Providência - John Piper

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“No que talvez seja seu livro mais importante até agora, John Piper demonstra, com marcante convicção e habilidade exegética, que a providência de Deus “é sua soberania intencional, por meio da qual ele será totalmente bem-sucedido na realização de seu objetivo supremo para o universo”. Este livro ampliará o pensamento do leitor a respeito de Deus, fortalecendo, assim, sua fé.” D. A. Carson, teólogo, The Gospel Coalition “John Piper, com sua clareza e seu foco peculiares no texto bíblico, mostra-nos que a providência de Deus permeia toda a Escritura. Piper discute o texto bíblico de forma ampla, e nós vemos, passagem após passagem, que Deus governa sobre toda a realidade, desde o menor dos átomos até as catástrofes mais atrozes. Como sempre esperamos de Piper, ele direciona nossos olhos para as infinitas grandeza e beleza de Deus, enquanto nos lembra que a providência de Deus é uma boa-nova maravilhosa para aqueles que conhecem Jesus.” Thomas R. Schreiner, professor de Interpretação do Novo Testamento, The Southern Baptist Theological Seminary “Existem muitos livros escritos por John Piper que eu recomendaria aos crentes, por causa da profundeza e do frescor de pensamento em seus escritos. Providência está entre os primeiros da lista. A amplitude da providência de Deus — aqui discutida — é espetacular. Piper faz uma abordagem completa. Leia e veja por si mesmo. Esta é uma obra excepcional!” Conrad Mbewe, pastor, Kabwata Baptist Church, Lusaka, Zâmbia


“Embora alguns vejam a mão de Deus apenas nos milagres e outros não a vejam de maneira alguma, a providência é a maravilhosa verdade de que Deus é soberano em tudo e sobre tudo que acontece. Combinando paixão com espírito inquiridor, John Piper tem amado e proclamado essa verdade ao longo de todo o seu ministério. Este livro envolvente não é apenas sobre doutrina; também alcança uma visão alpina da obra de Deus em nosso mundo, em nossa redenção e em nossa vida nos dias de hoje. É profundamente revigorante para a fé.” Michael Horton, professor de Teologia Sistemática e Apologética, Westminster Seminary California “Neste livro formidável, John Piper revela o lado pessoal da soberania, ajudando-nos a ter um vislumbre da intrincada complexidade, da beleza encantadora e do propósito supremo dos planos de Deus em ação. Piper é capaz de escrever sobre uma doutrina multifacetada de um modo bem prático e de fácil compreensão!” Joni Eareckson Tada, fundadora e CEO, Joni and Friends International Disability Center “Este livro magistral de Piper é um antídoto poderoso para os frágeis pontos de vista sobre a providência de Deus sustentados por muitos cristãos de nossos dias. Sua exposição do assunto é completa em escopo e saturada de discernimento bíblico. Piper é um modelo de pastor-teólogo, visto que não somente descreve a providência, como também mostra como o respectivo entendimento pode tornar nossa vida mais profunda.” Tremper Longman III, acadêmico e professor emérito de Estudos Bíblicos, Westmont College


“Com a publicação, em 1983, de A justificação de Deus, John Piper mostrou que era um homem resoluto em seu apego à soberania da graça de Deus. Agora, meia geração depois, esse apego ainda subsiste. Este livro grandioso oferece alimento para a alma de uma forma que fortalecerá a mente e o coração de seus leitores.” Paul Helm, ex-professor de História e Filosofia da Religião, King’s College London “Este é um livro sobre a providência de Deus, escrito por um homem que tem dedicado a própria vida a expor a glória divina. Este volume é fundamental, da forma que o assunto abordado exige. Piper se move desde o tempo que antecede a criação até a segunda vinda de Cristo, mostrando que os atos providenciais de Deus permeiam, em sua totalidade, o tempo, as circunstâncias e as pessoas, explicando o extraordinário poder do Deus autossuficiente.” Miguel Núñez, pastor principal, International Baptist Church, Santo Domingo, República Dominicana; fundador-presidente, Wisdom and Integrity Ministries “Por fomentar a humildade e nos ajudar a tremer diante da palavra de Deus, Providência, de John Piper, abre nossos olhos para que possamos ver o Rei em sua beleza magnífica e aterrorizante (Is 33.17; 66.2). Ele não é um leão inofensivo; ele é bom.” Jason S. DeRouchie, professor-pesquisador de Antigo Testamento e Teologia Bíblica, Midwestern Baptist Theological Seminary


“A cuidadosa exposição de John Piper é acompanhada de discernente reflexão teológica e de aplicação pastoral. Aqui, há esperança para tempos em que a saúde falha, os inimigos atacam, os sonhos se frustram, os relacionamentos se desintegram e as calamidades destroem. Aqui há força para suportar a dificuldade, enfrentar a incerteza e vencer a ansiedade. Aqui há a doce experiência da profusa bondade de nosso Pai no cuidado e na conduta especiais de sua providência.” J. Stephen Yuille, vice-presidente de assuntos acadêmicos, Heritage College and Seminary; professor associado de Espiritualidade Bíblica, The Southern Baptist Theological Seminary “Piper tem o dom de tornar ideias complexas facilmente compreensíveis. Sob o tema geral da providência, ele lida com alguns dos temas mais difíceis da fé cristã: a relação da soberania de Deus com as decisões do homem, a origem do mal, o uso que Deus faz de pessoas más e do diabo para realizar seus objetivos e eleição. De um ponto de vista de alguém da América do Sul, onde surgem muitas perguntas sobre os caminhos de Deus em um contexto do pentecostalismo desenfreado, do evangelho da saúde e prosperidade e da pobreza e corrupção, este livro é muito necessário.” Augustus Nicodemus Lopes, pastor assistente, Primeira Igreja Presbiteriana de Recife, Brasil; vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil “Em nossa época centrada no homem, este livro de John Piper cura a mente e a alma com a verdade do evangelho. É não apenas uma obra


teológica sobre a providência de Deus, como também uma orientação pastoral cheia de sabedoria bíblica e prática. Este livro ajudará a geração moderna de cristãos a desfrutar o soberano poder de Deus e ajudar os que estão ao seu redor a permanecer no firme fundamento do evangelho, e não no solo instável do orgulho humano. Piper acende uma chama radiante da glória divina no farol do amor de Deus, onde as pessoas encontrarão esperança verdadeira num oceano tempestuoso de erros e temores. Seu livro é muito relevante para residentes em países da antiga União Soviética, que precisam ver a grandeza e a beleza do verdadeiro Rei e governante deste mundo, enquanto se comprometem a edificar o reino dele, com vistas à prosperidade espiritual de suas nações, para a glória de Cristo.” Evgeny Bakhmutsky, pastor, Russian Bible Church, Moscou, Rússia “John Piper nos ajuda a ver e provar a soberania intencional de Deus, ao demonstrar, de forma indutiva, o que a toda a Bíblia ensina sobre o objetivo supremo, a natureza e a extensão da providência de Deus.” Andy Naselli, professor associado de Teologia Sistemática e Novo Testamento, Bethlehem College & Seminary; presbítero, Bethlehem Baptist Church, Mineápolis “Por meio desta obra magna, John Piper leva corações à adoração jubilosa, ao expor a tão frequentemente negligenciada doutrina da providência de Deus. Este é tanto um livro-texto para estudantes sérios de teologia como uma leitura devocional para leigos. Leia esta


obra e adore a Deus, que realizará seus propósitos para sua glória e para o melhor de seus eleitos.” Matthias G. Lohmann, presidente, Evangelium21; pastor, Free Evangelical Church, Munique, Alemanha “Em minha estimativa, este livro representa as mais maduras e mais completas reflexões bíblico-teológicas de John Piper. Como pastor e mestre, perguntam-me com frequência: “Como posso reconciliar o que sei sobre Deus, o homem e a criação, na Bíblia, com a maneira como vivencio esse conhecimento?”. Graças a John Piper, agora tenho uma obra definitiva que pode me ajudar a responder a perguntas dessa natureza. Esta obra levará os leitores a se deleitarem em Deus e em sua realidade revelada, ao se admirarem do propósito de Deus para sua criação.” Biao Chen, coordenador do Projeto Chinês, Third Millennium Ministries “A obra de John Piper sempre enfatiza a glória de Deus e a alegria de seu povo. Agora, Piper nos oferece um grandioso tratado sobre a consoladora doutrina da providência de Deus, transitando entre teologia bíblica e teologia sistemática com precisão e profundo conhecimento da Escritura, sem perder o foco nos aspectos pastorais dessa doutrina bíblica tão importante. Que o Senhor da glória use este livro para a edificação e a alegria de seu povo!” Franklin Ferreira, diretor acadêmico, Seminário Martin Bucer, São José dos Campos-SP, Brasil “John Piper mostra, de forma habilidosa, como a verdade da providência se relaciona diretamente com diversas áreas da teologia. Providência


mistura a teologia e o discernimento bíblico de Piper com mais de quarenta anos de ministério pastoral. Trata-se de um verdadeiro tesouro para a igreja global e será um recurso valioso para a igreja de Deus nos anos por vir.” Sherif A. Fahim, palestrante em Teologia Sistemática e Estudos Bíblicos, Alexandria School of Theology, Egito; diretor-geral, El-Soora Ministries



PROV I DÊ NC I A John Piper


PROVIDÊNCIA

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed. (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.

Traduzido do original em inglês: Providence Copyright © 2020 por Desiring God Foundation

Originalmente publicado em inglês por Crossway, um ministério de publicação da Good News Publishers Wheaton, Illinois 60187, USA Copyright © 2022 Editora Fiel Primeira edição em português: 2022 Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Diretor: Tiago J. Santos Filho Editor-chefe: Tiago J. Santos Filho Editor: Vinicius Musselman Pimentel Coordenação Editorial: Gisele Lemes Tradução: Francisco Wellington Ferreira Revisão: Shirley Lima – Papiro Soluções Textuais Diagramação: Rubner Durais Adaptação de Capa: Rubner Durais ISBN impresso: 978-65-5723-194-4 ISBN e-book: 978-65-5723-190-6 ISBN audiolivro: 978-65-5723-191-3

Caixa Postal 1601 CEP: 12230-971 São José dos Campos, SP PABX: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br


A todos os missionários que deram suas vidas, ou que ainda as darão, para reunir os eleitos entre todos os povos do mundo, na confiança de que os propósitos de salvação da Providência em Jesus Cristo não podem falhar.



SUMÁRIO

Introdução: Quatro convites. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

PARTE 1: UMA DEFINIÇÃO E UMA DIFICULDADE 1 O que é a providência divina?.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2 A autoexaltação divina é uma boa-nova?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

PARTE 2: O OBJETIVO SUPREMO DA PROVIDÊNCIA Seção 1: O objetivo supremo da providência antes da criação e na criação 3 Antes da criação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 4 O ato de criação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Seção 2: O objetivo supremo da providência na história de Israel 5 Visão geral: desde Abraão até a era vindoura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 6 O êxodo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 7 Lembrando o êxodo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 8 A Lei, o deserto e a conquista de Canaã. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 9 O tempo dos juízes e os dias da monarquia.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 10 A proteção, a destruição e a restauração de Jerusalém.. . . . . . . . . . . . . . . . . 161


Seção 3: O objetivo supremo da providência no desígnio e no estabelecimento da nova aliança 11 Os propósitos da nova aliança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 12 O ato fundamental de Cristo em estabelecer a nova aliança. . . . . . . . . . . . 193 13 A entrada do pecado na criação e a glória do evangelho.. . . . . . . . . . . . . . . 205 14 A glória de Cristo na glorificação de seu povo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 PARTE 3: A NATUREZA E A EXTENSÃO DA PROVIDÊNCIA Seção 1: Montando o palco 15 Conhecendo a providência do Deus que é. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241 Seção 2: A providência sobre a natureza 16 A perda e a recuperação do teatro de maravilhas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257 17 Terra, água, vento, plantas e animais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269 Seção 3: A providência sobre Satanás e os demônios 18 Satanás e os demônios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295 19 A existência contínua de Satanás. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 Seção 4: A providência sobre reis e nações 20 O Rei divino de Israel é Rei das nações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335 21 Reino humano e o Rei dos reis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345 22 Para saber que o Altíssimo reina e regozijar-se nisso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363 Seção 5: A providência sobre a vida e a morte 23 Um banho da verdade e o dom do nascimento.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 391 24 O Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.. . . . . . . . . . . . . . . . . . 409 25 Somos imortais até que nossa obra acabe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 431


Seção 6: A providência sobre o pecado 26 O querer e o agir humanos naturais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Coisas que sabemos e coisas que não precisamos saber. . . . . . . . . . . . . . . . 28 José: o bom propósito de Deus num ato pecaminoso.. . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Israel odiado, Faraó endurecido, Deus exaltado, os desamparados salvos. . . . 30 Famílias arruinadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Engano e insensibilidade de coração.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Embora cause tristeza, Deus terá compaixão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Uma perversidade que Deus odiava tremendamente. . . . . . . . . . . . . . . . . .

447 479 489 501 521 537 551 575

Seção 7: A providência na conversão 34 Nossa condição antes da conversão.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Três quadros bíblicos de como Deus traz as pessoas à fé. . . . . . . . . . . . . . . 36 A fé salvadora como o dom da providência.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Retornando às preciosas raízes da eleição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

593 607 625 649

Seção 8: A providência sobre o viver cristão 38 Perdão, justificação e obediência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 A estratégia divina de mandamento e advertência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 A quem chamou, a esses também glorificou. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Zelo por boas obras comprado com sangue. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Operando em nós o que é agradável diante dele. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Matando o pecado e criando o amor — pela fé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

671 687 709 725 739 753

Seção 9: A realização final da providência 44 O triunfo das missões e a vinda de Cristo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 769 45 Novos corpos, novo mundo, alegria incessante em Deus.. . . . . . . . . . . . . . 783 Conclusão: Vendo e provando a providência de Deus.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 803 Índice remissivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 827 Índice bíblico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 841



INTRODUÇÃO

QUATRO CONVITES

Deus revelou o objetivo, a natureza e a extensão de sua providência. Ele não ficou em silêncio. E nos mostra essas coisas na Bíblia. Essa é uma das razões por que o apóstolo Paulo diz: “Toda a Escritura é… útil” (2Tm 3.16). A utilidade não reside principalmente na validação de um ponto de vista teológico, mas, sim, na revelação de um grande Deus, na exaltação de sua graça invencível e na libertação de seu povo indigno. Deus revelou sua soberania intencional sobre o bem e o mal, a fim de humilhar o orgulho humano, intensificar a adoração humana, vencer o desamparo humano e colocar lastro no assolado barco da fé humana, vigor na coragem humana, alegria nos gemidos de aflição e amor no coração que não vê um caminho adiante. O que encontramos na Bíblia é real e autêntico. A valorização e a proclamação da providência pervasiva de Deus foram forjadas em chamas de ódio e amor, engano e verdade, assassinato e misericórdia, carnificina e bondade, maldição e bênção, mistério e revelação, e, finalmente, crucificação e ressurreição. Espero que minha consideração sobre a providência de Deus tenha o aroma dessa realidade chocante e repleta de esperança. Nesta introdução, gostaria de lhe oferecer quatro convites.


PROVIDÊNCIA

MARAVILHAS CONTRAINTUITIVAS

Em primeiro lugar, convido você para um mundo bíblico de maravilhas contraintuitivas. Argumentarei que essas maravilhas não são ilógicas nem contraditórias, mas tão somente diferentes de nossa forma usual de ver o mundo — tão diferentes que nossa primeira reação é, muitas vezes, dizer: “Não pode ser assim”. Mas o “não pode” está em nossa mente, e não na realidade. “Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!” (Rm 11.33). Por exemplo, na justiça de seu julgamento, Deus levanta um pastor cruel para seu povo e, em seguida, envia punição sobre esse pastor: Porque eis que suscitarei um pastor na terra, o qual não cuidará das que estão perecendo, não buscará a desgarrada, não curará a que foi ferida, nem apascentará a sã; mas comerá a carne das gordas e lhes arrancará até as unhas. Ai do pastor inútil, que abandona o rebanho! A espada lhe cairá sobre o braço e sobre o olho direito; o braço, completamente, se lhe secará, e o olho direito, de todo, se escurecerá (Zc 11.16-17).

Isso nos abala. Para a maioria de nós, essa não é a maneira como, em geral, pensamos sobre os caminhos de Deus. Primeiro, o fato de que Deus suscita um pastor cruel para seu povo parece envolver Deus em crueldade pecaminosa. Segundo, o fato de que Deus julga o pastor por sua inutilidade parece condenar caprichosamente o que ele mesmo ordenou. Existem muitas cenas assim na Bíblia, e eu argumentarei que, em todas elas, Deus não é nem pecaminoso nem caprichoso. Se nos inclinarmos a ser críticos, e não mudados, teremos de colocar a mão na boca e ouvir. Somos pecadores e finitos. Deus é infinito e santo. 18


Quatro convites

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos (Is 55.8-9).

Eu o estou convidando a um mundo de maravilhas contraintuitivas. Espero que você permita que a palavra de Deus crie novas categorias de pensamento, em vez de tentar forçar a Escritura a se enquadrar nos limites do que você já conhece. Quando Paulo nos chama para sermos transformados pela renovação de nossa mente (Rm 12.2), parte do que ele tem em vista é a superação de nossa resistência natural à estranheza dos caminhos de Deus. Imediatamente antes de exigir mentes transformadas, Paulo escreveu: Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! “Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.33-36).

Em última análise, meu convite para o mundo bíblico de maravilhas contraintuitivas é um convite à adoração. Deus é amplamente maior, mais desconhecido, mais glorioso, mais terrível e mais amoroso do que compreendemos. Nossa imersão no oceano de sua providência nos ajuda a conhecê-lo, temê-lo, confiar nele e amá-lo da forma devida. 19


PROVIDÊNCIA

PENETRANDO NA REALIDADE POR MEIO DE PALAVRAS

Segundo, eu o convido a penetrar na realidade por meio de palavras. Providência é uma palavra que não se encontra na Bíblia. Nesse sentido, assemelha-se a palavras como Trindade, discipulado, evangelização, exposição, aconselhamento, ética, política e carismático. Pessoas que amam a Bíblia e creem que é a palavra de Deus querem saber o que é ensinado ali, e não somente o que é dito. Querem conhecer a realidade que está sendo apresentada, e não somente as palavras que foram escritas. A própria Bíblia deixa claro que não basta citarmos suas palavras. A Bíblia ordena que todas as igrejas tenham mestres. Todas as igrejas devem ter presbíteros (Tt 1.5), os quais devem ser mestres (1Tm 3.2). A tarefa de um mestre é não somente ler a Bíblia para seus ouvintes, mas também explicá-la. E explicar implica usar outras palavras além daquelas que se encontram no texto. Em toda a história da igreja, os hereges têm insistido frequentemente em afirmar que usam somente as palavras da Bíblia para defender sua heresia. Certamente, foi isso que aconteceu no século IV, no caso dos arianos, que rejeitavam a deidade de Jesus e se alegravam em usar as palavras da Bíblia com esse propósito.1 1 Os arianos afirmavam sentenças bíblicas e, ao mesmo tempo, negavam o significado bíblico. Eis uma descrição do procedimento deles: “Os alexandrinos […] confrontaram os arianos com as expressões tradicionais da Escritura que pareciam não deixar dúvida quanto à divindade eterna do Filho. Mas, para sua surpresa, deparavam com uma aquiescência perfeita. Somente quando cada teste foi proposto, observava-se que os membros do grupo suspeito cochichavam e gesticulavam entre si, indicando evidentemente que cada sentença poderia ser aceita com segurança, desde que se admitisse evasão. Se lhe pediam concordância com a afirmação ‘semelhante ao Pai em todas as coisas’, tal concordância era dada, com a ressalva de que o homem como tal é ‘a imagem e a glória de Deus’. A expressão ‘o poder de Deus’ suscitava a explicação de que a hoste de Israel fora chamada de δυναμις κυριου [poder do Senhor] e de que até o gafanhoto e a lagarta são chamados o ‘poder de Deus’. A ‘eternidade’ do Filho era refutada pela passagem ‘Nós, que vivemos, somos sempre (2Co 4.11)!’. Os pais eram confundidos, e o teste de ομοουσιον [mesmo ser], com o qual a minoria estivera preparada desde o início, era aceito pela maioria com as evasões dos arianos”. Veja Archibald T. Robertson, “Prolegomena”, em St. Athanasius: Select Works and Letters, ed. Philip Schaff e Henry Wace, vol. 4, Select Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, 2nd Series (New York: Christian Literature Company, 1892), xix.

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Quatro convites

R. P. C. Hanson explicou o processo nos seguintes termos: “Teólogos da Igreja cristã estavam sendo, pouco a pouco, levados a uma compreensão de que as questões mais profundas com que o cristianismo deparava não tinham resposta com uma linguagem puramente bíblica, porque diziam respeito ao significado da própria linguagem bíblica”.2 Quanto mais estudo as Escrituras e tento pregá-las e ensiná-las, mais me dou conta da necessidade de encorajar os pregadores e leigos a penetrar na realidade bíblica por meio das palavras bíblicas. É muito fácil pensarmos que experimentamos comunhão com Deus quando nossa mente e nosso coração se satisfazem com definições verbais, relações gramaticais, ilustrações históricas e algumas aplicações. Quando fazemos isso, até mesmo as palavras da Bíblia podem tornar-se alternativas ao que Paulo chama entendimento… espiritual” (συνέσει πνευματικῇ — Cl 1.9). Usarei o termo providência para fazer referência a uma realidade bíblica. A realidade não se encontra em uma palavra específica da Bíblia; a realidade surge da maneira como Deus se revelou nos muitos textos e histórias da Bíblia. São como fios entretecidos num lindo tapete maior que qualquer um dos fios. Estamos usando uma palavra que não está na Bíblia em prol dessa verdade maior da Bíblia. Sem dúvida, há risco em se fazer isso — assim como há risco em se usar somente a linguagem da Bíblia, que pode ser distorcida para comunicar significados falsos, enquanto dá a impressão de fidelidade bíblica (cf. 2Pe 3.16). Mencionarei, entre outros, um desses riscos. Visto que o termo providência não é usado em textos específicos da Bíblia, não temos um determinante bíblico sobre seu significado. 2 R. P. C. Hanson, The Search for the Christian Doctrine of God: The Arian Controversy (Edinburgh: T. & T. Clark, 1988), xviii-xix.

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PROVIDÊNCIA

Não podemos dizer: “A Bíblia define providência dessa maneira”. Poderíamos dizer isso somente se a Bíblia usasse o termo providência. Sempre que perguntamos o que uma palavra significa, tem de haver um indicador do significado, para que esse significado seja válido. Portanto, se o indicador não é um (ou mais) dos escritores bíblicos, então, quando uso a palavra providência, tenho de atribuir um significado. Isso é o que faço no Capítulo 1. Não atribuo um significado arbitrário. Tento permanecer próximo do que outras pessoas queriam dizer com a palavra na História da Igreja. Mas, de fato, escolho o significado. Você pode perceber o que isso implica. Implica que a questão apresentada neste livro não é o significado da palavra providência. A questão é a seguinte: a realidade que vejo na Bíblia e chamo de providência está realmente lá? Não há utilidade alguma em debatermos sobre se providência é o melhor termo que expressa a realidade. Isso é relativamente insignificante. A verdade que importa é se, na Bíblia, há uma realidade que corresponde à minha descrição do objetivo, da natureza e da extensão da soberania intencional de Deus. No Capítulo 1, você verá por que uso a definição sucinta “soberania intencional” para providência. Por ora, contudo, destaco o risco de cometermos um erro infeliz ao ignorarmos a realidade bíblica quando nos concentramos na palavra em si. UM MUNDO CENTRADO EM DEUS

Terceiro, eu o convido a um mundo centrado em Deus. Jesus disse que olhemos para as aves, pois Deus as alimenta (Mt 6.26), e consideremos os lírios do campo, pois Deus os veste (Mt 6.28-30). O objetivo de Jesus não era estético. Seu objetivo era libertar as pessoas da ansiedade. Ele considerou realmente um argumento válido o fato de que, se nosso 22


Quatro convites

Pai celestial alimenta as aves e veste os lírios, quanto mais alimentará e vestirá seus filhos! Isso é simplesmente extraordinário. O argumento é válido apenas se Deus for realmente aquele que cuida para que as aves encontrem seus vermes e os lírios vistam suas flores. Se as aves e os lírios estão agindo segundo leis naturais, sem a mão divina, então Jesus estava apenas brincando com palavras. Mas ele não estava brincando com palavras. Jesus realmente acreditava que a mão de Deus está em atividade nos mínimos detalhes dos processos naturais. Isso é ainda mais evidente em Mateus 10.29-31: Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais.

Deus não somente alimenta os pássaros e vestes os lírios, como também decide quando cada pássaro (os incontáveis milhões deles, todos os anos) morre e cai no chão. O argumento de Jesus é o mesmo afirmado em Mateus 6: “Ele é o Pai de vocês. Para ele, vocês são mais preciosos do que pássaros. Portanto, não precisam ficar com medo”. Esse tipo de providência pervasiva, combinada com esse tipo de cuidado paternal, significa que Deus pode cuidar — e cuidará — de você. Portanto, busque, em primeiro lugar, o reino dele, com abandono radical, e não fique ansioso (Mt 6.33). 23


PROVIDÊNCIA

Carregado de grandeza Não era só Jesus que tinha essa visão de mundo centrada em Deus. Os salmistas cantaram ao Senhor sobre seu cuidado específico com as criaturas que ele mesmo fez: Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra (Sl 104.27-30).

O envolvimento de Deus na criação é pessoal — o tipo de proximidade que leva os escritores bíblicos a fazerem declarações como: “Faz brotar nos montes a erva” (Sl 147.8). “Deparou o Senhor com um grande peixe, para que tragasse a Jonas” (Jn 1.17). “[…] fez o Senhor Deus nascer uma planta” ( Jn 4.6). “Deus […] enviou um verme, o qual feriu a planta” ( Jn 4.7). Ele “faz subir as nuvens dos confins da terra, faz os relâmpagos para a chuva, faz sair o vento dos seus reservatórios” (Sl 135.7). Ele “repreendeu o vento e a fúria da água” (Lc 8.24). Isso não é poesia que se refere a processos naturais sem Deus; isso é a providência pessoal de Deus. Deus não quer que vejamos a nós mesmos ou qualquer parte de seu mundo como dentes nas engrenagens de um mecanismo impessoal. O mundo não é uma máquina que Deus fez para mover-se sozinha. É um quadro, uma escultura ou um drama. O Filho de Deus o sustenta pela palavra de seu poder (Cl 1.17; Hb 1.3). Gerard Manley Hopkins expressou isso de forma inesquecível em seu famoso soneto “Grandeza de Deus”: 24


Quatro convites

O mundo está carregado da grandeza de Deus. Vai chamejar — chispas em sacudidas folhas de metal; Vai expandir-se — óleo que imprensado escorre, tal e qual, E alaga. Por que o homem não teme o açoite dos céus? Gerações têm caminhado, quanto elas têm caminhado! Tudo tem manchas de homem, partilha cheiro de homem, O solo está desnudo, mas pés calçados não o sentem; Pelas lides, pelo tráfego, um mundo sujo e crestado; E, apesar disso tudo, a natureza nunca se esgota; Todas as coisas nela vivem num frescor renovado; Inda que no turvo ocaso sumam as últimas luzes, A manhã, na fímbria castanha do oriente, brota – Porque o Espírito Santo, sobre este mundo vergado, Vigia com peito cálido e oh! luzentes asas.3

Vendo o nascer do sol

Nunca deixarei de ser grato pelo fato de, nos meus dias de faculdade, Clyde Kilby ter sido um de meus professores de literatura. Certa vez, ele nos deu uma aula sobre o despertamento de admiração com a glória estranha das coisas comuns. E terminou a aula com dez resoluções para o que ele chamou de “saúde mental”.4 Eis duas de suas resoluções: 3 Gerard Manley Hopkins, “God’s Grandeur”, Poetry Foundation, acesso em 9 de ago. de 2020, www. poetryfoundation.org/poems/44395/gods-grandeur [tradução em português de Aíla de Oliveira Gomes, em Gerard Manley Hopkins: Poemas (São Paulo: Companhia das Letras, 1989)]. 4 Você pode ler todas no seguinte artigo: John Piper, “10 resoluções para a saúde mental”, Voltemos ao Evangelho, 2 de jan. 2010, www.voltemosaoevangelho.com/blog/2010/01/10-resolucoes-para-a-saude-mental/. Quando Kilby fala de “saúde mental”, está falando de maneira geral, e não clínica. Ele não tem em vista as enfermidades mentais que podem ser clinicamente diagnosticadas.

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PROVIDÊNCIA

Abrirei meus olhos e ouvidos. Uma vez por dia, simplesmente contemplarei uma árvore, uma flor, uma nuvem ou uma pessoa. E não me preocuparei, de maneira alguma, em perguntar o que são; apenas me alegrarei com o fato de que são. E lhes atribuirei, com alegria, o mistério do que C. S. Lewis chama sua existência “divina, mágica, aterrorizante e extasiante”. Ainda que eu esteja errado, apostarei minha vida na admissão de que este mundo não é idiota, nem administrado por um senhorio ausente. Ao contrário, admitirei que hoje, neste dia, alguma pincelada está sendo acrescentada à pintura cósmica que, em seu devido tempo, entenderei com alegria como uma pincelada feita pelo Arquiteto que se chama Alfa e Ômega.

Pela influência do professor Kilby, que me abriu os olhos, e pelo que vejo agora na Bíblia como providência que abrange e permeia tudo, vivo de forma mais consciente num mundo exultante de Deus. Vejo a realidade de uma forma diferente. Por exemplo, eu costumava olhar para o nascer do sol, quando fazia caminhada, e pensava que Deus havia criado um mundo lindo. Depois, isso se tornou menos genérico e mais específico, mais pessoal. Eu dizia: “Todas as manhãs, Deus pinta um nascer do sol diferente”. Ele nunca se cansa de fazê-lo, de novo e de novo. Mas, então, fui impactado. Ele não o faz de novo e de novo. Deus nunca para de fazer isso. O sol está sempre se levantando em algum lugar do mundo. Deus guia o sol 24 horas por dia e pinta auroras a cada instante, século após século, sem um segundo sequer de intervalo. E nunca se sente cansado ou fica menos satisfeito com a obra de suas mãos. Até mesmo quando as nuvens impedem o homem de ver o sol, Deus está pintando auroras espetaculares acima das nuvens. 26


Quatro convites

Deus não tenciona que olhemos para o mundo que ele criou e não sintamos nada. Quando o salmista diz: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 19.1), sua intenção não é que isso seja apenas para o esclarecimento de nossa teologia. O salmista escreveu isso para a exultação de nossa alma. Sabemos isso porque ele diz logo em seguida: Aí [no céu], pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho (vv. 4-5).

Por que ele disse isso? Quando olhamos para a obra de Deus na criação, devemos ser atraídos a uma alegria semelhante à de aposentos nupciais e ao gozo de um Eric Liddell correndo com a cabeça curvada para trás, os cotovelos balançando e um largo sorriso no filme Carruagens de fogo, deleitando-se no próprio prazer de Deus. Estou convidando-o a entrar em um mundo no qual Deus é o centro. Não, não somos ignorantes das misérias que todo nascer do sol traz. Talvez você fique chocado com as implicações da pervasiva providência de Deus no sofrimento e na morte deste mundo. O Senhor dá e o Senhor toma (Jó 1.21). E o sol exultante nasce sobre 150 mil novos cadáveres a cada manhã. É assim que muitas pessoas morrem todos os dias. Num mundo que tem essa beleza fascinante de Deus e esse horror governado por Deus, o mandamento bíblico de nos alegrarmos com os que se alegram e de chorarmos com os que choram (Rm 12.15) significa que estaremos continuamente “entristecidos, mas sempre alegres” (2Co 6.10). 27


PROVIDÊNCIA

CONHECER DEUS

Em quarto e último lugar, convido-o a conhecer, talvez como você nunca conheceu, o Deus cujo envolvimento na vida de seus filhos e no mundo é tão pervasiva, tão envolvente e, por isso, tão poderoso que nada pode acontecer com eles além do que Deus planeja para a glorificação deles em Cristo e para sua glorificação neles (2Ts 1.12). A morte do Filho de Deus comprou um povo para Deus, de todas as tribos, línguas e nações (Ap 5.9). A transação entre o Pai e o Filho, na morte de Cristo, foi tão poderosa que garantiu completamente, por todo o tempo e por toda a eternidade, tudo que é necessário para trazer a noiva de Cristo, em segurança e com grande beleza, ao gozo eterno. Romanos 8.32 talvez seja o versículo mais importante na Bíblia, porque estabelece a inabalável conexão entre o maior evento do universo e o maior futuro imaginável: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?”. De fato, ele nos dará! Todas as coisas. Todas as coisas! Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus (1Co 3.21-23).

Tudo é nosso. Porque o Pai não poupou o Filho. Quando Cristo morreu, tudo — absolutamente tudo — que seu povo necessitava para viver neste mundo em santidade e amor foi invencivelmente garantido. Deus, o Pai, predestinou isso — tudo que precisamos — e o 28


Quatro convites

prometeu a nós (Ez 36.27; Rm 8.29). Deus, o Filho, comprou isso para nós (Tt 2.14). Deus, o Espírito, o realiza em nós (Gl 3.5; Hb 13.21). Nada pode separar-nos do amor de Deus em Cristo (Rm 8.35-39). Gostaria de ajudar o maior número de pessoas possível a conhecer o Deus de providência todo-pervasiva, todo-envolvente e invencível. A palavra de Deus é espetacularmente repleta de conhecimento sobre o objetivo supremo de Deus. Do início ao fim, ela ressoa as riquezas da graça de Deus em relação ao seu povo indigno. Página após página, a Bíblia nos conta a maravilhosa história da natureza e da extensão da providência de Deus. Nada pode impedi-lo de ser bem-sucedido exatamente quando e como ele almeja ser bem-sucedido. Eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade (Is 46.9-10). OBJETIVO, NATUREZA, EXTENSÃO

O livro está dividido em três partes. A Parte 1 define providência e, em seguida, explica a dificuldade, ou seja, a autoexaltação envolvida no alvo de Deus de manifestar sua própria glória. A Parte 2 se concentra no objetivo supremo da providência. A Parte 3 se volta à natureza e à extensão da providência. Escolhi essa ordem (objetivo antes de natureza e extensão) porque acho que entendemos mais claramente o que uma pessoa está fazendo quando sabemos a finalidade que ela está buscando. Se eu sei que seu objetivo é construir uma casa em Minnesota, 29


PROVIDÊNCIA

entenderei o que você está fazendo quando cavar um grande buraco no solo. Porões são importantes nesse clima. Do contrário, sem conhecer seu alvo, não saberei o que o buraco no solo significa. A natureza e a extensão do buraco são explicadas pelo objetivo. Refiro-me ao objetivo supremo da providência porque Deus está sempre fazendo dez mil coisas em cada ato da providência. (Isso é uma estimativa baixa.) Cada uma dessas dez mil coisas é intencional. Isso significa que Deus tem milhões e milhões de alvos a cada hora. E realiza todos eles. Não conhecemos a maioria deles. (Isso também é uma estimativa baixa.) Portanto, a Parte 2 deste livro não é uma tentativa de conhecermos todos esses objetivos. Isso é impossível. O que quero saber é em que direção tudo está indo. Qual é o alvo que guia todas as coisas? Assim, tornamo-nos capazes de compreender mais plenamente a natureza e a extensão da providência divina. Ao falar em extensão, quero dizer: quanto e quão completamente Deus controla as coisas, incluindo os seres humanos? Ao falar em natureza, quero dizer, por exemplo: quais são os meios que Deus usa para controlar as coisas? Controlar é a palavra certa? Essa não é minha palavra usual para descrever providência. Não porque o termo seja falso, mas porque tende a carregar a conotação de processos mecânicos e estratégias coercitivas. Eu a usarei. Mas espero mostrar constantemente por que essa conotação não se vincula à providência de Deus. A providência abrange tudo e permeia tudo, mas, quando Deus muda a vontade humana, há um mistério que faz a pessoa experimentar o mudar de Deus como uma preferência dela própria — um ato autêntico e responsável da vontade humana. Deus é soberano sobre as preferências do homem. O homem é responsável por suas preferências. 30


Quatro convites

A mão oculta de Deus em mudar todas as coisas e seus mandamentos revelados que exigem obediência completa estão em perfeita sintonia na mente de Deus, mas não em nossa experiência visível. Somos obrigados a seguir os preceitos revelados de Deus, e não seus propósitos secretos.5 Veremos que essa é a natureza da providência.

5 Aqui, adaptei as palavras de John Owen: “A santidade de nossas ações consiste em conformidade com os preceitos de Deus, e não com seus propósitos”. John Owen, The Works of John Owen, vol. 10, ed. William H. Goold (Edinburgh: T&T Clark, n.d.), 48.

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PARTE 1

UMA DEFINIÇÃO E UMA DIFICULDADE



CAPÍTULO 1

O QUE É A PROVIDÊNCIA DIVINA?

A razão pela qual este livro é a respeito da providência de Deus, e não da soberania de Deus, é que a palavra soberania não contém a ideia de ação intencional, mas a palavra providência, sim. Soberania enfatiza o direito e o poder que Deus tem para fazer tudo o que quer, mas, em si mesma, não expressa propósito ou objetivo. Sem dúvida, a soberania de Deus é intencional, tem propósito e busca um objetivo. No entanto, sabemos isso não simplesmente porque Deus é soberano, mas também porque é sábio e porque a Bíblia o retrata como tendo propósitos em tudo que faz. “O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). O foco deste livro está na soberania de Deus considerada não simplesmente como poderosa, mas também como intencional. Historicamente, o termo providência tem sido usado como uma forma abreviada de referência a esse foco mais específico. OS ELEMENTOS DE FORMAÇÃO DA PALAVRA PROVIDÊNCIA

Por que escolhi a palavra providência para expressar esse ensino bíblico? Em relação a Deus, o termo não ocorre na maior parte das Bíblias.


PROVIDÊNCIA

É difícil estarmos certos da história de uma palavra e por que ela chegou a ter o presente significado. Eis a minha sugestão. A palavra providência tem origem nos termos em latim pro (“adiante”, “em favor de”) e vide (“ver”). Assim, você chegaria aos significados “ver adiante” ou “prever”. Mas não. Significa “suprir o que é necessário”, “dar sustento ou apoio”. Portanto, em referência a Deus, o substantivo providência chegou a significar “o ato de prover intencionalmente o necessário, sustentar ou governar o mundo”. Por que isso acontece? Existem duas razões interessantes. Uma baseada na própria etimologia e a outra baseada numa história bíblica. DEUS “CUIDA PARA QUE ACONTEÇA”

Em língua inglesa, temos uma expressão idiomática que diz “I’ll see to it”. Como todas as expressões idiomáticas, essa significa mais do que as palavras tomadas individualmente parecem significar. “I’ll see to it” significa, em inglês, “Eu cuidarei disso”. Eu proverei as coisas necessárias para isso. Eu cuidarei (ou garantirei) que isso aconteça. Então, talvez a colocação do latim vide (“ver”) ao lado do latim pro (“para”, “em direção a”), resultando no termo provide, em língua inglesa, tenha produzido “ver para” e tenha chegado a significar mais do que “prever”, ou seja, tenha chegado a significar “ver isso”, no sentido de “cuidar disso” ou “cuidar para que isso aconteça”. Isso resumiria o que queremos dizer ao falar da providência de Deus: ele cuida para que as coisas aconteçam de certa maneira. PROVIDÊNCIA NO MONTE MORIÁ

Em seguida, e de forma mais interessante, há a história bíblica de Abraão oferecendo seu filho Isaque. Antes de subirem ao monte Moriá, 36


O que é a providência divina?

Isaque disse a seu pai: “Onde está o cordeiro para o holocausto?” (Gn 22.7). Abraão respondeu: “Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para o holocausto” (22.8). E, quando Deus mostrou a Abraão um carneiro preso nos arbustos, “pôs Abraão por nome àquele lugar — O Senhor proverá” (22.14). O que impressiona é que, sempre que a palavra prover ocorre em Gênesis 22, a palavra hebraica é simplesmente “ver”. Abraão, de uma forma bem simples, disse a Isaque: “Deus verá para si mesmo o cordeiro” (22:8 ‫)יׅ ְראֶה־לּ הַ שֶּׂ ה‬. De modo semelhante, no versículo 14: “O Senhor Proverá [O Senhor verá ‫]יׅ ְראֶה ְיהָוה‬. Daí dizer-se até os dias de hoje: “No monte do Senhor se proverá” [será visto ‫”]בּהַ ת ְיהָוה יׅ ְראֶה‬. ְ No que diz respeito à doutrina da providência, a pergunta é esta: por que o ver de Deus em Gênesis 22 refere-se realmente a seu prover — à sua providência? Minha sugestão de resposta é que, na mente de Moisés e de outros autores da Escritura, Deus não se limita a ver como um espectador passivo. Como Deus, ele nunca é simplesmente um observador. Ele não é um observador passivo do mundo, nem um profetizador passivo do futuro. Para onde quer que Deus esteja olhando, ele está agindo. Em outras palavras, há uma profunda razão teológica para a providência de Deus não significar apenas seu ver, mas, em vez disso, seu agir. Quando Deus vê algo, ele faz isso. Evidentemente, quando Moisés escreveu Gênesis 22, o engajamento intencional de Deus com Abraão era tão óbvio que Moisés pôde apenas referir-se ao perfeito ver de Deus como subentendendo o fazer intencional de Deus. Seu ver foi seu fazer. Sua percepção subentendia sua provisão — sua providência. 37


PROVIDÊNCIA

O DILEMA EM ESCREVER UM LIVRO COMO ESTE

Estas são minhas sugestões a respeito de como a palavra providência chegou a significar “o ato de Deus prover o necessário ou sustentar e governar o mundo. Sem dúvida, é menos importante saber se estou certo a respeito disso. No que diz respeito a palavras, o importante não é sabermos de onde vêm ou como adquiriram determinado significado. O importante é que compreendamos verdadeiramente o que um escritor ou um falante tenciona comunicar com elas. Então, tem início a tarefa real: o que um autor tenciona comunicar com palavras se conforma à realidade? A concepção de providência que um autor descreve é verdadeira? Ou, no caso deste livro, visto que adoto a Bíblia como o fundamento da verdade: conseguimos compreender verdadeiramente o que a Bíblia ensina a respeito da providência de Deus? Portanto, ao esclarecer mais especificamente o que pretendo dizer com providência de Deus, devo ser claro em dizer que me encontro em uma espécie de dilema. Por um lado, devo, em primeiro lugar, apresentar minha evidência a partir da Bíblia, a fim de apoiar meu entendimento da providência de Deus. Por outro lado, tenho de usar a palavra providência quando exponho essa evidência, e a palavra deve ter um significado claro para meus leitores — significado que só pode vir dessa evidência. Não posso lhe atribuir um sentido claro do que estou querendo dizer com providência se antes não lhe dou a evidência disso; de outro modo, posso usar, de forma ambígua, a palavra providência em todo o livro e esperar por uma concepção clara até o final do livro. Não gosto de ambiguidade. Acho que é fonte de muita confusão e de muito erro. Por isso, escolho a primeira opção. Aqui no começo, vou lhe dar uma concepção tão clara quanto posso lhe dar sobre o que 38


O que é a providência divina?

pretendo dizer com a palavra providência, reconhecendo que essa definição se baseia em evidência ainda não provada. Depois, você pode entender o restante do livro como apoio, explicação, aplicação e celebração bíblica dessa concepção de providência. Meu objetivo, neste livro, não é desenvolver um novo significado de providência que a igreja não tenha adotado em suas confissões históricas de fé. Em vez disso, tenciono reunir das Escrituras alguns velhos gravetos de verdade, amontoá-los de forma visível e pôr fogo neles. Faço isso não por querer consumi-los, mas porque desejo liberar suas propriedades incendiárias, com vistas a intensificar a adoração, solidificar a convicção hesitante, fortalecer a fé assolada, enrijecer a coragem jubilosa e avançar na missão de Deus no mundo. ALGUNS ANTIGOS E BONS PONTOS DE VISTA SOBRE A PROVIDÊNCIA

Vamos retornar alguns séculos para encontrarmos algumas definições de providência com que me sinto muito feliz, porque acho que elas expressam a verdade bíblica. Catecismo de Heidelberg (1563) Questão 27: O que é a providência de Deus? Resposta: É o poder onipotente e onipresente de Deus, pelo qual, como que por sua mão, ele sustenta o céu e a terra, com todas as criaturas, e os governa de tal modo que ervas e plantas, chuva e seca, anos frutíferos e estéreis, comida e bebida, saúde e doença, riqueza e pobreza, todas as coisas não nos vêm por acaso, mas de sua mão paternal. 39


PROVIDÊNCIA

Em quase todas as confissões, a providência divina significa um “poder onipotente e onipresente de Deus”. Esse poder “sustenta” e “governa” todas as coisas. Mas o que confere a essa definição sua inclinação em direção à providência (e não apenas à soberania) é a expressão “de sua mão paternal”. Isso tem grandes implicações quanto ao desígnio do governo de Deus sobre todas as coisas. Significa que todas as coisas no universo são governadas tendo em vista o bem dos filhos de Deus! Mas nós temos de esperar para ver isso mais plenamente. A Confissão Belga (1561) Artigo 13. A doutrina da providência de Deus Cremos que este bom Deus, depois de haver criado todas as coisas, não as abandonou ao destino ou ao acaso, mas, segundo a sua santa vontade, ele as dirige e governa de tal modo que neste mundo nada acontece sem o arranjo ordeiro de Deus.

Outra vez, Deus “dirige e governa” todas as coisas, de modo que nada é deixado ao “destino ou ao acaso”. E, outra vez, o que a doutrina sobre a providência enfatiza não é apenas soberania, mas o fato de que “nada acontece sem o arranjo ordeiro de Deus”. É claro que isso exige uma explicação da palavra ordeiro. Ordem sugere desígnio e propósito. Ordem com que finalidade? Isso é o que destacaremos na Parte 2 deste livro. Catecismo Maior de Westminster (1648) Questão 18. Quais são as obras da providência? 40


O que é a providência divina?

Resposta: As obras da providência de Deus são a sua mais santa, mais sábia e mais poderosa preservação e governo de todas as suas criaturas, ordenando-as e todas as ações delas para a sua glória.

A providência de Deus não somente “preserva” e sustenta a existência de “todas as suas criaturas”, como também “[ordena] todas as ações delas”. O propósito de toda essa preservação e de todo esse ordenamento é mostrado com clareza: “para a sua glória”. Isso é soberania intencional, que chamamos providência. Confissão de Fé de Westminster (1646) Capítulo 5. Da providência 5.1. Deus, o grande Criador de todas as coisas, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, ações e coisas, desde a maior até à menor, por meio de sua providência sábia e santa, de acordo com sua presciência infalível e o soberano e imutável conselho de sua própria vontade, para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia.

Essa é a definição mais completa que vimos até agora. Deus sustenta, dirige, dispõe e governa “todas as criaturas, ações e coisas”. Isso é soberania pervasiva. Depois, vêm as cores providenciais: soberania governada por sabedoria e santidade — e tudo “para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia”. Essa maneira de expressar o objetivo da providência de Deus será crucial, por ser fiel à Escritura. Alguns pontos de vista sobre a providência ressaltam tanto o alvo de Deus em manifestar misericórdia que 41


PROVIDÊNCIA

o restante de sua glória é obscurecido. Acredito que a resistência da Confissão de Westminster a essa redução é sábia e bíblica. O alvo da providência de Deus, diz a Confissão, é “o louvor” da glória de Deus — não somente um aspecto ou uma faceta de sua glória (como amor, graça ou misericórdia), mas toda ela: “a glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia”. QUAL É A DIFERENÇA ENTRE PROVIDÊNCIA E DESTINO?

Às vezes, essas afirmações fortes sobre Deus dirigir, dispor e governar todas as criaturas, ações e coisas conduzem à pergunta sobre como o ponto de vista bíblico a respeito da providência de Deus difere de destino. A ideia de destino tem uma longa história — desde a mitologia grega até a física moderna. O que incomoda as pessoas é, em geral, o fato de que destino e providência envolvem uma espécie de fixidez em relação ao futuro que parece tornar a vida sem significado. Eis a resposta de Charles Spurgeon (1834–1892) a essa preocupação. Em primeiro lugar, ele nos oferece sua surpreendente convicção sobre a abrangência minuciosa da providência divina. A citação que se segue é de um sermão sobre a providência baseado em Ezequiel 1.15-19: Creio que toda partícula de poeira que voa debaixo do sol não se move um milímetro a mais ou a menos do que Deus deseja; toda partícula de espuma que colide com o barco a vapor tem sua órbita, assim como o sol nos céus; toda palha que voa da mão do joeireiro é conduzida como as estrelas em seus percursos. O rastejar de um pulgão sobre o botão de uma rosa é tão fixo quanto a 42


O que é a providência divina?

marcha de uma pestilência devastadora; a queda […] das folhas de um álamo é tão ordenada quanto o rolar de uma avalanche.1

Isso é impressionante. Cada minúscula bolha que estoura na espuma no topo de uma lata de Coca-Cola recém-aberta. Cada grão de poeira flutuante que você só pode ver sob a luz do sol, logo pela manhã, ainda na cama de seu quarto. Cada ponta de cada haste de grãos que se estende pelas intermináveis planícies do Nebraska. Todos eles, com todos os seus mais leves movimentos, são governados especificamente por Deus. Spurgeon prevê a objeção e prossegue no mesmo sermão: Você dirá nesta manhã: Nosso pastor é fatalista. Seu pastor não é tal coisa. Alguns dirão: Ah! Ele acredita no destino. Ele não acredita no destino de maneira alguma. O que é o destino? O destino é isto: o que tem de ser será. Mas há uma diferença entre isso e a providência. A providência diz: o que Deus ordena será; mas a sabedoria de Deus nunca ordena algo sem um propósito. Tudo neste mundo está trabalhando para alguma grande finalidade. O destino não diz isso. O destino diz apenas que a coisa tem de ser; a providência, por sua vez, diz: Deus move as rodas adiante, e lá estão elas. Se alguma coisa daria errado, Deus a corrige. E, se há alguma coisa que quer se mover obtusamente, Deus coloca sua mão e a altera. Então, chega-se à mesma coisa; mas há uma diferença quanto ao objetivo. Entre destino e providência, há toda a diferença que existe entre um homem de olhos bons e um homem cego. O destino é cego; é a avalanche que soterra a vila 1 Charles Spurgeon, “God’s Providence”, sermão sobre Ezequiel 1.15-19, Bible Bulletin Board, acesso em 9 de abr. de 2020, www.biblebb.com/files/spurgeon/3114.htm.

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PROVIDÊNCIA

lá embaixo e destrói milhares de pessoas. A providência não é uma avalanche; é um rio ondulante, agitado, a princípio, como um riacho que desce dos lados da montanha, seguido por rios menores, até que chega ao oceano amplo do amor eterno, que trabalha para o bem da raça humana. A doutrina da providência não é: o que tem de ser será. Antes, a doutrina da providência é: aquilo que existe trabalha para o bem de nossa raça e, em especial, para o bem do povo eleito de Deus. As rodas estão cheias de olhos; não são rodas cegas.2

Espero que fique evidente no restante do livro, especialmente na Parte 2, que o propósito supremo de Deus em sua providência todo-pervasiva é tão intencional, tão sábio, tão santo, tão gracioso e tão exultante que a última coisa que alguém chamaria é de destino. PARA O GOZO SEMPRE CRESCENTE DE TODOS QUE AMAM A DEUS

Concordo com todas as descrições da providência de Deus que já vimos, a descrição das confissões de fé históricas e a de Spurgeon. Acho que são coerentes entre si e fiéis à Escritura. Isso é o que quero dizer com a palavra providência neste livro. Mas talvez seja proveitoso fazer mais uma citação para esclarecer meu próprio ponto de vista. Durante os meus trinta e três anos como pastor da Bethlehem Baptist Church, os presbíteros elaboraram cuidadosamente um documento denominado Declaração de Fé dos Presbíteros da Bethlehem Baptist Church. Como participei desse processo, a afirmação sobre a 2 Ibidem.

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O que é a providência divina?

providência de Deus expressa uma ênfase que desdobrarei neste livro. Eis as citações essenciais sobre a providência: 3.1. Cremos que, desde toda a eternidade, Deus ordenou e conheceu de antemão, livre e imutavelmente, pelo mui sábio e santo conselho de sua vontade, tudo que acontece, a fim de manifestar a plena extensão de sua glória para a alegria eterna e sempre crescente de todos os que o amam. 3.2. Cremos que Deus sustenta e governa todas as coisas — de galáxias a partículas subatômicas, de forças da natureza aos movimentos das nações, dos planos públicos de políticos aos atos secretos de pessoas solitárias —, tudo de acordo com seus propósitos eternos e sábios de glorificar a si mesmo, mas de maneira tal que ele nunca peca, nem mesmo condena uma pessoa injustamente; mas cremos que esse ordenar e esse governar todas as coisas são compatíveis com a responsabilidade moral de todas as pessoas criadas à imagem de Deus.3

Essa afirmação de que Deus manifesta sua glória “para o gozo eterno e sempre crescente de todos os que o amam” está implícita, creio, nos credos históricos, como, por exemplo, quando o Catecismo de Westminster diz que o fim principal do homem é “glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.4 Mas considero esse objetivo do gozo de Deus e sua relação com a glorificação de Deus tão cruciais ao propósito de 3 “Elder Affirmation of Faith”, Bethlehem Baptist Church, 18 de out. de 2015, www.bethlehem.church/ elder-affirmation-of-faith/. 4 Quanto à defesa exegética dessa ideia de gozo sempre crescente, veja a discussão sobre Efésios 2.7 no Capítulo 14.

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PROVIDÊNCIA

Deus na providência que as torno explícitas e proeminentes. Espero que, na Parte 2, fique claro que isso não é apenas o que eu faço. É o que a Escritura faz. Antes de seguir para a tarefa da Parte 2 e para a questão do objetivo de Deus na providência, será proveitoso lidar com o que muitos veem como uma pedra de tropeço, ou seja, a autoexaltação envolvida no objetivo de Deus em manifestar sua própria glória. Isso é que examinaremos no Capítulo 2.

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Todo mundo quer ser feliz. O site do ministério Desiring God nasceu e foi construído para a felicidade. Queremos que as pessoas em todos os lugares entendam e abracem a verdade de que Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nele. Reunimos mais de trinta anos de mensagens e textos de John Piper, incluindo traduções em mais de quarenta idiomas. Também fornecemos um fluxo diário de novos recursos em texto, áudio e vídeo para ajudá-lo a encontrar verdade, propósito e satisfação que nunca terminam. E tudo isso está disponível gratuitamente, graças à generosidade das pessoas que foram abençoadas pelo ministério. Se você quer mais recursos para a verdadeira felicidade, ou se quer aprender mais sobre nosso trabalho, nós o convidamos a nos visitar:

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