Revista Fundações Ed.90

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Ano 8 | Nº 90 | Abril de 2018

www.revistafundacoes.com.br ISSN 2178-0668 | R$ 27,00

TRABALHO DE CONTENÇÃO DE ENCOSTAS NA IGREJA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA RUA DO PASSO Tomadas de decisão em GESTÃO DE RISCO

FERROVIAS

Prêmio ABEG SIGMUNDO GOLOMBEK



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Telefone: (11) 95996-6391* *Telefone celular com atendimento também por WhatsApp: das 10h às 18h

CONSELHO EDITORIAL São Paulo • Paulo José Rocha de Albuquerque • Roberto Kochen • Álvaro Rodrigues dos Santos • George Teles • Paulo César Lodi • José Orlando Avesani Neto • Eraldo L. Pastore • Sussumu Niyama Minas Gerais • Sérgio C. Paraíso • Ivan Libanio Vianna • Jean Rodrigo Garcia Pernambuco • Stela Fucale Sukar Bahia • Moacyr Schwab de Souza Menezes • Luis Edmundo Prado de Campos Rio de Janeiro • Bernadete Ragoni Danziger • Paulo Henrique Vieira Dias • Mauricio Ehrlich • Alberto Sayão • Marcio Fernandes Leão Distrito Federal • Gregório Luís Silva Araújo • Renato Pinto da Cunha • Carlos Medeiros Silva • Ennio Marques Palmeira Rio Grande do Sul • Miguel Augusto Zydan Sória • Marcos Strauss Rio Grande do Norte • Osvaldo de Freitas Neto • Carina Maia Lins Costa • Yuri Costa Espírito Santo • Uberescilas Fernandes Polido

Associações que apoiam a revista

ARTIGO 1 Taís Zagonel taiazago@hotmail.com Marieli Biondo Lopes engmary@unochapeco.edu.br Mario Gilsone Ritter marioritter@unochapeco.edu.br Darlis Devise darlis@unochapeco.edu.br ARTIGO 2 Fernanda Barbosa Alexandre engenheirananda13@gmail.com Fábio Lopes Soares flseng@uol.com.br

Fundador e idealizador: Francisjones Marino Lemes (in memoriam) Coordenação editorial e marketing: Jenniffer Lemes (jenni@revistafundacoes.com.br) Colaboradores: Gléssia Veras (Edição e Texto); Dafne Mazaia (Redes Sociais); Rosemary Costa (Revisão); Patricia Maeda (Projeto Gráfico); Agência Bud (Diagramação/Arte); Melchiades Ramalho (Artes Especiais) Contatos Pautas: glessia@revistafundacoes.com.br Assinaturas: assinatura@revistafundacoes.com.br Publicidade: publicidade@revistafundacoes.com.br Financeiro: financeiro@revistafundacoes.com.br Foto de capa: Acervo Iphan Impressão: Gráfica Elyon Importante • A revista Fundações & Obras Geotécnicas é uma publicação técnica mensal, distribuída em todo o território nacional e direcionada a profissionais da engenharia civil. Todos os direitos reservados à Editora Rudder. Nenhuma parte de seu conteúdo pode ser reproduzida por qualquer meio sem a devida autorização, por escrito, dos editores. • A publicação segue o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. • Esta publicação é avaliada pela QUALIS, conjunto de procedimentos utilizados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e encontra-se atualmente com classificação B4. • As seções “Coluna do Conselho”, “Artigo”, “Espaço Aberto”, “Opinião”, “Riscos Geológicos e Geotécnicos” e “Memória de Cálculo” são seções autorais, ou seja, têm o conteúdo (de texto e fotos) produzidopelos autores, que ao publicarem na revista assumem a responsabilidade sobre a veracidade do que for exposto e o devido crédito às fontes utilizadas.

COLUNA DO CONSELHO Ivan Vianna ivan@novasolo.com.br EM FOCO GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente www.geocompany.com.br/ GEOTECNIA AMBIENTAL Marcio Leão marciotriton@hotmail.com

NOTÍCIA ABEG www.abeg.com.br Consultrix www.consultrix.com.br REPORTAGEM Iphan www.iphan.gov.br RISCOS GEOLÓGICOS E GEOTÉCNICOS Luiz Flavio Autran Monteiro Gomes luiz.flavio.gomes@terra.com.br Fernando Franciss georisk@uol.com.br

Fundações e Obras Geotécnicas

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EDITORIAL

A Editora Rudder esclarece que a revista Fundações & Obras Geotécnicas é uma publicação mensal produzida e distribuída pela Editora Rudder, que tem o objetivo de levar informações a todos os seus leitores sobre o segmento de mecânica dos solos, fundações, geotecnia e áreas correlatas. É um veículo inserido na categoria CTP (Científico, Técnico e Profissional) e avaliada pela QUALIS, conjunto de procedimentos utilizados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e encontra-se atualmente com classificação B4. Entretanto, a revista antes qualquer outra qualificação um veículo jornalístico, que devido a essa característica adota um manual de padronização de estilo e texto (baseados em referências jornalísticas e gramaticais em concordância com a linha editorial do periódico) e que essas regras de padronização não serão alteradas pela revista em nenhuma circunstância. Entendemos que cada segmento tem o seu modo de reproduzir um conteúdo, porém o padrão jornalístico do título deve ser respeitado por todos aqueles que aceitarem colaborar com conteúdo para a revista.

DA REDAÇÃO

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Fundações e Obras Geotécnicas

CONSTRUÇÃO CIVIL NA PRÁTICA Divulgação Elsevier

SOBRE ALTERAÇÕES

Título: Hidráulica na Prática Autor: Luiz Mario Marques Couto Editora: Elsevier Número de páginas: 312

O livro Hidráulica na prática foi pensado para auxiliar os estudantes de engenharia civil, agronomia e engenharia ambiental nos conteúdos básicos de engenharia hidráulica. Dividido em 20 cenários, áreas distintas, com 200 exercícios resolvidos, o livro é uma boa alternativa teórica e prática. A Hidráulica é o ramo da física que estuda o comportamento dos fluidos. O tratamento da água, os sistemas de esgoto, o levantamento de aquedutos, as docas e os sistemas de drenagem pluviais são alguns exemplos de obras de responsabilidade do engenheiro hidráulico. “O foco desta obra está centrado na solução dos problemas de engenharia e nas consequências das soluções para o cidadão comum e para os diversos atores dos poderes Executivo e Judiciário. Os modelos matemáticos interagem nesses cenários como instrumentos de soluções e não como elementos primordiais. É uma abordagem diferente da adotada nos cursos de engenharia que privilegiam os modelos matemáticos, os modelos computacionais e analógicos e o funcionamento de ferramentas e instrumentos tecnológicos necessários à mensuração dos fenômenos hidráulicos”, conta o autor da obra, Luiz Mario Marques Couto.


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NESTA EDIÇÃO 10

REPORTAGEM Restauração da Igreja do Santíssimo Sacramento da rua do Passo demanda trabalho de contenção de encostas

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14 NOTÍCIA

Prêmio ABEG Sigmundo Golombek acontece em São Paulo

18 RISCOS

GEOLÓGICOS Tomadas de decisão em gestão de riscos

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OPINIÃO Versando geologia

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EM FOCO Escavação de túnel com baixa cobertura sob linha férrea – desafios do projeto

48 GEOTECNIA

AMBIENTAL Geotecnia, vulnerabilidade socioambiental e o papel da engenharia humanitária

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ARTIGO Comportamento do atrito lateral em protótipos de estacas moldadas in loco com adição de aditivo expansor de argamassa

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32 ARTIGO

Patologias de fundações em solos colapsíveis

SEÇÕES

06 Jogo Rápido 08 Coluna do Conselho 47 Notas

Fundações e Obras Geotécnicas

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Jogo Rápido

por Gléssia Veras

Acordo climático

A ONG Engenheiros Sem Fronteiras Brasil é uma organização sem fins lucrativos que acredita na utilização da engenharia como meio de transformação social. O primeiro núcleo brasileiro foi fundado em 2009, em Viçosa, Minas Gerais. Atualmente, existem mais de 50 núcleos no País, que atuam de forma interligada e em contato direto com os demais núcleos internacionais. O ​ Núcleo São Paulo foi criado em 2015 com o objetivo de realizar projetos de engenharia que impactassem positivamente a realidade de comunidades paulistanas em situação de vulnerabilidade social. Inicialmente criado dentro da faculdade de Engenharia da Universidade de São Paulo, hoje atua de forma independente continuando a parceria com a universidade através do vínculo à Poli-Cidadã. Conheça mais em: www.esfsaopaulo.org Divulgação site ONG Engenheiros Sem Fronteiras Brasil

Os 173 países membros e três associados da IMO (Organização Marítima Internacional), agência das Nações Unidas, definiram a meta de reduzir as emissões do setor em pelo menos 50% até 2050. Esse valor é em relação aos níveis de 2008, época de maior emissão. A proposta inicial era zerar as emissões até 2050, mas países em desenvolvimento como o Brasil pediram mais tempo para se adequarem. Com isso, ficou acordado expandir a meta de redução para 100% até meados do século, em alinhamento com o que determina o Acordo de Paris da Conferência das Partes (COP21), aprovado em 2015.

Engenheiros Sem Fronteiras

Mogi-Bertioga Rota estratégica para praias do litoral norte e sul de São Paulo, a Mogi-Bertioga tem enfrentado uma sucessão de quedas de barreira que expuseram a instabilidade da rodovia e a insegurança de motoristas. Num período de dois meses, a estrada completará 17 dias de bloqueio ao tráfego, após quatro episódios de deslizamentos de barrancos.

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Fundações e Obras Geotécnicas

Por estar em uma região de serra, a Mogi-Bertioga tem praticamente metade de sua extensão sobre solo irregular, formado por pedras misturadas a partes arenosas. O clima do lugar também ajuda a acelerar a deterioração dessas rochas enormes que formam a encosta até chegar ao nível do mar. O ambiente é serpenteado por rios e cachoeiras.



Coluna do Conselho

EM BREVE: LEVANTA, SACODE A POEIRA, ...MAS, PARA DAR A VOLTA POR CIMA, REVEJA SEUS CUSTOS!

A IKE’sSpider / Vila Velha

A recessão que atinge o mercado de serviços geotécnicos e fundações é mais uma das muitas dificuldades que, em breve, iremos deixar para trás. Tudo passa – esse é um dos mais valiosos axiomas no momento. Ao lado do aprimoramento técnico, obtido em treinamento, cursos e congressos, as empresas do nosso ramo investiram pesado em equipamentos modernos. Na cravação de estacas, saímos dos bate-estacas tipo queda livre e passamos aos modernos equipamentos sobre esteiras, dotados de martelos hidráulicos com comandos eletrônicos e maior segurança; equipamentos sofisticados para melhoramento do solo foram importados a custos elevados. Posteriormente, equipamentos similares passaram a ser fabricados aqui sob melhores condições comerciais e o financiamento atraiu até empresários fora do ramo ao proeminente mercado de fundações. Se antes o mercado era complexo e dependia do conhecimento técnico dos executores, hoje com a redução da demanda e o excesso

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Fundações e Obras Geotécnicas

de oferta assistimos a uma canibalização em que os preços dos serviços foram reduzidos e a técnica preterida. Empresas trocaram seis por meia dúzia para não parar suas atividades e máquinas foram sucateadas; outras reduziram suas atividades e muitas ganharam passivos trabalhistas e fiscais. Os preços de serviços geotécnicos, sejam de projetos e/ou execução de obras, atingiram níveis muito baixos: parte dos custos certamente foi desconsiderada. Muito antes da crise a desvalorização de nossos serviços já era alertada por colegas como o engenheiro José Luis Saes, ex-presidente e um dos fundadores da ABEF (Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Fundações e Geotecnia). Passada a crise, surgirá uma demanda reprimida de projetos e obras que irá exigir planejamento dentro da boa engenharia. “Oxalá” que, então, possamos ter aprendido a dar maior valor à nossa expertise com um realinhamento de preços considerando valores & custos reais, pois crise e oportunidade costumam andar lado a lado.

> IVAN LIBANIO VIANNA é engenheiro civil, geotécnico, sóciofundador de empresas de fundações desde 1977; ex-presidente do Núcleo Regional Minas Gerais em três mandatos e atual membro do Conselho Diretor da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica); associado à ABGE (Associação Brasileira de Geologia de Engenharia) e diretor da empresa Novasolo Engenharia Ltda.



Reportagem

Restauração da Igreja do Santíssimo Sacramento da rua do Passo demanda trabalho de contenção de encostas Importante símbolo da arquitetura religiosa baiana é reaberta após 20 anos de portas fechadas por Gléssia Veras

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Fundações e Obras Geotécnicas

Déborah Gouthier

T

Também conhecida apenas como Igreja do Passo, o espaço foi reaberto este ano em Salvador (BA) após mais de 20 anos de portas fechadas. O templo foi totalmente restaurado, com investimento de 11,3 milhões de reais do Governo Federal, por meio do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Com duração de três anos, a obra possibilitou a devolução de um bem de grande valor simbólico e de uso para a comunidade de Salvador. A entrega do templo ocorreu no dia 5 de fevereiro em solenidade religiosa, realizada na própria igreja com a presença da presidente do Iphan, Kátia Bogéa; o diretor do Departamento de Projetos Especiais do Iphan, Robson de Almeida; o superintendente do Iphan na Bahia, Bruno Tavares; o Ministro de Estado da Cultura, Sérgio Sá Leitão, e representantes do Governo do Estado da Bahia, da Prefeitura

Igreja do Santíssimo Sacramento da rua do Passo


Déborah Gouthier Déborah Gouthier

Trabalho de restauro realizado na igreja

Elementos artísticos do interior do templo

Municipal de Salvador e da Arquidiocese de Salvador. Os recursos contemplaram a estabilização e consolidação estrutural do prédio, sanando definitivamente o quadro de instabilidade do monumento, que apresentava graves fissuras e rachaduras e havia sido fechado devido ao seu mau estado de conservação. Também foi restaurada a escadaria que conecta a rua do Passo e a Ladeira do Carmo, espaço de tradicionais eventos culturais de Salvador. Além disso, foram restaurados os bens integrados e imagens sacras, e promovidas soluções de acessibilidade universal, como implantação de elevador, rampas e plataforma para cadeirantes. “A igreja foi construída na primeira metade do século XVIII, mas na segunda metade do século XIX, assim como outros templos baianos, sofreu uma forte transformação estilística, para adaptar-se ao estilo neoclássico, então vigente. Assim, os elementos artísticos hoje presentes nela são predominantemente neoclássicos, como os retábulos e demais elementos entalhados em madeira. Entretanto, permaneceram alguns elementos artísticos do estilo primitivo do monumento, atribuídos ao estilo barroco, como o painel de azulejos em azul e branco da Capela Mor e a pintura ilusionista do forro da nave. Outros elementos artísticos do estilo primitivo foram identificados durante as obras e permanecem ocultos ou fragmentados, em decorrência de reaproveitamentos feitos ao longo dos anos”, explica arquiteto e urbanista coordenador do PAC Cidades Históricas na Bahia, Mario Vitor Bastos. Fundações e Obras Geotécnicas

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Acervo IBGE

Mateus Morbeck

Reportagem

Vista da localização

OBRAS Ainda segundo Bastos, a igreja foi integralmente restaurada, desde seus elementos construtivos (arquitetônicos e estruturais) tais como cobertura, pisos de assoalho de madeira, forros de madeira, esquadrias e alvenarias, até seu acervo de bens artísticos móveis e integrados. Internamente na nave foram restauradas as imagens, retábulos, forros com pintura, grades e elementos artísticos entalhados, azulejos, telas, pisos de pedra lioz e mármore. Durante as obras também foi feito um trabalho de contenção de encostas, pois a igreja está localizada no topo de uma ladeira e tem aos fundos um grande precipício. Dessa forma foi realizado um amplo diagnóstico sobre o local que incluiu desde a realização de pesquisa histórica e mapeamento das rachaduras existentes no monumento, até a execução de 12

Fundações e Obras Geotécnicas

Foto histórica da ladeira onde está construída a igreja

sondagens, escavações de prospecções e utilização de Georadar GPR. “A partir desses estudos identificouse um recalque vertical da fundação, fruto da presença de vazios no solo, que gerou um escorregamento horizontal da igreja em direção à encosta. A solução técnica adotada consistiu na construção de um sistema de vigas de concreto com duas linhas de 11 tirantes de aço cada, com até 18 metros de profundidade, que possibilitaram a ancoragem da edificação a um solo mais resistente, promovendo a sua estabilidade estrutural”, diz Mario Vitor Bastos.

PAGADOR DE PROMESSAS Localizada no Centro Histórico de Salvador, no Alto do Carmo, a Igreja do Passo foi tombada pelo Iphan ainda em 1938. O templo foi construído em 1736, para ser matriz da

freguesia do Santíssimo Sacramento da rua do Passo, com estrutura em alvenaria de pedra e tijolos, interior neoclássico e planta típica das igrejas baianas do século XVIII, com corredores laterais superpostos por tribunas e sacristia transversal que, neste caso, dá acesso ao ossuário, em nível inferior. A monumentalidade do edifício é realçada pela escadaria de 55 degraus, conhecida por ter sido cenário do filme O Pagador de Promessas, com base na peça de Dias Gomes e dirigido por Anselmo Duarte em 1962, o único brasileiro a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Após algumas intervenções pontuais ao longo dos anos, a igreja foi uma das selecionadas para integrar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Cidades Históricas na Bahia e sua restauração foi concluída pelo programa Avançar, um projeto do


Governo Federal focado na retomada de obras em todo o País, a fim de oferecer mais crescimento e cidadania para os brasileiros. “Essa é uma obra de fundamental importância para a preservação da igreja, seja pelos serviços contemplados, seja pelo crítico estado de conservação do monumento antes da obra. Tratou-se de uma obra completa, que incluiu a restauração integral do templo, de todo o seu rico acervo de arte sacra, implantação de

equipamentos que visam proporcionar a acessibilidade universal ao monumento, como rampas, elevador e plataforma acessível, além de ter garantido a estabilidade da igreja, o que ampliará significativamente a vida útil do monumento histórico, que é patrimônio cultural brasileiro”, afirma o arquiteto e urbanista coordenador do PAC Cidades Históricas na Bahia, Mario Vitor Bastos. Há também uma proposta para a construção de um memorial em torno

do filme O Pagador de Promessas com uma réplica da Palma de Ouro, além de um café colonial anexo à igreja, como explica Bastos: “o memorial do filme é um projeto da Irmandade dos Samaritanos Beneditinos, atuais responsáveis pela gestão da igreja, capitaneado pelo Irmão Jorge Mendes. O memorial contará com uma réplica da Palma de Ouro conferida ao filme de Dias Gomes em 1962 e será mais um atrativo para a visitação do monumento por baianos e turistas”.

Trabalho de contenção de encostas

Fotos: Acervo Iphan

Tirantes

Fundações e Obras Geotécnicas

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Notícia

Prêmio ABEG Sigmundo Golombek acontece em São Paulo Primeira edição do evento contou com a presença de profissionais que atuam na área de projetos geotécnicos por Gléssia Veras

O

Fotos: Gléssia Veras / Editora Rudder

Ocorreu no dia 6 de março, em São Paulo (SP), a primeira edição do Prêmio ABEG Sigmundo Golombek. A cerimônia idealizada pela ABEG (Associação Brasileira de Empresas de Projetos e Consultoria em Engenharia Geotécnica) contou com a presença de diversos participantes, incluindo profissionais que atuam na área de projetos geotécnicos. Durante o

Primeiro Prêmio ABEG Sigmundo Golombek

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Fundações e Obras Geotécnicas

evento foram prestadas homenagens ao engenheiro que dá nome ao prêmio, Sigmundo Golombek, falecido em 11 de agosto de 2017, e aos seus familiares. Sigmundo Golombek foi um engenheiro geotécnico, com forte atuação na área acadêmica e empresarial. Sua trajetória profissional foi marcada por participações em grandes obras como a realização do projeto de fundações da Praça Roosevelt, em São Paulo (SP); diversas obras de arte rodoviárias (pontes e viadutos) nas rodovias dos Bandeirantes e Imigrantes e outras centenas de projetos de fundações por todo o Brasil. Engenheiro civil formado pela Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), dedicou 19 anos à docência na Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie, além de fundar a empresa Consultrix, considerada a primeira empresa de consultoria independente na área de fundações e contenções do Brasil. Também criou um novo nicho no mercado da engenharia civil e conseguiu disseminar a importância do papel do projetista de fundações no segmento, tanto que as empresas construtoras compreenderam e,


progressivamente, passaram a considerar que era a melhor alternativa, do ponto de vista técnico, contratar uma consultoria independente para fazer o projeto de fundações das futuras grandes obras. Sobre a experiência de realizar o prêmio o presidente da ABEG, Ilan Gotlieb demonstrou a sua satisfação: “Foi muito gratificante, especialmente pela presença de familiares do homenageado, quando pudemos entregar uma placa para a esposa do Dr. Golombek, em sinal de nosso reconhecimento por tudo que ele fez pelo nosso setor”.

O presidente da ABEG, Ilan Gotlieb

PREMIAÇÃO Gotlieb acrescenta que a premiação será bienal, com uma proposta voltada aos associados da ABEG interessados em concorrer. Os profissionais deverão apresentar projetos de fundações e/ou contenções de casos onde haja desafios interessantes, ou uso de novas tecnologias que evidenciem a criatividade.

Nesta primeira edição concorria o melhor projeto de fundações e contenções realizado entre os anos de 2015 e 2017. “Do ponto de vista técnico, os seis trabalhos avaliados eram excelentes e a comissão organizadora teve muita dificuldade de escolher o projeto vencedor”, afirma

O engenheiro civil Ivan Libanio Vianna anuncia a premiação

o presidente da ABEG. A empresa condecorada foi a Consultrix, responsável pelo projeto “Grande Ufficiale Evaristo Comolatti”. O engenheiro e diretor da Consultrix, Milton Golombek, que também é filho de Sigmundo, recebeu o prêmio. “Receber o prêmio foi uma satisfação dupla, primeiramente pelo fato de ter o nome do meu pai e por termos tido nosso projeto reconhecido pela banca julgadora como merecedores dessa primeira edição. A Consultrix completa 65 anos em 2018 e é o resultado do trabalho de uma equipe que segue as diretrizes do meu pai: ética absoluta, atualização técnica permanente e total comprometimento com o cliente”, diz o diretor da Consultrix, Milton Golombek. O trabalho premiado é um emblemático nó viário da interligação dentre a avenida Paulista e a Rua da Consolação, possui quatro subsolos Fundações e Obras Geotécnicas

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Notícia

O engenheiro civil e diretor da empresa Consultrix, Milton Golombek recebe a premiação

Milton Golombek fala sobre o prêmio recebido e a homenagem ao seu pai

Milton Golombek apresenta o projeto “Grande Ufficiale Evaristo Comolatti” laureado na premiação

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Fundações e Obras Geotécnicas

concebidos sob área térrea, pavimento mezanino, 11 andares tipo e cobertura. Esse empreendimento ainda promove um vislumbre técnico face aos impedimentos deparados no subterrâneo a considerar limitações e interferências existentes em sítio de implantação densamente concorrido, assinalado por entrave ímpar a cargo das instalações ali presentes, então reservadas ao Metrô de São Paulo (salas técnicas-operacionais e túneis de interligação), perfazendo, deste modo, pequenas e desafiantes distâncias verticais, assim apontadas por pouco mais de cinco metros em alguns dos trechos entre o piso do subsolo mais inferior da nova construção e o topo das já inferiormente implantadas seções tuneladas ao amparo de manobras e operações metroviárias, cenário este, entrevisto em camadas de argila mole (três primeiros metros) à de rija consistência. Como alternativa à contenção do terreno optou-se por parede diafragma ancorada por linhas de tirantes provisórios ao longo do relativo aprofundamento, estacas hélice contínua, igualmente travadas em relativos topos), e, reforço de talude a partir de projeção Jet Grouting. O empreendimento é estruturado sobre estacas escavadas (entre as paredes dos túneis) com diâmetro variando entre 100 cm a 200 cm, atendendo carregamentos entre 315 tf a 1.000 tf respectivamente. A apresentação da solução reconhecida e aclamada durante o primeiro prêmio Sigmundo Golombek está disponível no site da ABEG: www. abeg.com.br/index.php/premio-abeg


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Riscos Geológicos

TOMADAS DE DECISÃO EM GESTÃO DE RISCOS 1 PRELIMINARES

um erro de decisão, eventualmente muito grave. Felizmente, para alívio dos especialistas em riscos, nem sempre as decisões devem ser tomadas dentro de um quadro relativamente complexo. Contudo, a situação do gestor pode

cessidade de recorrer a especialistas em decisão. Nesse sentido, mantendo seu propósito de atender aos anseios de seus leitores, o atual número da seção “Riscos Geológicos e Geotécnicos” da revista Fundações & Obras Geotécnicas apresenta um artigo sobre riscos e decisões preparado por conceituado profissional e professor-titular das Faculdades IBMEC/RJ, autor de vários artigos técnicos e livros de âmbito internacional. Fernando Olavo Franciss

Arte Melchiades Ramalho / Editora Rudder

A aplicação de um processo de decisão considerado como “racional” guarda alguma similaridade com o processo de gestão de riscos propriamente dito, conforme resumido no quadro seguinte.

Contudo, gerir riscos não rotineiros de empreendimentos de grande porte sempre constrangerá o gestor – ao final do processo tradicional de análise, valoração, priorização e idealização das possíveis respostas aos riscos antevistos – a ter de decidir qual solução deverá implementar, embora nem sempre saiba, sem sombra de dúvida, qual das propostas de solução irá se revelar, sob todos os aspectos pertinentes, a mais eficiente e eficaz, portanto sujeitando-o a cometer 18

Fundações e Obras Geotécnicas

ficar muito delicada quanto da sua decisão irá depender a garantia da proteção de inúmeras vidas humanas e ativos financeiros expressivos, mormente contra a ocorrência de riscos naturais, por vezes impropriamente julgados como inesperados, ou mesmo diante de riscos induzidos por ações antrópicas mal conduzida. A crônica dos desastres ambientais verificados no nosso planeta ao longo dos últimos anos é de conhecimento geral. Em tais circunstâncias, há ne-

2 UM ROTEIRO PARA DECIDIR E MONITORAR OS EFEITOS DA DECISÃO Quem decide tenta escolher, com alguma racionalidade, dentre inúmeras respostas possíveis, qual a mais indicada a uma dada questão, conforme exemplificam os passos do roteiro seguinte: i. I dentificar o que deve ser decidido e destacar sua necessidade, arrolando dúvidas, existência de hábitos refratários à renovação, ausência de algumas informações, efeitos passíveis de serem confundidos como causas etc. ii. Elencar objetivos prioritários a alcançar com a implementação da decisão, mas levando em conta as metas estratégicas


da organização ou do empreendimento. iii. Discernir, sob enfoque sistêmico, a causa (ou o conjunto de causas interligadas) da evolução da questão a decidir. iv. Propor alternativas de resposta realistas em função do tipo de questão e atendimento à legislação vigente, bem como, limitados pelos recursos e prazos disponíveis. v. O timizar as alternativas de resposta levando em conta os condicionantes sócio-político-ambientais, os compromissos declarados da organização ou do empreendedor, os níveis de incerteza preditiva de cada alternativa etc. vi. Ponderar, com mais de um critério de decisão às alternativas de respostas previamente otimizadas e, depois de acordar qual dos critérios de decisão apontou as respostas menos questionáveis, eleger a mais atraente. vii. Implementar a resposta eleita e monitorar seu desempenho durante certo tempo, visando, se necessário, fazer ajustamentos complementares.

3 PROBLEMÁTICAS TÍPICAS Decidir que diante de um leque de alternativas pode envolver situações conflitantes que normalmente exigem a formulação de mais de um tipo de problema, bem como, de mais de um critério de decisão. De fato, a tomada de decisão geralmente requer

o enfrentamento de uma das seguintes problemáticas: Problemática Pα, ou problemática da seleção, quando, para um conjunto de alternativas, se escolhe preferencialmente uma única alternativa como solução do problema. Problemática Pγ, ou problemática da ordenação (priorização), quando as alternativas são ordenadas a partir da globalmente melhor até a globalmente pior. Problemática Pβ, ou problemática da classificação, quando as alternativas são inseridas em categorias pré-definidas. Problemática Pδ, ou problemática da descrição, quando cada alternativa é descrita a partir de atributos pré-definidos1. Assim, para um problema que exige uma tomada de decisão associada a, pelo menos, uma dessas quatro problemáticas, o processo de tomada de decisão constitui-se em uma verdadeira arena na qual interagem aspectos psicológicos, além de representações eventualmente mutáveis do próprio problema e um subprocesso de natureza essencialmente técnica: o dito subprocesso de apoio à tomada de decisão. E é precisamente neste subprocesso, tornado operacional pelo analista da decisão, que elementos fundamentais do processo de tomada de decisão emergem. O analista de decisão atua ao mesmo tempo como facilitador e técnico responsável pelo subprocesso de apoio à decisão. Tais elementos são: A identificação dos agentes da decisão (os avaliadores e outros

fornecedores de inputs ao subprocesso de apoio à decisão) e do tomador de decisão (uma única pessoa ou um grupo de pessoas). Idem para o conjunto das alternativas, sendo todas estas candidatas viáveis capazes de resolver o problema em pauta. Em alguns casos, é fácil identificar quais são as alternativas viáveis. Em outros, no entanto, é necessário defini-las progressivamente. Em alguns casos poderá ser necessário reduzir uma longa lista de alternativas à uma lista menor, mais simples de administrar; pode-se, a princípio, realizar isso de várias formas, como, por exemplo, eliminando as alternativas que não satisfaçam minimamente algum dos critérios, selecionando assim um conjunto básico e representativo de alternativas ou, ainda, determinando um número relativamente pequeno de critérios críticos para a avaliação e a seleção daquelas alternativas que possuem um desempenho melhor, de acordo com esses critérios. Ainda que, usando uma dessas técnicas, não exista um limite teórico para o número de alternativas a serem avaliadas, considera-se que a coleta de informação para muitas alternativas pode ser uma tarefa exaustiva, especialmente se a quantidade de critérios for relativamente grande. A definição dos critérios efetivamente relevantes. A definição das alternativas e critérios, como Fundações e Obras Geotécnicas

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Riscos Geológicos

se viu acima, será usualmente um processo iterativo, em que novas alternativas podem sugerir novos critérios e viceversa. Eventualmente formarse-á uma hierarquia de critérios; a hierarquia de critérios mais frequentemente usada é linear e tem a forma de uma árvore, na qual se decompõe cada critério progressivamente, partindo do nó (ou critério) mais alto para os situados mais abaixo – através desta técnica, forma-se, a partir de um critério-pai (nó mais alto na hierarquia), uma família de critérios. Observe-se que há poucos procedimentos formais que auxiliam na estruturação de uma hierarquia de critérios; essa é uma habilidade adquirida com a prática. Aliás, não existe uma hierarquia “correta” para nenhum problema em particular, e é possível desenvolver-se estruturas de critérios alternativas. Contudo, logo após a construção de uma árvore (ou hierarquia) de critérios, pode-se julgar se essa representação é útil para o analista de decisão utilizando-se cinco fatores, sugeridos por Keeney e Raiffa (1976)2: • Completude: se a árvore está completa, todos os critérios que interessam ao tomador de decisão estarão incluídos nela. • Operacionalidade: todos os critérios do nível mais baixo da árvore deverão ser suficientemente específicos para que o analista de decisão possa utilizá-los no processo de resolução do problema. 20

Fundações e Obras Geotécnicas

• Decomponibilidade: deve-se poder avaliar o desempenho de uma alternativa em relação a um critério, independentemente de seu desempenho em relação a outros critérios. • Ausência de redundância: se dois critérios refletem – parcial ou totalmente – a mesma realidade (por exemplo, impacto ambiental e poluição sonora), então um deles é claramente redundante; deve-se o perigo da redundância a que ela pode acarretar uma dupla contabilização, fazendo com que a recomendação geralmente tenda a ser espúria. Uma maneira prática de identificar-se a redundância consiste em estabelecer se é possível modificar-se de alguma forma a recomendação a qual se chega – pelo emprego de um método multicritério –, caso um determinado critério seja eliminado da árvore. Se a eliminação do critério não alterar a escolha da melhor alternativa, então não será necessário incluí-lo na análise. • Tamanho mínimo: se a árvore for relativamente muito grande, qualquer análise de decisão será impossível, do ponto de vista prático. Para assegurar que isso não ocorrerá, não se deve decompor os critérios além do nível em que podem ser avaliados, devendo prevalecer sempre o bom senso. Por vezes, ainda, pode-se reduzir o tamanho da árvore através da eliminação dos critérios que não permitem estabelecer distinções entre as alternativas. A avaliação das alternativas com

relação aos critérios. Há várias maneiras de se executar esta fase, dependendo do método multicritério empregado. Nesta etapa do apoio à decisão faz-se uso de escalas, através das quais se representará as consequências de cada alternativa com relação a cada um dos critérios, sejam estes quantitativos (como, para um projeto, um valor de taxa interna de retorno) ou não (como a importância do ponto de vista da mitigação de impactos ambientais). A determinação da importância relativa dos critérios. Esta fase da análise de decisão consiste em ponderar os critérios. Existem diferentes maneiras de efetuar-se tal ponderação, dependendo do método multicritério escolhido. Por exemplo, as medidas de ponderações relativas dos critérios podem ser expressões das relações de trocas compensatórias (ou trade-offs) entre critérios: pode-se, por exemplo, considerar um critério duas vezes mais importante do que algum outro, o que trará consequências para os cálculos a serem realizados (por um método multicritério). Tais ponderações refletem, do ponto de vista do tomador de decisão, quanto se está disposto a ceder, no que concerne a perdas em termos de um critério, desde que se ganhe pelo outro critério, provindo daí a ideia de uma relação de troca. A indicação das soluções satisfatórias; estas, denominadas satisficing solutions3, resultam de


que tanto a impossibilidade de tratamento computacional ou a falta de informação excluem a possibilidade concreta de uma busca de soluções ótimas, no sentido estritamente matemático. Estas, como se viu acima, serão resultantes de um procedimento de seleção (de pelo menos uma melhor alternativa para a escolha final pelo tomador de decisão, ou, eventualmente, de um subconjunto das melhores alternativas), de ordenação (em que se ordena o conjunto de alternativas viáveis da melhor para a pior), de classificação (em que as alternativas são classificadas em categorias preestabelecidas) ou, simplesmente, de descrição detalhada das alternativas (podendo-se utilizar tal descrição, frequentemente expressa por meio de regras lógicas, como preliminar para uma seleção, uma ordenação, ou uma classificação). Uma análise de sensibilidade. Nesta última fase da análise de decisão, além de fazer o papel de “advogado do Diabo”, o analista busca introduzir modificações realistas (isto é, passíveis de se materializarem) nas variáveis e parâmetros usados pelo método multicritério empregado, de modo a testar até que ponto são robustos os resultados obtidos. Eventualmente o analista poderá introduzir essas modificações de modo a simular possíveis mudanças nas preferências do tomador de decisão. Na identificação do conjunto de

critérios a serem considerados, qualquer que seja o nível em que a decisão deve ser tomada – estratégico, tático ou operacional – ou a problemática de decisão em curso – escolha, ordenação, classificação ou descrição – o risco pode aparecer como um dos critérios intervenientes. Assim, através da construção de matrizes de decisão, se visualizará as medidas de desempenho de cada alternativa com relação a cada um dos critérios de decisão, aqui incluído o risco. Após a avaliação das alternativas em relação a todos os critérios, obtém-se a matriz de decisão ou de avaliação, onde os valores são todos numéricos. Faz-se então a normalização destes valores empregando-se, para cada critério, a divisão da medida de desempenho de uma alternativa pela soma das medidas de todas as alternativas. Essa normalização é feita para cada critério, obtendo-se assim uma matriz, onde todos os valores estão entre zero e um, designada por W = [Wnm], sendo que n indica o número de alternativas e m o número de critérios, conforme se mostra na figura seguinte onde Wij é a medida do desempenho da alter-

OPÇÕES DE AÇÃO

nativa i com relação ao critério j. São vários os métodos multicritério que, a partir de matrizes já normalizadas, como a mostrada na matriz seguinte (ou de matrizes brutas, isto é, anteriores a algum tipo de normalização), através de conhecimentos adicionais (por exemplo, o grau de importância relativa de cada critério de decisão) e por meio da aplicação de métodos multicritério, conduzem à resolução das problemáticas Pα, Pγ, Pβ ou Pδ4. Além da representação do risco como um critério particular, pode-se ainda expressar o risco como o produto de uma probabilidade por uma grandeza escalar, ou seja, o risco, como inerente a algum grau de ignorância relacionado com particular critério, configura-se como uma medida de incerteza. Os agentes e o analista de decisão, portanto, terão atitudes em face ao risco que variarão de acordo com cada critério. Complicações específicas do subprocesso de apoio à decisão são as seguintes: Os critérios de resolução do problema são, no mínimo, dois, e estes conflitam entre si, o que

CRITÉRIOS DE DECISÃO Os termos Ai, Cj e Wij simbolizam, respectivamente, opções de decisão (alternativas ou ações em potencial), critérios de decisão e consequências da decisão, tais que Wij = f (Ai ,Cj) C1

C2

...

Cj

...

Cm

A1

W11

W12

...

W1j

...

W1m

A2

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...

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W2m

...

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...

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...

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...

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...

...

...

...

...

...

na

Wn1

Wn2

...

...

Wnm

Wnj

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Riscos Geológicos

justifica plenamente o uso da expressão apoio multicritério à decisão. Tanto os critérios como as alternativas não são claramente definidos, e as consequências da escolha de uma determinada alternativa, com relação a pelo menos um critério, nem sempre são devidamente compreendidas. Os critérios e as alternativas podem estar interligados, de forma que um dado critério parece refletir parcialmente um outro critério, enquanto a eficácia em optar-se por uma alternativa específica depende de que uma outra seja ou não escolhida, no caso de as alternativas não serem mutuamente excludentes. A solução do problema depende de um conjunto de pessoas, cada uma com seu próprio ponto de vista, muitas vezes conflitante com os dos demais participantes. As restrições do problema não são bem definidas, podendo mesmo existir dúvidas a respeito do que é critério e do que é restrição. Alguns dos critérios são quantificáveis – por exemplo, em termos de unidades monetárias – enquanto outros somente o são por meio de juízos de valor expressos em escala específica, mas julgada adequada ao problema sob exame. A escala para um determinado critério pode ser cardinal (isto é, numérica), verbal (ou passível de ser expressa na linguagem comum) ou ordinal (pela orde22

Fundações e Obras Geotécnicas

nação ou priorização das opções em potencial), dependendo dos dados disponíveis e da própria natureza dos critérios. Outras complicações podem surgir em um contexto real de tomada de decisões, mas esses sete aspectos mencionados caracterizam o essencial da complexidade que o analista de decisão pode vir a enfrentar na prática do apoio a decisão. Em geral, problemas decisórios com tais características são denominados problemas mal-formulados (ou mal-estruturados). Praticamente ninguém questiona a importância de um excelente desempenho como tomador de decisão na capacitação para a gestão do risco. Entretanto, nem sempre se define bem o que se entende por excelente desempenho como tomador de decisão. Sabe-se, no entanto, que para qualquer tomada de decisão pertinente a um problema mal-formulado, conforme caracterizado no parágrafo imediatamente acima, deve-se organizar bem as ideias antes de uma análise da decisão em si. Esta organização de ideias é frequentemente o elemento mais importante do processo de tomada de decisão, recebendo a denominação de estruturação do problema5. Uma vez que o problema tenha sido bem estruturado, passa-se a análise da decisão, sendo sua síntese a fase geradora de uma recomendação para quem tomará a decisão. Por conseguinte, o apoio à decisão compreende estas três fases: estruturação do problema, análise da decisão e síntese da decisão a ser recomendada. Dentre os aspectos psicológicos que podem intervir no processo de

tomada de decisão destacam-se as armadilhas da decisão. As mesmas armadilhas psicológicas da decisão que afetam decisores individuais podem também afetar grupos que decidem conjuntamente. Sobre estas armadilhas e seus possíveis antídotos, recomenda-se ao leitor a obra de Hammond, Keeney e Raiffa6. Outro entrave que pode surgir na tomada de decisão em grupo decorre do não compartilhamento adequado e completo das informações que cada participante possui sobre o problema a ser resolvido. Relativamente a este possível entrave, o analista de decisão precisa garantir que cada agente compartilhe efetivamente as informações das quais é detentor. Um bom exercício de brainstorming pode reduzir a chance de ocorrer inibições na geração e expressão de novas ideias pelos participantes7. Cabe aqui uma pergunta fundamental para o tomador de decisão: como tomar uma boa decisão? Não é difícil perceber-se que uma decisão que pode parecer excelente hoje é, amanhã, passível de revelar-se catastrófica. Isto sugere que a noção do que é uma boa decisão somente vale para um cenário particular, aqui incluídos também os valores do cliente da decisão, seja este uma pessoa, um grupo de pessoas, ou uma organização. Por outro lado, o processo de tomada de decisão precisa ser um processo de alta qualidade, aqui entendida como atendendo aos seguintes quesitos, não necessariamente sequenciais: Ter certeza de que se está tentando resolver o problema certo. Pensar suficientemente sobre o


problema, procurando manter distância de eventuais envolvimentos emocionais, jamais tomando como verdade as opiniões dos outros e buscando evitar as já citadas armadilhas psicológicas. Buscar todas as informações relevantes. Identificar claramente o que efetivamente importa, ou seja, o núcleo duro da decisão. Considerar explicitamente os comprometimentos de natureza moral e ética. Gerar o conjunto mais amplo possível de alternativas viáveis. Listar os objetivos da tomada de decisão, tanto quantitativos – como encontrar a solução de menor custo total anual possível, ou reduzir o custo total anual – como qualitativos – encontrar a melhor solução do ponto de vista estético, por exemplo, ou aumentar a estética; note-se que os objetivos sempre são formulados utilizando-se o tempo infinitivo dos verbos. Para cada um dos objetivos listados, explicitar os critérios de decisão – assim, um objetivo como aumentar a importância social do projeto pode ser desdobrado nos critérios (i) atendimento às necessidades mais urgentes da população carente e (ii) promoção da mobilidade social. Ou seja, os critérios são sempre formulados como substantivos. Explicitar as consequências de cada alternativa com relação a

cada um dos critérios de decisão, juntamente com uma estimativa da probabilidade de cada uma dessas consequências de fato se materialize – a melhor forma de se fazer isso é por meio da construção de uma tabela, em que as linhas estarão associadas as alternativas e, as colunas, corresponderão os critérios; a informação contida no cruzamento de cada linha com cada coluna provirá de cálculos, juízos de valor, e/ou consultas a expertos. Partindo-se dos quesitos acima, porém realimentando-os na medida do necessário, fazer uso de um subprocesso transparente, participativo e robusto de apoio multicritério a decisão para selecionar, ordenar, classificar ou descrever detalhadamente as alternativas sobre as quais se tomará a decisão – a realimentação deve-se ao fato de que, ao longo desta análise técnica, poderá emergir algum aspecto do problema sobre o qual não se tinha atentado durante aquelas nove etapas anteriores, gerandose, assim, por exemplo, novas alternativas ou novos critérios. Efetuar uma crítica dos resultados obtidos nessa décima etapa, tentando se colocar tanto na posição de quem tomará a decisão como na de quem viverá as consequências diretas e indiretas da mesma – eventualmente, em decorrência de tal crítica, haverá necessidade de se refazer aquela décima etapa. Produzir recomendações bem

objetivas para quem tomará a decisão, aqui incluídas uma proposta da decisão em si e a melhor forma de implementá-la, garantindo a documentação transparente de todas as etapas, com vistas à aprendizagem organizacional. A percepção da viabilidade da implementação de cada uma das alternativas candidatas deverá, aliás, permear todo o processo acima descrito, podendo mesmo, em muitos casos, constituir-se em um dos critérios de decisão. As nove primeiras dessas 12 etapas constituem o cerne da estruturação do problema. A décima e a décima primeira dessas etapas constituem a análise da decisão, ao passo que a última etapa é a síntese. Ao longo desse processo de 12 etapas elucidam e repensam valores, alternativas, critérios, preferências, consequências, possíveis riscos e trade-offs entre alternativas e entre discernimentos. Como princípio geral, precisa-se dar atenção igual a cada uma daquelas 12 etapas, constituindo-se um dos erros mais comuns – e, frequentemente, condutor a maus resultados – dar-se bem menos atenção à estruturação do problema do que à análise da decisão e à síntese. Também não se deve ingenuamente acreditar que aquele é um processo puramente racional, uma vez que a intuição sempre se faz presente no exercício do mesmo. Outras dificuldades que poderão advir neste exercício relacionam-se com a ocorrência de diferentes pontos de vista, mesmo dentre agentes da decisão; com a usual inexistência de Fundações e Obras Geotécnicas

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Riscos Geológicos

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do problema são as atividades essenciais do analista de decisão, que constantemente interage com os agentes de decisão e com o próprio tomador de decisão. Por conseguinte, as funções desempenhadas pelo tomador de decisão e pelo analista da decisão são complementares, mesmo que, em última instância, a responsabilidade direta da decisão caiba ao primeiro e não ao segundo. As considerações sobre a introdução do risco no subprocesso de apoio à decisão, tanto como um critério de avaliação como na modelagem estocástica inerente a cada critério individualmente, cabe sempre ao analista da resolução. As dificuldades das decisões multicritério podem ser exemplificadas, de modo muito elementar, na escolha da melhor opção de compra de 79 registradores automáticos de níveis de água subterrânea para uma empresa encarregada da aquisição, instalação, operação, monitoração e análise periódica das reservas hídricas de um manancial.

Duas opções de compra, I e II, consideram os seguintes critérios, todavia com pesos iguais: Custo total de cada registrador, igual ao seu custo de aquisição eventualmente somado ao custo de troca se ficar inoperante antes de um ano depois de instalado. Imagem negativa da empresa (função não-linear da quantidade de paralizações e trocas de registradores). Foram considerados fornecedores nacionais cujo histórico de qualidade e desempenho é estatisticamente conhecido, bem como, produtos importados, todavia sem conhecimento dos históricos de desempenho, exceto os informados pelo fabricante. O quadro auxiliar de decisão da hipótese I, abaixo resumido, foi montado com o desempenho nominal do produto importado. Nesse caso, cotejando índices relativos (calculados com simples regras de três), a opção A é mais vantajosa, levando em conta o custo total e a imagem da empresa. O quadro auxiliar da decisão da hipótese II é igual ao da hipótese Luiz Flavio Autran Monteiro Gomes

informações perfeitas e completas; com as sempre presentes incerteza e imprecisão; e, sem dúvida alguma, o tamanho do problema – isto é, a tessitura de relacionamentos que poderá existir entre elementos do que parece ser o problema de decisão – que, em seu conjunto, denominase o sistema de decisão – e outros componentes – externos, portanto, aquele sistema – do contexto em que a decisão deverá ser tomada. Como síntese parcial do que se expôs acima, explicita-se aqui as três categorias essenciais de participantes no processo de tomada de decisão: O tomador de decisão – é o responsável último pela decisão a ser tomada, também chamado de proprietário da decisão ou, simplesmente, decisor; pode ser uma única pessoa ou um conjunto de pessoas, sendo para ele que se produz a recomendação de qual decisão deve-se tomar. O participante consultado ou o agente de decisão é o indivíduo ou grupo de indivíduos que, direta ou indiretamente, realiza cálculos, gera estimativas, elucidam preferências e juízos de valor que são utilizados na análise de decisão. O analista da decisão é o profissional conhecedor dos fundamentos e dos métodos do apoio multicritério à decisão a quem se atribui a tarefa de administrar a estruturação do problema, sua análise e a produção de recomendações ao tomador de decisão; pode-se também dizer que a modelagem e a resolução


Luiz Flavio Autran Monteiro Gomes

I, exceto para os importados, pois diante da insegurança quanto ao apoio tecnológico do importador foi admitido um percentual de trocas de 2%, o quádruplo do nominal. Nestas condições, o nacional X é mais vantajoso. Considerando pesos desiguais para cada critério, os resultados poderiam ser diferentes. Por exemplo, reduzindo em 75% a relevância da imagem relativa em relação ao custo relativo na hipótese II, o fornecedor nacional U passa ser o mais vantajoso, mas aumentado em 100% o valor da imagem relativa em relação ao custo relativo nessa mesma hipótese, o produto importado do fornecedor A ganha a preferência, mesmo admitido um percentual de trocas de 2%, igual ao quádruplo do nominal. No exemplo de aplicação acima exposto fez-se uso de uma função de valor multi-atributo – que é um exemplo de função multi-objetivo, ver Keeney e Raiffa8. Poder-se-ia empregar outros métodos multicritério para resolver o problema acima. Entretanto, o uso do método aqui empregado é relativamente simples e fácil de ser implementado através de uma planilha Excel®. Sobre a ampla gama de possibilidades metodológicas disponíveis quando se busca analisar problemas de decisão em presença de múltiplos critérios, sugere-se que o leitor consulte obras como Pomerol e Barba-Romero9, Clemen e Reilly10, Belton e Stewart11, Gomes, Araya e Carignano12, Greco, Ehrgott e Figueira13 e Gomes e Gomes14, dentre vários outros compêndios sobre o Apoio Multicritério a Decisão.

Roy, B. e Bouyssou, D. (1993) Aide Multicritère à la Décision: Méthodes et Cas. Ed. Economica, Paris. Keeney, R.L. e Raiffa, H. (1993) Decisions with Multiple Objectives: Preferences and Value Tradeoffs. Cambridge University Press, Cambridge. 3 Simon, H. (1991) Bounded Rationality and Organizational Learning. Organization Science, Vol. 2, N. 1, p. 125–134. 4 Belton, V. e Stewart, T.J. (2002) Multiple Criteria Decision Analysis An Integrated Approach. Kluwer Academic Publishers, Boston Greco, S.; Ehrgott, M. e Figueira, J.R. (eds.) (2016) Multiple Criteria Decision Analysis State of the Art Surveys, International Series in Operations Research & Management Science, 2nd ed. Springer-Verlag, New York. 5 Rosenhead, J. & Mingers, J. (eds.) (2008) Rational Analysis for a Problematic World Revisited problem structuring methods for complexity, uncertainty and conflict, 2nd ed. John Wiley & Sons, Chichester. 6 Hammond, J.S., Keeney, R.L. e Raiffa, H. (1999) Smart Choices A practical Guide to Making Better Decisions. Harvard Business School Press, Boston. 7 Raiffa, H., Richardson, J. e Metcalfe, D. (2002) Negotiation Analysis The Science and Art of Collaborative Decision Making. The Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge. 8 Keeney, R.L. e Raiffa, H. (1993) Decisions with Multiple Objectives: Preferences and Value Tradeoffs. Cambridge University Press, Cambridge. 9 Pomerol, J-C. e Barba-Romero, S. (2000) Multicriterion Decision in Management: Principles and Practice. Ed. Kluwer Academic Publishers, Boston. 10 Clemen, R.T. e Reilly, T. (2001) Making Hard Decisions with DecisionTools®. Ed. D Belton, V. e Stewart, T.J. (2002) Multiple Criteria Decision Analysis An Integrated Approach. Kluwer Academic Publishers, Boston. uxbury/Thomson Learning, Pacific Grove. 11 Belton, V. e Stewart, T.J. (2002) Multiple Criteria Decision Analysis An Integrated Approach. Kluwer Academic Publishers, Boston. 12 Gomes, L.F.A.M., Araya, M.C.G. e Carignano, C. (2004) Tomada de Decisões em Cenários Complexos. Pioneira Thomson, São Paulo. 13 Ehrgott, M., Figueira, J.R. e Greco, S. (eds.) (2010) Trends in Multiple Criteria Decision Analysis. Ed. Springer, Heidelberg. 14 Gomes, L.F.A.M. e Gomes, C.F.S. (2014) Tomada de Decisão Gerencial Enfoque Multicritério. 5a ed. Ed. Atlas, São Paulo. 1 2

> AUTOR: LUIZ FLAVIO AUTRAN MONTEIRO GOMES é membro-titular da ANE (Academia Nacional de Engenharia); possui pós-doutoramento na Universität Stuttgart; PhD na University of California (1976), Berkeley, Estados Unidos; MSc na Michigan State University (1970); e é engenheiro civil, PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), 1968. > COORDENADOR: FERNANDO OLAVO FRANCISS é membro titular fundador da ANE; formou-se em engenharia civil pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) em 1958, licenciou-se em geologia aplicada pela Universidade de Grenoble em 1961, onde também fez doutorado em 1970 e lecionou em cursos de graduação e pós-graduação na PUC-Rio, de 1964 a 1981. Sua carreira profissional começou em 1956 como estagiário na Sondotécnica, onde permaneceu até 1991, depois de ocupar cargos de direção, para dedicar-se à prestação de consultoria especializada pela empresa Progeo.

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Artigo

COMPORTAMENTO DO ATRITO LATERAL EM PROTÓTIPOS DE ESTACAS MOLDADAS IN LOCO COM ADIÇÃO DE ADITIVO EXPANSOR DE ARGAMASSA Engª. Taís Zagonel, engenheira civil, Chapecó (SC) taiazago@hotmail.com Msc. Marieli Biondo Lopes, Chapecó (SC.) Docente do curso de engenharia civil na UNOCHAPECÓ (Universidade Comunitária da Região de Chapecó) engmary@unochapeco.edu.br Esp. Mario Gilsone Ritter, Chapecó (SC). Docente do curso de engenharia civil na UNOCHAPECÓ (Universidade Comunitária da Região de Chapecó); engenheiro na Alpha Engenharia de Projetos (Chapecó – SC) marioritter@unochapeco.edu.br Darlis Devise, acadêmica de engenheira civil na UNOCHAPECÓ (Universidade Comunitária da Região de Chapecó) darlis@unochapeco.edu.br

RESUMO As estacas escavadas com trado mecanizado são utilizadas devido sua facilidade de execução e menor custo, porém nem todos os tipos destas estacas respondem às solicitações de tração impostas. O aumento da resistência à tração pode ser atingido pelo aumento da capacidade de carga por atrito lateral, através da adição de aditivo expansor de argamassa no concreto. Nesta pesquisa, pequenos elementos estruturais foram concretados com adição de 2% de aditivo expansor, além de armadura ao longo de todo o seu comprimento. As estacas, após 26

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cura, foram solicitadas por um sistema de prova de carga estática, em que os resultados demonstraram que estacas concretadas com adição de aditivo atingiram resistência à tração de 5,3 tf, e, estacas sem adição do aditivo, atingiram 3,3 tf de resistência. Palavras-chave: Estacas Escavadas, Resistência à Tração, Prova de Carga, Aditivo Expansor.

INTRODUÇÃO As estacas escavadas possuem uma grande capacidade de produção, e são um tipo de fundação com custo mais

baixo quando comparado aos demais sistemas de fundações. Contudo, nem todas as metodologias de estacas escavadas favorecem a resistência à tração, perdendo espaço para outros elementos mais caros como as estacas raiz, executadas com injeção de argamassa, que preenchem os vazios do solo no entorno do elemento estrutural, aumentando a capacidade de carga por atrito lateral e, consequentemente, a resistência à tração. Esta pesquisa estudou uma alternativa de elementos estruturais escavados com trado mecanizado e concretados convencionalmente, sendo mais atrativos economicamente e que respondam bem aos esforços de tração, tornando-se uma metodologia intermediária às estacas raiz. Com o intuito de aumentar a resistência lateral das estacas escavadas, estas foram executadas com adição de 2% de aditivo expansor de argamassa ao concreto e realização de prova de carga estática para avaliação das resistências à tração e deslocamentos. Comparouse dois grupos de estacas, com e sem aditivo e avaliou-se a eficiência deste aditivo nos elementos estruturais.


1 MATERIAIS E MÉTODOS 1.1 CARACTERIZAÇÃO DO SOLO E ELABORAÇÃO DO TRAÇO DE CONCRETO As estacas foram executadas no campus da Unochapecó (Chapecó – SC), e o solo local foi caracterizado conforme sua curva granulométrica, determinada segundo a NBR 7.181 (ABNT, 1984). Determinou-se um traço de concreto através do método experimental da ABCP/ACI, com resistência característica de 25 MPa.

1.2 DIMENSIONAMENTO E CONFECÇÃO DAS ARMADURAS PARA AS ESTACAS ESCAVADAS A armadura das estacas foi dimensionada segundo as disposições da NBR 6.122 (ABNT, 2010) e NBR 6.118 (ABNT, 2014), considerando-se armadura mínima para os elementos, conforme a Equação 01: As,mín = (0,15 Nd/fyd) ≥ 0,004 Ac (01) Onde: As,mín = área mínima da seção transversal da armadura longitudinal de tração; Ac= área da seção transversal de concreto; Ac = π d²) / 4 ; fyd = resistência de cálculo de escoamento do aço; Nd = força normal de cálculo; Nd = γf Nk; γf = coeficiente de ponderação das ações; N = força normal característica. k

A carga de ruptura à tração das estacas adotada para esta pesquisa foi de 5 tf, de acordo com as bibliografias estudadas como Paschoalin Filho (2008), Bessa (2005) e Perez (2014). Respeitou-se também as condições descritas no item 18.4.2.1 da NBR 6.118 (ABNT,2014), em que o diâmetro das barras longitudinais não pode ser inferior a 10 mm nem superior a 1/8 da menor dimensão transversal e ainda, em seções circulares devem existir no mínimo seis barras distribuídas ao longo do perímetro. De acordo com o item 18.4.2.2 da NBR 6.118 (ABNT, 2014), a distribuição transversal deve respeitar o espaçamento mínimo livre entre as faces das barras longitudinais que deve ser igual ou superior ao maior dos seguintes valores: 20 mm, diâmetro da barra, 1,2 vezes a dimensão máxima característica do agregado graúdo. Segundo o item 18.4.3 da NBR 6.118 (ABNT, 2014), a armadura transversal é constituída por estribos, e estes não podem ter um diâmetro inferior a 5 mm nem a 1/4 do diâmetro da barra isolada. Ainda, o espaçamento longitudinal entre estribos deve ser igual ou inferior ao menor dos seguintes valores: 200 mm, menor dimensão da seção, 12 φ para CA-50. Ainda pelas recomendações da NBR 6.118 (ABNT, 2014), indicou-se a agressividade ambiental como Classe II em razão do ambiente ser urbano.

1.3 ELABORAÇÃO DO SISTEMA DE PROVA DE CARGA O ensaio de tração para determinação da resistência à tração das

estacas foi realizado por um sistema tipo pórtico conforme a Figura 1.

Figura 1 – Sistema de prova de carga Fonte: ZAGONEL (2017)

Utilizou-se um macaco hidráulico invertido, acoplado a uma viga metálica Tipo I de 153 cm de comprimento, 16,5 cm de largura e 31 cm de altura, célula de carga de dimensões, disco metálico com quatro furos e de diâmetro de 37 cm, espessura de ½ “ (12,7 mm), duas vigas de madeira e 20 cabos de aço de 8 mm de diâmetro e capacidade de carga unitária de 3,9 tf, que foram fixados na armadura das estacas, conforme Figura 2 e 3.

1.4 PERFURAÇÃO E CONCRETAGEM DAS ESTACAS ESCAVADAS A perfuração das estacas foi realizada utilizando perfuratriz hidráulica e rotativa. Foram executadas seis estacas de 30 cm de diâmetro e 1 m de comprimento. Destas seis estacas, três foram concretadas com adição de aditivo e três sem aditivo para comparação dos resultados. O aditivo expansor de argamassa utilizado no concreto das estacas foi Fundações e Obras Geotécnicas

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Figura 3 – Detalhe da fixação dos cabos de aço no disco metálico Fonte: ZAGONEL (2017)

Figura 2 – Vista frontal sistema de prova de carga Fonte: ZAGONEL (2017)

o aditivo compensador de retração para argamassas da Vedacit, e foi utilizado 2% de aditivosobre a massa de cimento, ou seja, 1 kg de aditivo para cada estaca, salientado que a dosagem utilizada nesta pesquisa foi dobrada em relação às recomendações do fabricante.

viga metálica através dos parafusos metálicos, conforme indicado na Figura 4. Posteriormente, posicionou-se a célula de carga, a chapa metálica,

e por fim os quatro cabos de aço foram introduzidos nos furos da chapa metálica e fixados por meio de duas braçadeiras em cada cabo de aço. Os deslocamentos verticais do topo da estaca foram medidos simultaneamente através de quatro extensômetros analógicos instalados em dois eixos ortogonais, conforme determina a NBR 12.131 (ABNT, 1992). Os extensômetros permitiam leituras com precisão de 0,01 mm.

1.5 ENSAIO DE PROVA DE CARGA ESTÁTICA – TESTE DE RESISTÊNCIA À TRAÇÃO DAS ESTACAS O ensaio de prova de carga estática foi adaptado ao sistema regulamentado pela NBR 12.131 (ABNT, 1992). Antes do início do ensaio de prova de carga de cada estaca, nivelou-se a superfície do terreno e vigas de madeira e metálica Figura 4. A montagem do sistema iniciou-se na fixação do macaco hidráulico na 28

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Figura 4 – Início do carregamento e nivelamento da viga Fonte: ZAGONEL (2017)


O ensaio de prova de carga realizado foi do tipo carregamento rápido, aplicando em cada estágio um carregamento de 10% da carga de ruptura estimada. Considerando carga de ruptura de 5 tf, realizaram-se carregamentos de 0,5 tf por estágio, mantidos por 5 min, para estabilização dos deslocamentos.

2 RESULTADOS E DISCUSSÕES 2.2 CARACTERIZAÇÃO DO SOLO, ELABORAÇÃO DO TRAÇO DE CONCRETO E CONFECÇÃO DAS ARMADURAS O solo do local onde as estacas foram executadas foi caracterizado como argila siltosa, e o traço de concreto determinado foi 1:1,4:2,9:0,46. Foram utilizadas armaduras longitudinais de 10 mm de diâmetro e comprimento de 100 cm e estribos a cada 10 cm, diâmetro de 5 mm e comprimento de 84 cm, totalizando 8 kg de armadura.

2.2 PERFURAÇÃO E CONCRETAGEM DAS ESTACAS ESCAVADAS

Figura 5 – Locação das estacas escavadas com as respectivas profundidades Fonte: ZAGONEL (2017)

Tabela 1 – Resumo dos Resultados dos ensaios de prova de carga à tração ADITIVO

Carga de Ruptura Média (tf)

Desloc. Máximo Médio (mm)

COM ADITIVO

5,3

4,0

SEM ADITIVO

3,3

3,4

Fonte: Elaborada pelos autores

Gráfico 1 – Comparação dos resultados do teste à tração das cinco estacas

As estacas foram organizadas conforme planta apresentada na Figura 5. Durante a concretagem, uma das estacas concretadas com aditivo apresentou problemas e foi desprezada.

2.3 ENSAIO DE PROVA DE CARGA ESTÁTICA – TESTE DE RESISTÊNCIA À TRAÇÃO DAS ESTACAS Os resultados das cargas de rupturas e deslocamentos máximos aferidos

Fonte: Elaborada pelos autores

das cinco estacas escavadas ensaiadas a tração estão dispostos na Tabela 1 e no Gráfico 1.

De acordo com os resultados dispostos na Tabela 1 e no Gráfico 1, observou-se que as estacas com Fundações e Obras Geotécnicas

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a presença de aditivo expansor de argamassa no concreto, obtiveram resultados de carga de ruptura maiores se comparados com os resultados das estacas sem presença de aditivo. A média da carga de ruptura à tração das duas estacas com aditivo foi 5,3 tf, enquanto que as três estacas sem aditivo tiveram uma média de 3,3 tf. Afirma-se que neste estudo, houve um aumento do atrito lateral em consequência da utilização de 2% do aditivo expansor de argamassa, e, aumento da resistência à tração em 60%.

CONCLUSÃO Através dos resultados dos ensaios, conclui-se que a adição de 2% de aditivo expansor de argamassa no concreto das pequenas estacas au-

mentou a capacidade de carga por atrito lateral em 60%, tornando-se eficiente para o aumento de resistência aos esforços de tração. Em relação aos deslocamentos dos elementos, conclui-se que são maiores nas estacas que resistem mais à tração, porém com diferença de apenas 0,6 mm em relação aos resultados finais. Entende-se que o aditivo expansor diminui os vazios do solo através do seu preenchimento, uma vez que o aditivo permite maior fluidez, facilitando a sua penetração nas ranhuras do solo resultantes da escavação com a perfuratriz. Após o preenchimento dos espaços vazios, o aditivo expansor gerou uma expansão do concreto e permitiu uma melhor fixação no solo, aumentando o atrito entre a estaca e o solo.

REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6122: Projeto e execução de fundações. 2 ed. Rio de Janeiro, 2010. 91 p. _ABNT. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – Procedimento. 3 ed. Rio de Janeiro, 2014. 238 p. _ABNT. NBR 7181: Solo – Análise granulométrica. Rio de Janeiro, 1984. 13 p. _ABNT. NBR 12131: Estacas – Prova de carga estática. Rio de Janeiro, 1992. 4 p. BESSA, Adevilson Oliveira de. Avaliação da resistência lateral em estacas escavadas com trado submetidas à tração. 2005. 153 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Engenharia Civil, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2005. PASCHOALIN FILHO, João Alexandre. Estudo do comportamento à tração axial de diferentes tipos de estacas em solo de diabásio da região de Campinas / SP. 2008. 383 f. Tese (Doutorado) – Curso de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2008. PÉREZ, Nurian Bibiana Munévar. Análise de transferência de carga em estacas escavadas em solo da região de Campinas/SP. 2014. 171 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2014. ZAGONEL, Taís Cristina. Viabilidade da aplicação de aditivo expansor de argamassa para melhoramento da resistência à tração de estacas escavadas. 2017. Monografia (Graduação em Engenharia Civil) – Unochapecó, Chapecó, SC, 2017.

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Fundações e Obras Geotécnicas



Artigo

PATOLOGIAS DE FUNDAÇÕES EM SOLOS COLAPSÍVEIS Fernanda Barbosa Alexandre, discente do curso de engenharia civil na Instituição de Ensino UFPB (Universidade Federal da Paraíba), João Pessoa (PB) engenheirananda13@gmail.com DSc. Fábio Lopes Soares, docente na Instituição de Ensino UFPB (Universidade Federal da Paraíba), João Pessoa (PB) flseng@uol.com.br

RESUMO Os solos colapsíveis são solos não saturados encontrados em diversas regiões do Brasil. Esse tipo de solo, quando inundado, apresenta grande deformação e perda de resistência. Esta pesquisa mostra alguns dos principais métodos que permitem identificar um solo colapsível. Apresenta-se um estudo de caso e as consequências que esse tipo de solo pode trazer nas obras de engenharia, além de tornar clara, a importância da colapsibilidade na elaboração de projetos de fundação e algumas das possíveis soluções e recomendações, visando reduzir e/ ou evitar impactos nas áreas onde a presença desse solo seja identificada. 32

Fundações e Obras Geotécnicas

Palavras-chave: Solos Colapsíveis, Patologias, Fundação.

em reservatório enterrado, piscinas, entre outros fatores.

INTRODUÇÃO

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE SOLOS COLAPSÍVEIS

Os solos colapsíveis são solos não saturados, com baixo teor de umidade, e porosos, com alto índice de vazios, que podem sofrer uma espécie de colapso da sua estrutura em consequência à infiltração de água em quantidade suficiente. É o aumento do seu teor de umidade ou grau de saturação, mantida a tensão aplicada, que produz esse fenômeno nos solos colapsíveis (Cintra, 2009). Os recalques sofridos pelas fundações são imprescindíveis e esses recalques são classificados como normais, podendo cessar ou estabilizar após um certo período. No entanto, existe um tipo especial de recalque, em grandes proporções, que pode surgir em qualquer fase da vida útil da obra, provocando vários danos nas edificações. Trata-se do recalque de colapso, provocado pelo aparecimento acidental de água que passa a inundar o solo colapsível. Dentre as possíveis causas para a inundação desse solo podemos citar: infiltração de água de chuva, tubulação rompida, ascensão do lençol freático, vazamento

Há solos colapsíveis que ao serem inundados entram em colapso sobre atuação apenas do peso próprio da camada, sem carga externa. Não parece ser, entretanto, o caso dos solos colapsíveis do Brasil, nos quais o colapso só ocorre se a carga externa atingir um valor mínimo definido por Cintra (2009) como “carga de colapso”. Logo, duas condições são necessárias para que as estruturas edificadas nos solos colapsíveis brasileiros sofram recalque de colapso: aumento do teor

Figura 1 – Reprodução do colapso em ensaio edométrico (Cintra, 2009)


de umidade até a inundação do solo; atuação de uma carga maior ou igual a carga de colapso (Ver Figura 1). A avaliação da colapsibilidade do solo é, normalmente, feita no laboratório por meio de ensaios edométricos (de adensamento), envolvendo o carregamento do solo seguido de inundação. Com base nos resultados desses ensaios, define-se “potencial de colapso do solo” como sendo a deformação unidirecional do solo devido ao seu umedecimento sob tensão e pode ser determinado pela relação:

Em que: Δe= variação do índice de vazios com a inundação; e0= índice de vazios inicial da amostra; e1= índice de vazios no início da inundação. Segundo Jennings & Knight (1975) o potencial de colapso, associado ao grau de patologia, pode ser classificado como na Tabela 1. Tabela 1 – Potencial de colapso associado ao grau de patologia PC em %

Carga de Ruptura Média (tf)

0-1

Nenhum problema

1-5

Problema moderado

5-10

Problemático

10-20

Muito problemático

maior que 20

Excepcionalmente problemático

Fonte: Jennings & Knight, 1975

Como alternativa para essa caracterização, pode-se utilizar ensaios estáticos com placas (Ferreira & Lacerda, 1993, apud Milititsky, 2008). Em solos saturados, as tensões efetivas (σ’) são determinadas através do conhecimento das tensões totais (σ) e poropressão positiva (u), isto é, σ’ = σ – u. Já em solos não saturados, a água preenche parcialmente os vazios e as tensões no fluido são negativas, denominadas sucção. Portanto, a sucção matricial do solo corresponde às forças capilares e de adsorção existentes entre as partículas. Valores altos da sucção matricial do solo correspondem a um aumento de sua coesão e consequentemente aumenta também a resistência do solo ao cisalhamento. De acordo com Fredlund & Rahardjo (1993), o solo não saturado tem duas parcelas de coesão. A primeira componente é a coesão efetiva e a segunda é a “coesão aparente”, devido à sucção matricial. Com a inundação do solo, a sucção matricial se anula e a coesão “aparente” desaparece, reduzindo significativamente a sua resistência ao cisalhamento, resultando no colapso da estrutura. Assim, o solo inundado equivale à condição de sucção matricial aproximadamente nula, provocando redução quanto à capacidade de carga das fundações e resultando em indesejáveis recalques.

2 ESTUDO DE CASO O cenário estudado com a finalidade de analisar o comportamento das fundações implantadas em solos colapsíveis foi baseado em um trabalho realizado na Escola de Engenharia de

São Carlos, com base nos resultados de provas de carga em placa realizadas neste local e nesta profundidade.

2.1.1 ENSAIO ESTÁTICO – PROVAS DE CARGA EM PLACA A prova de carga em placa é um ensaio de campo, realizado na superfície ou em profundidade, cujo objetivo é a verificação do comportamento do sistema formado pela placa e o solo, sob um determinado carregamento, para obter informações acerca da resistência e da deformabilidade (Moraes, 2005). Neste caso estudado foi utilizado prova de carga estática e foram utilizados os resultados de 13 provas de carga em placa, com diâmetro igual a 80 cm, na profundidade de 1,5 m, realizadas no Campo Experimental de Fundações. Foram aplicados 2 critérios para interpretação da tensão de ruptura, obtida a partir das curvas tensão x recalque, por meio do ensaio estático mencionado no presente artigo. O primeiro critério considera a tensão de ruptura correspondente à tensão que provoca um recalque de 25 mm; já no segundo critério Leonards (1962) afirma que a tensão de ruptura é dada pela intersecção de duas tangentes, uma traçada na parte inicial e outra traçada na parte final da curva tensão x recalque (Schwarz & Tsuha, 2012). Devido à significante influência da inundação do solo nos resultados foi considerada, na presente análise, a utilização de prova de carga em placa inundada e não inundada. Assim, solo inundado equivale Fundações e Obras Geotécnicas

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Artigo

Tabela 2 – Valores de capacidade de carga obtidos nas provas de carga inundadas Prova de carga nº

Valores medidos σ25mm (KPa)

σr – Leonards (KPa)

1

69

45

2

64

51

3

66

48

4

47

45

5

66

51

6

73

55

7

60

45

8

56

32

Fonte: Schwarz & Tsuha, 2012

Tabela 3 – Valores de capacidade de carga obtidos nas provas de carga não inundadas Prova de carga nº

Prova de carga nº

9

Valores medidos σ25mm (KPa)

σr – Leonards (KPa)

22

121

98

10

31

146

122

11

15

97

78

12

10

108

92

13

30

146

118

Fonte: Schwarz & Tsuha, 2012

à condição de sucção matricial aproximadamente nula. A Tabela 2 mostra os resultados de capacidade de carga obtidos nas provas de carga realizadas nas placas inundadas, ou seja, a sucção matricial é aproximadamente nula. Já a Tabela 3 mostra os resultados de capacidade de carga obtidos nas provas de carga realizadas nas placas não inundadas e os respectivos valores da sucção matricial no solo. Através da curva tensão x recalque ilustrada na Figura 2, que mostra o efeito da sucção na capacidade de carga das placas, percebe-se que os valores medidos de capacidade de carga aumentam com o valor da sucção matricial do solo.

2.1.2 ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE CARGA PELO MÉTODO TEÓRICO A partir desse método torna-se possível calcular a capacidade de carga das placas ensaiadas e comparar com os valores medidos nas provas de carga. A comparação entre os valores medidos e calculados pelas provas de carga, utilizando o critério de ruptura convencionada ao recalque de 25 mm é mostrada na Tabela 4.

3 SOLUÇÕES E RECOMENDAÇÕES PARA SOLOS COLAPSÍVEIS

Figura 2 – Curvas tensão x recalque de provas de carga sobre placa em solo colapsível com diferentes condições de sucção matricial (Cintra, 2009)

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As soluções para evitar ou reduzir os efeitos dos solos colapsíveis, em obras assentadas sobre eles, estarão condicionadas as características do solo, ao tipo de obra, ao seu custo e tempo de execução. Existem diver-


Tabela 4 – Resultados de capacidade de carga das placas ensaiadas σr medido

Sucção (KPa)

σ25mm (KPa)

σr calculado (KPa)

0

60

223

0,27

22

121

314

0,39

31

146

351

0,42

15

97

285

0,34

10

108

264

0,41

30

146

347

0,42

σr calculando

Fonte: Schwarz & Tsuha, 2012

sas maneiras de tratar e amenizar os efeitos causados por esses solos nas obras de engenharia. Alguns desses métodos mais comuns serão citados posteriormente.

3.1 ANTES DA CONSTRUÇÃO DA OBRA • Investigação Geotécnica: a época da realização da sondagem é um fator importante no projeto de fundações em solos colapsíveis, pois os valores de NSPT obtidos em períodos chuvosos são inferiores aos encontrados em períodos de estiagem, no mesmo local e a mesma profundidade. Portanto, deve-se proceder a investigação geotécnica em época de chuvas intensas ou com inundação do terreno; • Determinação da Carga de colapso: a carga de colapso é outro fator importante na etapa de projeto e pode ser quantificada experimentalmente através da realização de uma prova de carga com inundação do terreno. Não sendo possível realizar prova de carga na etapa de projeto, Cintra (2009) propõe fazer uma estimativa da carga de colapso

através de métodos semi-empíricos para cálculo de capacidade de carga, como o de Aoki-Velloso, por exemplo, mas utilizando valores de NSPT obtidos na investigação geotécnica com o terreno inundado; • Utilização de fundações profundas: apesar das fundações profundas também serem afetadas pelo colapso, segundo Cintra (2009), temos a opção técnica de escolher um tipo de fundação que possa atingir uma profundidade maior, de modo a res-

tringir o efeito da colapsibilidade do solo, isto é, diminuir a redução da capacidade de carga quando o mesmo for inundado; • Melhoria do solo: a compactação é um processo que melhora as características geotécnicas do solo, diminuindo a permeabilidade e compressibilidade, além de aumentar sua resistência ao cisalhamento. Segundo Cintra (2009), no Brasil, o procedimento de melhoria do solo colapsível mais usual para reduzir o recalque de colapso e viabilizar o emprego de fundações por sapatas, tem sido a compactação do solo até a metade do bulbo de tensões. O solo é escavado até uma profundidade z igual a largura B da sapata, onde z é contado a partir da cota de assentamento da sapata, e é reposto em camadas compactadas (ver Figura 3). O aumento da dimensão da cava em B/2, para cada lado, faz com que até a profundidade z = B, a propagação de tensões ocorra somente no maciço compactado.

Figura 3 – Utilização de sapatas em solo colapsível compactado (Cintra, 2009)

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Artigo

3.2 APÓS A CONSTRUÇÃO DA OBRA Segundo Amorim (2004), se a obra já foi executada e a constatação de ocorrência de solo colapsível somente foi dada após o surgimento dos danos, o que se recomenda fazer é reduzir os efeitos, evitando mais sobrecarga no solo e diminuir suficientemente a infiltração da água, utilizando projetos de drenagem adequados, controle de vazamentos em condutos de água e esgoto e impermeabilização da área não coberta. Nesse caso, eventuais medidas corretivas ou de manutenção serão inevitáveis.

CONCLUSÃO A revisão bibliográfica mostrou que a inerente complexidade associada ao comportamento desses solos é um fator preocupante, visto que as fundações implantadas no mesmo podem se

comportar satisfatoriamente por um longo período até, de repente, sofrer um recalque adicional elevado devido ao aparecimento de água, provocando diversos danos nas edificações. Portanto, o comportamento real desse tipo de solo só pode ser averiguado por meio da realização de estudos e ensaios específicos. O estudo de caso mostrado neste artigo demonstra a importância em considerar a característica colapsível na elaboração de projetos de fundações em solos não saturados, sendo necessária a prática de estudos mais detalhados na etapa de investigação geotécnica, a realização de ensaios utilizando prova de carga em placa para a determinação da carga de colapso e a reprodução de ensaio edométrico para verificar o PC (Potencial de Colapso) do solo. Apesar da complexidade presente no comportamento de um solo colap-

sível, conclui-se que é possível executar um projeto de fundações seguro nesse tipo de solo, desde que haja um investimento nos estudos geotécnicos e ensaios, como os de prova de carga em placa e edométrico, e melhoria do solo através da sua compactação, tornando-se de extrema importância caso o objetivo seja construir uma obra segura. O custo desse investimento nesse tipo de solo tão problemático é relativamente baixo quando comparado ao custo final da obra e eventuais custos de manutenção, necessários quando os problemas surgem devido a um mal planejamento do projeto de fundações. Portanto, as patologias de fundações em solos colapsíveis podem ser reduzidas ou até mesmo evitadas, caso algumas das soluções ou recomendações citadas neste artigo forem tomadas no projeto de fundações.

REFERÊNCIAS AMORIM, S. F. (2004).Contribuição a cartografia geotécnica: Sistema de informações geográficas dos solos expansivos e colapsíveis do Estado de Pernambuco. Dissertação de Mestrado, UFPE, Recife, 244 p. CINTRA, J. C.A. ; AOKI, N. (2009). Projeto de Fundações em Solos Colapsíveis. São Carlos, EESC-USP, 99p. FREDLUND, D. G. ; RAHARDJO, H. (1993). Soil Mechanics for Unsaturated Soils.New York, John Wiley & Sons, 510 p. JENNINGS, J. E. ; KNIGHT, K. (1975). A guide to construction on or with materials exhibiting additional settlement due to “collapse” of grain structure. Conference for África on soil mechanics and foundation engineering, Durban. MILITITSKY, J. ; CONSOLI, N. C. ; SCHNAID, F. (2008). Patologia das Fundações. São Paulo, Oficina de Textos, 207 p. MORAES, L. S. (2005). Prova de carga dinâmica em placa. Dissertação de Mestrado, USP, São Carlos,143 p. SCHWARZ, B. B. ; TSUHA, C. H. C. (2012). Análise de confiabilidade de fundações diretas em solos colapsíveis. Artigo Acadêmico, EESC/USP, São Carlos, 8 p. VESIC, A. S. (1973). Analysis of Ultimate Loads of Shallow Foundations, Journal of the Soil Mechanics and Foundation Division, Vol. 99, p. 45-73.

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Opinião

VERSANDO GEOLOGIA

Arquivo pessoal

P

>ERIK WUNDER é geólogo formado pelo Instituto de Geociências da USP (Universidade de São Paulo), 1995 e mestre em engenharia de rochas pela Escola Politécnica da USP. Atualmente é diretor e coordenador geotécnico da empresa Estelar Engenheiros Associados Ltda.

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Para todo o calouro de faculdade, certeza e dúvida disputam para pontuar a sentença: “Acertei na escolha__”. Logo que começam as aulas, já nos primeiros dias, o mundo muda para o aluno ingressante no curso de geologia, e nesse novo mundo, as coisas nunca mais voltam a ser como eram antes. O que até então era pedra agora é rocha, barrancos viram afloramentos, aquela porção de pedrinhas guardadas em caixas de sapato em casa se torna uma coleção de amostras rochosas do acervo particular. Ele começa também a falar uma língua diferente. As palavras são estranhas, com encontros consonantais mais estranhos ainda. Feldspato, Arfvedsonita, Granodecrescência Ascendente são apenas alguns exemplos desse excêntrico idioma. A ideia de que ele passa por um ritual de iniciação para integrar uma seita de loucos apaixonados por um martelo não está muito longe da realidade. E agora, me inserindo no contexto, confirmo que esse mundo da geologia é apaixonante mesmo. Discute-se que a geologia é uma ciência em si ou apenas a aplicação da física no entendimento do planeta, mas veja, conceitualmente, sendo a física a descrição matemática da natureza, nenhuma área do conhecimento que tenha a natureza como foco de estudo pode ter a presunçosa intenção de desdenhar das leis que a governam, muito pelo contrário, a consideração destas é condicionante primordial para um avanço verdadeiro de seu saber. Independentemente de ser ciência, filosofia ou história natural, para merecermos a compreensão da geologia é preciso olhar para trás e buscar as suas origens. Nessa ida ao passado, passamos pela consolidação da nossa Tectônica de Placas no período pós-guerra; seguimos pelo início do século XX

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com Wegener e suas ideias da Deriva Continental; depois pelos séculos XIX e XVIII com a conceituação do plutonismo e do uniformitarismo de Hutton e Lyell; até o século XVII e os fundamentos da estratigrafia de Steno. E retrocedendo adiante, podemos voltar até a Grécia Antiga do século VI a.C, época em que o homem – o primeiro filósofo – começou a desenvolver um raciocínio científico sobre o mundo, buscando a explicação dos fenômenos naturais não mais nos mitos e deuses, mas na interpretação daquilo que seus olhos viam. Este momento da humanidade é emblemático, pois este é o ato embrionário das ciências naturais, e daquele homem, nós geólogos somos descendentes diretos. O que caracteriza uma ciência e o que a diferencia das outras é o seu objeto de interesse e o seu método de investigação. Assim, dizer o que a geologia estuda é simples: é a composição e a estrutura da Terra, sua formação e sua evolução ao longo do tempo. Entretanto, não tão simples assim é a forma pela qual esse nosso objeto de interesse se apresenta. Primeiro, é necessário entender que existe uma interconectividade entre as relações de causa e efeito, conexões que criam um ambiente contextual, integrado, de modo que o que se estuda é um “Sistema Terra”. Os registros disponíveis são parciais, os dados são deficientes, a sequência histórica de informações está sempre incompleta. Os processos geológicos são maiores que o homem, eles acontecem por si, alheios ao nosso controle. Os anos de nossas vidas são uma janela minúscula frente ao seu tempo de desenvolvimento, o que dificulta a observação direta destes. De hoje à formação do planeta, do tetraedro de quartzo ao geoide terrestre, os fenômenos


do trabalhamos com geologia aplicada, seja à engenharia, à mineração ou ao meio ambiente, atuamos como um profissional intrinsecamente ambivalente, pois, através de um olhar descritivo-interpretativo, devemos examinar o passado e visualizar o futuro, respectivamente como geocientistas e geotécnicos, típico “dois-em-um” espelhados nos processos atemporais da geologia. Na geologia aplicada, a compreensão do processo histórico-geológico não é um fim em si, mas pelo contrário, é o ponto de partida de nossa responsabilidade profissional. Além disso, é preciso resgatar a consciência de que elaborar um perfil geológico é muito mais que um ligapontos cartesiano. Os espaços em branco que requerem interpretação podem assumir um universo de possibilidades, e apenas com os conceitos da formação fundamental do geólogo é que se dá ordem a essa aparente anarquia.

Para isso, são várias as ferramentas colocadas à nossa disposição, desde os inseparáveis martelo, bússola e caderneta de campo aos atuais métodos de geoprocessamento. Por meio desse arsenal, usamos nosso discernimento para primeiro caracterizar o ambiente natural pelo mapeamento geológico, depois parametrizá-lo pelo mapeamento geotécnico e ao longo do processo, identificar as condicionantes geológicas e geotécnicas que o meio geológico poderá impor sobre o projeto e vice-versa, oferecendo soluções e alternativas que promovam otimizações no tripé “Preço, Qualidade, Prazo” do empreendimento. Assim agindo, assumimos nossa principal e exclusiva responsabilidade como profissionais da geologia aplicada, utilizar nossos conhecimentos em busca da mais coerente e harmoniosa integração da existência humana ao meio geológico do sistema Terra.

Arte: Melchiades Ramalho / Editora Rudder

acontecem numa enorme variabilidade de escala espacial e temporal. Essas características são tão contundentes que acabam por condicionar o modo pelo qual conseguimos reunir informações e produzir conhecimento sobre o nosso objeto de interesse. Por isso, nosso método de investigação é essencialmente sensorial/visual, necessariamente observacional/empírico, fundamentalmente interpretativo/ hermenêutico. Nós precisamos ver para conhecer, observando e interpretando os detalhes do mecanismo Terra, sabendo que, no processo de compreensão, o significado de suas partes é esclarecido a partir de sua relação com o todo, enquanto que a concepção do todo é construída a partir do entendimento de suas partes. Pode-se então assim sintetizar: Geologia é o processo filosófico-científico, sensorial, empírico e hermenêutico, que busca a compreensão da composição, da estrutura e da história do sistema Terra. Daí, se da ciência tem-se o cientista, os geólogos são geocientistas sensoriais e empíricos que absorvem e produzem conhecimento pela observação e interpretação dos fenômenos e processos da natureza, como fez o primeiro filósofo. Não alimentam sonhos nomotéticos, mas elaboram e utilizam teorias, princípios cognitivos e conceitos estruturantes como caminhos para a interpretação e a compreensão. Enfim, nós somos assim, na vasta amplitude dos nossos interesses, pesquisamos do micro ao planetário, estrutura e composição, de hoje ao início do mundo. No entanto, a coisa não para aí. Quan-

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Em foco

ESCAVAÇÃO DE TÚNEL COM BAIXA COBERTURA SOB LINHA FÉRREA – DESAFIOS DO PROJETO O objetivo deste texto é apresentar a descrição e as principais dificuldades encontradas no desenvolvimento do projeto e acompanhamento técnico de túnel rodoviário sob a linha férrea da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitano), na Estação Mogi das Cruzes – Linha 11 Coral. Tal obra faz parte da qualificação e readequação viária envolvendo a rua Doutor Ricardo Vilela, rua Cabo Diogo Oliver, avenida Governador Adhemar de Barros, rua Hamilton Silva e Costa e praça Sacadura Cabral, executada no município de Mogi das Cruzes (SP). A passagem subterrânea é composta por dois túneis curvos, denominados por Túnel 1 e Túnel 2, conforme ilustrado na Figura 1. Ambos os túneis passaram sob a ferrovia com baixa cobertura (mínimo de 3 m), sem que fosse necessário restringir a operação desta linha em nenhum momento. O Túnel 1, sentido bairro-centro, interliga a rua Cabo Diogo Oliver à avenida Governador Adhemar de Barros, com tráfego unidirecional e comprimento total de 245,96 m, sendo construído parte em vala e parte em túnel NATM (New Austrian Tunnelling Method). No trecho em vala (lado bairro) o comprimento é de 35,08 m, no trecho em túnel NATM o comprimento é de 165,98 m e cobrimento sob a ferrovia de 3,37 m, no trecho em vala (lado centro) o comprimento é de 44,90 m. O Túnel 2, sentido centro-bairro, interliga a rua Dr. Ricardo Vilela à rua Hamilton da Silva e Costa, com tráfego unidirecional e comprimento 40

Fundações e Obras Geotécnicas

total de 115,23 m, sendo construído parte em vala e parte em túnel NATM. O trecho em vala (lado centro) tem extensão de 55,56 m e o trecho em túnel NATM tem 33,33 m de extensão e cobrimento do Túnel 2 sob a ferrovia é de 3 m; o trecho em vala (lado bairro) tem extensão de 26,34 m. Fotos: Arquivo GeoCompany Tecnologia

INTRODUÇÃO

Figura 1 – Planta Geral

Os túneis permitem a passagem de carros e ônibus. A obra foi idealizada para eliminar a passagem de carros pelos trilhos da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), de modo que o fluxo dos trens, que apresenta intervalo de três minutos, fique livre das interrupções de tráfego dos carros. Sua demanda é de 1.700 veículos por hora no sentido bairrocentro (Túnel 1) e de 2.413 veículos por hora no sentido centro bairro (Túnel 2). Para a execução da passagem subterrânea, foram enfrentados diversos desafios na etapa de projeto. O principal foi a baixíssima cobertura de solo (entre o topo da escavação e a superfície do terreno natural existente), da ordem de 3 metros. Pode-se listar como


características importantes da obra: o solo mole existente na região da escavação; o nível de água elevado e a impossibilidade de rebaixamento do lençol freático; a interferência entre a escavação e o centro histórico da cidade e a interferência com o prédio da Estação Mogi das Cruzes. Os túneis cruzam a via férrea do município, por onde passam trens de passageiros da CPTM (Linha 11 – Coral) e trens de carga da MRS Logística. Tal ferrovia é responsável pelo transporte de carga, sendo utilizada como rota na interligação com o porto de Santos. O uso da linha durante a

construção dos túneis não poderia ser interrompido, e em nenhum momento da obra ocorreu interrupção, não tendo sido necessária nenhuma mudança na rotina operacional da ferrovia. O projeto foi concebido para ser entregue à população em duas etapas. A primeira etapa foi a inauguração do Túnel 2 em 10 de dezembro de 2016 (Figura 2 e Figura 3), o Túnel 1 foi entregue na segunda etapa em 3 de fevereiro de 2018.

1 GEOLOGIA LOCAL As unidades geológicas de interesse para o empreendimento e que estão

Figura 2 – Entrada do Túnel 2 na semana anterior à inauguração

Figura 3 – Saída do Túnel 2 na semana anterior à inauguração

presentes na área de estudo, segundo a Carta Geológica da Região Metropolitana da Grande São Paulo, pertencem ao grupo de Sedimentos Cenozoicos. Tal grupo é constituído por todos os depósitos sedimentares terciários e quartenários presentes na região. Foram realizadas duas campanhas de sondagens na região da obra. Na primeira campanha, executada durante o projeto básico, foram realizados quatro furos de sondagens, com profundidade variando entre 11 m e 25 m. Para a segunda campanha de sondagens, na etapa do projeto executivo, foram executados 12 furos de sondagens, com profundidade variando entre 10 m e 23 m, com valor médio de 18,6 m. O subsolo local foi dividido em três unidades geológicas, Aterro, Depósitos Aluvionares (Quartenário) e Formação Resende (Terciário). Os valores de NSPT (Índice de Resistência à Penetração Dinâmica) médio para cada uma dessas unidades é de 3, 8 e 23 golpes. A escavação das valas se dá em depósitos aluvionares (quartenário), em camada de argila orgânica ou areia fina a grossa argilosa e argila siltosa, e a ficha da parede diafragma está embutida em depósitos aluvionares e na Formação Resende (terciário), para os dois eixos de projeto. Na escavação do túnel 2 encontrase areia fina a grossa, ou areia com granulação variada com cascalho na região da calota, e, na região do arco invertido, encontra-se argila silto-arenosa ou areia de granulação variada. O túnel 1 tem sua calota escavada em areia fina a média ou areia com granulação variada com cascalho em Fundações e Obras Geotécnicas

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Em foco

depósitos aluvionares, e o arco invertido é escavado na Formação Resende em camada de argila silto-arenosa. Além das sondagens foram realizados ensaios de caracterização (granulometria e limites de Atteberg), cisalhamento direto e triaxial. Os parâmetros geológicos-geotécnicos utilizados nas análises numéricas foram definidos com base nos resultados dos ensaios, nas análises dos boletins de sondagens, em correlações empíricas com o valor do NSPT, experiência prévia da projetista e compatibilidade com as referências bibliográficas sobre o assunto, formando uma visão geral da geologia local da área de interesse.

2 FATORES LIMITANTES A locação física da obra impôs restrições e cuidados ao projeto, sendo encontradas diversas limitações, as principais estão expostas nos parágrafos a seguir. A primeira limitação foi sobre a área de desapropriação dedicada para a realização da obra, a partir dessa definição de área foram definidas as estacas de início e fim da pista. Os dois eixos da obra são configurados da seguinte maneira: vala a céu aberto seguida por vala coberta de entrada no túnel, túnel NATM, vala coberta e vala a céu aberto de saída do túnel. A partir das estacas limites para início de final da obra foi definida a estaca inicial da vala a céu aberto, com isso o projeto geométrico foi concebido com a maior declividade permitida nas valas, com o objetivo de aprofundar o túnel sob o eixo da ferrovia. Com a restrição da área, 42

Fundações e Obras Geotécnicas

principalmente em relação a desapropriações, a cobertura dos túneis sob a rodovia ficou baixa. Sob a linha férrea a cobertura foi de 3,37 m para o túnel 1 m e de 3 m para o túnel 2. Na Figura 4 é possível observar a pequena cobertura no emboque no túnel 2, lado centro. Além da baixa cobertura como fator limitante, também existem diversas

Figura 5 – Escavação da parede diafragma próximo ao prédio

Figura 4 – Cobertura do túnel 2 lado centro de 3 m

Figura 6 – Escavação da parede diafragma próximo ao prédio

edificações no entorno da escavação, e como a obra está inserida no centro histórico do município, existem ainda muitas edificações antigas. Outro ponto impactante é a localização do prédio da Estação Mogi das Cruzes. A distância entre a borda da escavação da vala coberta e a projeção da marquise do prédio era de apenas 1,60 m, o que caracteriza a dificuldade da execução da obra. As Figura 5 e Figura 6 ilustram a pequena distância entre a parede diafragma e a estrutura existente do prédio da Estação Mogi das Cruzes. Tendo em vista essas limitações, o projeto foi inteiramente elaborado para limitar recalques na superfície ou subsolo, de modo a mitigar possíveis danos às edificações da região. O que foi alcançado com as medidas listadas a seguir. A primeira delas foi utilizar uma extensa campanha de monitoramento

e instrumentação da área afetada pela obra. Na área da vala foram utilizados inclinômetros, piezômetros, marcos refletores, marcos superficiais, indicadores de nível de água, células de carga e na área do túnel foram utilizados pinos de convergência, tassômetros e marcos superficiais (Figura 7). Nos trilhos sobre o túnel, foram instalados pinos de recalque a cada quatro dormentes, além de ser realizado um reforço do trilho existente (Figura 8). A leitura da instrumentação era realizada diariamente, sendo feito um acompanhamento simultaneamente pela projetista. Ainda para reduzir os recalques oriundos da escavação, foram tomados alguns cuidados, como efetuar a escavação em pequenos lances, tanto para as valas quanto para o túnel. Nas valas o lance de escavação previsto era


Figura 7 – Detalhe da instrumentação para leitura de recalque em superfície (MRS) e em profundidade (Tassômetro)

Figura 9 – Contenção da parede diafragma com tirantes

Figura 11 – Concretagem da laje de fundo na entrada do Túnel 2

Figura 8 – Reforço do trilho existente

Figura 10 – Contenção da parede diafragma com estroncas

Figura 12 – Concretagem da parede lateral na entrada do Túnel 2

de 2 m de altura. Nos túneis foi utilizado avanço de 60 cm sob os trilhos da ferrovia e avanço de 80 cm nos demais lances de escavação. A pressão de injeção dos bulbos dos tirantes foi limitada para evitar movimentações de solo desnecessárias, principalmente nos tirantes e enfilagens que se encontravam sob a ferrovia.

moldado foi adotado como alternativa para agilizar o processo de construção e adiantar o prazo para entrega da obra. Nas Figuras 11, 12 e 13 estão apresentadas algumas fotos com três fases de construção das valas. Outro ponto crítico na execução da obra foi a influência dos tirantes com as fundações e utilidades públicas enterradas. Foi realizado um cadastro unificado de utilidades públicas e levantamento das fundações dos prédios existentes, de modo a verificar possíveis interferências, e fazer as realocações necessárias à construção. Nesse sentido, o ponto mais crítico foi a interação entre os tirantes e a fundação do prédio da Estação da CPTM, sendo necessário alterar a inclinação de alguns tirantes para garantir a execução destes com seguran-

3 VALAS DE ACESSO Para a contenção da escavação nas valas de entrada e saída dos túneis, foi utilizada parede diafragma e contenção em tirantes (Figura 9) ou estroncas (Figura 10). O revestimento secundário foi executado com concreto moldado nas paredes laterais e laje de fundo e em concreto pré-moldado para a laje de cobertura. O concreto pré-

Figura 13 – Laje de teto na entrada do Túnel 2 em elementos de concreto pré-moldados

ça. Na Figura 14 é possível visualizar a pequena distância entre a parede diafragma e as estruturas existentes no centro, sendo apresentada a vala de entrada do Túnel 2. Apesar das restrições existentes ao projeto e construção da obra de passagem sob a ferrovia, as valas foram Fundações e Obras Geotécnicas

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Em foco

invertido definitivo a armação se deu com tela soldada. O revestimento secundário é composto por concreto projetado armado com tela soldada. A Figura 16 apresenta a seção transversal típica utilizada nos túneis.

Figura 14 – Destaque da proximidade entre prédios e parede diafragma – Entrada do Túnel 2

executadas com segurança e rapidez. A instrumentação demonstrou que o comportamento no campo foi condizente com o comportamento esperado, obtido através de modelagens numéricas.

4 TÚNEIS VIÁRIOS Em relação à escavação dos túneis NATM, levando em conta as características físicas da obra, baixa cobertura do túnel, sobrecarga devido à ferrovia (TB-360) e solo com baixa capacidade de suporte, foi necessária a utilização de um robusto tratamento para realizar a escavação com segurança. Os tratamentos previstos incluem duas linhas de colunas de jet grouting ou enfilagens na calota, pregagens de frente em barras de fibra de vidro, DHPs a vácuo, todos esses utilizados de forma sistemática durante a escavação, além de tamponamento com colunas de jet grouting, de forma eventual, de acordo com as condições de campo. Apesar da escavação requerer a execução de um extenso tratamento, devido à baixa cobertura de solo e às restrições das edificações da CPTM, foi realizada uma verificação da influência das colunas de JG e CCPH 44

Fundações e Obras Geotécnicas

na calota do túnel com as fundações das estruturas da superfície sobre os túneis, a saber: os trilhos, as plataformas e os pórticos. Foi realizado um levantamento de toda a fundação da plataforma e dos pórticos e comparado com o perfil transversal e longitudinal do tratamento projetado. Como resultado foram obtidas seções, como a apresentada na Figura 15. Através dessa análise foi possível conferir que o tratamento poderia ser realizado com segurança, seguindo o especificado em projeto.

Figura 15 – Análise da interferência entre tratamento e obras na superfície

O revestimento primário do túnel NATM é de concreto projetado. Para a calota a armação se deu através de tela soldada e cambota treliçada, sendo utilizado fibras metálicas no concreto. Para o arco invertido provisório e arco

Figura 16 – Seção transversal típica dos túneis

A escavação sob a ferrovia foi realizada em lances de avanços reduzidos, com manutenção do núcleo central e se deu em três etapas: calota, arco invertido provisório e arco invertido definitivo. A escavação ocorreu de forma cautelosa e segura, sem gerar quaisquer medidas emergenciais no decorrer na obra. Objetivando garantir a plena operacionalidade do túnel e manutenção da vida útil do revestimento definitivo foi previsto o uso de sistema de impermeabilização do tipo submarino, ou seja, com a utilização de manta de PVC (Policloreto de Polivinila) em toda a área da seção transversal. A seguir estão apresentadas imagens de algumas fases de escavação em NATM do Túnel 2 como a escavação da calota com a manutenção do núcleo central (Figura 17), a instalação da impermeabilização do tipo submarino (Figura 18) e a vista do revestimento secundário em concreto projetado finalizado (Figura 19).


Figura 17 – Escavação da calota

Figura 18 – Instalação da impermeabilização

Figura 19 – Revestimento secundário finalizado

Figura 20 – Início da escavação do Túnel 1

Figura 21 – Encontro das frentes de escavação do Túnel 1

Figura 22 – Finalização do revestimento primário do Túnel 1

Figura 23 – Finalização do revestimento secundário do Túnel 1

Figura 24 – Início da escavação do Túnel 2

Figura 25 – Encontro das frentes de escavação do Túnel 2

Figura 26 – Finalização do revestimento primário do Túnel 2

Figura 27 – Finalização do revestimento secundário do Túnel 2

O túnel 1 começou a ser escavado em agosto de 2016 (Figura 20 ), o encontro das frentes ocorreu em 3 de julho de 2017 (Figura 21), o revestimento primário foi finalizado em 22 de julho de 2017 (Figura 22) e o revestimento secundário em outubro de 2017 (Figura 23). A escavação do túnel 2 teve seu início em abril de 2016 (Figura 24), o encontro das frentes de escavação ocorreu

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Em foco

em 11 de julho de 2016 (Figura 25), o revestimento primário foi finalizado em agosto de 2016 (Figura 26) e o revestimento secundário foi finalizado em outubro de 2016 (Figura 27). A escavação dos túneis ocorreu de forma satisfatória e atendendo aos requisitos de recalque existentes, sendo também seguindo os preceitos da segurança nas escavações.

5 RESUMO E CONCLUSÕES Este trabalho apresentou uma descrição da obra de qualificação e readequação viária no envolto da praça Sacadura Cabral, em Mogi das Cruzes. A obra é composta por túneis e valas de acesso. As principais características desta obra que a tornaram desafiadora são a baixa cobertura dos túneis que foram escavados sob ferrovia pela qual passam trens de passageiros Linha 11 da CPTM e trens de carga carregados com minério de ferro, da MRS Logística; a restrição da área de implantação e a presença de muitas edificações lindeiras. Os túneis foram escavados com sucesso através de um projeto elaborado cuidadosamente, objetivando a

rapidez e a segurança para a conclusão da obra, contando com o auxílio de equipe diária de acompanhamento bastante eficiente na comunicação e busca de soluções mitigadoras imediatas para quaisquer problemas que pudessem surgir, garantindo a qualidade na execução do projeto.

6 ENTIDADES PARTICIPANTES DO EMPREENDIMENTO

• Proprietária: Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes • Construção: Engeform Construções e Comércio Ltda e Serveng Engenharia • Instrumentação: Moretti Engenharia Consultiva • Projeto executivo, acompanhamento técnico de obras e gerenciamento: GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente Ltda.

>AUTORES D. F. M. MELO Engenheira Civil MSc, GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente, Barueri, Brasil. T. H. LEITE Gerente de Geotecnia, GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente, Barueri, Brasil. H. G. JARROUGE NETO Gerente de Projetos, GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente, Barueri, Brasil. I. G. BASTOS Gerente de Projetos, GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente, Barueri, Brasil. R. KOCHEN Professor-Doutor, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Diretor Técnico, GeoCompany Tecnologia, Engenharia e Meio Ambiente, Barueri, Brasil.

REFERÊNCIAS RIBEIRO NETO, F.; KOCHEN, R. (2000) Segurança, ruptura e colapso de túneis urbanos em NATM. Revista Engenharia, São Paulo, p.55-62. MARZIONNA, J. D.; MAFFEI, C. E. M.; FERREIRA, A. A.; CAPUTO, A. N. (1996) Análise, Projeto e Execução de Escavações e Contenções. In: HACHICH, W.; FALCONI, F.F.; SAES, J.L.; FROTA, R.Q.; CARVALHO, C.S.; NIYAMA, S. (eds) Fundações: Teoria e Prática. 1º ed. São Paulo: Pini, p. 537 – 578. GEOCOMPANY (2016) Dados de Projeto e Acompanhamento Técnico de Obra.

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Fundações e Obras Geotécnicas


Notas

Freepik

por Gléssia Veras

MBA em Gestão de Áreas Contaminadas Os participantes terão a oportunidade de contato com grandes nomes da área no País, além de ampliarem os seus conhecimentos nesse segmento A USP (Universidade de São Paulo) está oferecendo o MBA (Master of Business Administration) a distância em Gestão de Áreas Contaminadas, Desenvolvimento Urbano Sustentável e Revitalização de Brownfields. O MBA terá início no dia 6 de agosto de 2018 e é destinado a profissionais com formação superior e interesse na área ambiental. A divulgação será realizada pelo IAS (Instituto Água Sustentável), entidade sem fins lucrativos cujo objetivo é promover o uso sustentável da água através do desenvolvimento de estudos, projetos e pesquisas e da realização de eventos científicos e educativos. O processo seletivo será realizado pela ordem de intenção de participação, que pode ser feita via formulário disponível na página do curso, e pela análise do currículo. Outras informações podem ser consultadas no site: http:// mbagac2018.larc.usp.br

Energia limpa no Brasil

Freepik

Região Centro-Oeste lidera a geração não poluente no País Entre as cinco regiões do Brasil, a Centro-Oeste é a que mais utiliza fontes renováveis em sua matriz energética, com 58% do total. No caso específico da energia elétrica, 87% dela no Centro-Oeste vem de fontes renováveis, bem acima da média nacional (74%). A biomassa produzida pelo setor sucroal-

cooleiro, que no País representa 17,5% da oferta de energia, é responsável por 33% da energia do Centro-Oeste. E os investimentos em pesquisa e inovação no setor de biomassa continuam crescendo na região. Os dados relacionados às fontes alternativas de energia no Centro-Oeste revelam como a região está empenhada em diminuir a dependência de combustíveis fósseis, reduzir impactos ambientais e gastos com energia. Fundações e Obras Geotécnicas

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Geotecnia Ambiental

GEOTECNIA, VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E O PAPEL DA ENGENHARIA HUMANITÁRIA

A

se caracterizam por serem as mais vulneráveis e indesejadas pelas demais classes da sociedade ou em zonas periféricas de expansão urbana. Assim, devido a falta de um controle integral do poder público sobre o correto uso e ocupação do solo nas cidades e, dentre outros motivos, da falta de oferta de alternativas habitacionais legais, as ocupações irregulares há muito deixaram de ser ocorrências esporádicas e se tornaram a regra do processo de urbanização e ocupação territorial no contexto brasileiro. E é justamente na parcela da sociedade menos favorecida que se evidenciam recorrentes problemas geológico-geotécnicos associados a ocupações nas margens dos corpos hídricos e várzeas sujeitas à inundação, em encostas que jamais poderiam ser ocupadas ou em áreas

Fotos: Arquivo Lucianna Herbst

A evolução da urbanização no Brasil é caracterizada historicamente pela desigualdade no acesso a bens e serviços públicos, originando inadequações e má distribuição de serviços e infraestrutura no ambiente urbano. Os dados mais recentes de 2017 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) demonstram que 85% da população brasileira residem em áreas urbanas e que cerca de 50 milhões de pessoas, o equivalente a 25% da população, vivem na linha de pobreza, de acordo com o critério adotado pelo Banco Mundial para países emergentes de renda média-alta, categoria à qual inclui o Brasil. Uma população que vive nesta situação de pobreza busca terrenos mais baratos que lhes garantam o direito à moradia segura e digna. No entanto, estas áreas economicamente acessíveis

Ocupação em encosta – Angra dos Reis (RJ)

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Fundações e Obras Geotécnicas

Ocupação em encosta –Taboão da Serra (SP)


Inundação em Blumenau (SC)

Deslizamentos em Nova Friburgo (RJ)

até menos declivosas e passíveis de serem ocupadas, mas contanto que fossem utilizadas e respeitadas técnicas construtivas adequadas à suscetibilidade local, o que não corresponde à realidade brasileira. Associando-se este cenário da urbanização ao aumento expressivo da intensidade e da frequência de eventos climáticos extremos tem-se

consequentemente o aumento das situações de vulnerabilidade tanto social quanto ambiental. A resposta da natureza às intervenções humanas frequentes é a necessidade dessa de reestabelecer-se através de um novo equilíbrio do meio ambiente, o que ocorre pela manifestação de fenômenos naturais como movimentos de massa, inundações/enchentes, erosão

e demais colapsos do solo. No Brasil, observamos que os principais fenômenos correlacionados a desastres naturais são os deslizamentos e as inundações. Ainda que os maiores prejuízos (em economia e saúde) se originem nas inundações, são os deslizamentos os causadores de um maior número de perdas de vidas. A remoção da vegetação, a ina-

Ocupação de margem de rio – Nova Iguaçu (RJ)

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Geotecnia Ambiental

dequada terraplenagem através da execução de cortes e aterros instáveis para implantação de edificações e vias de acesso igualmente frágeis, a ausência de sistemas adequados de drenagem das águas pluviais e descarte de águas servidas, a deposição de lixo nas encostas, dentre outros, são todos fatores de ação antrópica que em conjunto aos fenômenos de ordem natural, impactam na frequência e magnitude dos deslizamentos. É necessária a tentativa de reversão deste quadro. O gerenciamento de riscos é uma das ferramentas de gestão urbana que objetiva reduzir, prevenir e controlar permanentemente os riscos de desastres nas áreas urbanizadas. As etapas envolvidas na gestão de riscos (prevenção, mitigação, preparação, alerta, resposta, reabilitação, reconstrução e desenvolvimento) devem estar presentes em três momentos distintos: antes, durante e após os desastres. No entanto, nota-se que as ações continuam se concentrando basicamente no pós-evento, com a execução de obras de engenharia apenas remediadoras. A política institucional atual continua voltada mais para ações de reconstrução que de prevenção. É de conhecimento geral que a prevenção se constitui na melhor forma de se antecipar a um problema e evitar que novos desastres ocorram. Entretanto, sem um diagnóstico prévio da percepção de risco por parte dos moradores de áreas de risco e práticas diárias desta população, ações de cunho preventivo muitas vezes se tornam ineficientes. Esta análise da percepção de risco 50

Fundações e Obras Geotécnicas

ocorre através de um levantamento de como a comunidade local se relaciona com os desastres, o que sabem sobre eles, como se comportam diante dos riscos, como interagem com os órgãos governamentais envolvidos, além de possibilitar o entendimento do motivo pelo qual as pessoas vivem em áreas de risco. A participação da comunidade nas ações para redução de riscos deve ser buscada por meio de ações socioeducativas para uma troca de conhecimento entre técnicos e moradores sobre o problema dos desastres, o estreitamento de laços entre a comunidade e o governo e o empoderamento da população para transformação do meio em que vivem de forma a melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos. Neste âmbito, a análise, proposição e execução de soluções que subsidiem uma adequada e sustentável ocupação de nossas cidades, e a interação com as comunidades estão presente na

pauta dos diversos núcleos da ONG (Organização Não Governamental) Engenheiros Sem Fronteiras espalhados pelo Brasil. Acreditamos na importância da engenharia para o desenvolvimento social e atuamos como protagonistas desta transformação por meio de projetos voluntários que incluem vistorias geotécnicas em áreas de risco, estudos para elaboração de soluções em áreas e comunidades onde a engenhariageotécnica é inexistente e, principalmente, ações de cunho educacional para crianças e adultos relacionadas à consciência ambiental e de percepção de riscos geotécnicos. A ONG acredita que é possível transformar o modo como o ser humano se relaciona com o próximo e interfere no ambiente. E é por meio de uma engenharia mais humana e focada na interação do homem com a natureza que pode-se reduzir significativamente o impacto negativo que causa ao planeta.

> LUCIANNA HERBST é engenheira civil pela UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), mestre em infraestrutura e geotecnia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Diretora de projetos da ONG Engenheiros Sem Fronteiras – Núcleo Joinville (SC) e sócia-diretora da empresa Elmo Engenharia.

COORDENADOR DA SEÇÃO “GEOTECNIA AMBIENTAL”: > MARCIO FERNANDES LEÃO é geólogo pela UFRJ, possui MBA (Master of Business Administration) em gerenciamento de projetos pela USP (Universidade de São Paulo), É mestre em geotecnia pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), mestre e doutorando em geologia de engenharia e ambiental, pela UFRJ. Atualmente é pesquisador do LEMETRO (Laboratório de Experimentos em Mecânica e Tecnologia de Rochas) da UFRJ.



Viva o Progresso.

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