura do palhaço ganha força e assume uma forte carga simbólica, remetendo à esterilidade de um mundo que exige dos indivíduos que sejam objetivos e que produzam. Encarada por essa perspectiva, a figura do palhaço revela o quanto tem de libertador. O caráter anárquico do palhaço serve como ponto de contestação à exigência de que tudo precise de propósito definido. Coloca-se como alternativa mais original, uma vez que apela à origem dos indivíduos, como se em sua tolice e ingenuidade estivesse nossa salvação diante do mundo voraz que a todo instante parece querer nos engolir. Outra das características marcantes do espetáculo é como ele, partindo de um drama moral do século XIX, em que o marido traído deve vingar sua honra, atualiza esse conflito para uma concepção mais moderna e progressista sobre os costumes. A obra original gira em torno do drama da esposa adúltera e de como ela feriu a honra do marido. Este marido, ao final da ópera, assassina sua esposa cometendo um feminicídio. Na adaptação do LaMínima, essa moral retrógrada é alterada, não se julga mais a mulher traída, o alvo agora é o marido opressor. E, para dar potência a essa alteração, a figura de Strompa, uma personagem que não está na trama original, é fundamental. Essa personagem carrega uma enorme força e também um encanto que toma toda a plateia. Marcada pela determinação, a personagem, que é companheira de Tônio e protagoniza a maioria das cenas de grande comicidade do espetáculo, traz como uma de suas principais características a muito bem-vinda insubordinação e o imenso poder do feminino. Strompa é interpretada por Carla Candiotto com muito carisma; além disso, a atriz é bastante alta, o que confere mais imponência à personagem, que afronta sem cerimônia os personagens masculinos que a desafiam. A energia do feminino não se demonstra só em Strompa, mas também em Nedda, que, mesmo doce e sonhadora, gradativamente vai recusando a submissão que dela se espera. Em dado momento, desiludida de seu casamento com Cânio, diz: “Tenho alma de pássaro, agora sei. A ordem, as leis, os hábitos são a prisão, a cela escura onde dorme meu coração”. É também essa consciência que a leva aos braços de Sílvio e faz girar a trama, ou seja, é o vigor do feminino e sua escolha pela liberdade que coloca a história em movimento. Saímos da passividade colocada na figura da mulher no libreto original de Ruggero Leoncavallo para que ela seja força motriz da trama na adaptação de Luís Alberto de Abreu. Cânio foi traído, mas ainda tinha um melodrama para encenar. O melodrama que Peppe escrevera a seu pedido para que ele “expusesse no palco as 37

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grandes emoções humanas”. Para o líder da trupe, essas grandes emoções só poderiam ser expostas por meio do dramático e não do cômico. Nessa dualidade que se evidencia a sua ridícula situação, ele tentou deixar de ser palhaço, mas reconhece em sua patética condição a essência e a alma de palhaço. Com a peça dentro da peça, ele percebe que o drama escrito por Peppe revela sua própria tragédia. O teatro dentro do teatro evidencia, como um espelho diante de outro, os limites da própria encenação e desponta para fora de cena com uma potência singular. Ao fazer com que Cânio se reconheça como autor e vítima do seu melodrama, o espetáculo nos aponta uma problemática parecida com a de seu personagem e faz nos reconhecer nela. O quanto a negação de nossa própria inocência e anarquia em detrimento de uma organização mais estável da vida não nos mostra nossos próprios limites? O quanto o endurecimento e objetivismo da rotina não nos afasta de algum sonho? E é neste momento em que todos reconhecemos lá dentro, num canto esquecido, nosso próprio palhaço. É devido a essa energia e engenhosidade que Pagliacci do LaMínima fala fundo aos nossos sentimentos. Oscilando entre as melancólicas falas do velho bufão Peppe, que entrecortam o espetáculo, e os elaborados e divertidos números de palhaço, vai se celebrando o circo e o teatro em uma tocante homenagem a essas artes. Pagliacci é uma consagração aos palhaços, aos artistas circenses e aos artistas do teatro, e guarda bastante relação com o filme A viagem do capitão Tornado, do cineasta italiano Ettore Scola, que a partir da história de uma companhia mambembe faz uma das mais belas homenagens que o cinema fez ao teatro. É impossível não falar de como é frutífero o encontro que Pagliacci promove para celebrar os vinte anos do LaMínima. Um elenco afiado e certeiro, que mostra ao que veio não só nos números circenses e de palhaçaria, mas também nas interpretações intensas e precisas. A direção musical que cria um profundo diálogo com os demais elementos cênicos e sobrepõe camadas de significação à encenação. Cenários e figurinos que compõem belamente a atmosfera do espetáculo. Uma dramaturgia inventiva e impactante, que parte da dificuldade de adaptar um texto datado para chegar a um resultado primoroso. E uma direção competente que soube colocar com precisão cada elemento. Durante todo o espetáculo, com os assentos quase todos ocupados e uma ruidosa plateia que vibrava a cada número, havia uma ausência quase que onipresente. Tentava entender por que um espetáculo cômico, mesmo que com pitadas melancólicas, evocava esse sentimento tão intenso. Talvez pela imagem do palhaço triste que nos observava durante toda a primeira parte da 38

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peça, através do enorme portal de entrada no fundo da cena. Talvez pelas palavras saudosas do velho bufão. E não apenas pela recente falta de Domingos Montagner, mas também por ela. A ópera Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo, depois do assassinato de Nedda e Sílvio pelo traído Cânio, termina com a frase “La commedia è finita”. Como a dizer que o lugar do palhaço acabou e agora só sobrou espaço para tristeza e para morte. Mas, na adaptação de Abreu, depois das mortes de Nedda e Sílvio, Cânio diz “La tragedia è finita”. Então as luzes piscam como em um curto-circuito e Cânio prossegue: “Desculpem por essa imprevisível interrupção, mas continuaremos com nossa peça”. Neste momento, percebemos que na montagem do LaMínima o que de fato acaba é a tragédia para dar prosseguimento à encenação, que é a maneira que aqueles palhaços tinham de dar continuidade à vida. Foi nesse instante que compreendi aquela ausência onipresente, aquela falta insistente. Era ela que movia aqueles palhaços, como uma falta que nos move, que nos faz entender que a vida e suas tragédias, as mortes que nos atravessam, também nos fazem seguir adiante.

LaMínima − Circo e teatro Um galo sozinho não tece uma manhã. João Cabral de Melo Neto

Em 1997, surge o grupo LaMínima fundado pelos atores, palhaços e artistas circenses Domingos Montagner e Fernando Sampaio. Sua primeira peça, LaMínima Cia de Ballet, foi assim batizada pelo diretor e dramaturgo Naum Alves de Souza após assistir o número em que é apresentada uma grande companhia itinerante com seus produtores, técnicos, diretores, coreógrafos, atrizes e atores, formada por exatamente duas pessoas. Naum não sabia, mas ao batizar o espetáculo batizava o grupo recém-formado. A partir de então se inicia uma parceria que deu às plateias brasileiras diversos espetáculos num íntimo e inseparável diálogo entre circo e teatro. Entre os espetáculos: À La Carte, Piratas do Tietê − O filme, Reprise, A noite dos Palhaços Mudos, Mistero Buffo, Classificados e agora Pagliacci, para citar apenas alguns. Ao longo desses vinte anos, o LaMínima foi consolidando sua linguagem, angariando prêmios e reconhecimento da crítica e do público. RODRIGO SANCHES nasceu em Curitiba, mas vive em São Paulo há mais de 30 anos. Estudou letras e filosofia na Universidade de São Paulo (USP), mas parece que a academia não era para ele. É ator e produtor cultural, às vezes dá uma de escritor. Também acha cachorro perdido, joga roleta, bilhar e baralho e sabe dar mortal para trás.

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Os olvidados por Carlos Castelo

Roberto Clemente. Giant insect, 2014. (bit.ly/2sHWTA7)

Minha ideia de literatura sempre esteve ligada a descobrir autores

que os outros não liam. Não por exclusivismo ou esnobismo intelectual, mas porque não via graça em perder tempo com aquilo que todos já estavam perdendo. Quando ler James Joyce era quase uma obrigatoriedade social, feito tomar vacina contra poliomielite, eu consumia o apolíneo Guy de Maupassant. Na época em que se enjoou dos modernistas, dei para fazer imersões em William Faulkner. E assim fui surfando em minha onda pessoal. O fenômeno agravou-se em função de minha amizade com o escritor João Antônio. Ela durou apenas um ano − o último da vida dele − mas rendeu muitas missivas, onde os puxões de orelha do mestre no aprendiz foram inúmeros. J. A. acabou acentuando minhas inclinações literárias, pois também não apreciava o “mainstream”. Tinha lá suas sensibilidades particulares a autores, temas, e ficava aborrecido quando determinados modismos faziam estardalhaço na lista dos mais vendidos da Veja. Chamava aquilo de “ignorantismo” − o fato estreitou ainda mais nossa fraternidade epistolar. Devo à antipatia ao pensamento único, turbinada pelo contato com o autor de Perus, malagueta e bacanaço, ao menos um benefício: ter ciência de obras notáveis que poucos percebiam, mesmo que estivessem numa estante a um palmo de seus narizes. O contato com o texto do, até hoje pouco lembrado, Victor Giudice (1934-1997) ocorreu justamente por isso. O niteroiense, além de estilista do verbo, era um grande conhecedor de música erudita e compositor de canções populares. Funcionário do Banco do Brasil, tornou-se, depois da aposentadoria, crítico de música. Mas, desde o lançamento do primeiro livro em 1972, sua ligação com a música já o caracterizava como alguém que levava a rítmica ao grau máximo de irresistibilidade. 41

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Giudice publicou quatro livros de contos: Necrológio (1972), Os banheiros (1979), Salvador janta nos Lamas (1989), O museu Darbot e outros mistérios (1994), e dois romances, Bolero (1985) e O sétimo punhal (1995). Ficou inacabado o romance Do catálogo das flores. Aplaudido pela crítica desde o primeiro trabalho, no qual está o conto brasileiro, até o momento, mais traduzido no exterior − “O arquivo” −, Giutrou o reconhecimento dois anos antes de falecer. Foi quando recebeu o Prêmio Jabuti pela coletânea de contos “O Museu Darbot”. Giudice jamais pertenceu a igrejinhas, revistas, movimentos. Pode-se dizer que foi um escritor à margem de tudo, menos da Tijuca e de São Cristovão − os palcos por onde suas narrativas e personagens moviam-se entre o surreal e o prosaico. Disse a ensaísta, crítica literária e professora Nelly Novaes

Imagem disponível em: bit.ly/2u5b0Tw

dice nunca deixou de ter leitores, mas só encon-

Coelho sobre o lugar de Victor Giudice na literatura brasileira: “Sua obra é das que aguardam, do futuro, o reconhecimento de seu lugar no acervo da ficção brasileira do século XX”. Meu contato inicial deu-se com O arquivo. Versa sobre a desumanização de um trabalhador chamado joão − com letras minúsculas. Eis aqui um pequeno fragmento: “No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos. João era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe. No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor. Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição. Dois anos mais tarde, veio outra recompensa. O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial. Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento. Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança. Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.” 42

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ensaio Após passar por vários rebaixamentos de cargo e salário na empresa em que labuta, perto de se aposentar, joão se transforma num arquivo de metal corporativo. Com toda certeza é uma das narrativas mais próximas de Franz Kafka já concebidas em língua portuguesa. E ainda traz nas entrelinhas pitadas de Borges, Cortázar e, por que não dizer, Buñuel. Nada mau para quem só é encontrado pelos arquivos das prateleiras mais ignotas do país. Meses atrás, uma acadêmica e estudiosa de Victor Giudice avisou-me que O necrológio − livro mais experimental do autor − seria relançado por uma grande editora. Liguei imediatamente para a empresa a fim de obter detalhes. Ficaram de me chamar de volta, mas já lá se vão semanas sem resposta alguma. Quando um autor cai na categoria “olvidado”, não há saída: editores e distribuidores parecem ficar desmemoriados em relação à sua obra.

Quinho. Wander Piroli, 2012.

O lírico brutal

Abraçado ao esquecimento de Victor Giudice também encontramos Wander Piroli (1931-2006). Chamado de “João Antônio mineiro” foi um dos escritores que o mestre J. A., em suas “cartas sociais” e em conversas no restaurante O Consulado Mineiro, me estimulou a conhecer. Piroli ganhou corpo naquela suposta abertura política de 1974 − leia-se Ernesto Geisel. Por essa época, vários escritores, que produziam na moita, lograram lançar no mercado trabalhos inovadores em relação à literatura vigente no país. Eram textos realistas, quase documentais, que subvertiam o gênero e a forma reinantes. João Antônio, Wander Piroli, Ignácio de Loyola Brandão e muitos outros eram parte desse primeiro comboio que conseguiu furar o bloqueio criativo daquele momento. Apesar de terem aparecido no mesmo momento, os estilos de Giudice e Piroli são bem diversos. Giudice cantou as dissimulações e anomalias da sociedade contemporânea. Ou, segundo um crítico dos anos 1970, “o leitor tinha diante de si um bizarro logogrifo literário, sério, circense, dramático, histrião; da mais intensa atualidade e permanência enquanto a história for a pré-história do Grande Circo burguês”. Piroli seria o lírico brutal. Nunca poderia se afirmar que engendrou charadas verbais. Se o estilo de Giudice é um passeio pelo bosque, parando para ver 43

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abelhas, trevos de quatro folhas e musgos, o modus operandi de seu colega é uma marcha que segue célere em direção à crueza da vida real. Como pode-se atestar numa célula do conto “Crítica da razão pura”: “Ouvi primeiro o ruído de cascos pisando a grama, mas continuei deitado de bruços na esteira que havia estendido ao lado da barraca. Senti nitidamente o cheiro acre, muito próximo. Virei-me devagar, abri os olhos. O cavalo erguia-se interminável à minha frente. Em cima dele havia uma espingarda apontada para mim e atrás da espingarda um velhinho de chapéu de palha, que disse logo o seguinte: — Filhos de uma puta. Pois não — tentei eu, ainda entorpecido pela bebida do almoço. O velho encaminhou o cavalo até o fogão, abaixou-se na sela e inspecionou o que restava na lenha. — Filhos de uma puta. Os moirões — pensei, pondo-me de pé. E andando de costas, sem tirar os olhos do velho, fui até a entrada da barraca e chamei pelo Dr. Fontes. — Fale, querida — disse ele lá de dentro. — Depressa, doutor — pedi. — Filhos de uma puta — repetiu o velho emputecido, agora examinando a cerca destruída. — São os moirões — expliquei para o dr. Fontes, que saía da barraca com os óculos tortos na cara amarrotada, os cabelos em desordem. — Calma — ponderou Dr. Fontes. — Filhos de uma puta — insistiu o velho de pele vermelha curtida, ossudo. Cainca apareceu fora da barraca, nu, com o calção na mão: — Mas que porra é essa? — Chega pra lá — ameaçou o velho lá de cima do cavalo. Cainca enfiou o calção. — Bem — disse eu — se é por causa dos moirões. — E o senhor tem dúvida? Olha lá o que vocês fizeram com a cerca. Será que algum filho da puta ainda tem alguma dúvida? — Filho da puta, não senhor — disse Cainca.”

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ensaio

A última menção que li a respeito de Wander Piroli é de 2011 e foi curiosamente levantada pelo ex-senador, do Partido Democratas, Demóstenes Torres. Disse o político, em discurso na Câmara Alta, que a obra É proibido comer a grama, adotada pelo MEC na rede pública, era “sexista, machista e fascista”. Foi cassado semanas após essa exposição oral por quebra de decoro parlamentar. Não cabe citar aqui as verdadeiras razões de seu afastamento, mas Wander Piroli e João Antônio devem ter dado boas gargalhadas lá em cima.

O Pynchon de Picinguaba

Um outro niteroiense (sempre eles?), de 81 anos, desde 1962 produz com a pujança de um garoto recém-entrado no mundo das letras. Eduardo Alves da Costa reside na bucólica praia de Picinguaba, em Ubatuba, litoral paulista. Até o momento, seus poemas, contos, peças de teatro, textos infantojuvenis, crônicas e romances engendraram 24 obras. Coleciona prêmios relevantes e, por alguma dessas coincidências cósmicas, é mais lembrado quando alguém posta estas estrofes de seu poema mais conhecido, “No Caminho com Maiakóvski”, em alguma rede social da vida: Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada

O paradoxo, que nem a física quântica nem a profecia explicam, permanece imperturbável há mais de 50 anos. O escritor Roberto Freire, na epígrafe 45

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ensaio de um de seus livros, imputou ao poeta russo Wladimir Maiakóvski a propriedade dos versos e iniciou a interminável confusão. A “barriga” foi revisada mais tarde, mas a falsa autoria pegou. No “Caminho com Maikóvski” virou pôster de líderes estudantis que combateram a ditadura militar, nos anos 1970; apareceu nas camisetas da campanha pelas Diretas Já, nos anos 1980. E, traduzido para um sem-número de idiomas, virou mania na internet, nos anos 1990. Pior: o criador daquelas estrofes já não era nem Eduardo nem Maiakóvski, mas Gabriel García Márquez, Bertolt Brecht, Wilhelm Reich, Léopold Senghor… O derradeiro golpe veio em 2003: na telenovela “Mulheres Apaixonadas”, exibida pela Rede Globo, a atriz Christiane Torloni leu um trecho do poema, dando o crédito correto, mas colocando mais uma vez Alves da Costa apenas como um bardo das causas sociais. O escritor resigna-se com o fato, atribuindo-o a seu reconhecimento como, pelo menos, um poeta de peso. Contudo, é justo, mesmo que tardiamente, reconhecer suas outras virtudes. Em especial a do prosador de A sala do jogo e Cem gramas de Buda. Ou ainda do romance Chongas, que Antonio Houaiss classificou como “diabalmente aliciante”. Toda sua escrita é, de fato, magnética − flerta com o fantástico usando os efeitos expressivos dos que dominam o metiê de se equilibrar por sobre palavras. Como cronista admito ter ficado especialmente curioso por conhecer Uma lebre na moita do destino, crônicas publicadas no jornal Diário de São Paulo. Busquei o suposto volume em livrarias físicas, prateleiras virtuais, depois em sebos empoeirados e até nos alfarrabistas mais obscuros. Nada sobre nada. Não seria hora de desviar-se um pouco da senda de Maiakóvski e editar, em grande estilo, o Eduardo cronista? Ofereço-me para preparar o prefácio prometendo não trocar o nome de nosso talentoso artista pelo de Bertolt Brecht ou García Márquez. Como disse antes, minha ideia de literatura sempre esteve ligada a encontrar escritores que os outros não liam. É claro: Eduardo Alves da Costa − juntamente com as obsessões antigas por Giudice e Piroli − agora virou mais uma ideia fixa para mim.

CARLOS CASTELO é escritor e letrista. Lançou onze livros, entre eles o romance policial Damas turcas (Global), a coletânea de crônicas Clássicos de mim mesmo (Matrix) e o volume de máximas e aforismos Orações insubordinadas (Ateliê Editorial). É um dos criadores do grupo de humor musical paulistano Língua de Trapo. Também é colunista do jornal O Estado de São Paulo (Crônica por quilo) e escreve crônicas e resenhas sobre livros na revista Bravo!

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Inesquecíveis

A SESI-SP Editora continua publicando autores que, apesar da qualidade de suas obras, saíram de cena ou foram olvidados pelo mercado livreiro. Interessada em salvaguardar a memória cultural e literária desses escritores brasileiros, a Editora já conta com alguns nomes significativos em seu catálogo, como é o caso de Eduardo Alves da Costa, Wander Piroli, Luiz Lopes Coelho e Cornélio Penna, além de outras surpresas que estão por vir. São autores pouco conhecidos do grande público, mas que compuseram obras valorosas no cenário nacional. 47

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clássicos

A atualidade literária do bruxo Machado de Assis por Wilton José Marques

Marc Ferrez. Retrato de Machado de Assis, 1890.

Pensar (ou repensar) a importância estético-histórica de autores

e obras é um dos aspectos fundantes do trabalho intelectual e, ao mesmo tempo, é o que, no limite, confere sentido ao próprio exercício crítico. Mais ainda, a constância reflexiva sobre o texto é um dos indícios, talvez o mais salutar, do atual estado de viveza em que se encontra a crítica literária. No caso da brasileira, se, no passado, apesar do menor número de leitores, ela possuía maior influência sobre o público; hoje, no entanto, em função das inúmeras plataformas para além do jornal, o que amplifica seu raio de ação, é mais eficaz e talvez até mais plural em função da maior gama de assuntos tratados. De toda forma, tanto no passado quanto no presente, algumas questões teóricas teimam em reaparecer na ordem do dia, como, por exemplo, a que trata do problema sobre a constante atualidade que, mesmo a despeito do tempo, parece continuar rondando as obras de alguns autores. No caso

específico da literatura brasileira, a produção literária de Machado de Assis, já reconhecida por sua importância canônica, talvez seja a mais indicada para (re)pensar tal problema. 49

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Entretanto, é necessário reconhecer de saída que discutir a importância e/ou atualidade do escritor carioca não é lá tarefa muito fácil, sobretudo porque, como se sabe, a obra machadiana é marcada tanto pela pluralidade de gêneros tratados quanto pela extensão em si. Além disso, nunca é demais lembrar de outro dado importante que dificulta a tarefa, a inexistência, ainda nos dias de hoje, de uma obra completa do autor. Aliás, volta e meia, a própria crítica literária é surpreendida com o eventual aparecimento de novos (e até então desconhecidos) textos, literários ou críticos, ou mesmo de novas imagens ou, por fim, de outras informações biográficas sobre o autor, o que, sem dúvida, aguça ainda mais, em leitores e críticos, o desafio de tentar decifrar os segredos do Bruxo. De todo modo, apesar de algumas e pontuais lacunas, a obra de Machado de Assis é, em si, um mundo complexo, que, na verdade, foi sendo cuidadosamente construído como o resultado de um longo e constante exercício de estudo, temperado, é claro, por um obsessivo desejo de aperfeiçoamento estético. Já no prólogo do primeiro romance, Ressureição (1872), Machado fez questão de antecipar aos leitores o seu método de trabalho, afirmando que “com o tempo, adquire a reflexão o seu império, e eu incluo no tempo a condição de estudo, sem o qual o espírito fica em perpétua infância. [...]. Quanto mais versamos os modelos, penetramos as leis do gosto e da arte, compreendemos a extensão da responsabilidade, tanto mais se nos acanham as mãos e o espírito, posto que isso mesmo nos esperte a ambição, não já presunçosa, senão refletida. [...]. Cada dia que passa me faz conhecer melhor o agro dessas tarefas literárias, − nobres e consoladoras, é certo −, mas difíceis quando as perfaz a consciência”. Assim, antes mesmo de pensar propriamente na atualidade da obra machadiana, é preciso saber de que faceta de Machado de Assis está se falando. Afinal, como se disse, ainda existem algumas lacunas analíticas no universo literário machadiano. No entanto, quando se foca, por exemplo, nas obras publicadas a partir do início da década de 1880, notadamente nos romances e nas coletâneas de contos, a questão de atualidade torna-se, por um lado, mais aguda, mas, por outro, explica-se de modo mais claro. Sobretudo pelo fato capital de já estarem num outro (e superior) patamar literário, o de obras clássicas. Inclusive, é possível associar à ideia de obra clássica tanto a necessidade de certo reconhecimento ao longo do tempo, quanto à verdade de que, fatalmente, ela se tornará modelo para outros autores. Ainda que se possa dizer que algumas sejam clássicas de nascença, não se pode esquecer que a maturação do tempo costuma ser a prova dos nove de uma obra literária, permitindo que olhares críticos dos mais diversos mati50

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zes se debrucem sobre ela, confirmando ou não o seu estatuto. Sem maiores dificuldades, é perceptível que vários textos da chamada maturidade literária de Machado de Assis transcendem seu próprio tempo histórico e, a cada nova leitura, continuam a suscitar discussões, ampliando o alcance do debate estético em torno deles. Dessa forma, para retomar o problema da atualidade da obra machadiana, é importante salientar que, além da chancela da crítica literária, o reconhecimento de sua atualidade e/ou importância histórica também se deve ao constante e natural processo de renovação dos leitores, que, por sua vez, renovam as leituras. E aqui, ainda que existam vários percalços pelo caminho, destaque-se o papel fundamental da escola na formação de leitores e, sobretudo, do professor de literatura, cuja função primordial é a de mediar o encontro de Machado de Assis com seus novos leitores. Se bem feita, essa mediação já é meio caminho andado para que o primeiro encontro se transforme em casamento duradouro.

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Assim, mesmo em tempos políticos instáveis como o atual, quando os leitores se encontram com o Bruxo, abre-se a possibilidade de entenderem, seja a partir de um Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) ou mesmo de um Quincas Borba (1891), que as contradições e injustiças, inerentes à formação da sociedade brasileira, explicam as mazelas sociais que, desde sempre, pontuaram (e pontuam) os destinos da história do Brasil, o que obviamente corrobora ainda mais a atualidade das obras machadianas. Dito de outro modo, ler hoje Machado de Assis é, na verdade, compreender que a lógica de exclusão social, que mais uma vez se quer impor à grande parte da população brasileira, é um requentado exercício de uma velha prática de poder, cuja faceta mais perversa é a de perpetuar o privilégio de poucos. E tal prática excludente não é nenhuma novidade moderna, pois vem de longe, vem do mesmo passado social tematizado pelo autor carioca em seus livros.

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Por outro lado, a leitura de um conto como, por exemplo, “Uma senhora”, da coletânea Histórias sem data (1884), cujo enredo é focado na vaidade de uma mulher, D. Camila, e que, segundo o narrador, “deixava às outras o trabalho de envelhecer”, pode ser igualmente reveladora. A vaidade extrema da personagem, alimentada pelo perene desejo de reconhecimento público através dos olhares da sociedade, o que, nesse sentido, levava-a a lançar mão de vários subterfúgios para esconder a própria idade, traduz uma temática humana e universal que dialoga, e muito, com o culto extremado do corpo que, nos dias de hoje, faz com que muitas pessoas tenham também os mesmos desejos da personagem machadiana. Esse exemplo pontual também atesta, de modo inequívoco, a atualidade do escritor. Enfim, seja pela chancela da crítica literária, seja pelo importante papel da escola na formação de novos leitores, a leitura de Machado de Assis é, no limite, um gesto de resistência a toda e qualquer forma de alienação, existencial ou política. E fiando-se ainda nos ensinamentos de Antonio Candido, para quem, o direito universal à fruição da literatura “desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”, a leitura de Machado de Assis é igualmente uma espécie de antídoto venenoso a toda e qualquer forma de passividade crítica. E o maior risco do leitor nessa história? É ser contagiado. Afinal, mais do que nunca, o atualíssimo Bruxo do Cosme Velho continua sendo, para nossa sorte, cada vez mais Bruxo.

A SESI-SP Editora lança neste ano Mulheres de Machado. Uma seleção de contos de Machado de Assis que abordam o universo feminino.

WILTON JOSÉ MARQUES é professor de literatura brasileira e teoria literária da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em 2011, recebeu o prêmio Jabuti na categoria Crítica e Teoria Literária pelo livro Gonçalves Dias: o poeta na contramão (EDUFSCar: 2010). Posteriormente, publicou O poeta do lá (EDUFSCar: 2014) e O poeta sem livro e a pietà indígena (Editora da UNICAMP: 2015). Atualmente, trabalha em duas pesquisas que tratam das recentes descobertas de textos inéditos de Machado de Assis e José de Alencar.

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Vinte pistas para entender os cinquenta anos de Cem anos de solidão

Meio século do romance do século XX por Ronaldo Bressane

Ricardo Cavolo. Instagram: @ricardocavolo.

1. O mundo universal

Muitas são as interpretações sobre a longevidade do sucesso de público e crítica de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. Muitos sugerem que suas linhas iniciais estão entre as melhores aberturas de romance de todos os tempos: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. É que a frase inicial, além de já jogar um gancho para o leitor para uma peripécia muito futura − o pelotão de fuzilamento −, também aponta ao mesmo tempo para o passado − a tarde remota em que o protagonista conheceu o gelo. É um começo que caminha na direção do passado e do futuro simultaneamente.

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No entanto, prefiro apontar algumas linhas adiante para explicar o fenômeno da genialidade do livro: “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”. O mundo era tão recente. García Márquez nos leva às franjas da história aqui. Em poucas linhas, temos instituições modernas como o exército e o pelotão de fuzilamento, mas há ainda um aceno ao arcaico: geladeira é item tão raro que parece uma atração circense (de fato, quando criança, Gabo era levado pelo avô à loja da United Fruit, única com energia elétrica naquela época, para colocar as mãos nos cristais resfriados). E este “mundo recente” remete ao nascimento da Terra, da civilização, aludindo a uma era ancestral, em que ainda havia Adões e Evas dando nomes às coisas. Ou seja, nesta localidade remota chamada Macondo, vive-se uma encruzilhada dos tempos mítico e moderno; uma impossibilidade, em termos, praticada de modo bem-sucedido. Dessa encruzilhada saiu um romance com a capacidade de multiplicar suas próprias narrativas para dentro da realidade: um motoperpétuo de boatos, fofocas, anedotas e lendas.

2. “Ninguém morre quando deve e sim quando pode.” 3. Estratégias e táticas

Aos 40 anos, Gabo já havia publicado um romance e alguns livros de contos. Trabalhava como jornalista e roteirista, e, portanto, era um duro. Embora confiasse em seu taco e em seu conhecimento do mundo hispânico para divulgar seu romance mais ambicioso antes mesmo de ele ser publicado, nutria dúvidas a respeito de sua qualidade. “Quando li o que tinha escrito”, confessou por carta a um amigo, “tive a desmoralizante impressão de estar metido numa aventura que tanto podia ser afortunada quanto catastrófica.” O primeiro capítulo saiu em 1o de maio de 1966 no El Espectador, de Bogotá, quando ainda faltavam três meses para finalizar a obra. O capítulo seguinte que García Márquez testou com os leitores saiu na revista Mundo Nuevo em agosto de 1966. Publicada em Paris, essa revista se tornou a principal vitrine da literatura do boom latino-americano. Seus 6 mil exemplares mensais eram vendidos em 22 países, incluindo EUA, Holanda, Espanha, Portugal e quase toda a América Latina. O novo capítulo era o mais arriscado: a ascensão ao céu de Remedios, a bela. O escritor escolheu para sua divulgação Amaru, revista peruana dedicada à literatura de vanguarda. Na revista literária colombiana Eco surgiu outro capítulo “perigoso”: a morte de Úrsula, depois de viver entre 115 e 122 anos. Em março de 1967, o autor usou outra 56

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artigo vez a Mundo Nuevo para testar o capítulo da peste da insônia, que flagelou Macondo. Em abril de 1967, a revista mexicana Diálogos imprimiu o capítulo da chuva que cai sobre Macondo durante quatro anos. Por fim, na semana anterior ao lançamento do livro, a revista Primera Plana – cujos sessenta mil exemplares semanais circulavam dentro e fora da Argentina − publicou um fragmento do capítulo sobre as 32 guerras do coronel Aureliano Buendía. Ao publicar os capítulos mais arriscados criativamente, GGM anotou as sugestões de amigos e leitores e fez dezenas de modificações em seu livro. Além, é claro, de atrair para si a simpatia de todo o multifacetado mundo literário hispânico.

4. “O segredo de uma boa velhice não é outra coisa que um pacto honrado com a solidão.”

5. O berço do nome

Santi Pozzi.

Quando criança, todo dia Gabo viajava entre Santa Marta, onde estudava, e sua cidade natal, Aracataca. Toda vez que voltava de trem para casa − que mais tarde deixaria, junto com sua família, ao se mudar para Sucre, e depois Bogotá, e depois Cidade do México, e por fim Barcelona −, passava pela fazenda de bananas da United Fruit Company. E ali via a tabuleta que dizia Finca Macondo. Este nome sonoro ficaria marcado em sua memória. Mas Macondo também é uma árvore corpulenta. Houve um povoado ali que se chamava Macondo, ali existe um riacho que se chama Macondo − de águas cristalinas onde as pedras parecem ovos e que hoje atraem milhares de turistas perdidos com a súbita aparição de borboletas amarelas.

6. “O choro mais antigo da história do homem é o choro do amor”.

7. Supersticioso

Gabo era um supersticioso impenitente. Se um besouro entrasse em sua casa, era sinal de azar; colocar flores artificiais na sala atrairia a ruína. Por isso, enquanto escrevia, ia contando pedaços de seu livro aos amigos escritores Alvaro Mutis e Carlos Fuentes − acreditava firmemente que contar o que estava escrevendo espantava os duendes. 57

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8. “Tinha a rara virtude de não existir por completo a não ser no momento oportuno.”

Em 1971 o romance foi editado em russo − sem as cenas de sexo. O regime de censura soviético era muito forte: assim, José Arcadio, personagem conhecido pelo enorme pênis, e a prostituta Pilar Ternera perderam quase todas as suas cenas. Gabo era comunista, amava Cuba, mas detestava a União Soviética − especialmente por conta desta tradução.

10. “Não entendia como se chegava ao extremo de fazer uma guerra por coisas que não se podiam tocar com as mãos.”

11. A Casa

Muitas coisas mudaram até a edição definitiva. A localização precisa de Macondo, por exemplo, foi desaparecendo ao longo das versões anteriores até desaparecer, para aumentar o sentido de isolamento e paraíso. Remedios, A Bela, se chamava Rebeca de Asis; o último dos Buendía se suicidava em versões iniciais, até morrer levado por formigas no fim do livro; o livro começava não com a evocação de quando o pai de Aureliano o levava para conhecer o gelo − e sim um mero camelo. O título também melhoreu muito: no começo o livro chamava-se A casa.

12. “Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que

não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.”

13. O tempo

Parece claro que a escritura do romance tomou 18 meses. No entanto, García Márquez começou a dar mostras de que a história lhe dava voltas na

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9. Censurado

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Ilustração de Carybé para o livro Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

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cabeça desde 1950, quando a revista Crónica publicou “La casa de los Buendía (Apuntes para una novela)”, e em 1952 sua coluna La Jirafa, do jornal El Heraldo, era intitulada “La casa de los Buendía”.

14. “Ninguém devia conhecer o significado de sua vida enquanto ainda não completou cem anos.”

15. A forma

Não a história em si, mas o modo de contá-la, foi o que encontrou Gabo em 1965 durante uma viagem em família para Acapulco. Estava dirigindo quando de repente lembrou o modo como sua avó contava histórias. Deu meia volta na estrada, voltou para casa e sentou-se à máquina de escrever. Nunca chegou a conhecer Acapulco.

16. “A ciência eliminou as distâncias, afirmava Melquíades. Logo mais, o

homem poderá ver o que acontece em qualquer lugar da terra sem sair de casa.”

17. Recusado

Uma lenda muitas vezes repetida é a de que Gabo teria enviado seu livro primeiro ao editor Carlos Barral, da Seix Barral, que teria dito “esse romance não vai ter sucesso”. Só em 2014 o editor escreveria um artigo afirmando: “Nunca recusei este romance porque nunca tive chance de ler o tal manuscrito”. Na verdade, foi O enterro do diabo, seu primeiro livro, que foi recusado − pela editora argentina Losada, um dos sonhos de consumo de Gabo. Em 1965, Luis Harss, crítico chileno, entrevistou Gabo e outros escritores ­latino-americanos − Borges, Cortázar, Fuentes, Onetti, Llosa − para Los Nuestros, o famoso artigo que desencadeou o “boom” da literatura latino-americana. Harss apresentou Gabo ao editor Francisco Porrúa, da Sudamericana. O esperto argentino foi quem acabou lançando GGM ao mundo. Após o vitorioso lançamento de Cem anos de Solidão em Buenos Aires, Gabo nunca mais voltou à cidade − tinha medo de que, ao voltar, perdesse toda a sua magia.

18. “Ela encontrava sempre a maneira de rejeitá-lo porque mesmo que não conseguisse querê-lo já não poderia viver sem ele.”

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artigo

19. Números

Em 1965, quando começou a escrever Cem anos de solidão, Gabo vivia na Cidade do México. Certo de que o livro seria um sucesso, entregou os últimos US$ 1.500 que havia recebido por um trabalho − fazia bicos de jornalismo e cinema − à mulher, Mercedes Barcha. Ela que se virasse com a graninha até ele terminar o livro: precisava só de seis meses − demorou um ano e meio. Mercedes teve de tomar emprestado para pagar o aluguel. Seu editor argentino enviou US$ 500 como adiantamento, e assim puderam comer. Mas, para mandar as 590 páginas datilografadas pelo correio, faltou dinheiro. Gabo enviou só 200 − felizmente, Porrúa adorou o livro. Já em Buenos Aires antes do lançamento, Mercedes trancou-se no quarto do modesto hotel: estava com vergonha de suas roupas. Gabo pediu um adiantamento pela venda da segunda edição do livro − e queria tudo em notas pequenas. Quando o dinheiro chegou, em duas maletas, espalhou-o pelo quarto e colocou o resto numa bandeja para Mercedes gastar nas lojas. A primeira edição, de 8 mil exemplares, esgotou-se em duas semanas. (Em um ano, o livro vendeu 600 mil exemplares; 2 milhões em 3 anos; 50 milhões desde 1967.) Quando foi ver uma peça de teatro, o casal foi reconhecido − um popular gritou alto “Gracias, García Márquez” e o teatro inteiro o aplaudiu. Depois desse dia, até sair de Buenos Retrato de Gabriel García Aires, Gabo cansou-se de tanto dar autógrafos. Márquez que compõe o livro do fotógrafo Daniel Mordzinski, da SESI-SP Editora.

20. “Chegaram a suspeitar que o amor poderia

ser um sentimento mais tranquilo e profundo que a felicidade desaforada mas momentânea de suas noites secretas.”

RONALDO BRESSANE é escritor e jornalista. Publicou, entre outros, Metafísica Prática (Oito e Meio) e Sandiliche (Cosac Naify).

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As revistas cinematográficas dos anos 1980 por Fábio Piperno

Mart Ayerbe. Películas: Cinema Paradiso, 2013. (bit.ly/2t38CsI)

Jamais tantas páginas sobre cinema foram escritas no Brasil

como na década de 1980. Em um mundo ainda desconectado da internet e, portanto, sem portais de informação ou blogs especializados, as revistas eram, mundo afora, os veículos de mais prestígio quando o assunto era a sétima arte. Na França, por exemplo, a cultuada Cahiers du Cinéma e, mais tarde, a Premiere tinham centenas de milhares de fãs e eram referências quanto às novas tendências, da mesma forma que podiam comprometer reputações. No Brasil, de muitas publicações efêmeras sobre o tema, as mais completas foram a Cinemin e a Set. Não por acaso, as que mais tempo permaneceram no mercado. Lançada em outubro de 1982, a Cinemin era uma publicação da carioca Editora Brasil-América (Ebal). Na verdade, podia-se considerar um relançamento, já que a Ebal havia feito outras quatro tentativas de emplacar o título desde 1953, em diferentes formatos. Sob a direção de Fernando Albagli, a quinta versão da revista foi a de mais sucesso. Se a época era de instabilidade econômica, havia em contrapartida uma lacuna de mercado que a Cinemin preenchia. Tal realidade era admitida em editorial publicado em seu número 5. “Cinemin é a única revista especializada em cinema atualmente em circulação, tirando as especializadas em cinema-pornô.” 63

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Acervo pessoal.

Além de não ter concorrentes, o conteúdo agradava, o que fazia disparar o universo de cinéfilos fiéis à publicação. Em uma mesma edição o leitor encontrava reportagem sobre o lançamento do blockbuster O retorno de Jedi, da bem-sucedida trilogia de George Lukas, a crítica favorável ao nacional Sargento Getúlio, protagonizado por Lima Duarte e vencedor do Festival de Gramado/83, um recheado perfil de Meryl Streep, Oscar por A escolha de Sofia, além de mais um capítulo da batalha entre censura versus arte. A obra em questão era Rio Babilônia, de Neville D´Almeida, que finalmente havia sido liberado pela censura. Mutilado por três cortes, o filme era um caleidoscópio do Rio de Janeiro, revisto sob a ótica do glamour, do erotismo e das ilicitudes praticadas na cidade maravilhosa. Incomodados, 64

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Divulgação.

os censores da Divisão de Censura e de Diversões Públicas ameaçaram o trabalho de interdição, depois determinaram sete cortes e mais tarde reduziram para três. Ainda na mesma edição, a revista marcava um golaço. Conseguiu uma rara entrevista com Syn de Conde, na verdade Synésio Mariano de Aguiar, um paraense que nas décadas de 1910 e 1920 se tornou o primeiro brasileiro a trabalhar como ator em Hollywood. Amigo de Rodolfo Valentino, atuou em oito filmes antes de retornar ao Brasil, onde virou um arrependido funcionário público, a serviço do Ministério da Agricultura. Outra raridade descortinada pela Cinemin foi a entrevista com o autor do primeiro longa de animação produzido no Brasil. O autor de Presente de Natal foi o amazonense Álvaro Henrique Gonçalves, que sem apoio para a produção começou a desenhar os quadros sozinho, em 1965. Meia década depois, concluiu o último dos 140 mil fotogramas do filme que tinha 75 minutos de duração, inteiramente sonorizado e colorido. Após ser recusado por um exibidor paulista, a obra do diretor estreou em 1971, no extinto Cine Avenida, de Manaus, como registrava a Cinemin. Também foi histórica a última edição de 1985. Já na página 2, o leitor reencontrava um tema que continuava sensível: a censura! Desta vez, o alvo era Je Vous Salue Marie, de Jean-Luc Godard. Naquele ano, o filme encerraria o FestRio. Isso se o Ministério da Justiça não cedesse às pressões da Igreja Católica. A proibição provocou protestos de artistas e de alunos de cinema da Universidade Federal Fluminense pouco antes da inauguração do festival. Caetano Veloso e Fernanda Montenegro lideravam a guerra santa contra o arbítrio e cobraram explicações do Ministério da Cultura. Por outro lado, o presidente da CNBB, dom Luciano de Almeida, defendeu o veto ao filme, como relatava a Cinemin. “Jean-Luc tem o direito de apresentar na tela os personagens que quiser. Só não pode deformar intencionalmente pessoas cuja dignidade e significação religiosa devem ser respeitadas”, pontificou o líder religioso. Contrariado, Godard cancelou a vinda ao Brasil, onde seria a atração do encerramento do festival. Como algumas cópias do filme haviam entrado no Brasil, as exibições clandestinas fizeram a alegria dos cinéfilos que não tiveram muita dificuldade para driblar os 65

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resquícios da velha censura que resistiam em meio ao processo de redemocratização do país. E, claro, reportagens como a publicada na Cinemin apenas aguçavam a curiosidade em torno de um filme, diga-se, bem menos provocante que a publicidade despertada. A gradual remoção das barreiras da censura abria uma janela para a produção cinematográfica que ocorria em mercados quase que desconhecidos por aqui. Atenta a essa abertura, a Cinemin lançou a seção Cinema no Mundo, que na estreia teve como tema os filmes soviéticos. Nas edições seguintes, o cinéfilo leu sobre produções da Iugoslávia, Hungria e de outros países que raramente tinham obras exibidas por aqui em circuito comercial. Como rigorosamente tudo que cercava a indústria do cinema era assunto, a revista lançou um espaço chamado Por trás das Câmeras. A cada edição, a seção destacava o trabalho de profissionais como diretores de arte, iluminadores, roteiristas e figurinistas, entre outros. A criatividade para inovar na criação de novas editorias dentro da publicação desafiava limites. A anos-luz da interatividade de hoje, a Cinemin lançou a coluna Álbum, que publicava as fotos de astros que os leitores pediam. Assim, a revista fidelizava mais o seu público. Eram comuns as séries, como Os Grandes Mitos do Oeste no Cinema, espaços dedicados a seriados, compositores clássicos do cinema, o cine-teste, resumos de dezenas de livros que viraram filmes, biografias, cartas e um encarte sobre o Oscar, assinado por Fernando Albagli, que recheou 14 edições da revista, em 208 páginas! O lançamento da Cinevídeo, em 1986, privilegiava vídeos de filmes brasileiros e reportagens que podiam apontar tendências. Uma das mais visionárias foi sobre Os Jovens de Ouro do Cinema Americano, que destacava várias apostas de Hollywood que ainda não tinham atingido os 30 anos. Os autores do trabalho mostraram feeling apurado, ao eleger como atores de futuro promissor nomes como Tom Hanks, Sean Penn, Emilio Estevez e Kevin Bacon. O fato é que apesar de alguns lances certeiros, as duas novas revistas tiveram vida efêmera. Como aliás havia ocorrido com o Plano Cruzado, que chegava desidratado ao final da temporada. O ano de 1987 marcaria o fim do reinado sem grandes concorrentes da Cinemin, que já no início do segundo semestre passaria a enfrentar a vigorosa ascensão da Set, publicação que ostentava o sobrenome Civita entre os sócios. E tanto no Brasil como no exterior, assunto é o que não faltava. O número 37, correspondente aos meses de maio e junho, comemorava no editorial um recorde, sem imaginar que o mercado nunca mais seria o mesmo para a velha, popular, mas ainda sem anunciantes Cinemin. O motivo de 66

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júbilo era o resultado expressivo da edição anterior. A Ebal anunciava que haviam sido vendidos 50.567 exemplares em 405 cidades brasileiras, além de outros 3 mil despachados para Portugal. Jamais os leitores tinham levado para casa tantas revistas de cinema. Em meados daquele ano, a editora Azul, que reunia como sócios Roberto Civita, fundador do Grupo Abril, e Angelo Rossi, lançava a revista Set. Já no primeiro editorial, o diretor de redação Alex Antunes anunciava que, para começar, a estrutura contaria com três escritórios no exterior (Paris, Milão e Nova York), mais quatro correspondentes, baseados em Los Angeles, Paris, Milão e Londres. As duas concorrentes tinham diferenças fundamentais. Para começar, a Cinemin circulava com muitas páginas em preto e branco, opção descartada pela colorida Set. No modelo de negócios também se distanciavam. Enquanto a mais antiga tinha praticamente toda a receita advinda das vendas em bancas, a estreante contava com a expertise comercial do Grupo Abril. Não demorou para que exibisse nas cercas de 100 páginas de cada edição publicidade de bancos, cigarros, chocolates e marcas de videocassete, o eletrônico que se tornara desde o início da década o objeto do desejo de muitos lares. De tão cobiçado, o aparelho era adquirido até por meio de consórcios! Diferente da concorrente, que dedicava generosos espaços à produção nacional, a Set se voltava mais para o exterior e para os blockbusters. Na edição de estreia, o canastrão Mickey Rourke dominava a capa, acompanhado do exagerado título Um Novo Mito nas Telas. Se a intenção era ser premonitória, a Set errou feio, mas o fato é que nas demais 99 páginas a revista oferecia ao leitor entrevistas feitas por seus correspondentes com astros como Rourke, na época popular por conta do estrondoso sucesso de 9 Semanas e Meia de Amor, de retumbante sucesso, Barfly e Coração Satânico, Mel Gibson, Dennis Hooper e um diretor do calibre de Oliver Stone, que acabara de lançar o premiado Platoon, um exasperante relato sobre a Guerra do Vietnã. Personagem célebre também pelo engajamento político, o diretor criticou na entrevista o governo Ronald Reagan, sobre quem fazia avaliações desabonadoras, e demonstrou incômodo ao ver sua obra ser apontada como um anti-Rambo, personagem de Silvester Stallone à época alçado à condição de herói pelos defensores das incursões militares do país na Ásia. O tema Vietnã obviamente não se esgotou com Stone. Naquela segunda metade da década de 1980, e já com o governo Reagan nos estertores, o cinema americano fez jorrar uma série de filmes sobre o tema. Além do crítico Platoon 67

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e do ufanismo de Rambo, Nascido para Matar e Bom Dia Vietnã, fizeram sucesso nas bilheterias, o que obviamente ecoava nas revistas brasileiras. Nas páginas seguintes da edição, a Set apresentava diversas seções, em que tratava de lançamentos em cinema e vídeo, mitos do cinema, cartas (sim, naquela época chegavam aos montes!) e reportagens especiais, como a realizada nos sets das filmagens de A Costa do Mosquito, estrelado por Harrison Ford, célebre no papel de Indiana Jones. No espaço dedicado ao Filme do Mês, o destaque era para Veludo Azul, sucesso dirigido por David Lynch, estrelado por Dennis Hooper e Isabella Rossellini, dona de faiscantes olhos azuis. E como um pouco de sensualidade certamente cairia no gosto do leitor, principalmente na parte masculina deles, um ensaio com a então nova musa Nastassja Kinski deliciava aqueles que procuravam nas páginas algo mais que o relato de um bom filme. A Set seguia sendo impressa sem deixar o padrão gráfico cair, a despeito dos sobressaltos da economia. Em ambiente de hiperinflação, o preço de capa era reajustado mensalmente. A edição de estreia chegou às bancas por Cz$ 70,00. O preço da número 10 era de Cz$ 280,00, aumento de 300%! E a primeira edição do ano 2 saltava para Cz$ 450,00. Mesmo com tamanhas oscilações, o investimento nas reportagens feitas fora do país era preservado. Em uma edição, o leitor encontrava entrevista com Robert Redford, na outra com Bruce Willis, George Lucas. Louis Malle e Martin Scorsese, ou ainda coberturas da entrega do Oscar ou dos Festivas de Cannes, Berlim ou Veneza, entre outros. Com equipes nos principais polos cinematográficos do planeta, a revista rapidamente captava tendências, como o boom do cinema britânico, a safra de filmes americanos com latinos protagonistas e a expansão incontrolável de Bollywood, a meca do cinema indiano, que em quantidade produzia mais que o dobro de Hollywood. Gradualmente, o setor de tecnologia ganhava mais espaço, com reportagens sobre os novos equipamentos em vídeo e som que os fabricantes despejavam no mercado. As novas seções continuavam a brotar, mostrando que a criatividade não tinha limites. Uma delas tratava de vídeos, que mensalmente eram dedica68

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Kurt Stocker. Chaplin, 2013. (bit.ly/2tG68Sp)

dos a um tema. Um dos mais inusitados foi batizado de Adúlteros, Traidores, Infiéis e Apaixonados, que misturava fitas como O Casamento de Maria Braun (Rainer Fassbinder), Dona Flor e Seus Maridos (Bruno Barreto) e Carmen (Carlos Saura). Quem se contentava apenas com as fichas dos filmes, podia destacar os oito cards mensais que a Set oferecia, com o pôster e a ficha técnica da obra. Um pouco mais tarde, já na virada para a década de 1990, a revista alertou para dois novos fenômenos. Com a queda do Muro, o 40º Festival de Berlim se virou para o Leste, às expensas da filmografia de países do Terceiro Mundo. Dos 30 filmes que constavam da seleção oficial, o único do bloco terceiro-mundista era o brasileiro Dias Melhores Virão, de Cacá Diegues. O outro, ainda mais impactante, era o florescimento irrefreável da TV a cabo no Brasil, que mais tarde provocaria sequelas irreversíveis no mercado de vídeo. Certo mesmo é que nunca se escreveu tanto e tão bem sobre cinema no Brasil como na década de 1980. A velha Cinemin manteve o fôlego até sair de cena em novembro de 1993, um pouco antes da implantação do real, que seria a quinta moeda a ser impressa na capa da revista desde 1982. A Set foi até bem mais longe. Desapareceu apenas em 2010, quando não mais conseguiu resistir aos blogs de cinema e à instantaneidade da internet.

FÁBIO PIPERNO é jornalista, foi colaborador do caderno Veículos da Folha de S.Paulo, e trabalhou por quase uma década no Grupo Bandeirantes, passando pelos canais Bandsports e Bandnews, na rádio Bradesco Esportes e na TV Minuto. Pela SESI-SP Editora publicou o livro Jogada política no esporte.

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Sobre cães e homens Elliott Erwitt 80 pp. – 15,5 x 22 cm – brochura ISBN: 978-85-504-0253-6

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Nas fotos de Elliott Erwitt, o diálogo entre câmera e cena se estabelece com a mesma espontaneidade que a relação entre cães e homens. Como se sublimassem a presença intimidadora da câmera, somente alguns fotógrafos conseguem penetrar na cena sem nela interferir, sem constrangê-la com sua presença. Esse olhar inclusivo de Erwitt se mostra ora divertido, ora crítico; ora afetuoso, ora ácido; ora denso, ora lírico; mas seja qual for o ângulo existencial escolhido, é sempre um olhar de narratividade intensa, que humaniza os cães fotografados de maneira tão diversa quanto a vida dos homens. Algumas das imagens selecionadas para Sobre cães e homens tornaram-se ícones e foram difundidas de diversas formas e suportes. A coleção da SESI-SP Editora espera, com este livro, trazer mais uma possibilidade de leitura do trabalho do fotógrafo francês, bem como mais leveza e humor ao seu apuro técnico, qualidade artística e importância documental.

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do conto

Virtuais por Luiz Bras

Robert Couse-Baker. Sea and sky, 2014. (bit.ly/2u0KlYf)

Cada cidade no planeta tem sua coleção particular e personalizada

de nuvens. Então a primeira coisa que Efraim gosta de fazer, ao descer de um avião apertado, é admirar as nuvens sobre o aeroporto. Se estiverem crescendo e rosnando, Efraim sabe que não é bem-vindo e o melhor a fazer é partir assim que possível. Mas se estiverem vibrando e sorrindo de modo malicioso, ele sabe que chegou à cidade mais afetuosa de todas: a sua. E neste momento, incitadas pelo sol do meio-dia, as nuvens sobre São Paulo estão vibrando e sorrindo com o dobro de malícia. Os degraus da escada rolante sussurram e suspiram e conduzem pra baixo uma cantilena quase inaudível, numa língua mecânica mal lubrificada. Efraim entra no táxi e tira da mochila seu cubo mágico. A viagem é longa, mas quem se incomoda? As redes sociais existem justamente pra atenuar o sofrimento no trânsito, no metrô, na fila do banco. Face a Face é a rede social do momento. Mais da metade da população mundial passa mais da metade do dia conectada a ela. É o clube de campo e a praça pública, é o playground e a associação de jovens, é o ponto de encontro de todas as possibilidades afetivas e subjetivas. É o domínio do erotismo e da sondagem espiritual. Dizem que em breve será possível se conectar até durante o sono. O cubo mágico projeta uma esfera holográfica. Efraim cantarola a senha e sua página prateada no Face a Face aparece imediatamente. Há dezenas de mensagens endereçadas ao rapaz. São dezenas de ondas tropicais capazes de revelar as paisagens mais prazerosas. Cinco de uma garota desconhecida, mas muito atraente, chamada Sofia, oferecendo amizade virtual. Insistente, a danada. Aceitar ou não aceitar? Efraim espia o perfil da garota: paulistana, vinte e cinco anos, solteira, dentista, cinco amigos em comum. Decide aceitar. Quem sabe no final não rola um chope, um jantar ou algo bem menos virtual, mais carnal. Algo face a face e púbis a púbis. Vertigem branda. Numa curva bem longa e aberta, a sensação de que a realidade é um carrossel com nuvens e prédios de papelão ao redor, essa sensação amarela domina todas as demais. Efraim envia uma mensagem a Sofia e logo recebe a resposta. “Garota rápida”, ele sorri. A resposta é curta. Efraim fica apreensivo. “Esquisito.” Lê outra vez. É um pedido desesperado: Onde você está? Preciso ver você. 73

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O arco-íris da fantasia erótica começa a se desfazer. Só pode ser um golpe, mulher bonita e desconhecida querendo um encontro urgente é perigo na certa. No mínimo assalto, talvez até morte. Nuvens escuras passam pesadamente à direita, rolando como grandes rochas assassinas. Efraim decide resistir à tentação e descartar rapidinho Sofia de sua vida. Mas logo chega outra mensagem: Estou morrendo de medo, minha família desapareceu, os vizinhos sumiram. Por favor, me ajude. Efraim escuta um alerta no fundo da mente: perigo. Na África ou na Ásia um avião explode na decolagem, um meteoro devasta uma floresta, essas coisas acontecem o tempo todo, dá pra saber de longe, pela vibração que atravessa o asfalto e as pupilas dos gatos. O aviso de perigo continua cintilando no mais fundo do fundo do vale profundo. Efraim se torna um grande coração arisco. O bom senso manda romper imediatamente qualquer conexão com Sofia. Mas o rapaz-miocárdio hesita. E digita o óbvio: Você já chamou a polícia? Dessa vez a resposta demora a chegar. Efraim fica matutando. É melhor fechar a página e desligar o cubo mágico. Mas ele não fecha nem desliga nada. Os olhos virados pra dentro ficam procurando na altura da nuca um interruptor imaginário capaz do maior dos prodígios: fazer a coisa certa. Em outras palavras, tomar a decisão vitoriosa. O táxi desce um viaduto e entra na rua onde Efraim mora, cheia de lombadas. A resposta de Sofia chega com um pequeno solavanco: Chamei, é claro que chamei. Não há mais polícia, não há mais ninguém. Você é a única pessoa que eu consegui contatar. As ruas estão desertas, estou morrendo de medo. Onde você está? Por favor, me ajude. O rapaz não responde imediatamente. Está sentindo um formigamento na ponta dos dedos. Uma dormência que vai subindo pelo braço até paralisar o pensamento. Isso tem até nome. É paúra. O engraçado é que há certa alegria nessas alfinetadas envenenadas. É o regozijo do rei acuado, mas esperançoso: apenas xeque. Nada de xeque-mate. Ainda não. O táxi estaciona ao lado de um prédio meio encardido. Efraim acorda do surto letárgico e paga a corrida. O que acontece em seguida é mais parecido com um sonho. Ou um videoclipe em preto e branco. Apesar dos lapsos de continuidade, Efraim se lembra que tomou um banho e trocou de mochila. Agora ele caminha em direção a um shopping center. Também se lembra que o encontro na praça de alimentação foi sugestão sua. Ele pesquisou no mapa e viu que Sofia mora perto do shopping. É impressionante como os pequenos operários e as grandes máquinas adoram construir shoppings. Trabalham igual a cupins e abelhas, sem consciência do que estão fazendo. Vão cavando e empilhando. “Não conheço ninguém 74

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do conto

que não more perto de um shopping. Dez anos atrás não era assim. Se isso continuar, logo todas as pessoas estarão morando dentro de um shopping.” Efraim coloca o cubo mágico na mesa, pede um café expresso duplo e uma porção de minipães de queijo. O atendente deve ser a única pessoa em toda a praça de alimentação que não está com o nariz enfiado no Face a Face. Dezenas de cubos mágicos e páginas holográficas prateadas movimentam as mesas próximas. Que beleza, a dança dos elétrons: correntes invisíveis ligam cabeça com cabeça com cabeça com cabeça com cabeça numa delicada cabeçaria a perder de vista. Na hora combinada Sofia não aparece. Mas envia uma mensagem: Já cheguei. Cadê você? Diga que está vindo, por favor! Efraim olha em volta. Não vê nenhuma garota minimamente parecida com a do vídeo postado na rede social. O local do encontro está certo, a hora também. A nova dúvida é: passar ou não passar seu número de celular? (O que recomendariam as nuvens sobre o shopping, se opinar sobre a vida alheia fosse um de seus atributos?) Horas atrás Sofia passou o número do celular dela e implorou a ele que telefonasse, mas ele não quis arriscar. Nova mensagem: Efraim, cadê você???????????? Não faça isso comigo, desgraçado, você foi a única pessoa que eu consegui contatar! Efraim faz uma careta, dá uma bicada no café e finalmente telefona pra garota: — Oi, sou eu. — Efraim? Jesus seja louvado! Cadê você? — Sofia soluça baixinho, prende o choro, tenta falar sem gaguejar. — Cheguei faz meia hora. O shopping está deserto. Não tem ninguém na praça de alimentação. — Então é evidente que não estamos no mesmo shopping, ora. Aqui está cheio de gente. Efraim começa a aceitar a triste verdade: “Essa garota é louca. Sou um imbecil. Estou dando trela pra uma maluca incurável. Desligue logo esse telefone, seu idiota”. Mas o rapaz não desliga. É claro que a garota é louca de pedra. Tão louca quanto linda. É óbvio que essa conversa não terá qualquer futuro virtual ou carnal. Se ao menos Sofia fosse do tipo maluca de carne e osso… “Perda de tempo. Tá na cara que ela é do tipo doida-fantasma, que atiça mas não aparece.” Mas Efraim não desliga. Por que não desliga? Uma sensação sub-reptícia o impede. Minutos atrás parecia haver mais gente na praça de alimentação. O que aconteceu? Metade foi embora? Efraim não notou sua saída. Em plena happy hour setenta por cento das mesas estão vazias. Isso é incomum. Sofia diz qualquer coisa, mas o rapaz não escuta. 75

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Está meio surdo, pensando. O táxi fez a viagem do aeroporto até sua casa em pouquíssimo tempo. O trânsito estava bom demais. Poucos veículos. O saguão do aeroporto também estava bastante sossegado. Pouca gente. Muito, muitíssimo incomum. Ou não? — Efraim, você ainda está aí? — Sofia, quando as pessoas começaram a desaparecer? — Duas semanas atrás, talvez três. Não sei direito. No início eu não estava prestando atenção. — Você está no café da praça de alimentação? No único café da praça de alimentação? — Estou, já disse, cacete! Cheguei faz um tempão — Ela funga. Assoa o nariz. — Estou em pé, perto da caixa registradora. Cadê você? — Estou na mesinha perto da porta, olhando pra caixa registradora. — Não está, não! — Estou, sim, e não estou sozinho. Tem outras pessoas por perto. Agora é a vez de Sofia ficar muda. Há muito vermelho em toda a parte, a luz do sol atravessa a claraboia formando uma auréola profana no ­centro do cenário. Se garoasse, o efeito óptico seria até mais interessante. Xô, devaneio. O silêncio paralisa o raciocínio de Efraim. É impressão sua ou há menos gente na praça de alimentação? O rapaz sente o medo congelando novamente a ponta dos dedos. Paúra. Agora há apenas cinco pessoas nas imediações, conversando no Face a Face. O oceano fúcsia de mesas e cadeiras vazias é uma visão assustadora. — Sofia, suspeito que sei o que está acontecendo. A garota não responde. A ligação caiu. Efraim volta ao cubo mágico, tenta a comunicação de áudio e vídeo em tempo real, mas não consegue. Está desativada ou infectada por um vírus. Então o rapaz envia uma mensagem: Desconfio que você está numa realidade paralela. Sofia grita em letras maiúsculas duas perguntas histéricas: ISSO É UMA PEGADINHA? QUE PALHAÇADA É ESSA? Efraim: Não foram as pessoas que desapareceram, foi você. Desconfio que você está no mesmo shopping que eu, no mesmo café, mas numa realidade diferente. Dessa vez a resposta da garota demora a chegar. Sofia certamente deve estar curtindo as cinco fases psicológicas desencadeadas pela tragédia: “Isso não pode estar acontecendo, é surrealista demais” (negação), “Caralho, por que comigo? Não é justo!” (raiva), “Se eu conseguir escapar dessa, Jesus, prometo que serei uma pessoa melhor” (negociação), “Desisto, ah, está tudo perdido, não vale a pena lutar contra isso” (depressão), “Paciência, a vida é assim mesmo, cedo ou tarde as coisas vão se ajeitar” (aceitação). 76

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do conto

Enquanto espera pela resposta, Efraim observa as poucas pessoas na praça de alimentação. Apenas três. Engraçado, parecem fora de foco, translúcidas. De repente duas desaparecem sem deixar vestígio. Simples assim: puf. Sofia, mais calma: Estou cansada e com fome. Vou procurar algo pra descongelar e comer. Também preciso de uma cerveja. Mais de uma. O lado bom de morar num mundo sem mais ninguém é que posso entrar num restaurante e pegar o que eu quiser, sem pagar. Efraim: Ainda bem que existe um lado bom nessa doideira. Parece que em pouco tempo eu também estarei num mundo sem mais ninguém. As pessoas estão desaparecendo na minha frente. Sofia: Na verdade, segundo a sua própria teoria, é você quem está desaparecendo na frente de cada uma dessas pessoas. Efraim: Tanto faz. Pelo visto todo mundo está desaparecendo na frente de todo mundo. O planeta inteiro. Logo cada cidadão vai estar em sua exclusiva realidade paralela. Sofia: Separados, mas em contato. Ainda podemos conversar pelo Face a Face. Efraim: É verdade. Separados, mas em contato. O mundo todo, cada um no seu planeta. Mas quem garante que… É uma suposição que estou tendo agora… Quem garante que essa separação não foi provocada pela própria rede social? Sofia: Está dizendo que eu e você… Que todos os usuários estão sendo catapultados? Por uma falha no sistema? Efraim: É só uma suposição. Também preciso urgentemente de uma cerveja. Estou sozinho e em estado de choque, devo estar delirando. Sofia: Então vou rezar pra que não aconteça outra maldita falha, seria horrível perder até mesmo esse fiozinho de comunicação. … Efraim? … Efraim?! LUIZ BRAS nasceu em 1968, em Cobra Norato, MS. É escritor e doutor em letras pela Universidade de São Paulo (USP). Já publicou diversos livros, entre eles Sozinho no deserto extremo (romance) e Paraíso líquido (contos). Colabora regularmente com a Folha de S.Paulo, resenhando lançamentos do mercado editorial.

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do novo contista

Lobos por Carla Figueiredo Vieira

O vermelho se arrebenta contra as paredes do quarto. Os desenhos

Hermann Rorschach. Rorschach Test, 1927.

chapiscados me lembram aqueles testes espelhados de borrões de tinta, que o maxi-médico psiquiatra me apresentou na primeira vez em que estive em seu consultório. Daqui do chão, vejo um dragão sorrindo, o apito de um deus, um lábio superior ao relento, uma cabeça alada, o olho do vento, o agudo dó sustenido dobrado, um soldado sem guerra. Penso no eterno. Quando anseiam por ele, os seres desconhecem seus abismos. Igual a esta cicatriz que trago estampada do lado esquerdo do rosto. Ela é do tempo do meu pai, que foi datado. Enquanto eu existir, ela persiste. E quem sabe se quando eu deixar de ser, ela mesmo assim permaneça? Apegada a uma espécie de sombra do que fui um dia? Como que colada ao rosto, sem perceber que ele não há? Bloco de mármore não mais intacto, partindo ao meio a alma, para a posteridade. Me lembro de uma coisa, a minha memória primeira. Eu, bem pequeno, andava um dia pela casa, quando o cachorro, num descuido, me abocanha a face. Meu pai, aquele ainda era o tempo do meu pai, a me arran-

car dali, chutando o cão. Me aconchega ao seu lado no banco do carro, que se empapa escarlate, enquanto dispara pro hospital. Chegando lá, ele urra, Não deixem cicatriz no menino. Ela ficou, embora pequena. A cada vez que passo a mão sobre a superfície áspera, invoco meu pai. Achei que ele me protegeria sempre. Mesmo longe. Achei que houvesse um sempre. O eterno da cicatriz deveria ser meu pai que ousou morrer cedo, e me deixou aos cuidados dos lobos. Ele me falava repetidas vezes, Se proteja da sua beleza. Sem convicção do que seja a minha beleza, eu obedeço mesmo assim. Faço o impossível para me tornar invisível. Me escondo dentro dos livros, leio tudo que encontro. E escrevo como um possuído. Isso se tornou minha estrada, um refúgio. O cabelo cor de rato comprido a esconder esse rosto maldito e os olhos, que só enxergam as palavras. E a vergonha da minha magreza, que me faz usar 79

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do novo contista

roupa em cima de roupa, não importa o calor da estação. Já ele, o que veio depois, repara em mim. Se julga algum modelo de pai. Às vezes, o sinto me secar pelas costas quando não estou olhando. Minha nuca arde quieta. De costas. Ele gosta de mim de costas. Mas na hora sempre força meu rosto pro lado em noventa graus, de modo a assistir meu perfil perfeito, ele diz. Meu pomo de adão adolescente, despontando em meio à tortura. Ela, a minha mãe, é nula. Este castelo, em meio a um bosque esquecido da existência. Milhas de distância a serem percorridas aqui dentro. Da casa. De mim. Tudo é um longe. Ela gravita pelos closets, calçando seus quatrocentos pares de sapato. Nem que fosse oito centopeias, bicho estúpido. Alheia, insinua que a morte de meu pai me abalou a ponto do desequilíbrio. Recorrem à terapia em grupo comigo, eu e uma montanha de psiquiatras em volta, ela ironiza. Eles pagam. É isso o que fazem. Não há chave capaz de trancar a minha porta. E as paredes do quarto soluçam pelas noites de crime eterno. Sem perdão. Agora, exatamente agora, sinto-as rejubilar em meio ao carmim que a elas empresto. E aquele lábio superior solto ao relento, tatuado ali, escorre e se une a um inferior, e juntos, esboçam uma carranca suspensa. E é então que a voz sai de dentro do meu eu mais grave e rio alto. Não, gargalho. Sei aqui que essa gargalhada será minha morada pela eternidade, muito além de qualquer cicatriz a esmo. Em meio às lágrimas de riso desenfreado, vejo aquele corpo peludo dele, já azulando, a borbulhar sangue pelos poros, enquanto aperto a tesoura entre as mãos. A tesoura vazia que ela usa para cortar as etiquetas do seu cemitério de roupas mortas. Ao fundo, a sinfonia de aplausos solenes das paredes chamuscadas de rubis do meu quarto de dormir.

Sou CARLA FIGUEIREDO VIEIRA, administradora de empresas formada pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV), com mestrado como intérprete de conferências pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Trabalho com línguas e sempre naveguei em meio às artes, sendo também atriz e estudante de música. Minhas paixões são ler e escrever. Até há bem pouco tempo, escrevia só para mim e achava que nunca mostraria algum texto meu a ninguém.

Se você quer ter seu texto publicado na seção Ponto do novo contista, envie o material para o e-mail: comunicacao_editora@sesisenaisp.org.br. O material deve conter entre seis e oito mil caracteres. 80

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siron

franco

em 38 obras: 1974 - 2017

abertura da exposição 22.julho.2017, às 10h [visitação todos os dias, das 08h às 19h]

curadoria gottfried stützer matheus araujo de andrade

encerramento da exposição 24.setembro.2017 local biblioteca mário de andrade rua da consolação, 94 - centro 11 3775-0002

A Biblioteca Mário de Andrade é um dos centros de distribuição da revista Ponto.

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Galeria de fotos

Eventos das editoras SESI-SP e SENAI-SP

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3 1 1 Lançamento do livro Jardim Atlântico. Pé de Manga Restaurante – São Paulo – SP; 2 Lançamento do livro Valerian. Livraria Cultura – CJ Nacional. São Paulo – SP; 3 Lançamento do livro O manto escarlate. Livraria Cultura – Espaço Geek – São Paulo – SP; 4 Lançamento do livro Ilustre guardanapo. Livraria Cultura – Shopping Iguatemi. São Paulo – SP; 5 Lançamento do livro Valerian. Livraria Cultura – CJ Nacional. São Paulo – SP; 6 Apresentação do livro Participação italiana no cinema brasileiro. Instituto de Cultura de SP; 7 Lançamento do livro Tauromosquia. Pé de Manga Restaurante – São Paulo – SP; 8 Lançamento do livro Uma colcha de retalhos – Livraria EDUSP. São Paulo – SP; 9 Premiação FNLIJ, Rio de Janeiro.

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Umberto Marques e Thiago Fantoni

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unidades do sesi-sp

Americana

cat dr. estevam faraone Avenida Bandeirantes, 1.000 Chácara Machadinho cep 13478-700 Americana − sp Tel: (19) 3471-9000 www.sesisp.org.br/americana

Araçatuba

cat francisco da silva villela Rua Dr. Álvaro Afonso do Nascimento, 300 J. Presidente cep 16072-530 Araçatuba − sp Tel: (18) 3519-4200 www.sesisp.org.br/aracatuba

Araraquara

cat wilton lupo Avenida Octaviano de Arruda Campos, 686 Jd. Floridiana cep 14810-901 Araraquara − sp Tel: (16) 3337-3100 www.sesisp.org.br/araraquara

Araras

cat laerte michielin Avenida Melvin Jones, 2.600 B. Heitor Villa-Lobos cep 13607-055 Araras − sp Tel: (19) 3542-0393 www.sesisp.org.br/araras

Bauru

cat raphael noschese Rua Rubens Arruda, 8-50 Altos da Cidade cep 17014-300 Bauru − sp Tel: (14) 3234-7171 www.sesisp.org.br/bauru

Birigui

cat min. dilson funaro Avenida José Agostinho Rossi, 620 − Jardim pinheiros cep 16203-059 Birigui − sp Tel: (18) 3642-9786 www.sesisp.org.br/birigui

Botucatu

cat salvador firace Rua Celso Cariola, 60 Eng. Francisco cep 18605-265 − Botucatu − sp Tel: (14) 3811-4450 www.sesisp.org.br/botucatu

Campinas I

cat professora maria braz Avenida das Amoreiras, 450 cep 13036-225 Campinas I − sp Tel: (19) 3772-4100 www.sesisp.org.br/amoreiras

Campinas II

cat joaquim gabriel penteado Avenida Ary Rodriguez, 200 B. Bacuri − cep 13052-550 Campinas II − sp Tel: (19) 3225-7584 www.sesisp.org.br/campinas2

Cotia

olavo egydio setúbal Rua Mesopotâmia, 300 Moinho Velho cep 06712-100 − Cotia − sp Tel: (11) 4612-3323 www.sesisp.org.br/cotia

Cruzeiro

cat octávio mendes filho Rua Durvalino de Castro, 501 Vila Ana Rosa Novaes cep 12705-210 − Cruzeiro − sp Tel: (12) 3141-1559 www.sesisp.org.br/cruzeiro

Cubatão

cat décio de paula leite novaes Avenida Com. Francisco Bernardo, 261 − Jd. Casqueiro cep 11533-090 − Cubatão − sp Tel: (13) 3363-2662 www.sesisp.org.br/cubatao

Diadema

cat josé roberto magalhães teixeira Avenida Paranapanema, 1.500 Taboão − cep 09930-450 Diadema − sp

Tel: (11) 4092-7900 www.sesisp.org.br/diadema

Franca

cat osvaldo pastore Avenida Santa Cruz, 2.870 Jd. Centenário cep 14403-600 − Franca − sp Tel: (16) 3712-1600 www.sesisp.org.br/franca

Guarulhos

cat morvan dias de figueiredo Rua Benedito Caetano da Cruz, 566 − Jardim Adriana cep 07135-151 − Guarulhos − sp Tel: (11) 2404-3133 www.sesisp.org.br/guarulhos

Indaiatuba

cat antonio ermírio de moraes Avenida Francisco de Paula Leite, 2701 − Jd. Califórnia cep 13346-000 Indaiatuba − sp Tel: (19) 3875-9000 www.sesisp.org.br/indaiatuba

Itapetininga

cat − benedito marques da silva Avenida Padre Antonio Brunetti, 1.360 − Vl. Rio Branco cep 18208-080 Itapetininga − sp Tel: (15) 3275-7920 www.sesisp.org.br/itapetininga

Itu

cat carlos eduardo moreira ferreira Rua José Bruni, 201 Bairro São Luiz cep 13304-080 − Itu − sp Tel: (11) 4025-7300 www.sesisp.org.br/itu

Jacareí

cat karam simão racy Rua Antonio Ferreira Rizzini, 600 − Jd. Elza Maria cep 12322-120 − Jacareí − sp Tel: (12) 3954-1008 www.sesisp.org.br/jacarei

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Jaú

cat ruy martins altenfelder silva Avenida João Lourenço Pires de Campos, 600 Jd. Pedro Ometto cep 17212-591 − Jaú − sp Tel: (14) 3621-1042 www.sesisp.org.br/jau

Jundiaí

cat élcio guerrazzi Avenida Antonio Segre, 695 Jardim Brasil cep 13201-843 − Jundiaí − sp Tel: (11) 4521-7122 www.sesisp.org.br/jundiai

Limeira

cat mario pugliese Avenida Mj. José Levy Sobrinho, 2415 − Alto da Boa Vista cep 13486-190 − Limeira − sp Tel: (19) 3451-5710 www.sesisp.org.br/limeira

Marília

cat lázaro ramos novaes Avenida João Ramalho, 1.306 Jd. Conquista cep 17520-240 − Marília − sp Tel: (14) 3417-4500 www.sesisp.org.br/marilia

Matão

cat professor azor silveira leite Rua Marlene David dos Santos, 940 − Jardim Paraíso III cep 15991-360 − Matão − sp Tel: (16) 3382-6900 www.sesisp.org.br/matao

Mauá

cat min. raphael de almeida magalhães Avenida Presidente Castelo Branco, 237 − Jardim Zaíra cep 09320-590 − Mauá − sp Tel: (11) 4542-8950

Mogi das Cruzes − sp Tel: (11) 4727-1777

Pres. Prudente − sp Tel: (18) 3222-7344

www.sesisp.org.br/mogidascruzes

www.sesisp.org.br/ presidenteprudente

Mogi Guaçu

cat min. roberto della manna Rua Eduardo Figueiredo, 300 Parque Residencial Zaniboni III cep 13848-090 Mogi Guaçu − sp Tel: (19) 3861-3232 www.sesisp.org.br/mogiguacu

Osasco

cat luis eulalio de bueno vidigal filho Avenida Getúlio Vargas, 401 cep 06233-020 − Osasco − sp Tel: (11) 3602-6200 www.sesisp.org.br/osasco

Ourinhos

cat manoel da costa santos Rua Professora Maria José Ferreira, 100 Bairro das Crianças cep 19910-075 − Ourinhos − sp Tel: (14) 3302-3500 www.sesisp.org.br/ourinhos

Piracicaba

cat mario mantoni Avenida Luiz Ralph Benatti, 600 V. Industrial cep 13412-248 Piracicaba − sp Tel: (19) 3403-5900 www.sesisp.org.br/piracicaba

Presidente Epitácio

cil − carlos cardoso de almeida amorim Avenida Domingos Ferreira de Medeiros, 2.113 − Vila Recreio cep 19470-000 Pres. Epitácio − sp Tel: (18) 3281-2803

www.sesisp.org.br/maua

www.sesisp.org.br/ presidenteepitacio

Mogi das Cruzes

Presidente Prudente

cat nadir dias de figueiredo Rua Valmet, 171 − Braz Cubas cep 08740-640

cat belmiro jesus Avenida Ibraim Nobre, 585 Pq. Furquim cep 19030-260

Ribeirão Preto

cat josé villela de andrade junior Rua Dr. Luís do Amaral Mousinho, 3.465 Castelo Branco cep 14090-280 Ribeirão Preto − sp Tel: (16) 3603-7300 www.sesisp.org.br/ribeiraopreto

Rio Claro

cat josé felício castellano Avenida M-29, 441 Jd. Floridiana cep 13505-190 − Rio Claro − sp Tel: (19) 3522-5650 www.sesisp.org.br/rioclaro

Santa Bárbara D'oeste

cat américo emílio romi Avenida Mário Dedini, 216 V. Ozéias cep 13453-050 S. B. D’oeste − sp Tel: (19) 3455-2088 www.sesisp.org.br/santabarbara

Santana de Parnaíba

cat josé carlos andrade nadalini Avenida Conselheiro Ramalho, 264 − Cidade São Pedro cep 06535-175 Santana de Parnaíba − sp Tel: (11) 4156-9830 www.sesisp.org.br/parnaiba

Santo André

cat theobaldo de nigris Pça. Dr. Armando de Arruda Pereira, 100 − Sta. Terezinha cep 09210-550 Santo André − sp Tel: (11) 4996-8600 www.sesisp.org.br/santoandre

Santos

cat paulo de castro correia Avenida Nossa Senhora de Fátima, 366 − Jd. Santa Maria 85

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unidades do sesi-sp

cep 11085-202 − Santos − sp Tel: (13) 3209-8210 www.sesisp.org.br/santos

São Bernardo do Campo cat albano franco Rua Suécia, 900 − Assunção cep 09861-610 S. B. do Campo − sp Tel: (11) 4109-6788 www.sesisp.org.br/sbcampo

São Caetano do Sul

cat pres. eurico gaspar dutra Rua Santo André, 810 Boa Vista cep 09572-140 S. C. do Sul − sp Tel: (11) 4233-8000 www.sesisp.org.br/saocaetano

São Carlos

cat ernesto pereira lopes filho Rua Cel. José Augusto de Oliveira Salles, 1.325 − V. Izabel cep 13570-900 São Carlos − sp Tel: (16) 3368-7133 www.sesisp.org.br/saocarlos

São José do Rio Preto

cat jorge duprat figueiredo Avenida Duque de Caxias, 4.656 V. Elvira cep 15061-010 São José do Rio Preto − sp Tel: (17) 3224-6611 www.sesisp.org.br/sjriopreto

São José dos Campos

cat ozires silva Avenida Cidade Jardim, 4.389 Bosque dos Eucaliptos cep 12232-000 São José dos Campos − sp Tel: (12) 3936-2611 www.sesisp.org.br/sjcampos

São Paulo − AE Carvalho

Sorocaba

www.sesisp.org.br/carvalho

www.sesisp.org.br/sorocaba

São Paulo − Catumbi

Sumaré

cat mario amato Rua Deodato Saraiva da Silva, 110 − Pq. das Paineiras cep 03694-090 São Paulo − sp Tel: (11) 2026-6000

cat antonio devisate Rua Catumbi, 318 − Belenzinho cep 03021-000 − São Paulo − sp Tel: (11) 2291-1444 www.sesisp.org.br/catumbi

São Paulo − Ipiranga

cat roberto simonsen Rua Bom Pastor, 654 − Ipiranga cep 04203-000 São Paulo − sp Tel: (11) 2065-0150 www.sesisp.org.br/ipiranga

São Paulo − Vila das Mercês

cat sen josé ermírio de moraes Rua Duque de Caxias, 494 Mangal cep 18040-425 − Sorocaba − sp Tel: (15) 3388-0444

cat fuad assef maluf Avenida Amazonas, 99 Jardim Nova Veneza cep 13177-060 − Sumaré − sp Tel: (19) 3838-9710 www.sesisp.org.br

Suzano

cat max feffer Avenida Senador Roberto Simonsen, 550 Jardim Imperador cep 08673-270 − Suzano − sp Tel: (11) 4741-1661 www.sesisp.org.br/suzano

cat professor carlos pasquale Rua Júlio Felipe Guedes, 138 cep 04174-040 São Paulo − sp Tel: (11) 2946-8172

Tatuí

www.sesisp.org.br/merces

www.sesisp.org.br/tatui

São Paulo − Vila Leopoldina

Taubaté

cat gastão vidigal Rua Carlos Weber, 835 Vila Leopoldina cep 05303-902 São Paulo − sp Tel: (11) 3832-1066 www.sesisp.org.br/leopoldina

Sertãozinho

cat nelson abbud joão Rua José Rodrigues Godinho, 100 − Conj. Hab. Maurílio Biagi cep 14177-320 Sertãozinho − sp Tel: (16) 3945-4173

cat wilson sampaio Avenida São Carlos, 900 B. Dr. Laurindo cep 18271-380 − Tatuí − sp Tel: (015) 3205-7910

cat luiz dumont villares Rua Voluntário Benedito Sérgio, 710 − B. Estiva cep 12050-470 − Taubaté − sp Tel: (12) 3633-4699 www.sesisp.org.br/taubate

Votorantim

cat josé ermírio de moraes filho Rua Cláudio Pinto Nascimento, 140 − Jd. Morumbi cep 18110-380 Votorantim − sp Tel: (15) 3353-9200 www.sesisp.org.br/votorantim

www.sesisp.org.br/sertaozinho

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Pouco mais de um ano depois de ter criado um selo voltado exclusivamente para o universo dos quadrinhos, a sesi-sp Editora emplacou 20 indicações

no 29º Troféu hqmix, maior concurso de quadrinhos do Brasil!

Utilize seu smartphone para ler o qr Code e confira os livros indicados. Para saber mais sobre nossas hqs, acesse: bit.ly/sesiquadrinhos

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Ilustração do livro Ilustre guardanapo, lançamento da SESI-SP Editora.


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